Bônus Três

If everything could ever feel this real forever
If anything could ever be this good again
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Senti seus braços contornando meu corpo, suas mãos pequenas passando pelo meu abdômen. Virei o corpo para ficar de frente para ela e beijei o topo de sua cabeça. Alice suspirou e ficou na ponta dos pés para poder me encarar.

"Acho que já podemos ir", sussurrei e ela acenou brevemente antes de fechar os olhos e encostar a testa no meu peito.

Fiquei olhando pela janela, observando a noite ganhar o céu, pelos últimos minutos, enquanto Alice tomava banho. Mesmo com a pele dela tão perto da minha, com o seu aroma em todo quarto e a serenidade escapando pelo seu corpo, meu estômago ainda queimava. Meus olhos do mais negro possível.

"Eu vou te ajudar", prometeu, sua respiração contra a minha pele. "Você não precisa se preocupar com nada."

Toquei seu rosto com a ponta dos dedos e ela me encarou. Ergueu-se na ponta dos pés até estar próxima do meu rosto, e então inclinei-me, nossos lábios se tocando com suavidade. Alice entreabriu os lábios e eu a beijei de volta, minhas mãos indo para sua cintura e a tirando do chão sem esforço nenhum.

"Eu sei", respondi quando nossos lábios se afastaram, seu corpo ainda suspenso no ar.

Alice continuou com as palmas das mãos em meu peitoral e deixou com que a ponta dos dedos vagassem pela minha pele, as mãos pequenas dela entrando pela minha camisa aberta. No começo (e era estranho pensar que este começo era tão recente) isto havia me perturbado um pouco: a pele macia da minha bailarina contra minhas cicatrizes, todo meu corpo cheio delas. Ela, porém, parecia sentir-se fascinada por elas, parecia gostar de tocá-las e beijá-las.

Encostou a cabeça no vão entre meu ombro e pescoço, minhas mãos, ainda na sua cintura, sustentavam seu peso.

"Você viu alguma coisa?", perguntei da forma mais sutil possível e acariciei seu cabelo curto.

Senti seu suspiro contra minha pele e um pouco de dor no ar. A dor de Alice me machucava quase mais do que a minha própria frustração, só não doía mais porque eu sabia que ao falhar eu me sentiria pequeno, inútil, mas ainda mais forte seria o fato de decepcioná-la. Deixei com que meu dom aliviasse um pouco de sua dor.

"Você não vai me decepcionar", ela assegurou, talvez prevendo alguma futura conversa que eu teria com ela, ou apenas sabendo o que minha expressão significava.

"Apenas porque você já viu que não vai funcionar", murmurei, ainda que não quisesse que a conversa tomasse um tom melancólico.

Meu relacionamento com Alice era leve. Ainda que intenso e com o dom de me deixar completo, era natural. Não dava trabalho nenhum conversar com ela, estar com ela, estar nela. Era como se eu tivesse nascido para aquilo, o fato de termos demorado tanto para nos encontrarmos era apenas uma brincadeira do destino. Alice não gostava de achar isso, ela preferia a idéia de que ela tinha um pouco mais de controle nele, o destino.

"Você nunca vai me decepcionar", ergueu o rosto e me encarou com serenidade.

Conhecia Alice tão bem, mas ainda assim ela continuava sendo um mistério para mim. Uma charada cheia de outras pequenas charadas espalhadas pelos olhos vivos, o cabelo espetado, o sorriso meio infantil. Sempre havia alguma coisa em seu rosto que me levava a acreditar que ela não era real.

"Como você pode ter tanta certeza?", perguntei, minha agonia contrapondo-se contra sua calma.

Sorriu abertamente, mas eu sabia que havia alguma coisa a mais ali. Mesmo que não tivesse o dom de sentir suas emoções, eu continuaria sabendo, os tremores em sua calma apenas confirmaram minha desconfiança.

"Eu simplesmente sei, você sabe!"

Tirei uma de minhas mãos da sua cintura, segurei-a mais firmemente com que a permaneceu no lugar e toquei seu rosto delicado. Sem nunca tirar os olhos dos dela, tracei um caminho de sua mandíbula até sua boca.

"Fale, Alice", pedi, com um tom de suplica que apenas ela me faria usar. "A sua calma me ajuda muito, mas eu sei que ela não é uma característica completamente sua."

Ficava óbvio, após conhecê-la bem o suficiente, que ela era impaciente demais para uma pessoa de tão pequeno tamanho.

Curvei um pouco o corpo e a recoloquei no chão, uma de minhas mãos ainda em seu rosto.

"Isso foi uma coisa que eu levei muito tempo para conseguir, Jazz", ela murmurou, os olhos fixos nos meus. "Você precisa ter isto em mente."

E eu sabia disso, ela já havia me explicado o quão difícil era virar 'vegetariano' de um dia para o outro. Mas a questão não era essa. A questão era que eu havia passado tempo demais em lutas, tempo demais gostando daquilo; caçar, matar e beber sangue humano já estava impregnado em quem eu era, por mais que aquilo me enojasse. Com um passado como o meu, ficava claro que seria mil vezes mais difícil.

Preferi não verbalizar meus pensamentos. Sabia que ela não me julgaria, mas isso não significava que eu gostava de falar sobre a vida que eu havia levado por tanto tempo.

"Vamos logo, então", pedi, entrelaçando sua mão na minha e indo para a porta do quarto.

Me acompanhou com graciosidade, dançando ao meu lado, e eu não pude deixar de admirá-la.

"Devo admitir que estou em dúvida", confessei algum tempo depois, enquanto andávamos calmamente por uma rua deserta e mal iluminada.

Franziu as sobrancelhas, uma expressão de curiosidade tomando conta de seu rosto, como uma criança inteligente demais que não consegue resolver um problema matemático.

"Com o quê?"

Curvei os lábios em um meio sorriso e os olhos dela assumiram um brilho intenso, o que eu tinha reparado que acontecia toda vez que eu sorria daquele jeito. Era bom perceber as reações que ela tinha aos meus atos, principalmente porque eu sabia que ela também percebia as minhas.

"Acho que curioso seria a palavra certa", disse, ainda sorrindo. "Fico tentando imaginar você, uma bailarina, caçando."

A compreensão iluminou seu rosto e senti um pouco de constrangimento emanando seu corpo. Se ainda fosse humana, provavelmente estaria corada, e eu não pude deixar de imaginar o quão adorável aquela visão seria.

"Como qualquer outra vampira que você já conheceu", resmungou, mudando de assunto.

Já havia convivido com várias vampiras ao longo da minha existência, mas nunca havia perdido muito tempo conhecendo-as de verdade. A maioria eram recém-nascidas sedentas por sangue, então suas técnicas de caça não eram das mais aprimoradas. Só que era diferente tentar visualizar Alice caçando – fosse um humano ou um animal. Seu corpo era tão pequeno, seu sorriso tão delicado, e eu não conseguia imaginá-la cravando os dentes em sua preza (ainda que algumas marcas pelo meu pescoço provassem que ela tinha força o suficiente para isto).

"Duvido", limitei-me a dizer.

Ela permaneceu quieta, talvez avistando o futuro, enquanto andávamos. Passou um tempo até que percebi que ela havia parado na calçada.

"Vamos?", chamei, mas ela continuou parada. "Alice?"

Voltei alguns passos e me postei ao seu lado. Ela estava em frente a uma loja sem iluminação, mas a vitrine estava completamente nítida para nossos olhos. Vários sapatos coloridos podiam ser vistos no chão da vitrine, aos pés de alguns manequins. Meu olhar voltou para Alice, que olhava fixamente para um dos sapatos em especial e, fechando os olhos, senti o desejo vindo dela. Agora as coisas faziam mais sentido.

"Consumista, então?", murmurei em tom de piada, puxando seu corpo para mais perto do meu.

Apertou os lábios e não disse nada.

"Vai fazer sol amanhã?", perguntei vagamente, com a intenção de não entregar o que a pergunta significava.

"O quê?", questionou, mas ainda assim fechou os olhos por alguns instantes. "Não, vai estar nublado."

Me olhava sem entender o motivo da minha pergunta e eu balancei a cabeça.

"Amanhã nós viremos até aqui e, como bons cidadãos que somos, faremos uma compra na loja", respondi, sorrindo para ela, e recomecei a andar.

Também sorriu e piscou várias e rápidas vezes. Nós, vampiros, estávamos acostumados a fazer compras noturnas, a maioria delas clandestinas. Principalmente os que andavam em bandos, ou que como eu, eram 'tradicionais' e não aturariam muito tempo em lojas pequenas ao lado de humanos. Mas com Alice, eu começava a perceber que eu queria fazer tudo certo.

Alguma coisa dentro de mim me lembrou do soldado que eu era há muitos anos, o rapaz correto que eu era. Eu era uma pessoa boa, simples assim. Queria poder ser daquele jeito de novo, e estar com Alice deixava aquela vontade ainda maior.

Estávamos na entrada da cidade, a estrada em nossa frente, e começamos a andar mais rápido, ainda que para nós o ritmo ainda fosse devagar. Quando já estávamos bem afastados da cidade, e já haviam mais árvores ao redor da estrada, aceleramos nossa caminhada, em um segundo já estávamos correndo pela vegetação.

Desviei o olhar em sua direção e achei engraçada a forma com que o vento batia contra seu rosto, deixando seus cabelos ainda mais espetados. Mas logo voltei a olhar para frente, ouvindo um barulho há alguns metros de distância, provavelmente um bando de cervos.

"Se concentre no cheiro deles", aconselhou em uma voz suave, enquanto ainda corríamos.

Tentei me concentrar no que ela dizia e me deixei levar por meus instintos. Fomos diminuindo o ritmo da nossa corrida e, sorrateiramente, nos aproximamos de um bando de 5 cervos.

Os olhos fixos neles, comecei a prestar atenção em seus movimentos, a forma com que os corações batiam. Não era excitante como os batimentos humanos, mas ainda era apetitoso.

"Veja", sussurrou ao meu lado e, no segundo seguinte, já havia avançado para o que estava mais próximo de nós.

Deu um salto e eu podia jurar que ela estava dançando no ar. Rodopiou e, com graciosidade, ela pousou no chão verde. Em um golpe rápido ela atacou o cervo, que mal havia percebido sua presença, e então seus dentes já estavam em seu pescoço. Ela fez todo o ato como se fossem passos ensaiados de um musical, ainda que alguns segundos depois eu pudesse ter visto um pouco de sangue no canto de seus lábios. Um musical sanguinário.

Aquilo, muito mais do que os animais em si, aumentou minha sede. A imagem dela, o sangue em sua pele alva, instigou todos os meus desejos mais primitivos. Dei impulso e saltei para um dos cervos que, como os outros, começavam a fugir. Com as mãos, segurei seu pescoço, sentindo seu pêlo contra minha pele e, não querendo pensar muito no quão idiota aquilo parecia, cravei meus dentes nele. Mordi mais uma vez, com força, e o sangue inundou minha boca, no que eu avidamente comecei a beber, sugando mais.

Era diferente, eu disse a mim mesmo. Eu poderia sobreviver com aquilo, seria o suficiente.

Continuei a beber seu sangue, tentando não pensar em nada que não fosse o animal. A vida foi indo embora conforme eu a sugava para mim, mas a sede continuou. Continuou como se eu não tivesse acabado de matar o animal e tomar todo seu sangue. Larguei seu corpo e segui na direção que os outros haviam ido, correndo rápido, não pensando em mais nada.

Corria rápido quando encontrei mais um deles, só que diferente de antes, eu não ouvia seu coração batendo. Suspirei. Oh, com toda certeza havia sim um coração batendo ali. Vi que há alguns metros de distância do corpo do animal, encontrava-se um homem vestido com roupas de caça e uma arma ainda apontada para o animal morto no chão, o olhar obviamente assustado pela rapidez com que eu havia chegado ali.

Seus olhos se esbugalharam e eu senti o desespero tomar conta dele. Normalmente eu teria simplesmente corrido para longe, para evitar que eu o matasse, mas era diferente quando todos seus instintos estavam acesos, o olfato em ápice. Ainda sentia o gosto do sangue de animal na minha boca, e aquilo foi o suficiente para me fazer atacar.

Em menos de um segundo eu já estava em sua frente, sua arma apontada inutilmente para mim. Tomei-a com uma das mãos e a joguei para longe.

"Meu Deus", ele conseguiu murmurar, os olhos fixos nos meus, completamente aterrorizado.

Abri a boca, mostrando os dentes e me dirigi para o seu pescoço. Diferente de quando fiz isso com o animal, senti prazer no que fazia, um prazer insano e intenso.

Cravei meus dentes na pele humana com força e, quando o sangue invadiu minha boca, fechei os olhos, aproveitando o momento, aproveitando as sensações que o sangue me trazia. Conforme o homem desfalecia, fui me curvando sob seu corpo, até estar agachado no chão, com seu corpo em meus braços. Alguns instantes depois, quando desta vez a sede ia embora junto com a vida do homem, me afastei do corpo. Inspirei profundamente e contornei meus lábios com a língua, sem querer perder nenhuma gota do líquido vermelho.

Ofegando, joguei o corpo do homem para o lado e me pus de pé, o corpo revigorado após matar a sede. Só então percebi que Alice estava parada ao lado de uma árvore, há uma distância razoável de mim.

"Está tudo bem", sussurrou, provavelmente sabendo o que viria a seguir.

Só que nem eu sabia direito o que falar, minha mente ainda estava levemente extasiada pelo sangue ingerido. Mas, conforme eu me aproximava lentamente dela, a realidade foi voltando, da mesma forma que eu sentia que Alice estava me apoiando.

Cheguei até ela, mas ainda assim mantendo um espaço entre nós.

"Ele não estava no nosso caminho, até decidir ir atrás dos cervos que conseguiram fugir de nós, então eu não o vi antes", ela explicou, a expressão tranqüila, ainda que seu corpo irradiasse um pouco de frustração. "Desculpe."

Encarei seus olhos por um longo momento, procurando por seus verdadeiros pensamentos, e então fechei meus olhos. Senti a sua frustração, mas ela vinha pelo fato de ela não ter conseguido enxergar o homem no nosso caminho, senti também a confiança que ela ainda tinha em mim.

O monstro, o animal que existia em mim voltou a florescer, como havia feito quando eu sugava o sangue do caçador. Eu havia acabado de matar mais um humano e ela continuava com aquela confiança inabalável.

Dei um passo em sua direção e a segurei pelos ombros com força, esquecendo a fragilidade que eu sempre via nela.

"Como você pode dizer essas coisas? Como você pode sentir essas coisas?!", me vi sussurrando com desprezo, as palavras saindo lenta e venenosamente dos meus lábios. "Eu acabei de matar um homem na sua frente. Você se satisfez com sangue animal, enquanto eu achava tudo aquilo inútil! Enquanto tudo o que eu desejava era sangue humano!"

Alice fechou os olhos e balançou a cabeça com leveza. Abriu os olhos, impaciente.

"Eu lhe disse, Jazz: não é fácil. Eu te entendo." Murmurou docemente e ergueu a mão para tocar meu rosto.

Peguei sua mão no ar e a apertei na minha com força.

".isso.", falei, os dentes pressionados uns nos outros. "Pare de dizer que entende, que sabe o como é difícil."

Soltei sua mão e me afastei dela.

"Não sei por que achei que poderia ser bom novamente!", virei de costas para ela, meus olhos recaindo sobre o corpo do homem que eu havia matado.

Ouvi seus passos se aproximando de mim e logo depois suas mãos em meus ombros, me tocando delicadamente.

"Você é bom, Jasper."

Com uma força que eu sabia que ela tinha, mas que não combinava com sua aparência, ela me virou para ela. Rapidamente colocou ambas as mãos em meu rosto, cada uma de um lado, e se pôs na ponta dos pés para poder me encarar direito.

"Não importa o que você faz para saciar a sua sede, não importa quantas vidas você já tirou", ela desceu uma das mãos para o meu peito. "O que importa é que eu sei quem você é, eu sei que você é um bom homem."

Inspirei profundamente.

"Isso nunca vai funcionar", lhe avisei.

Desejava desesperadamente que ela parasse de ter tanta confiança em mim, ainda que no fundo eu soubesse que preferia a morte a viver em um mundo onde eu não tinha mais a minha bailarina confiando em mim.

"Vai funcionar", ela sorriu, mas o sorriso não chegou aos seus olhos. "Você vai querer discordar de mim?"

"Eu quero mais do que tudo acreditar em você", confidenciei. "Mas isto está em mim, Alice. Está impregnado em cada parte do meu corpo."

Balançou a cabeça e impulsionou seu corpo contra o meu, os lábios se aproximando dos meus. Afastei o rosto o mais rápido que eu pude, mas ela não desistiu, a mão correndo para a minha nunca e trazendo meu rosto para perto do seu de novo.

"Faça isto por mim, Jasper.", ela pediu em um sussurro baixo, até mesmo para mim.

Naquele momento eu soube que aquela seria a única vez que ela me pediria aquilo, nunca mais precisaria repetir aquelas palavras, porque eu sabia que a machucava ter que pedir aquilo daquele jeito.

"Eu sei quem você é, Jasper Hale. Eu sei tudo sobre você, eu enxerguei todo seu passado, eu te conheço melhor do que ninguém, e mesmo assim eu estou aqui, eu confio em você.", voltou a aproximar nossos lábios. "Agora você precisa confiar em si mesmo."

Seus olhos ainda estavam grudados nos meus e eu podia enxergar neles que todas suas palavras eram verdadeiras, eu podia sentir a verdade.

"Eu confio em você.", murmurei contra seus lábios, e então deixei com que eles se tocassem.

Porque para mim, depois daquele momento, só existiu aquele motivo. Eu seria bom novamente – um dia – por ela.


(N/A): Demorei séculos, eu sei, eu sei.
Estava completamente bloqueada pra esse capítulo, então ontem de noite eu decidi que ia escrever, e foi isso que saiu. Sinceramente? Eu gostei bastante do resultado, espero que vocês também gostem (e comentem bastante xD)
Acho que esse seria um bom 'final', mas também acho que vou acabar postando mais alguma coisa. Entãão...prestem atenção nas atualizações (:
Beijos, deixem reviews bem bonitinhas
Lisi B.