Adeus, família

Por Sirius Black

A única coisa que se ouvia durante o jantar era o barulho dos talheres de prata. Fazia muito tempo que as coisas estavam assim naquela casa... Meus pais cochichavam pelos cantos, eu preferia ficar sozinho, Regulus abaixava a cabeça e fingia que nada estava acontecendo e tudo vivia em perfeita harmonia.

Às vezes, é claro, nós discutíamos. Eu nunca fui de ficar quieto, jamais, e o que mais me irritava era quando eles vinham com aqueles discursos infames de supremacia puro-sangue. Uma coisa era receber insultos de meu pai, eu não me importava com o que ele pensava de mim, mas ouvir minha mãe comentar sobre nascidos trouxas com nojo era algo que eu não suportava. E era então que meu pai sacava a varinha e me enchia de ameaças por eu ter gritado com a minha mãe, e esta me encarava com talvez um mínimo de sentimentalismo, mas nunca contestando o meu pai.

Foi-se o tempo em que nós viajávamos juntos, dividindo alegrias e sorrisos sinceros, o tempo em que as maiores preocupações eram fazer Regulus comer direito e eu não dar trabalho para as minhas primas, enquanto os adultos conversavam sobre assuntos que não nos interessavam nem um pouco.

A verdade é que a família Black nunca foi a mesma depois que eu entrei para a Grifinória, mas, apesar de todas as diferenças, nós ainda éramos uma família e, como tal, havia algo que nos unia, que nos impedia de dizer e fazer tudo o que gostaríamos, que mantinha algum resquício de respeito e compaixão. Mas eu estava prestes a quebrar aquilo.

Enquanto eu encarava meu último pedaço de batata, eu pensava nas minhas malas, prontas para irem para a casa dos Potter, prontas para me tirar daquele inferno que um dia eu chamei de lar. No entanto, eu ainda tinha um trabalho a fazer. Eu tinha prometido a Tiago que conversaria com os meus pais, que lhes daria uma explicação, ou algo do tipo, e até aquele momento eles sequer sabiam que o filho mais velho estava de malas prontas.

Não sei o que eles diriam, talvez ficassem aliviados por não me terem mais por perto, ou talvez ainda existisse alguma parte dentro deles que me considerava como filho. Apesar de que o 'considerar como filho' seria equivalente ao 'ter esperanças de que eu fique como Regulus', o que também não era bom. Será que eles fechariam a cara e ficariam quietos ou será que inventariam um teatro sentimentalista de que eu deveria ficar? Sabe, eu pensava seriamente em deixar uma carta e sair de fininho no meio da noite...

Apesar de tudo, havia alguma parte de mim que queria dar um último abraço em minha mãe, olhar nos olhos de meu pai e dizer a Regulus que não tivesse medo de seguir o seu próprio caminho, pois era exatamente aquilo que eu estava fazendo. Uma parte de mim que eu me esforçava ao máximo para não deixar transparecer, mas que, lá no fundo, existia, e, mais do que isso, uma parte que gostaria que as coisas tivessem sido diferentes, que gostaria de poder fazer o que eu acho certo sem ter que bater de frente com a minha família.


N/A: Fiquei com vontade de escrever isso depois de ouvir No surprise, do Daughtry (composição conjunta com o Chad Kroeger, do Nickelback). Se não conhecerem, ouçam, vale a pena ;D