PREDADOR
Prólogo
A noite sem estrelas e com a lua encoberta pelas nuvens empresta uma atmosfera lúgubre às ruas da velha Londres. O nevoeiro denso ocultando as pessoas que passam, apressadas, saindo de suas moradias miseráveis para as fábricas, temendo o toque do apito, indicando que o turno começa e que podem perder um minuto do suado salário.
Um homem franzino segue em frente, ligeiro, sem reparar em ninguém a sua volta. Pensa apenas na máquina que vai operar, no dia estafante, no pão amanhecido que leva para o almoço... As coisas da sua realidade de todo dia, que nunca inclui festejos, feiras mundiais e eventos que marcam o final do século, mas que passam ao longe dos olhos do homem comum, do trabalhador, do pobre.
E perdido nos pensamentos mundanos de sua vida cotidiana, o homem vira em uma ruela obscura, no atalho que usa quando precisa chegar mais cedo ao serviço. Logo que vira a esquina, tropeça em algo, indo ao chão, sua marmita rolando, o pão caindo sobre uma poça de água suja. O operário levanta irritado, decidido a chutar aquilo que o derrubou, mas quando se aproxima se depara com a cena aterradora.
Um menino jaz caído sobre um monte de lixo, os olhos abertos, mas sem expressão, a palidez cadavérica, os lábios azulados. O pobre homem se assusta, correndo desesperado pela rua movimentada, o dia já se tornando claro, o som do apito da fábrica abafando seus gritos de terror. Logo ele encontra um policial, atento ao vai e vem dos transeuntes, trabalhadores atrasados correndo e prostitutas cansadas caminhando devagar para o último gole antes de voltar para casa.
Quase sem conseguir falar, medo e cansaço tirando o fôlego, o homenzinho explica para o guarda o que encontrou, fazendo em instantes o apito estridente da polícia soar pela rua, atravessando o nevoeiro que começa a se dissipar. Ambos correm, cafetões e punguistas se ocultando nas derradeiras sombras, temendo que sejam os alvos da perseguição. O policial entra pela ruela, estacando diante da visão triste, a criança jogada como algo descartável, um lembrete que na Londres que se prepara para receber em breve o novo século nem todos tem a mesma importância.
Os desocupados se amontoam para ver o acontecido, mais policiais acorrendo ao local, todos formando o quadro deprimente comum às metrópoles. Entre os curiosos algumas raras lágrimas são vertidas, as pessoas tão acostumadas com violência e miséria que nem sequer se chocam, quanto menos se apiedam da pobre criança sem nome, sem alguém que lamente sua morte.
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Os olhos azuis de Ciel se abrem devagar, ainda suado pela noite de sonhos atribulados, como sempre povoados pelas terríveis lembranças de um passado que não é tão distante quanto gostaria. Custa a acostumar-se com a claridade, a figura esguia do mordomo Sebastian, de certa forma abalando-o, pois ele estava mais que presente nos pesadelos.
– Uhm... Sebastian... – Tenta despertar melhor, afastando os sentimentos ruins remanescentes da noite. – Já é hora de acordar? Parece tão cedo!
– São sete e meia, jovem mestre. – O homem o observa, esperando a expressão contrariada que logo aparece, pois acordar cedo é algo que o garoto odeia. – Sinto despertá-lo a essa hora, mas... Um mensageiro da rainha deixou uma carta urgente.
– Ah sim... – Diz sem muita vontade de reclamar. – Que hora pra se chegar!
O jovem conde, de doze anos, senta na cama, esperando que Sebastian realize o ritual de todos os dias... Refrescá-lo, vesti-lo e calçá-lo... Tudo como sempre foi feito para ele e sempre será. Observa enquanto o homem termina de amarrar seus cadarços, a delicadeza com que o trata contrastando sempre com sua natureza.
– Você não considera isso indigno para alguém com o seu poder... – Os olhos violeta se voltam para ele. – Ter que fazer essas coisas?
– Jovem mestre... – Ele abre um sorriso frio, quase assustador. – Eu o sirvo... Como diz o contrato... Apenas isso.
O garoto se levanta depressa, sem nem sequer se olhar no espelho, pois sabe que Sebastian sempre o deixa impecável.
– Vou tomar meu desjejum no escritório. – Caminha na direção da porta, sem olhar para ele. – Assim já vejo o que há de tão urgente nessa carta.
– Como preferir. – Ele o vê deixando o cômodo, o sorriso ainda em seu rosto, o pensamento perdido na estranha razão da pergunta do mestre. – Interessante...
ooOoo
O homem bonito, de traços finos, serve calmamente o chá com creme, duas pitadas de canela e três torrões de açúcar, da forma exata que Ciel tanto gosta pela manhã, mas seus olhos se fixam no rosto de expressão carregada do jovem enquanto lê a carta.
– É algo grave, jovem mestre? – Pergunta ao vê-lo parar, depositar a carta no colo e permanecer com o olhar parado no vazio.
– Sim... Mais um assassino em série... – Ainda se recorda da experiência de encarar 'O Estripador' e as conseqüências nefastas para seu coração já ferido.
– Ele ataca mulheres também? – Tenta tirar mais informações, mas não querendo se tornar intrometido.
Ciel volta o olhar para ele, desejando dividir com alguém o fardo que às vezes parece tão pesado. Afinal, ele foi criado distante de todo e qualquer sofrimento, sempre alheio à dor existente no mundo real. De repente foi jogado do sonho para o pesadelo total, agora sendo o expurgo para todas as mazelas que desagradam os 'sensíveis' olhos da rainha. E com tão pouca idade já se vê exposto a coisas brutais como essa... A dura realidade jogada em seu colo com a ordem de resolvê-la a qualquer preço.
– Vamos ter que nos mudar... – Tenta esboçar um sorriso triste, mas nem isso consegue mais fazer. - Você me ensinaria a fazer as coisas sozinho?
– O quê? – Poderia esperar qualquer coisa, menos isso. – Mas por que, jovem mestre?
O conde se levanta e caminha até a janela, observando o horizonte. Sente-se muitas vezes um joguete nas mãos da soberana, mas essa é a função dos Phantomhive, desde os primórdios do Império, mesmo antes da linhagem que levou Victoria a ser a única herdeira do trono sequer imaginar que chegasse algum dia a comandá-lo.
– Esse monstro mata garotos... Pequenos operários... – Vislumbra Finny divertindo-se enquanto curte o sol no jardim da mansão. – Mortos e abandonados na rua como lixo.
– Mas o mestre não está pensando em... – Nunca o imaginou tomando algo assim quase como se fosse pessoal.
– Sim, Sebastian. – Sua voz sai quase em um sussurro. – Vou ser uma isca... É a única chance de pegarmos o sujeito.
– Mas como tem certeza que vai atraí-lo? – Isso é extremamente perigoso e algo no âmago do demônio diz que pode dar errado. – São milhares de crianças operárias em Londres...
Volta-se mais uma vez para o seu fiel servidor, encostando-se na janela, ainda envolvido demais pelo que leu.
– Ele tem atacado crianças que trabalham na minha fábrica, Sebastian. – O nobre menino sente uma pontada no estômago. – Meninos com a minha idade, parecidos comigo... Entende a razão do meu empenho?
Sebastian Michaelis o observa, mais uma vez impressionado com a fortaleza de caráter de alguém tão jovem, jogado em um mundo brutal, desesperado a ponto de entregar a própria alma em troca de vingança. Mas mesmo que seus motivos não pareçam nobres, mesmo nessas ocasiões, o demônio que se alimentará dele um dia, sente que não há egoísmo em seus atos. Mesmo à morte, se não houvesse o contrato, perderia esse espírito para algum anjo que o levaria ao paraíso.
"Seria um grande desperdício!" – Imagina-se perdendo a posse de alma tão nobre.
– Acha que alguém pode estar enviando alguma mensagem ao mestre? – A resposta é óbvia, mas precisa fazer essa pergunta para ajudar o garoto a colocar o perigo ainda mais em perspectiva.
– Não sei... – Fala, chutando de leve o tapete, concentrando-se nisso, não no mordomo. – Mas preciso descobrir.
– Tem certeza que é apenas curiosidade? – Procura provocar o pequeno que esconde tão bem seus sentimentos. – Ou se sente responsável por esses meninos miseráveis, que são explorados em sua fábrica e ainda mortos em seu lugar?
A reação de Ciel é nítida. Seus olhos se erguem, a confusão de sentimentos clara em seu rosto, mas a máscara de frieza absoluta sendo erguida e fixada diante do homem que o serve, como se jamais pudesse deixar transparecer que tem um coração, que se importa com mais alguma coisa além de sua vingança.
– Deixe de tolices, Sebastian! – Sua voz sai estridente, um tom mais alto do que o normal, revelando seu nervosismo. – Quero descobrir apenas porque esse assassino anda me atacando.
– Claro, jovem mestre. – Sorri mais uma vez, sabendo muito bem quando Ciel mente, então faz uma reverência quase irônica. – Vou organizar tudo para nos prepararmos para nossa nova missão.
Ele se retira, sob o olhar do garoto, que espera ter enganado o demônio que o serve. Não pode fraquejar, não diante dele, pois seu objetivo requer força e coragem, não podendo se dar ao luxo de ser apenas um menino.
Mas seu pensamento voa longe, encontrando-se entre as dezenas de meninos como ele que trabalham duro para manter seu luxo. E por um instante imagina como seria se não tivesse a sorte de nascer numa casa rica, detentor de um título nobre. Poderia estar preso a uma vida miserável, trabalhando arduamente por algumas moedas por mês e... Nem tem como se ver em tal situação. Só que sua 'sorte' também foi sua ruína, pois levou sua família, sua inocência, sua felicidade... Então... Quem pode se dizer mais infeliz? Ele ou qualquer um daqueles meninos?
– Que bobagem! – Diz para si mesmo. – Que adianta ficar pensando nisso? Eu devo é agir... E rápido!
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A carruagem distinta pára nos arredores do bairro miserável de White Chapel, o mesmo onde 'Jack' matava suas vítimas. Ciel olha para o céu escuro, o sol do final da tarde encoberto pela fumaça das fábricas próximas. O burburinho das pessoas que circulam pelas ruas faz seu estômago revirar, pois se vê diante de um teste difícil... Mais um em sua curta vida.
– Ainda há tempo de voltarmos. – Sebastian diz, vendo a preocupação no rosto sério do garoto. – Podemos pensar em outra forma.
– Não! – Está cansado da insistência do mordomo, que parece esquecer que não é uma pessoa de voltar atrás em suas decisões. – Vamos.
Ambos descem da carruagem, recomendando que o cocheiro a leve de volta à mansão da família em Londres. Suas roupas são muito simples, combinando com as identidades que criaram. De agora em diante não podem mais ostentar os modos de onde vieram, vão entrar no bairro caminhando, vestes e sapatos usados, a postura de quem enfrenta a rudeza da vida de um trabalhador.
Sebastian segura sua mala e estende a mão para pegar a de Ciel, mas o jovem mestre a toma de volta, apesar do peso, decidido a fazer com que seja convincente. Caminham então pela rua estreita, logo entrando em um beco, custando a se acostumarem com o odor desagradável do esgoto a céu aberto. Logo estão diante da porta, o mordomo abrindo-a com cuidado, deixando o garoto entrar, olhando em torno antes de fechá-la.
– Então aqui estamos. – Ciel diz colocando a mala pesada no chão, disfarçando como isso deixou sua mão vermelha.
– Tem certeza que quer fazer isso? – O mordomo não consegue entender a insistência do garoto em colocar-se em tal situação.
– Tenho. – Senta na cama dura, o colchão de palha mal distribuído formando um buraco no meio. – Só não sei por que insiste em me perguntar isso. Não vai me levar de qualquer jeito mesmo?
O demônio prefere não responder à provocação, sentando-se no outro lado da cama, colocando sua mala sobre ela e desfazendo-a com cuidado, acomodando suas roupas em uma das gavetas da pequena cômoda envelhecida. Levanta-se e pega a mala do mestre, fazendo o mesmo, um silêncio perturbador entre eles.
– Vou preparar algo para comer. – Anda até o pequeno fogão, vasculhando uma caixa de madeira ao lado dele, levada por alguém que enviou antes de chegarem.
O menino permanece sentado na cama, uma sombra escura sobre sua cabeça, como se todo o peso do mundo estivesse esmagando-o, o medo disfarçado em forma de seriedade, mas... Sebastian conhece essa alma... O pequeno pensa em tudo que viveu, as lembranças nítidas em sua mente e constantemente o assombrando.
– Pode vir, jovem mestre. O jantar está pronto. – Coloca sobre a pequena mesa um prato com uma sopa rala e um pedaço de pão. – É pouco. Amanhã compro mais mantimentos.
– Compre pouca coisa. – Diz ao se sentar diante do prato. – Para todos os efeitos somos operários e temos que parecer isso mesmo.
O garoto leva a colher a boca, o sabor delicioso, apesar da falta de ingredientes. Mas Sebastian permanece ali de pé ao seu lado e isso pela primeira vez desde que se conheceram o incomoda. Olha para o homem, balança a cabeça e volta a observar o prato.
– Sente-se, Sebastian. – Fala sem nem sequer olhar para ele. – Aqui não é preciso toda essa reverência.
O mordomo senta-se na cadeira, de frente para o mestre, de certa forma, incomodado com essa intimidade incomum na relação dos dois. Desde que fecharam o contrato tem servido o garoto caprichoso como um cachorrinho, sempre pronto a obedecer suas ordens, mesmo que questione a necessidade de tudo isso apenas para devorar essa alma.
– Você nunca sente fome, Sebastian? – Ciel sente a necessidade de preencher a desolação desse lugar conversando com a única pessoa que a divide com ele. – Acho que nunca te vi comer nada.
– Jovem mestre... Eu não me alimento... Bem... – Como explicar sem parecer asqueroso? – Da mesma 'comida' que vocês.
– Mas... Desde que nos conhecemos... – O conde sabe muito bem que esse demônio é um devorador de almas. – Você já se alimentou... De alguém?
– Não. – O próprio demônio sente-se constrangido por falar nisso. – Estou aguardando pela...
– Minha alma, não é? – Essa perspectiva o entristece menos do que imaginava.
Sebastian levanta e se dirige para a cama única, arrumando as cobertas para a hora em que o mestre irá deitar, claramente fugindo da conversa que nem deveria ter começado. Sente muita fome, na verdade, mas decidiu naquela noite que aguardaria o tempo necessário para saborear a melhor refeição que irá ter em toda a sua existência. Mas pra que dizer isso ao garoto, assustá-lo com a certeza de que nunca se reencontrará com seus pais, sua essência deixando de existir para deleitar o paladar apurado de um demônio guloso.
Observa-o sentado à mesa, parecendo tão pequenino para a carga que carrega, mas procura afastar esses pensamentos de compaixão de sua cabeça. São apenas dois seres com o coração carregado de sentimentos ruins, que fecharam um negócio selado com sangue... Com o sangue também dos adoradores do demônio que usavam Ciel como seu sacrifício. Ainda ao pensar na força de espírito do garotinho de nove anos, ultrajado, humilhado e destruído, que antecipou-se aos seus algozes e ofereceu o seu próprio sangue, que outros vertiam, para atraí-lo para o pacto que os uniu.
O garoto deposita a colher dentro do prato, levantando-se em absoluto silêncio, perdido em pensamentos obscuros. Pára diante da pequena janela do casebre, vendo como o desfile de operários exaustos e de crianças miseráveis difere demais daquela vista da mansão. E perdido nas lembranças do passado e expectativas do futuro, o dia vai dando lugar à noite, Ciel sem perceber como Sebastian não tira os olhos dele, sentado na cama.
– Preciso ensinar ao mestre o básico. – Vendo quando o garoto se volta para ele. – O que quer aprender?
– Não sei o que um operário iniciante faria na minha fábrica... – Na realidade nem imagina como é sua empresa por dentro.
– Como é uma tecelagem, talvez o trabalho mais especializado seja feito pelos mais experientes. – O próprio Sebastian não imagina o que acontece numa fábrica. – Podemos começar pela vassoura. Acho que os novatos devem cuidar da limpeza.
O homem se levanta e pega a vassoura velha no canto da minúscula cozinha e a entrega para o garoto. Sorri malicioso ao vê-lo segurando-a sem jeito, a mão próxima demais do final do cabo.
– Não fique rindo de mim. – Essa expressão de sarcasmo do mordomo sempre o deixa maluco. – Venha e me ensine o que fazer.
– Se assim deseja... – Seu rosto irritado o diverte demais.
Sebastian se coloca atrás do garoto, passando os dedos devagar por seus braços pequenos, segurando suas mãos quentes, num grande contraste com o frio das suas. Posiciona-as no cabo da vassoura, mostrando o movimento a ser feito. Mas essa proximidade tão grande o perturba, tentando-o a aproximar-se ainda mais, colando seu corpo ao do chibi. Aquele calor envolvente, o aroma que vem de seus cabelos negros, a respiração levemente ofegante... Fazem o homem curvar-se de leve, seus lábios roçando a orelha pequena. Não sabe o que é isto... Talvez o desejo voraz de alimentar-se... Não... Deseja-o de outra forma... Sente reações nesse corpo humano que usa que jamais imaginou ser capaz...
O jovem conde fica arrepiado quando os dedos gelados tocam em sua pele, inicialmente pensando nisso como repulsa ao demônio que usa esse corpo que não é seu. Mas logo nota que a proximidade o incomoda de outra forma. Abaixa a cabeça acompanhando com o olhar as mãos que lhe corrigem a posição no cabo da vassoura. Ao sentir o corpo maior encostar-se no dele, as sensações a flor da pele, normais nos pré-adolescentes se manifestam, o leve roçar em sua orelha o fazendo acomodar-se, como se ele lhe desse a segurança e o carinho do qual se sente privado há muito tempo.
– Acho que o mestre já entendeu. – Diz, afastando-se abruptamente. – Melhor descansar. Vamos sair ao amanhecer.
O olhar de Ciel o acompanha, não entendendo a razão para Sebastian estar nitidamente abalado, inconscientemente sentindo-se frustrado com a separação. Fica ali parado ainda alguns minutos, segurando a vassoura e vendo o mordomo colocar o casaco e saindo pela porta, deixando-o só.
– O que diabos deu nele? – Tenta entender, mas desiste.
Tira a própria roupa com certa dificuldade, vestindo o camisolão, contente por ter conseguido aprender o básico dos cuidados pessoais na mansão. Deita-se então na cama desconfortável, sentindo-se exausto, mas sem sono. É tão cedo ainda e está excitado com o que acontecerá no dia seguinte. Sabe que será uma realidade totalmente diferente... Vai viver uma vida que não é a sua e... Talvez seja o que o amedronta mais do que tudo. Antes estava preparado para lidar com tudo, mas o que fazer em um mundo tão diverso do seu? Sente-se perdido como no dia em que se viu prisioneiro, um brinquedo nas mãos daquele homem...
– Melhor eu dormir. – Não quer reviver o passado mais uma vez. – Não vou esperar ele!
Acomoda sua cabeça no travesseiro desconfortável, mas, ao contrário do que pensava, o sono vem rápido, quase que instantaneamente sendo cativo pelos pesadelos que o assolam todas as noites.
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A escuridão da noite oculta o ser terrível que perambula em busca de alimento. Homens e mulheres passam pelo local onde se oculta, mas nenhuma dessas almas o atrai... Sua fome querendo mais... Algo melhor. Deseja nobreza de espírito, caráter e honra, mas isso não existe entre os desocupados, bêbados e prostitutas que são as únicas pessoas que ocupam as ruas a essa hora. Os homens comuns, pais de família e mães cansadas estão a muito nas suas camas, descansando para trabalharem no dia seguinte.
Não que tenha a ilusão que esta simples distinção de papéis sociais defina a qualidade da alma... É que estes seres noturnos deixaram de ter esperança há muito tempo, o tempero que as torna mais apetitosas.
E diante de seu jejum de três anos sabe que ameaça fraquejar. Torna-se cada vez mais humano, como o corpo que assumiu, deixando-se levar pelos sentimentos que os demônios já se esqueceram que existem. Precisa de forma quase desesperada devorar algo que o relembre de sua natureza, que o faça recordar da selvageria que o faz ser tão poderoso e temido.
Então vê uma mulher cruzar seu caminho, uma missionária com sua pequena bíblia sob o braço, esperançosa de salvar algumas das almas perdidas que circulam por White Chapel. E o odor de seus sentimentos bons e positivos, o desejo de dedicar-se aos outros o atrai como a mosca no açúcar. Decide então segui-la, vendo como se locomove rápida pelas ruelas obscuras da maior cidade do mundo. Deseja-a, com a voracidade do animal faminto que é e sempre será.
Arma então a armadilha, colocando-se adiante no caminho que vem seguindo, preparado para encontrá-la na escuridão do beco adiante e devorar-lhe a alma imortal. Aguarda ansioso, a respiração ofegante, a boca de dentes pontiagudos salivando em expectativa... Mas quando a vê virar a esquina sente um arrepio, um homem está com o braço em torno dela, os dois se beijando freneticamente, agarrando-se como dois animais no cio. Uma decepção imensa se apossa dele, avançando para cima dos amantes e alimentando-se por pura fome, sem qualquer prazer.
Afasta-se dos dois corpos caídos na rua sem hesitação, sentindo um gosto ruim na boca, uma profunda insatisfação em seu âmago. Depois de conhecer Ciel Phantomhive, qualquer alimento lhe parece indigno, sem graça, como se isso tivesse mudado algo dentro de si... Pois antes devorava o mais medonho pecador, lambendo depois os lábios para saborear ainda melhor.
– O que está acontecendo comigo? – A voz grotesca vai se modificando, tornando-se calma e gentil quando Sebastian surge, saindo do escuro do beco para a luz da rua movimentada, quase esbarrando em um homem muito bem vestido que desce de sua carruagem. – O que você está fazendo, menino maldito?
Continua...
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Essa é minha primeira fic de Kuroshitsuji, mas inevitável diante de um anime tão deliciosamente inteligente. A difícil relação de Sebastian e Ciel, o amor e o ódio deixando-os sempre no limite. Sebastian Michaelis é o demônio que adoramos de paixão, que se mostra muitas vezes mais humano e verdadeiro que todos aqueles que cruzam seu caminho. Ciel Phantomhive é a criança forçada a crescer depressa, um misto de força e fragilidade, sempre em sua luta pela alma que entregou como barganha, sedento de vingança. FABULOSO!
Essa singela fic é um presente para minha filhota adorada Eri-chan, que muitas vezes me trouxe de volta das sombras e que sempre vai ter um lugar especial no meu coração. Obrigado por ter se disposto a betar uma fic que era pra você, além de ter sido a cobaia perfeita.
Espero que gostem e COMENTEM!!!
13 de Maio de 2009
02:42 PM
Lady Anúbis