Quietus

Eu acredito no Paraíso. E eu tenho medo. E eu o sigo.

Descalça e no escuro, arrastando meu longo vestido e minha culpa, pisando nos cacos de vidro formados por minha alma despedaçada. Meus pés sangram, mas eu não sinto dor; e eu o sigo.

Porque não quero ficar sozinha.

Antes, tudo o que existia eram as suas palavras, depois a sua voz e agora a sua presença. Forte e mais forte. Sombras que vejo aos pés da escada, vultos no final do corredor. Meu coração acelera, minhas mãos estão frias e eu estou descalça, andando sobre cacos de almas.

E agora eu danço sobre meus próprios pedaços. Sorrindo, no caminho para esse reencontro. E eu giro em meus calcanhares, rodopio entre risadas, fico mais leve. A cada passo, as fitas do vestido caem e são pintadas de vermelho, pois meus pés sangram.

Mas eu não sinto dor.

E eu o sigo, mesmo sabendo que é errado, mesmo que uma voz dentro de mim implore para que eu volte, e diga que essa será a minha última caminhada. A minha última dança, no embalo das lágrimas feitas da minha alma que se quebrou nos cacos que eu ainda estou pisando.

Ele me resgatou da solidão, roubou minha consciência, deu-me cordas tecidas em ilusão nas quais fui tentada a me enforcar. E ele sorri, e eu deixo as cordas para que ele me guie.

Para que me ame.

Mas ele não ama e ainda assim eu devo minha alma, meu sangue e a minha dança etérea. Meus últimos passos, meus sacrifícios e últimos desejos.

E nada importa, pois apenas escuto sua voz. Não me pergunto o quanto isso pode vir a ser real, pois se for sonho para mim basta.

Apenas não quero ficar sozinha.

E ele me chama. Ele me guia. Desenha meus próximos passos e eu já não escuto as outras vozes que me chamam. Elas querem me salvar, mas eu não quero ser salva. E ele sorri, pois sabe disso. E eu corro ao seu encontro. Descalça, meus pés sangrando, sorrindo, dançando. Não sinto dor.

E eu acredito no Inferno. E também tenho medo. E eu o sigo.

Continuo obedecendo às suas instruções. Apenas palavras, pois sua imagem desapareceu na curva do último corredor. Ela agora existe apenas em minha cabeça. Assim como a sua presença, que é apenas formada por traços da minha loucura, dolorosamente reconfortante. E eu sorrio. E eu o amo.

E eu amo amá-lo.

E eu danço, mesmo sem música, pois minha alma se foi.
E eu caminho, mesmo descalça e sob cacos de vidro, pois ele também caminha.
E eu o sigo, para o céu ou para o inferno, pois ele faz parte de mim.

Não há começo, muito menos um fim para a sua existência. E eu, finalmente, me sinto sua.

Eu nunca estive no Inferno ou no Paraíso. Nunca vi Deus ou o Demônio, mas eu acredito que eles existem.

Precisam existir.

Do contrário, eu jamais poderei definir Tom.


N/A.: Quietus significa silêncio, quieto, mas também posse ser utilizada no sentido de "golpe fatal", "golpe que cala". Essa Ficlet foi escrita para o XVIII Challenge Relâmpago do Fórum 6 Vassouras.