oooOOoooOOooo

O sol golpeava forte a janela e atingia direto os olhos. Piscou um par de vezes, tentando dissipar o brilho, mas este não se foi. É claro que num primeiro momento pensou que era a vida após a morte, o que o encheu de surpresa e uma esperança incomum, porém um segundo mais tarde, ao tentar se mover, cada célula do seu corpo explodiu de dor. Oh, não. Não era vida após a morte, era somente o sol da janela. Que inapropriado. Tudo que ele queria era morrer e descansar em paz, nem mesmo pensar em vida após a morte, mas simplesmente desaparecer, tornar-se nada, não sentir... mas, o que o esperava era uma vida ainda mais miserável do já tinha, perdido na dor mais devastadora que já tinha sentido em sua vida, além disso o sol zombava da cara dele!

Escutou umas vozes familiares falando com ele com uma mistura de repulsa e compaixão. Estava acostumado a repulsa, mas compaixão era algo novo para ele. Porém, não ouviu muito.

- E se ao fim fosse capaz de reparar as vértebras, mas não sei será poderá caminhar...pobre homem, às vezes me pergunto não teria sido melhor que...

- Papoula, feche as cortinas, ele está acordando!

Pelo menos Minerva havia percebido que o sol fazia mal aos olhos dele. Logo a sala estava bem escura para que Severus pudesse abrir os olhos. As duas mulheres apareceram no seu campo de visão com a testa franzida em um gesto de preocupação.

- Severus? Está nos escutando?

- Não se mova professor, não seria prudente.

Severus revirou os olhos. Mexer-se? Com essa dor horrenda em seu pescoço? Tentou fazer um comentário sarcástico a respeito, mas ao abrir a boca e projetar sua voz só teve um rosnado baixo e uma sensação de queimação na garganta. Merlin, maldita sede, e não podia sequer pedir um copo de água!

- Oh, sinto muito professor, mas ainda não conseguimos sarar toda a ferida. As lágrimas da fênix fizeram a maior parte do trabalho, porém sua ferida foi... chegamos a pensar que talvez nem as lágrimas poderiam... mesmo que tenha funcionado parcialmente, estamos muito gratos. – explicou Madame Pomfrey enquanto dava suaves golpes nas costas da mão dele – Mas, estamos fazendo todo o possível.

- Eu suponho que queira saber o que está fazendo em Hogwarts em vez de estar em St. Mungus, sim? - acrescentou Minerva – Pensamos em movê-lo, mas seu estado não permitia tirá-lo de onde estava então os medibruxos do St. Mungus vieram aqui todos os dias vê-lo.

"Todos os dias?", pensou Severus. "Nossa, de repente me tornei alguém importante".

- Está preocupado com o resultado da batalha. Ganhamos, Severus.

Snape virou os olhos. Não era óbvio que tinham ganhado? Não estaria na enfermaria de Hogwarts falando Minerva McGonagall se não fosse isso. Ela pegou as mãos dele enquanto seus olhos se umedeciam e continuou:

– Muitos morreram: Lupin, Tonks, Fred Weasley, porém, Harry sobreviveu. Os três sobreviveram razoavelmente incólumes. O restante de nós está tentando reconstruir o que perdemos.

"E eu não tive o bom gosto de morrer, certo? Ah, com certeza agora o Ministério irá fazer o resto da minha vida um pesadelo. Cretinos."

- Kingsley e as crianças estão preparando sua defesa, ajudados pelas lembranças e evidências que Albus preparou para você caso sobrevivesse a guerra. De todo modo, o Ministério não quer que se apresente até que esteja totalmente recuperado. Acreditamos então que já teremos provado sua inocência. Não tem com que se preocupar. Nós cuidaremos de tudo.

- Os medibruxos de St. Mungus vem mais tarde para buscá-lo e levá-lo...

"NÃO!" Tentou gritar, mas apenas saiu um rosnado rouco da garganta de Severus. Ele não ia mesmo para St. Mungus onde qualquer pessoa poderia por as mãos sobre ele. A maioria ainda acreditava que ele era um Comensal, não era improvável que alguém quisesse ajustar contas com ele... porque mesmo estando do lado do bem, ele teve que fazer umas coisas feias para mascarar sua identidade... não St. Mungus não era uma opção.

Minerva e Madame Pomfrey olharam-se. Mesmo Severus não podendo falar, estava bastante claro que não queria ir para St. Mungus.

-Bem... - concedeu Papoula – Já que passou a pior parte da recuperação aqui, não vejo por que não podemos cuidar dele agora...

Severus fechou os olhos num gesto de alívio. Moveu a mão até seu pescoço. Sentia-se tão fraco que parecia que seus ossos eram feitos de algodão e seus músculos gritavam de dor. Ainda assim chegou até seu pescoço, onde encontrou duas ataduras de um tamanho digno de Hagrid.

- Não toque na ferida! - bradou Papoula – Não conseguimos fechá-la por completo, fará sangrar outra vez.

Ela pôs um frasco nos lábios dele e o obrigou a beber a poção. O mundo voltou a ser negro de novo. Abençoado, bendito nada.

Quando voltou a despertar o sol já tinha se escondido há muito tempo, o que causou uma sensação de alívio. Mas, não durou muito, pois percebeu que agora havia três pessoas ao redor da sua cama. As três pessoas que não queria ver. Como um tijolo na cabeça, a lembrança de seu último momento consciente depois da mordida de Nagini o acertou. Acreditando que havia chegado sua hora, deu suas recordações a Potter. O amor que sentia por Lily, sua promessa seu sacrifício. E ele agora estava diante dele e Severus pensou que ia morrer de humilhação. Porém, ao ver seus olhos verdes pensou "Eu consegui Lily, cuidei de seu filho."

Ao ver que Severus abria os olhos, os três se aproximaram mais de sua cama.

- Professor. – Cumprimentou Harry com uma reverência. - Ouvimos que tinha recuperado a consciência e viemos … saudá-lo.

Severus revirou os olhos. Potter, sempre tão eloqüente. Ah, agora ele sabia a verdade era mais provável que o rondasse a todas as horas para mostrar-lhe 'agradecimento', quando o que realmente queria era que o deixasse em paz. Mas, não podia falar, que frustrante.

A jovem Granger falou. Tinha uns ramos de rosas vermelhas nas mãos.

- Voltamos para terminar nossos estudos. Há um programa especial para nós, os do sétimo ano, para que possamos fazer nossos NIEM's e nos formarmos sem ter que ficar o ano todo outra vez. Dessa forma estaremos perto por um tempo. Trouxemos isto.

Aproximando-se do criado mudo pegou um copo, o transformou num vaso, lançou um rápido Aguamenti para enchê-lo de água e pôr as flores ali.

- Queríamos trazer alguns doces também, mas... - Rony tentou dizer algo para não ficar calado, mas teria feito melhor em se calar, porém não percebeu até que viu três pares de olhos mirando o céu.

- Professor. - Potter deu as costas para seus amigos e se acercou do ouvido de Severus para falar-lhe num sussurro. - Sei que o senhor não deseja escutar isso, mas ainda assim devo fazê-lo. Não temas, não repetirei. Agradeço de todo coração o que fez por mim e pelas lembranças de minha mãe. Sei que ela deve estar agradecida por causa do que fez, esteja onde estiver. Minha dívida é tão grande que não acredito que um dia possa pagá-la. Ainda assim, tentarei retribuir o que fez por mim da forma que puder, durante o resto da minha vida. Sei que não sou agradável e não deseja que eu esteja próximo, eu não vou oprimi-lo com a minha presença mais do que o necessário. Mas, estarei perto. Para o que você precisar de mim.

Severus se sentiu aturdido por um momento. Ainda estava sensível pelas emoções do fim da guerra e seu confronto com a própria mortalidade e não estava preparado ainda para receber reconhecimento pelo que havia feito. Estava com medo que seus olhos enchessem de lágrimas, então fechou-os deixando os jovens pensarem que estava cansado e queria dormir.

- Bem, crianças, é preciso deixar que o professor descanse. Vamos, fora. - Escutou a voz de Papoula e abriu os olhos. A enfermeira estava com uma tigela de sopa nas mãos e o aroma o inundou: não havia percebido como estava com fome até que sentiu o cheiro da comida.

Os jovens saíram e Papoula inclinou a cama com um golpe da varinha para que ele ficasse em uma posição mais cômoda para receber a sopa. Severus compreendeu que ela ia alimentá-lo como um bebê, humilhante, mas estava com tanta fome e fraco que aceitou. A primeira colherada da sopa foi como o maná do céu em sua boca. Jamais em sua vida tinha provado algo tão gostoso, ainda que se tratasse de um simples caldo de galinha quente. Papoula viu sua expressão e sorriu.

- Está bom, né? Os que se sentem melhor não pensam o mesmo. Mal agradecidos.

- Hum... Madame Pomfrey? - Hermione inclinou-se para dentro da enfermaria. - Pode vir por favor? Uma emergência. Houve um acidente na aula de Poções.

- Oh, querida! Vou agora. - Disse apertando o guardanapo de linho em suas mãos. – Sinto muito Severus, mais tarde virei para dar-lhe a sopa.

Severus não pode deixar de dar um gemido de angústia. Típico da sua sorte. Seu destino era ter que esperar por tudo, inclusive uma tigela de sopa quente quando estava a beira da inanição. E por culpa da estupidez de algum aluno!

Papoula saiu da enfermaria, deixando Hermione de pé na porta. Percebendo como os olhos do professor estavam fixos na tigela, aproximou-se devagar. Fez uma pausa, respirou, deu um enorme suspiro puxando coragem e determinação e pegou a tigela.

- Não direi a ninguém. - Disse e se sentou na borda da cama, de frente para ele. Aproximou a colher dos lábioS dele e para sua surpresa, o professor abriu a boca.

"É melhor manter sua promessa, menina", Severus pensou.

Colher após colher, Severus abriu a boca obedientemente e tomou sua sopa. Sua garganta machucada agradeceu o banho quente e seu estômago cantou de felicidade, saciando sua fome e sua sede ao mesmo tempo. Hermione estava assustada por ele ter aceitado a comida de sua mão. "Sim, devia estar faminto", pensou. Ao terminar a última colher, Hermione procurou o guardanapo, mas lembrou que Madame Pomfrey o segurava em sua mão antes de sair, puxou a manga de sua túnica negra do colégio e limpou os lábios do professor com ela, com delicadeza, enquanto ele fechava os olhos.

- Obrigada – ele disse com uma voz rouca e desajustada. A sopa conseguiu relaxar suas cordas vocais o suficiente para dizer uma palavra.

- Não é nada... - ela disse envergonhada, abaixando os olhos. Depois de tudo que ele havia feito por eles, por todos; o gesto de ajudá-lo a comer parecia tão pouca coisa.

Então Madame Pomfrey apareceu na porta.

- Oh, vejo que ajudou o professor! Muito obrigada, Hermione. Há tanto o que fazer aqui que às vezes não tenho tempo.

- Não foi nada... - repetiu envergonhada.

- Questiono-me...questiono-me se deseja ganhar pontos extras e ajudar-me com o professor...

Hermione ficou congelada ao ouvir a proposta. Ela supunha que o Professor Snape não queria vê-la mais do que a Rony e Harry, mas também não queria que ele se sentisse rejeitado. Além disso, havia considerado a ideia de estudar medibruxaria, porém não sabia se tinha vocação para isso. Talvez fosse uma boa forma de averiguar: se pudesse suportar um enfermo como Severus Snape, poderia suportar até o doente mais terrível.

Ela virou para fitar a expressão de seu professor. Viu sua cara de horror e quase pode ler seu pensamento, "Não te atreverias". "Não me atreveria? Pois veja.", ela pensou por sua vez.

- Terei que revisar meus horários, mas adoraria. - Respondeu com um sorriso.

oooOOoooOOooo

N/T: Oie!!! Ai que fofa né? Todos os créditos para June Magic que permitiu a tradução da fanfic "Raso Blanco, Seda Negra". Quando eu acho que não vou encontrar mais nenhuma fic que me encante sobre esses dois, que vou me curar dessa doença eis que encontro uma escrita tão fofa. Espero que vocês tenham gostado e até o próximo cap^^Sorry pelo erros.