Capítulo 1

FANTASMA E CAUBÓI

Acampar definitivamente tinha sido uma boa idéia. Não que eu precisasse de ar fresco ou contato com a natureza. Morando numa fazenda eu não tinha esse problema. Mas quando se mora numa casa com seis mulheres, é preciso se afastar um pouco para recuperar o juízo.

Vou dizer uma coisa: passar toda a vida ouvindo sobre roupas, sapatos, maquiagem, namorados e menstruação é para deixar qualquer homem louco.

Então uma vez ao ano eu tirava uma semana para acampar e ficar em paz com os meus pensamentos masculinos, sem nenhuma mulher no meu ouvido. Aqui, sozinho no meio da floresta, eu tinha apenas o meu livro sobre mitologia grega e um iPod com minhas músicas favoritas, que nunca conseguia escutar em casa.

Estava aqui há três dias e já me sentia renovado. Não tinha coisa melhor do que ficar em paz no meio de uma floresta à beira de um rio, com mais nada que meus próprios pensamentos e nenhum ruído ao não ser a música que tocava e os sons da floresta.

Ou quase isso.

- Até que enfim eu encontrei alguém – uma voz falou de repente, surgindo de alguma parte da escuridão noturna da floresta às minhas costas, me fazendo pular quase um metro com o susto – Ah, desculpe, não quis te assustar.

Levantei rápido, pegando o iPod que eu tinha derrubado, e encarei a intrusa que acabara com o meu momento de sossego. Mas foi só quando meus olhos pousaram nela, que agora estava bem perto, que eu percebi o porquê de não ter ouvido seus passos se aproximando pela mata seca. Ela era um fantasma.

Droga! Até aqui eles me perseguem.

- Sabe se esse rio tem cobra ou algum bicho com que eu deva me preocupar? – ela perguntou, apontando para o rio às minhas costas – Estou andando há mais de dois dias e estou louca por um banho.

Desde quando fantasmas tomam banho? Continuei encarando aquela garota, sem conseguir acreditar que ela estava mesmo morta. Esse mundo era muito injusto. Tirar a vida de uma jovem tão bonita assim era quase um pecado.

Seus olhos verdes brilhavam, parecendo tão vívidos, e seu rosto corado quase me fazia esquecer que ela era um fantasma. Apenas o leve brilho do seu corpo, ou melhor, do seu espírito, denunciava seu estado atual.

- Que foi? O gato comeu a sua língua? – ela perguntou, com um sorriso, quando eu continuei em silêncio.

- Er... o rio é bom para banho sim.

- Ah, obrigada.

E sem mais palavras ela começou a tirar a roupa que vestia, sem parecer notar que eu estava ali. Pensei em ficar de costas para lhe dar privacidade, mas mudei de idéia no último instante. Se ela queria privacidade, então que não tirasse a roupa na frente de um desconhecido. E ela estava morta, afinal de contas. Não deveria estar preocupada que eu ou alguém pudesse desrespeitá-la.

Fiquei observando-a enquanto ela tirava a blusa, as botas de caminhada, as meias e, por último, a calça jeans, ficando apenas com um conjunto de calcinha e sutiã verde.

- Gosta do que vê, caubói?

- Eu não sou caubói. – mas gostava sim do que via.

Seu corpo era lindo. Cheia de curvas, seios fartos, quadris arredondados, coxas grossas. Era a fantasma mais linda que eu já tinha visto.

- Vai entrar comigo ou vai ficar aí babando? – ela perguntou com um sorriso, andando em direção ao rio e me olhando por sobre o ombro enquanto tirava o sutiã e o jogava no chão. – Não vem, caubói? – ela gritou correndo para dentro d'água.

- Já disse que não sou caubói. – resmunguei indo até a peça esquecida e a coloquei junto com as outras.

Quando me virei para o rio novamente, uma pequena peça de tecido molhado me atingiu no rosto e eu a peguei antes que caísse no chão. Era a sua calcinha.

Isso só poderia ser uma praga do destino. Como assim eu teria que mediar o fantasma de uma garota linda e safada como aquela? E mais: uma fantasma que claramente estava se oferecendo para mim.

Era nessas horas que eu tinha vontade de ser um simples mediador e não um deslocador que podia tocar em fantasmas. Porque ter aquela pequena oferecida ali na minha frente, completamente nua, não fazia bem nenhum aos meus instintos primitivos de homem.

- Vem logo, caubói – ela gritou novamente, emergindo de um mergulho e fazendo sua pele brilhar ainda mais sob a pouca luz da lua que se infiltrava entre os galhos das árvores.

- Pare de me chamar de caubói.

- Me diga seu nome e eu paro.

- Jesse. – respondi a contragosto.

- Oi Jesse. Meu nome é Suzannah. Agora vem.

- Acho que eu passo essa.

- Se você não vier, eu vou aí te buscar.

Fiquei imaginando-a saindo da água, nua e molhada, e essa imagem fez meu sangue se concentrar rapidamente na região da minha virilha, e eu tive que conter um gemido.

- Você está nua, Suzannah – falei por entre os dentes. Esse tinha sido o comentário mais estúpido que eu poderia ter feito.

- Estou – ela falou, rindo ainda mais.

- Eu não vou entrar aí com você nua.

- Por que não? Tem medo de mulher? Você não parece gay.

- Eu não sou gay.

- E não vem por quê? A água está uma delícia.

- Eu sei. – e ainda mais com ela lá dentro.

- Você não vem mesmo?

- Não. – respondi depois de muito esforço.

- Tudo bem. Você não me deixa alternativa a não ser ir te buscar.

Ela não ia fazer mesmo isso, ia?

Ah, ela ia sim. Ou melhor, ela já estava fazendo. Seu andar lento e sensual enquanto ela saía do rio com a água escorrendo pelo corpo era muito melhor do que a minha imaginação.

Fiquei tão concentrado nos mínimos detalhes dela que até conseguia acompanhar as gotas que escorriam pelo seu pescoço, descendo pelos seus seios arrepiados pela água fria, seguindo pela sua barriga sequinha até o seu ventre e desaparecendo no meio das suas pernas...

- Nossa. Me senti seca agora – ela sussurrou com a voz levemente arfante, se aproximando mais – Já olhou o suficiente ou quer que eu dê uma voltinha?

Tudo bem. Se ela queria brincar, eu também poderia entrar no jogo.

Fiz um sinal com o dedo indicador pedindo para ela girar e ela assim o fez, sorrindo ainda mais.

O calor na minha virilha só fez aumentar ao ver seus cabelos molhados grudados nas suas costas e sua bunda redondinha e empinada. Queria tocar para ver se era tão durinha como aparentava.

Quando ela ficou de frente novamente, nossos olhares se encontraram e eu meio que me senti perdido naquele rosto meigo, naqueles olhos verdes, nos seus lábios carnudos e macios. De repente, me peguei imaginando como seria se eu a beijasse...

Um beijo? Por que eu estava pensando essas coisas? Eu nem mesmo me aproximaria dela o suficiente para pensar em beijá-la.

- Vai entrar comigo, Jesse? – ela perguntou, ainda com a voz baixa e entrecortada pela falta de ar que eu também sentia.

- Não. – respondi apenas, me chutando mentalmente por não controlar a minha voz que saíra extremamente rouca. Pigarreei para disfarçar, antes de falar novamente – Vista-se, Suzannah.

- Chato. – ela resmungou, mas começou a se vestir e eu fiquei contemplando a paisagem, enquanto isso.

Não a paisagem do seu corpo perfeito, embora eu quisesse muito isso. Mas me contentei com a natureza ao nosso redor.

- Pronto, caubói. – ela sussurrou, de repente ao meu lado, passando os dedos lentamente pelo meu ombro até o meu peito, ficando agora de frente para mim.

- Não me chame de caubói, já pedi. – resmunguei, segurando-a pelo pulso com a intenção de afastá-la de mim. Eu disse "intenção".

Mas ao invés de empurrá-la delicadamente, minha mão acabou puxando-a de forma nada gentil, até que seu corpo colasse ao meu.

Ainda sem parecer obedecer aos comandos racionais do meu cérebro, eu segurei seu rosto delicado entre as mãos, e nos olhos verdes eu via refletido o próprio desejo que sentia.

Díos, eu estava perdendo o juízo.

Um rápido roçar do meu polegar no seu lábio inferior a fez tremer, e uma descarga de adrenalina fez com que eu me aproximasse mais dela. E quando ela ergueu o rosto com os lábios entreabertos, meu universo saiu de controle e eu capturei seus lábios nos meus.

Nunca imaginara que tamanho êxtase pudesse existir. A boca de Suzannah se encaixava na minha de tal forma que era quase como se fossemos um só, os movimentos das línguas em perfeita sincronia.

Minhas mãos se infiltraram nos cabelos molhados, segurando-a imóvel enquanto explorava mais a sua boca, ao mesmo tempo em que ela jogava os braços ao redor do meu pescoço com total abandono.

Quando a puxei para mim, acabando com qualquer espaço que houvesse entre os nossos corpos, eu tive certeza que ela poderia sentir a minha excitação contra o seu ventre. Meus lábios agora viajavam pelo seu pescoço macio e eu a ouvi sussurrando o meu nome e tentei não pensar em como aquilo era tentador.

Num movimento súbito, eu abaixei as mãos, entrelaçando sua cintura fina nos braços, não querendo que ela se afastasse, segurando-a com firmeza e a ergui na ponta dos pés enquanto continuava a beijá-la.

Entre respirações ofegantes e coração descompassado, eu consegui um momento de lucidez. Eu estava beijando-a. E ela correspondia com um fervor que eu nunca tinha sentido.

Finalmente eu a abaixei, até que seus pés tocassem novamente o chão, mas minhas mãos pareciam teimar em não querer soltar sua cintura. Relutante, eu me separei dela, somente para nos unirmos de novo para mais um beijo.

Com o pulso acelerado, eu perdi todo o sentido de tempo e lugar. Esqueci quem eu era e quem ela era. Era como se meu mundo tivesse saído dos eixos.

Então senti a respiração acelerada de Suzannah no meu rosto, como uma carícia quente, apesar do hálito gelado, e comecei a voltar a mim lentamente, dessa vez conseguindo afastá-la com mais determinação.

Mas fitar seu rosto naquele instante não me fez muito bem. Aquele rosto não era o de um simples fantasma. Era doce, vulnerável, passional. Olhos verdes que pareciam procurar alguma coisa em mim. E eu sabia que se ela não estivesse morta, eu correria o sério risco de me apaixonar.

- Eu não queria fazer isso – murmurei enfim.

- Eu queria que você fizesse – ela sussurrou em resposta – Eu queria que você me tocasse.

- Eu queria te tocar – confessei – Eu tinha que... beijar você.

Seu corpo estremeceu numa reação tão humana que me deixou desnorteado.

- Eu quis que você me beijasse.

Seus olhos se iluminaram e um sorriso brincou nos seus lábios inchados pelo beijo.

Rapidamente eu me aproximei e a beijei novamente, de forma ainda mais intensa, mas apenas por breves segundos, e então me afastei. Endireitei o corpo e deixei as mãos caírem ao lado do meu corpo, embora elas ainda comichassem de vontade de tocá-la.

- Isso não pode voltar a acontecer – declarei, embora a minha voz não tenha soado tão firme.

Nunca houvera um momento em minha vida que tivesse me afetado daquela forma. Nunca.

- Mas você vai me ajudar a achar o caminho, não vai? – ela perguntou de repente, um tanto cabisbaixa.

- Claro. – afinal era isso o que eu fazia. Ajudava os fantasmas a acharem seu caminho e seguir em frente – Mas amanhã, ok? Está tarde.

- Tudo bem. Não tenho pressa.

Claro que ela não tinha.