Prólogo

"Há sentimentos antigos, dentro de nós, que não perdem a sua força, que não se deixam aniquilar pelo tempo e pelos acontecimentos; estão apenas reclinados como em cadeiras invisíveis, numa obscura sala de espera. Por serem tão antigos e anônimos, tão inativos como se não existissem. Mas, de repente, acordam, levantam-se dos seus lugares, ascendem as luzes, fazem-se tão vivos e presentes que não resistimos ao seu poder e docilmente nos submetemos às revisões da memória e à sua crítica". (Ilusões do Mundo, Cecília Meireles)

Olhares...

Há quem diga que os olhos são as janelas d'alma. Eu discordo. Que seja uma falácia ou tendência geral, tudo o que sei é que não se aplica a ele...E para ser sincera, foi a minha incapacidade de ler aqueles olhos nebulosos, e por consequência o que passava por sua mente, que chamou a minha atenção. Modéstia à parte, eu realmente costumo ser boa em ler as pessoas sem ter que recorrer à legimência. Crescer numa família grande com homens que têm dificuldades para transpor em palavras o que sentem - ou o quê de fato querem dizer - foi a minha escola de percepção.

Mais uma vez ele está olhando para mim e eu não consigo nem ter uma vaga ideia do que ele está pensando. Draco Malfoy e seu misterioso par de olhos acinzentados. O Malfoy está se despedindo de seu filho, Scorpius, e em seguida Astoria (a esposa dele) faz o mesmo. Harry me enlaça pela cintura ao perceber que eu e ele estávamos mantendo contato visual. O Malfoy lança para nós um sorrisinho que me parece cínico e move a cabeça à guisa de cumprimento, o qual nós respondemos. A seguir o Expresso de Hogwarts começa a andar. Eu e Harry voltamos a direcionar nossa atenção aos nossos três filhos e acenamos, desejando que eles tenham um bom ano letivo – e longe de confusões se Merlin permitir. Eu não pude evitar um profundo suspiro ao ver o trem desaparecer na primeira curva:

-Eles vão ficar bem, Gi. –Harry disse carinhosamente ao meu ouvido.

Eu encarei aqueles olhos verde-esmeralda – ou verdes como sapinhos cozidos, como em tempos longínquos o Malfoy fez questão de me lembrar – e um sorriso surgiu nos meus lábios. Era a mesma coisa todos os anos, uma espécie de rotina. Vir à plataforma 9 e ¾, me despedir dos meus filhos, trocar olhares com o Malfoy e ouvir o Harry me consolar pela ausência das crianças. Era uma rotina que talvez fosse estranha, mas eu estava acostumada a ela. Eu já tinha me acostumado à despedida, ao carinho do Harry e aos olhares do Malfoy. No entanto, apesar de insistente, aqueles olhares nada diziam de novo. Eram memórias de um passado distante. Era isso que o Malfoy representava para mim agora: o passado.

***

Palavras...

Eu aprendi à duras penas que o silêncio fala. Confesso que com isso fui omisso e me calei quando não deveria. Eis que reside nesse fator do silêncio a fonte de grande parte dos meus erros. Foi assim que perdi a ruiva...Pasmem, ao contrário do que todos pensam, Pansy Parkinson não foi meu primeiro amor. Não, não mesmo. Ginevra Weasley foi. Eu demorei a descobrir que o ódio e toda implicância para com ela se devia ao meu desejo contido. Eram incríveis as sensações antagônicas que aqueles cabelos vermelhos me causavam. Ao mesmo tempo que eles faziam dela uma integrante da inferior família Weasley, também pareciam dar vida e charme para aquela garotinha magricela e sardenta. Sejamos realistas, era isso o que ela era nos primeiros anos escolares. Já me chamava a atenção, mas tudo o quê me importava com relação a ela era irritá-la e humilhá-la sempre que pudesse. No entanto, como no conto trouxa que Astoria já me fez ler para Scorpius, o patinho feio se transformou em um belo cisne. Infelizmente eu não fui o único a notar tal transformação. Ela começou a sair com uns caras quando eu estava no 5º ano. E eu desejei também poder possuir aqueles lábios rosados. Ela me detestava (ou ao menos parecia detestar), mas os meus hormônios adolescentes imploravam por ela. Eis que surgiu uma oportunidade. Eu a vi olhar para um cara da Corvinal com a Chang e a seguir sair andando a passos rápidos e parecendo aborrecida. Estávamos no final do ano letivo e a Corvinal tinha acabado de perder o jogo para a Grifinória. A Casa dos Leões estava em alvoroço e nem notou a saída tempestiva de sua apanhadora. Eu a segui até o interior do castelo e quando estávamos em um corredor deserto, eu a abordei:

-Hey, Weasley!

Ela virara-se e revirara os olhos:

-Vá se ferrar, Malfoy. –foi malcriada.

Eu não me intimidei e me aproximei dela, dizendo em tom confessional:

-Sabe qual o melhor remédio para chifre? Vingança na mesma moeda.

-Ts, tsc. Tavez você tenha razão, Malfoy. Então suma daqui pra eu encontrar alguém pra realizar minha vingança.

Eu a prendi contra a parede:

-Estou a sua disposição, Weasley. –e a beijei.

Ainda me recordo de como ela arregalou os olhos uma fração de segundos antes que eu encostasse meus lábios nos dela. Obviamente ela lutou contra mim, por toda sua lealdade à Grifinória ou coisa que o valha. Porém, não por muito tempo. Ela cedeu e correspondeu ao beijo. Nunca nenhuma garota tinha conseguido fazer o meu coração bater tão rápido. Eu nem sei quanto tempo aquele beijo durou, apenas sei que quando eu o finalizei, tinha um sorriso idiota nos lábios, o qual durou pouco tempo. Ginevra me deu um tapa no rosto e me empurrou:

-Nunca mais me toque Draco Malfoy!

Ela saiu andando e eu a deixei partir. Talvez eu devesse ter tentado me explicar. Pedir desculpas? Nunca. Por nenhum momento eu cheguei a me arrepender de beijá-la, nem quando por birra –dias depois – ela me lançou a maldição contra bicho papão. No ano seguinte ela tentara me evitar, o que não funcionara, pois nós chegamos a ficar juntos durante algum tempo. Eu fui insistente, admito. Mas eu estava apaixonado por ela. Nós tínhamos uma química extraordinária, mas nunca chegamos a fazer sexo. Ela era virgem e eu realmente gostava dela, fiz meu máximo para me controlar. Foi mesmo muita estupidez da minha parte não dizer o quanto ela era importante para mim, mesmo que o nosso relacionamento fosse secreto e eu estivesse em vias de me tornar um verdadeiro Comensal da Morte. Ginevra não via futuro na nossa relação e a minha falta de palavras alimentou essa ideia. Quando ela disse que estava tudo acabado entre nós eu apenas a deixei partir, no meu melhor estilo de covardia e omissão. O veneno daquele meu silêncio ainda corre pelas minhas veias, ecoando sem parar na minha mente, como que a me lembrar que Ginevra faz parte do passado e eu sou o culpado por esse fato, é o que estou pensando ao mais um ano vê-la partir com Potter.

N/A: A epígrafe desse prólogo meio que permeia o sentido da fic em si. Inicialmente eu tinha pensado em fazer uma one-shot, mas fui convencida de que havia muito o que ser escrito para ficar bom em poucas palavras. Resolvi aceitar o conselho da Janete Alves e transformei o cap. 1 em prólogo, acho que assim fica melhor ^^