Quebrado
Ato 1


Tema: Medo | Item: Vaso



O vaso caiu no chão.

Gina tentou abrir a porta, batendo o punho contra a madeira para forçar a abertura á-la aberta. Precisava de ar, precisava sair dali.

Desceu as escadas, tropeçou no carpete e bateu contra o móvel.

E o vaso caiu no chão, se quebrando sem dó nem piedade. A realidade caiu junto.

Gina escorregou pela parede, mãos no rosto e soluços incontroláveis escapando.

E se ele morrer? E se ele morrer, o que farei?

Era tudo o que conseguia repetir.


O vaso caiu no chão e Draco acordou. Estava escuro e a garganta dele, seca. Passou a mão nos olhos, tentando entender o que se passava. Sentiu o outro lado da cama e encontrou apenas lençóis frios.

A porta estava aberta.

Desceu as escadas devagar, deixando seus olhos se acostumarem com a escuridão.

Ela estava sentada no chão, joelhos apoiando o rosto e mãos abraçando suas pernas. Seus olhos estavam vermelhos.

Quando Draco parou alguns passos antes, ficaram separados apenas pelos pedaços do vaso e ela levantou o rosto.

- Desculpa. Quebrei seu vaso.

Fitou o suposto desastre com pouco interesse.

- Tenho dez desses em algum lugar.

Ela abriu um sorriso curto, fechando-o logo depois. Draco ignorou o perigo aos seus pés descalços e atravessou o mar de pequenos estilhaços de porcelana para se aproximar, depois se abaixou e colocou uma das mãos no joelho dela.

- Algum motivo em particular para assombrar a casa a essa hora? - questionou no tom mais carinhoso que conseguia no meio da madrugada.

Ela virou o rosto, fechando com força os olhos e limpando as lágrimas que ainda resistiam.

- Não é nada.

Por que estava surpreso com a resposta? Por que se deixava incomodar com a realidade? E, mais importante, por que insistia?

- Nada para contar ou nada que você queira me contar?

- Draco...

- Você quebrou um vaso meu, o mínimo que pode fazer é explicar o motivo.

- Foi um acidente.

- É melhor que tenha sido mesmo, quebrar minhas coisas de propósito é infantil.

- Não o vaso – ela insistiu, engolindo em seco antes de continuar, sua voz marcada pelas lágrimas que voltaram a cair. - Harry.

Prensou a mandíbula e fechou o punho. Eles tinham um acordo. Algumas palavras eram proibidas. Quatro, para ser exato. Enquanto estavam juntos, enquanto fingiam, era parte do acordo.

- Potter – murmurou, ódio fluindo sem controle.

- Draco... Não é o que você está pensando...

- Pra merda com isso – resmungou, levantando. - Não consigo olhar para você enquanto está neste estado por causa dele.

Decidido em ser cruel e mesquinho, pretendia voltar ao quarto, mas a fúria lhe tirou a cautela e Draco feriu um dos pés ao pisar num pedaço do vaso arruinado. Xingou e, cansado de repente, sentou-se ao lado dela. Competir com Potter só terminava em perdas e insultos. Draco nunca vencia.

- O que houve com ele? - disse, jogando a toalha e levantando a bandeira branca.

- Ele sofreu um acidente – Gina explicou, subitamente depois de um minuto de silêncio. Draco percebeu que ela tremia. A voz era hesitante também. - Sempre... Sempre achamos que tudo vai dar certo. Que ele vai voltar. Dessa vez... Dessa vez talvez ele não volte.

Não sabia o que dizer.

Mentira. Sabia exatamente o que queria dizer, mas não era o que ela queria ouvir.

- E... E se ele não voltar? - ela continuou, séria, mas por dentro quebrando em mil pedaços. - O que vou fazer?

Ele não conhecia Gina Weasley, era homem o bastante para admitir. O pouco tempo que passavam juntos não lhe deu nenhum conhecimento secreto e particular. Ela cheirava a Quadribol e rosas, roubava as cobertas e gostava de provocá-lo com o pé debaixo da mesa. E não conseguia pensar em mais nada.

Era algo que ambos apreciavam, a razão para aquela charada irônica: os substitutos não precisavam se conhecer, não sabiam suas falhas nem hábitos irritantes, podiam agir como bem queriam. Pois eram apenas isso: substitutos daqueles que tinham o outro anel no dedo.

Não havia expectativas. Se ela quisesse um ombro para chorar, sabia que tinha que voltar para o marido.

- Você vai seguir em frente. E com o tempo, vai parar de doer.

- E se eu não conseguir?

- St Mungos tem sempre uma vaga para viúvas loucas.

Ela sorriu outra vez, mas era claro que seus medos não haviam sido curados por uma piada mísera. Mas eram os medos dele que lhe preocupavam e estes não seriam afastados. Ela poderia receber uma carta dentro de horas garantindo uma recuperação incrível para Potter, com certeza fruto da escolha dela de voltar aos seus braços. Ele, no entanto, sabia que estavam tão quebrados quanto o vaso.

Pegou um pedaço do objeto, sentindo suas pontas afiadas com os dedos, num gesto fraco para lhe dar coragem. Sem querer cortou sua pele. Apertou outro dedo contra o corte, espalhando o sangue um pouco.

- Acabou, não é? – quebrou o silêncio, Gina virou para ele confusa, Draco engoliu em seco e continuou. – Nós.

Ao menos ela teve a gentileza de hesitar.

- Acho que sim – suspirou. – Eu posso perdê-lo, Draco. Precisa entender.

Soltou uma risada seca e amarga, jogando o pedaço de porcelana contra a parede à frente. Depois, recobrou a calma. Não fazia sentido protestar contra inevitável.

- Eu entendo – respondeu finalmente, percebendo o alívio no rosto dela. – Você vai se arrepender.

- Talvez. Mas vai ser melhor do que viver... Duas vidas.

Se não estivesse tão irritado, acharia aquela situação muito engraçada. Depois de tanto tempo temendo aquele exato momento, a cena se mostrou bem menos trágica e muito mais patética.

E daí que ela tinha mais medo de perder um Potter do que viver sem um Malfoy?

Gina Weasley-Potter, concluiu, era como aquele vaso. Bonito quando você o tinha, desnecessário quando o perdia.

Minutos depois ela limpou o rosto com a manga da camisola, levantou em silêncio e seguiu para o quarto. Draco ouviu seus passos enquanto fazia suas malas e retirava seus pertences.

Antes mesmo do sol raiar, ela já tinha desaparecido. Nenhum traço de sua presença permaneceu.

Exceto o vaso quebrado.

Fitou o chão cheio de porcelana e, depois de alguns segundos de hesitação, pegou sua varinha e o trouxe de volta a sua antiga forma, pedaço por pedaço. Sentiu uma pitada de satisfação em ver o vaso de volta ao lugar que pertencia.

Ao menos algumas coisas podiam ser coladas de volta.


Gina olhou para trás apenas uma vez. Segurava a mala na mão esquerda e a varinha na direita. Olhou para a casa de Draco e hesitou apenas uma vez.

Para recuperar Harry, precisava perder Draco. Algo que não queria; porém, no fim, o medo de perder Harry era maior. Como abandonar um sonho de anos por alguns momentos de fantasia? No momento que soube da possibilidade de perder Harry para sempre, seus olhos se abriram e pavor tomou conta.

Ela era fraca. Feita de porcelana e como o vaso, se quebrava fácil.

Mas por apenas aquele momento de hesitação ela desejou ser forte como aço, inquebrável como rocha. Desejou voltar atrás.

O momento passou. O vaso se quebrou outra vez. E Gina voltou para Harry.