Em primeiro lugar, eu gostaria de anunciar este meu projeto que ficou na minha cabeça por séculos. O desafio Cem Temas RoyAi era algo que eu sempre quis fazer, e finalmente eu comecei.

Eu, sinceramente, não sei como serão as atualizações daqui, porque são one-shots, então não necessitam de uma continuação como minhas outras fics. Deste modo, eu geralmente primo pela atualização das outras e escrevo um tema quando a idéia aparece.

Eu não penso em escrever os temas em ordem, eles simplesmente virão conforme inhas idéias surgirem.

Para falar a verdade, eu mesma não postaria agora, talvez quando terminasse alguma fic, talvez nunca.

Eu agradeço à Ligia que mesmo sem saber me incentivou a escrever os cem temas.


Tema 009 – Passado desconhecido. Antes de nos conhecermos.

A garota observava através da janela de vidro. De alguma forma, apesar do calor incrível que ela sentia, não ousava estender a mão até o translúcido objeto envolto em madeira e deixar que algum ar adentrasse o cômodo.

Limitava-se a olhar o horizonte quase escondido pela silhueta dos pequenos prédios e das grandes casas da cidade. E talvez, se não estivesse tão perdida em si própria, pudesse ver o céu limpo de nuvens, em um azul de incrível beleza.

A verdade é que não pensava em nada importante, mas as dores que suas costas lhe ofereciam não a deixavam concentrar-se em nada. E não era algo como se facas fossem cravadas em sua pele, mas como se ela estivesse sendo corroída em ácido, algo que a jovem recordava muito bem.

Um ano atrás ela havia entrado, contra a vontade de seu pai, no laboratório dele quando o homem saíra. A verdade é que aqueles frascos sempre a haviam fascinado, e quando podia, observava-o trabalhar com aquilo. Sempre escondida a mirá-lo por uma fresta da porta.

Aquele gosto era bastante anormal para uma criança de sete anos, que fora quando ela se percebeu interessada nos incomuns experimentos do pai. Ele era sempre tão fechado naquele mundo que nunca lhe sobrava tempo de cuidar dela. E a menina se interessava por tudo aquilo para poder ouvir a voz daquele homem que ela chamava de pai. Mas ele só dizia para fechar a porta e sair de perto.

E naquele dia excepcional, quando a completar seus dez anos, ela sentiu o ardente ácido lhe penetrando a pele. Escondida adentrou aquele mundo que lhe era proibido, ultrapassou a porta que lhe era fronteira enquanto seu pai não se encontrava em casa.

E tomou um dos frascos nos dedos e derrubou com cuidado algumas gotas em outro. Uma coloração rósea tomou conta do tudo e seus olhos chegaram a brilhar com aquela simples transformação. Em seu pensamento, só lhe preenchia a esperança de que se ela pudesse fazer algo grande com aqueles elementos, seu pai se orgulharia e, por conseguinte compartilhassem um pouco de tempo a mais.

Não obstante, ela ouviu a porta da casa se abrindo e, assustada, deixou cair algum daqueles líquidos coloridos ao chão. Logo seu pai apareceu e com cólera avançou contra ela gritando que não poderia jamais voltar a entrar naquele laboratório.

Dos pequenos olhos castanho-avermelhados da menina brotaram lágrimas quando ele puxou seu braço e com um conta-gotas deixou algo lhe tocar a pele. E enquanto observava a criança chorar só dizia que era para ela se recordar da dor e nunca mais mexer com nada daquilo. Era perigoso. Havia destruído meses de pesquisa.

De certo, já voltando ao presente, a menina de seus onze anos ainda permanecia parada de frente à janela, apenas tentando desviar sua atenção da dor que as costas lhe proporcionavam.

Levantou-se e caminhou até o banheiro, onde retirou a própria camisa e pelo espelho mirou as próprias costas. Podia ver o contraste das três cores, o branco de sua pele, o preto das marcas que há poucos minutos foram entalhadas e o vermelho da irritação, a alergia à tinta negra que lhe penetrava a pele.

Vestiu rapidamente a camisa quando ouviu a porta do quarto se abrir, encarando uma menina de aproximadamente a sua mesma idade.

-Riza, você não vai acreditar. –e a garota, ainda a sentir a dor, apenas expressou um tímido sorriso em curiosidade. –Eu o vi.

E a pequena invasora suspirou deixando seu corpo cair na cama em uma cena dramática digna de obras de cinema barato.

-Quem você viu, Anne? –Riza sentou-se ao lado da menina enquanto observava-a suspirar. Parecia apaixonada ou algo semelhante, foi o pensamento da loira.

-Meu futuro marido, o homem que vai me trazer a felicidade plena! Nossa! Como ele era lindo! –e Riza permitiu-se rir abertamente daquela cena que julgava patética. Uma menina de treze anos como Anne já pensava em um casamento, e principalmente, achava que um menino havia lhe prometido aquilo como se fosse verdade.

-É? Então, como o encontrou? Montado em seu cavalo branco de crina prateada. –e disse tudo em um tom irônico muito incomum a uma menina de sua idade.

-Riza, pare com isto. Sabe aquele livro que eu peguei seu? –ela balançou a cabeça em confirmação. –Florentino e Fermina foram feitos um para o outro, o destino deles era acabarem a vida juntos, como dois apaixonados que sempre foram.[1]

-Anne, isto é apenas um livro. Um final belo para uma vida trágica, só serve para dizer que devemos continuar. É estupidez esperar por algo assim. –a loira resmungou em um tom de ira e desilusão.

-Você tem mesmo onze anos? –Riza assentiu sem muita vontade de continuar aquela conversa, realmente, suas costas a estavam matando, queria deixar a água gelada do chuveiro cair e talvez aliviar sua dor. –Eu comecei a pensar se existe este amor incondicional para mim e como seria ele.

-E então você o encontrou cantando uma música romântica no seu jardim? E seus olhos brilhavam de paixão. –Riza pousou a mão no peito, fingindo se sentir tocada por suas palavras e suspirou forçadamente. –e ele trazia flores, rosas vermelhas.

-Você está mudada, Riza. Neste último mês você esteve tão triste e tão irônica, aconteceu algo? –A loira negou com a cabeça, a realidade era que há um mês exato, sua tortura começara.

Seu pai passava horas a talhar nela aqueles símbolos que a guardiã não compreendia. Sua ilusão acerca daquele homem fora completamente derrubada. O homem que um dia ela acreditava lhe ter um amor excêntrico, com seu modo peculiar de exprimir tal sentimento, aquele homem morrera. Ela já podia ver quem ele era, que somente a utilizava como um recipiente, uma lembrança da mãe morta.

Agüentava calada conviver sob o mesmo teto que ele, não podia fazer nada, pois era muito nova para ganhar dinheiro. Ao menos seu pai lhe comprava comida, ou melhor, comprava para ele, e Riza, sabiamente, pegava para si.

-Você está me ouvindo?

-Desculpe, Anne. –ela havia se perdido naquele pensamento que não percebera a amiga falar. –Continue.

-Certo! Bem, eu me deitei no chão assim. –e a garota se deitou relaxadamente ao chão e cerrou os olhos. –e fechei meus olhos como se fosse dormir. E fiquei imaginando como seria este homem com quem eu me casaria e a imagem veio como cristal, tão limpa. Tão real.

A loira observou pela janela.

-Meu pai deve chegar em breve. Melhor ir antes que ele a veja. –E apressou a menina que há poucos minutos lhe invadira o quarto.

Quando a invasora deixou o cômodo, Riza apenas deu alguns passos ao banheiro e sem fechar a porta, despiu-se antes de se colocar embaixo da água gelada que caia do chuveiro. Sentiu o cabelo incomodar nas costas.

Era algo tão sujo, cabelo. Talvez estivesse contribuindo para a infecção da tatuagem que ainda não estava completa em sua pele. Era o pensamento da menina.

Ignorou que estivesse molhando o chão, apenas caminhou até a escrivaninha que possuía em seu quarto e puxou a faca que havia em seu prato do almoço. Voltou ao banheiro e passou com cuidado a navalha pelos fios loiros. Qualquer coisa para aliviar sua dor seria feita por ela. Ela, que se permitia ferir por dentro pela sensação de profundo abandono, não se autorizava ferir por fora. Nunca mais consentiria que sua dor interna se externasse.

E cortou os fios até não lhe tocarem mais o ombro. Voltou para debaixo da água e cerrou os olhos, aliviada pela temperatura baixa lhe dissipar a dor.

Não deixou de recordar o que havia dito Anne. Para acabar com aquilo, até casar-se era válido. Já não suportava o convívio com aquele homem, e qualquer outro lhe seria lucrativo.

Já se iludira tanto, portanto, porque não sonhar um pouco mais? E fechou os olhos tentando focalizar a imagem do homem que seria seu suposto marido no futuro.

Riu, aquilo era patético. Era melhor que continuasse calada e agüentando tudo o que por vir seguiria. Já o fizera por tanto tempo, poderia agüentar mais alguns anos até formar-se no colégio e começar a trabalhar.


A loira abriu os olhos calmamente e sorriu com leveza ao constatar que alguém lhe observava dormir.

-O que está fazendo? –ela perguntou sem compreender o brilho que preenchia o olhar do homem à sua frente. Não deixou de se perguntar se ele passara a madrugada inteira a observá-la desacordada.

-Não acredito ainda, Riza. –ele comentou com voz baixa. –E você, algum pesadelo para acordar de repente?

-Não, só um sonho estranho. –Riza estendeu a mão tocando a face do acompanhante e a virando ligeiramente de modo a observá-la melhor sob a luz fraca do abajur que ao lado da cama possuíam.

-Estou começando a me assustar com o modo que está me olhando. –ele comentou enquanto a percebia mirá-lo, a loira o examinava detalhadamente como se buscasse compreender algo.

-Quando eu o vi pela primeira vez, odiei o modo como seu cabelo preto era rebelde. Seus olhos escuro e finos me davam asco. Sua pele extremamente clara me horrorizava. E até o seu nariz, achei um pouco fino de mais par ao meu gosto. –Riza começou a falar ao mesmo tempo em que o observava curvar as sobrancelhas em confusão por aquelas palavras.

-Não é a melhor coisa para se dizer na primeira noite do seu casamento. –o homem fingiu alguma mágoa, fazendo a sorrir ainda mais abertamente.

-São exatamente as coisas que eu mais amo em você hoje, Roy. –ele retribui o gesto sorrindo também, e logo aproximou sua face beijando-a com sutileza nos lábios.

-Então sonhou com a primeira vez que nos vimos?

-Não, com a primeira vez que eu te vi.

-E quando foi isto? –a curiosidade preenchia o homem que se endireitou de modo a ouvi-la com clareza.

-Eu tinha onze anos. –ele não compreendeu, contraindo a face vagamente em dúvida.

-Mas eu não morava na Central naquela época, como pode ter me visto?

-Eu vi você na minha mente, exatamente como é hoje. –Roy soltou uma breve risada ao ouvi-la dizer aquilo, mas, logo parou ao sentir os lábios dela sobre os seus. –Quando eu desejei saber quem seria meu marido. Eu havia tido um dia ruim e queria saber quem me salvaria daquilo.

-Por isto você ficava envergonhada sempre que me via quando nos conhecemos?

-Provavelmente.

-Então estava escrito que nos casaríamos? –Roy perguntou passando a mão por alguns fios loiros que caiam à face dela e os arrumando.

-Sim. Era nosso destino. –respondeu apoiando a cabeça no peito dele e cerrou seus olhos sentindo o cheiro do perfume, que fraco, ainda exalava dele e a deliciava. Sentiu os braços dele lhe rodearem a apertarem com alguma força, nada que pudesse machucá-la, mas de um modo como se temesse largá-la.

-Eu te amo, Riza.

-Eu também, Roy.


[1] Florentino e Fermina são personagems principais no livro Amor nos Tempos do Cólera.

É isto ai, espero que tenham gostado. Eu, sinceramente acho que foi uma das piores fics que já me ocorreu de escrever, mas deixo a encargo dos leitores decidir.

O próximo tema será o 072, Desenhando fronteiras.

Deixem reviews, por favor. Se quiserem pedir algum tema, podem fazê-lo e tentarei acatar o pedido. Caso não conheçam os temas, só dizer que eu posto na próxima atualização.