Título: Founding Fathers
Autora: Rebeca Maria
Categoria: pós season finale 4ª temporada
Advertências: Futuro smut, Angst.
Classificação: M/MA - Nc17
Capítulos: Este é o primeiro
Completa: Não
Sinopse: "As pessoas esquecem e tem a chance de recomeçar, mas fazem tudo igual, as mesmas escolhas, se apaixonam pelas mesmas pessoas."


PARTE UM: SLEEPLESS

Founding Fathers

Capítulo 01

Forty Five Days
T. Brennan & S. Booth
Angst / Romance

Smut

FORTY FIVE DAYS


"-Bones identifies bodies for us.

-Don't call me Bones. And I do more than identify."


Estava tarde, e ela não queria realmente estar ali. E para falar a verdade, ela nem mesmo sabia onde queria estar. Em casa? No Jeffersonian? Em lugar nenhum? De qualquer forma, qualquer lugar parecia melhor do que ali.

"Todas mulheres. A posição dos corpos sugere que o assassino é metódico, e bastante agressivo devido às articulações quebradas. A posição das falanges proximais, mediais e distais dos membros superiores sugere que as vítimas tentaram lutar, o que nos leva à possibilidade de abuso sexual." – ela levantou-se, tirou as luvas pretas e olhou para o Agente do FBI que estava em pé atrás dela – "Definitivamente, são vítimas do nosso serial killer. Mande os corpos para o Jeffersonian e eu analisarei pela manhã." – Ela virou-se de costas e começou a andar até o carro.

"Brennan, é só isso?" – ela parou e girou nos calcanhares tão rápido que qualquer um achou que ela fosse cair, e então andou rapidamente e parou na frente do agente.

"Da próxima vez que você me chamar de Brennan, Agente Hanson, eu juro que acerto seu lóbulo frontal antes de você sequer adivinhar o que te atingiu. Pra você é Dra. Brennan."

Os outros agentes ao redor seguraram o fôlego. Cada um deles sabia, ou pelo menos tinha noção, de como o último mês tinha afetado o humor de Brennan. E apenas aquele novo Agente Harry Hanson ainda tentava dar uma de espertinho para cima dela, apenas por ser idiota o bastante. E egocêntrico, como se nada fosse afetá-lo.

Brennan suspirou profundamente e virou-se para ir embora. Entrou no carro e parou por alguns segundos com a cabeça apoiada no volante. Milhares de pensamentos passaram por sua cabeça, todos eles extremamente doloridos que a faziam querer gritar. Talvez chorar. Talvez cair.

Quando chegou em casa, apenas retirou a roupa e deixou no chão da sala, ficando apenas com uma camiseta larga e grande, masculina, que ela gostava de usar para dormir e que não tinha se preocupado em tirar quando seu celular tocou no meio da noite para avisá-la de um caso.

Ela foi até a geladeira e apanhou a garrafa de vinho e uma taça. Sentou-se no sofá, de frente para a janela da sala e começou a beberica o vinho. Lentamente, apenas apreciando o gosto que ele deixava em sua boca.

"Você ainda não foi embora?" – ela perguntou, sem se virar, ao ouvir o som de passos no corredor.

"Eu estava pensando se..." – ele começou, meio retraído, mas com coragem para tentar.

"Não pense." – ela o cortou. Era um pouco irritante na verdade, quando eles tentavam ficar – "Sexo de uma noite. É simples entender."

Ela terminou a taça em um só gole e encheu-a de novo. Ouviu quando a porta da sala se abriu e fechou com um clic, mas não se incomodou em levantar para ir trancá-la. Na verdade, ela não se incomodava em fazer muitas coisas há algum tempo.

Um mês e quatorze dias para ser mais exata. Ela não se preocupava em pensar muito, ou em conversar, ou mesmo em comer direito. Fazer seu trabalho ainda era seu objetivo principal, era o que mantinha seu foco na realidade e o que a mantinha ocupada.

A segunda taça acabou e ela encheu a terceira. Desde que Booth acordara no hospital sem se lembrar dela –ou de qualquer outra pessoa que já conhecera em sua vida-, há exatos quarenta e quatro dias, ela tinha entrado numa rotina que envolvia trabalho, cafeína, taças de vinho e insônia. Começara com dois copos de café pela manhã e outros dois à tarde, e uma taça de vinho à noite. Com o passar dos dias, e nenhum êxito em ajudar Booth a recuperar a memória, evoluíra para cinco copos de café e quatro taças de vinho. Às vezes a mente dela ficava tão alerta, mas num estado tão em transe que ela parava na terceira taça. E então o transe continuava, até ela perceber que estava amanhecendo e que ela precisava ir para o trabalho.

A primeira coisa que fazia pela manhã era tomar dois copos de café enquanto sentava-se na mesa do escritório e organizava os papéis dos últimos casos. Alguém sempre lhe trazia o terceiro copo no meio da manhã. Podia ser Angela, Hodgins, Cam. Uma vez por semana era ele.

"Você está com dor de cabeça, Brenn..." – ele calou-se e consertou na mesma hora – "Dra. Brennan." – ela ouviu a voz de Booth e imediatamente parou de massagear as têmporas e abriu os olhos.

Ele estava parado na porta, segurando um copo de café. Tinha a mesma aparência de Seeley Booth, a mesma voz e, coincidentemente, atendia pelo mesmo nome. Mas há quarenta e cinco dias ele era apenas o cara que se vestia com um terno preto, usava gravata preta e meias brancas e um cinto sem graça. Era um estranho para ela.

Brennan voltou a fechar os olhos e massagear as têmporas. Tentou focar-se, por uns instantes, em qualquer coisa que não fosse naquele triste fato que a perseguia há mais de um mês. O fato de que Booth não se lembrava de nada nem ninguém que ele conhecera nos últimos sete anos, ou melhor, não se lembrava de ninguém como eles deveriam ser, o fato de ele não ser mais seu melhor amigo, o fato de ele a achar uma completa estranha e tratá-la como Dra. Brennan. Nada mais do que isso. O fato de que, uma vez por semana, ela tinha que ficar com ele o dia todo enquanto ele ainda não se lembrava de nada, e ela precisava se esforçar para não desmoronar na frente dele por não saber como ajudá-lo a se lembrar de tudo. Dela. Deles. De verdade. Não como um sonho ou alucinação, que era como ele se lembrava.

"Você..." – ela começou, ajeitando-se na cadeira e olhando para ele.

"Não, eu sinto muito."

"Tudo bem."

Ela ia falar mais alguma coisa, mas quando abriu a boca, alguém entrou na sua sala e jogou alguns papéis na sua mesa. Brennan olhou para cima e viu o Agente Harry Hanson parado na sua frente, com um sorriso pretensioso no rosto. Era irritante.

Booth olhou-o de cima a baixo. Sempre fazia isso com as pessoas ultimamente, mais de uma vez, apenas para analisar e tentar se lembrar de algo. Ele definitivamente não se lembrava daquele cara. Mas de uma coisa ele tinha certeza desde a primeira vez que o vira: não gostava dele.

"O FBI precisa disso assinado..." – o Agente Hanson começou.

"... para ontem, eu sei, Agente Hanson. Eu conheço o protocolo e, mesmo se eu não conhecesse, a essa altura eu já o teria decorado." – ela o olhou com certa raiva – "Porque você repete isso todos os dias. Você já pode ir embora. Eu assinarei os papéis e enviarei ao FBI como sempre."

Booth olhou de um para o outro. Até ele próprio conhecia o protocolo do FBI. Ele conhecia e se lembrava porque perdera as lembranças dos últimos sete anos de sua vida, e antes disso ele já trabalhava no FBI há quase três anos e, pelo que constatara, as regras não haviam mudado tanto. A última coisa que ele se lembrava era do nascimento de seu filho, Parker. E então... nada.

"Ok, Bones, eu vou te deixar agora." – ele falou, dando especial ênfase ao apelido.

Imediatamente Booth olhou para Brennan e ela, muito rápido, levantou-se e andou até o Agente Hanson. Antes que ele pudesse prever o próximo movimento dela, Brennan passou o braço em volta do dele, torcendo o de Hanson e então lhe dando uma rasteira rápida, fazendo-o cair no chão. Quando ele estava com as costas no chão, ela apenas inclinou-se e bateu com o punho na testa dele, fazendo um corte profundo no supercílio.

"Não me chame de Bones nunca mais, Hanson." – ela disse com raiva e olhando furiosamente para ele – "Nunca mais, ouviu bem? Dessa vez você só ganhou um corte. Da próxima, eu juro que vai ser pior. Então, para o seu bem, não me chame de Bones."

Ela voltou à posição normal e olhou para Booth, que a olhava de uma forma estranha e, talvez, divertida pelo que ela acabara de fazer. Então ela virou-se e saiu do escritório, batendo a porta atrás de si.

Quando o Agente Hanson foi embora, sem falar nada, Booth viu-se sozinho, contemplando as coisas ao redor. Coisas de Temperance Brennan. Coisas que ele não lembrava. Coisas que o intrigavam.

Ele levantou-se e deitou no sofá, e o primeiro pensamento que lhe veio à mente foi que ele gostava daquele sofá. Talvez tivesse dormido ali algumas vezes. Mas ele não se lembrava.

Fechou os olhos e repassou tudo o que havia vivido nos últimos quarenta e cinco dias. Acordou no hospital sem saber quem era aquela mulher na sua frente, sem saber quem eram todos os outros na sala de espera. Ou melhor, ele sabia quem eles eram, mas logo descobriu que nada era como ele achava que era.

Ele sabia que a mulher que viu quando abriu os olhos se chamava Temperance Brennan, mas ele logo descobriu que ela não era sua mulher, e então ele não sabia quem ela era, a não ser pelo nome. E sabia o nome de cada pessoa que entrou no quarto logo a seguir. Mas Hodgins não era escritor nem Angela uma maître nem Sweets um barman. E ele também ficara confuso no momento, e até hoje, para dizer a verdade, se ele era um agente do FBI ou um dono de bar.

De repente, Booth tinha memórias de duas vidas. Uma que era real e que ele só se lembrava até o momento do nascimento de seu filho, Parker. Ele tinha um filho –e sempre que pensava nisso, ele abria um sorriso–. E outra em que ele era casado com Temperance Brennan.

A dura realidade era que a vida de seus sonhos não era real. Ela não era dele e a parte mais difícil disso tudo era vê-la se afastando e ter que se afastar um pouco dela por ordens médicas.

Durante vários dias ele tentou se lembrar deles. Passou por psicólogos, passou por médicos, passou por testes, mas nenhum lhe deu uma resposta suficientemente boa e que explicasse porque ele perdera as memórias de sete anos e porque estes sete anos de memórias reais foram trocados por memórias de um sonho.

"Você precisa se segurar nessa vida primeiro, Agente Booth, antes de correr atrás dos seus sonhos." – foi o que os três psicólogos disseram, incluindo Sweets. – "Você precisa se afastar do Jeffersonian e se firmar no que você ainda se lembra da sua vida de verdade. E só depois você terá a chance de conhecê-los de novo. Se tudo correr bem, em quinze dias você terá sua memória de volta e não precisaremos disso."

E foi o que ele fez. Não viu nenhum deles por mais de quinze dias até que fosse liberado para conhecê-los de novo. Ele se firmara em sua vida de Agente do FBI. Ele ficara longe dela por vinte dias porque os médicos diziam que ela não era boa para a memória dele, que ela o confundia e o fazia se agarrar a uma fantasia. Besteira!, ele praguejava todos os dias.

Depois dos vinte dias de readaptação, resolveram optar por revezá-lo sob a guarda de cada um de seus amigos. E a cada dia ele ficava com um deles.

Quando viu Temperance Brennan de novo, depois de tanto tempo, ele quis correr para ela. Mas o olhar dela o impediu, bem como o semblante. Ele viu dor nos olhos dela, tristeza. Ele quase podia vê-la como se estivesse atrás de um muro, ou dentro de uma bolha pessoal que ele duvidava que conseguiria transpor. Na mente dele ela ainda era sua mulher, sua Brenn. Na realidade dele ela era Dra. Brennan.

Mesmo assim ela ainda era a mais fascinante. Dra. Temperance Brennan. Dra. Brennan –mesmo que ele esquecesse de vez em quando e a chamasse de Brenn. Havia algo nela, algo no olhar dela que lhe dizia que ela era especial, não importava em qual memória –a esquecida ou a que ele criara- mais especial do que qualquer outro. Mas ele não sabia por que. Não mais.

A artista de nome Angela, que se parecia muito com sua Maître, era divertida e falava coisas que ele não entendia sobre o trabalho dela, mas mostrava coisas fascinantes, como o Angelator, e ele ficava encantado. Sempre.

O entomologista se chamava Jack Hodgins e nunca escrevera nenhum drama policial em sua vida. Ele o chamava de G-Man algumas vezes. Booth obviamente sabia o que aquilo significava, mas mesmo assim não deixava de soar menos divertido. Hodgins era um cara divertido, mais do que o Hodgins que ele criara.

O psicólogo Sweets tinha doze anos e nunca trabalhara em um bar, e Booth duvidava que ele sequer tinha licença para beber algo alcoólico. Booth ficou feliz em saber que mesmo quando tinha memórias dele, ainda achava que ele tinha doze anos.

A antropóloga Dra. Temperance Brennan era a mais difícil de entender, muito embora ele soubesse que só precisaria de um pouco de tempo para conseguir conhecê-la como ele queria. Ela não podia ser tão diferente da Brenn que ele conhecia, certo? E, mesmo apesar disso, ainda assim a mais fascinante. No começo ela tentava ser gentil e solícita, mas ele sabia que ela não era sempre assim e que muitas vezes ela nem sequer percebia que estava falando palavras difíceis demais para ele entender. Mas ele gostava.

No entanto, ela começou a se afastar dele depois da segunda semana, quando ele a chamou de Bones.

x.x.x

Brennan parou no meio do jardim do Jeffersonian e fechou os olhos. Sentiu os pingos de chuva caírem de leve em seu rosto e ombros. Não eram fortes e mal molhavam sua roupa. Mas a sensação dos pingos gelados em sua pele aliviava um pouco a raiva que ela sentia no momento.

A verdade é que ela queria gritar. Queria poder fazer qualquer coisa para sair daquele inferno que estava vivendo nos últimos quarenta e cinco dias. Doía, e muito, passar por aquilo todos os dias, ver que tudo o que eles tinham construído tinha sido simplesmente apagado, com a facilidade de se apertar um delete em um editor de textos no computador.

No começo ela estava agüentando, ela tentava fazer o que era possível para ajudá-lo, para estar lá com ele e para ele. E ela estaria, sempre, independentemente se ele recuperasse as memórias ou não. Sua mente gritava "faça novas memórias" e, se fosse preciso, ela faria novas memórias com ele. Mas o simples fato de ela aceitar que talvez ele nunca recuperasse as memórias perdidas, não significava que doía menos saber que talvez ela nunca mais o teria de volta.

Sentou-se no banco e ficou olhando para lugar nenhum em especial. Ela sabia que teria que voltar para dentro em algum momento, teria que voltar a encarar Booth e fingir, o dia inteiro, que estava tudo bem se ele não se lembrava dela de verdade. Deles. Fingir que não se importava, que não era culpa dele. Não era mesmo. E ela tentava mostrar para ele que estava tudo bem, mas era mais difícil a cada dia, porque ela sabia que quanto mais demorasse para ele recuperar as memórias, menores eram as chances de ele efetivamente voltar a tê-las.

Mas então, uma coisa a impedia de desistir de tentar, por mais que ela soubesse que se afastava mais e mais dele a cada dia. Booth a tinha chamado de Bones. Por coincidência ou não, ele tinha. Por um instante ela achou que ele tivesse se lembrado dela, no segundo seguinte ela apenas ficou com raiva, porque ele não tinha se lembrado de fato, e tinha sido apenas uma coincidência. Uma maldita coincidência.

x.x.x

Ela se debruçou sobre a mesa, olhando pela milésima vez o esqueleto à sua frente. Fisicamente ela estava cansada. Mentalmente, nem tanto. O Agente Hanson, seu novo parceiro desde que Booth acordara sem memória no hospital, estava sentado numa cadeira atrás dela e fazia um som irritante e pertinente com a caneta batendo na mesa.

"Então, quando eu vou ganhar um cartão de acesso à plataforma?" – Hanson se prontificou, olhando de Brennan para Booth que apenas olhava atentamente para a mulher.

"Você não vai."

"Booth tem um, e ele sequer se lembra disso, ou precisa. Por que eu não posso ter um também?" – ela virou-se e encarou o agente.

"É só uma questão de tempo até Booth se lembrar para que ele precisa do cartão de acesso, e então ele voltará a freqüentar a plataforma enquanto você voltará para o trabalho de escritório." – Booth riu ligeiramente, encantado como ela sempre o defendia, de alguma forma.

"Você pode apostar nisso, Brennan, ou pode começar a se acostumar com a idéia de que eu ficarei aqui por muito tempo ainda."

"Não me chame de Brennan, Agente Hanson." – ela virou-se novamente para o esqueleto na mesa e suspirou cansada. Suas pernas tremeram ligeiramente e seus olhos piscaram mais devagar, e ela já começava a sentir a exaustão por não dormir direito há quase duas semanas.

"Você já tem alguma coisa, Dra. Brennan? Ou ainda vai..."

"Mulher, entre 15 e 20 anos, branca. Fratura completa na tíbia e fíbula direitas. A causa da morte pode ser explicada pela contusão inespecífica no osso frontal."

"Onde?"

"Testa." – Booth falou, olhando para o Agente Hanson – "Ela quis dizer testa." – e Brennan olhou imediatamente para ele, confusa e intrigada.

"Qualquer um sabe que o osso frontal do crânio é a testa. Exceto o Agente Hanson ali." – ele disse, como se fosse realmente óbvio. Brennan aproximou-se dele e colocou o queixo de Booth entre as mãos, erguendo seu rosto para analisá-lo melhor.

"Você não sabia até começar a trabalhar comigo." – ela afirmou,categoricamente, enquanto ainda o olhava atentamente – "Você sente algo diferente?"

"Não." – ele sussurrou, apenas olhando para ela de volta, enquanto ainda sentia as mãos dela em seu rosto - "Isso pode ser alguma lembrança?"

"Sim, definitivamente." – ele sorriu e ela sorriu de volta.

Booth gostava de ficar com a Dra. Temperance Brennan. Na verdade, ele mal podia esperar pelos dias em que ele ficava sob a guarda dela. Ela era sempre tão inteligente e estranha ao mesmo tempo, que o intrigava e o fascinava. Ele não se lembrava de já ter conhecido alguma mulher como ela, que não fosse ela, já que, mesmo nas lembranças que ele tinha dela, ela também era a mulher mais inteligente que já conhecera. Duas vezes.

Além do mais, ela era solícita com ele, tentava ensiná-lo algumas coisas e sempre conversava com ele o mais claramente possível. Às vezes ele se sentia como uma criança, perto dela, que estava aprendendo tudo sobre a vida. Mas ao invés de estar aprendendo tudo sobre a vida dele, ele estava re-aprendendo os sete anos que ele tinha perdido. Quatro dos quais –quase cinco– ele trabalhara com ela, lado a lado, dia após dia.

No entanto, ele percebia algo nela, no olhar dela, que sempre o incomodava. Cada vez que ele a chamava de Dra. Brennan, cada vez que ele dava uma resposta negativa à pergunta dela sobre ele ter se lembrado de algo. Ele percebia que o corpo dela tremia e ela piscava, e os lábios dela se juntavam por um segundo apenas, numa expressão de desapontamento. E no segundo seguinte ela sorria para ele, de uma forma gentil, e sempre falava 'Tudo bem, é só uma questão de tempo.'. E ele queria acreditar que sim, que era apenas uma questão de tempo até ele se lembrar de tudo. Se lembrar dela. Mas às vezes, quando ele simplesmente se cansava de tentar lembrar de algo, ele achava que podia demorar mais do que todos pensavam.

"Só se passaram alguns dias desde que você acordou, Booth." – ela disse, finalmente largando o rosto dele e voltando para a mesa – "Não se cobre tanto. Sua memória vai voltar."

"Eu sei que vai, Bones."

Booth apenas falou, deixou que a frase saísse e viu tudo acontecer rapidamente. Ela virou-se abruptamente para ele, fazendo um dos instrumentos da mesa cair no chão com um baque agudo e alto. Ela olhou profundamente para ele, suspirou e fechou os olhos.

"O que você acabou de dizer, Booth?"

"Eu... eu sinto muito, quer dizer, você identifica ossos para o FBI, e eu não devo te chamar de Brenn, então eu achei que..."

"Nunca mais me chame de Bones." – ela disse, apenas num sussurro, o que, de alguma forma, fez as palavras soarem ainda mais expressivas, tristes e agressivas. Abriu os olhos novamente e o encarou. E então Booth viu uma sombra estranha no olhar dela – "Nunca mais me chame de Bones, a não ser que isso signifique algo para você." – ela repetiu. Virou-se e se dirigiu para as escadas da plataforma – "E eu faço mais do que apenas identificar ossos." – Booth levantou-se para ir atrás dela e já estava a meio passo das escadas quando ouviu a voz de Hanson.

"Ela também escreve livros, Booth. Da próxima vez você pode tentar isso." – e então o agente riu audivelmente, mas Booth não ligou, apenas continuou atrás de Brennan.

x.x.x

Brennan não tinha noção de como aquelas palavras tinham-na afetado. Ela não tinha noção até pensar que aquele homem que tinha o mesmo rosto de Booth, a mesma voz e o mesmo nome, realmente não sabia quem ela era. Mas em algum lugar na sua mente, ele podia se lembrar, ou reviver, ou re-aprender. Lembrar ainda era a melhor opção. Mas ela não tinha idéia se agüentaria as duas outras. E recusava-se a pensar numa quarta: nunca mais lembrar.

Ela só descobriu a força das palavras de Booth naquele dia, quando chegou em casa e deitou na cama. Mais uma vez ela não conseguiu dormir depois da taça de vinho. Mais uma vez ela ficou olhando as hélices do ventilador girarem lentamente de acordo com a brisa que entrava pela janela. Mas dessa vez, bem mais tarde, ela se deu conta de que estava chorando pela primeira vez em quinze dias. Não apenas choramingando, mas chorando de verdade, e soluçando e suspirando. Ela estava, pela primeira vez, se permitindo entrar em pânico.

Suspirou profundamente, percebendo que a chuva começava a engrossar e que, se ela não saísse logo dali, iria ficar ensopada. Resolveu entrar e encarar seus problemas, afinal, era isso que ela sempre fazia. Se esconder nunca fora uma opção viável ou permitida –por ela ou por outros-.

Quando parou na porta de seu escritório, viu Booth deitado no sofá, olhando obstinadamente para o teto, com a testa enrugada indicando claramente que ele pensava em algo muito sério e por muito tempo.

"Você era um idiota." – ela começou, pegando-o de surpresa e fazendo-o olhá-la – "Você era egocêntrico e autoritário e gostava de achar que podia fazer tudo o que bem entendesse. Inclusive me forçar a trabalhar com você."

"Eu..." – ela ergueu a mão, fazendo-o calar-se, e andou até o sofá. Ele sentou-se e deu espaço para que ela sentasse ao seu lado.

"No fundo eu sabia que você tinha motivos nobres para fazer o que fazia, falar como falava. Mas eu jamais admitiria isso em outras circunstâncias, porque apesar de eu saber disso, o seu jeito me intrigava. Eu não gostava de você e nós discutíamos o tempo todo. Mas por mais que uma parte de mim dissesse para eu me afastar de você e me recusar a trabalhar com o FBI, outra parte dizia que eu precisava entender você e precisava fazer isso, por motivos morais, por motivos... racionais."

Ela encostou no sofá e fechou os olhos, e Booth apenas seguiu o movimento dela, imitando-a em seguida. Ambos ficaram olhando para o teto. Ambos com os braços cruzados. Ambos pensativos.

"Você não queria me deixar ir a campo, porque era perigoso, porque eu era uma squint e meu lugar era no laboratório." – ele riu – "Não era engraçado. Eu estava com raiva porque você me subestimava. Mas eu te convenci a me deixar ir a campo."

"Como?"

"Chantagem." – ela disse com muito orgulho na voz – "Funcionou."

Ficaram em silêncio por algum tempo, apenas olhando para o teto. Seus ombros se tocavam suavemente. E nada mais. Ele virou o rosto e olhou-a, até que ela fez o mesmo e encontrou o olhar dele. E aquela era a primeira vez, em quarenta e cinco dias, que Brennan sentiu uma conexão a mais com ele. Por aquele olhar ela pôde ver alguma esperança de que tudo ficaria bem. Algum dia.

"Eu nunca subestimei você." – ele disse, sem quebrar o contato visual – "Nunca."

"Você não tem como saber disso."

"Mas eu sei." – ele sorriu – "Eu sei que eu nunca subestimei você." – ela sorriu de volta e ele voltou a virar o rosto para encarar o teto e ela imitou o gesto – "E sabe outra coisa que eu sei?"

"O quê?"

"Que vai ficar tudo bem." – quase sem perceber, ele ergueu o braço e passou em volta dos ombros dela, trazendo-a para mais perto e fazendo-a apoiar a cabeça em seu ombro – "Vai ficar tudo bem, Brenn... Dra. Brennan."

E apenas daquela vez, ela decidiu não deixar que o Dra. Brennan, tão frio e formal, a impedisse de pensar que, no final, tudo ficaria bem. Ela resolveu acreditar naquele homem estranho que tinha o mesmo rosto, a mesma voz e o mesmo nome de Booth. Ela resolveu confiar no homem que usava terno escuro, gravata preta e meias brancas. Porque em algum lugar, aquele ainda era Seeley Booth. E ele nunca tinha mentido para ela. Então ela pensou, por apenas um instante, que aquele era apenas o começo, de novo, um começo.

Fim do Primeiro Capítulo