Capítulo 1. Só o que eu quero

Ele descia a escada de dois em dois degraus, apressado, com um ar de choque de quem tenta se conformar. Ao chegar no Salão Comunal da Grifinória passou a ser seguido pela garota que o aguardava recostada à parede, ainda com o uniforme de Quadribol, ainda molhada da chuva, ainda com aquele olhar aflito.

- Remo, pare, fale comigo… - Seu tom era de quem implorava.

O garoto não parou até que Marlene irrompeu à sua frente, seu olhar era uma inquisição dura, pensou o garoto. Uma inquisição pela qual não queria passar. Não deixaria que sentissem dó dele.

Ela segurou seu braço, e ainda em tom de imploração, repetiu:

- Remo, fale comigo…

Ele olhou-a, como deveria encarar tudo aquilo? Deveria ser orgulhoso? Ou compreensivo com tudo o que o amigo lhe dissera? Ou cederia…?

- Faça o que quiser, mas quero que me ouça. – A garota falou em tom duro, mas surpreendeu o amigo com a resposta às perguntas que acabara de fazer a si mesmo.

- Eu só quero sair daqui. E não quero que você me acompanhe.

- Remo! – Ela agora o olhava afoitamente, controlando-se para não soltar frases sem sentido sob a forma do escândalo que queria fazer. Não, não podia fazer um escândalo com Remo. Ele não merecia. O único que merecia ouvir seus gritos era Sirius. E ela não queria nem vê-lo agora.

Mas os instantes que usou para controlar-se foram suficientes para que perdesse o amigo de vista. Tudo que viu foi o quadro da Mulher Gorda fechar-se.

Então ela correu. O que Sirius teria dito? O que Remo estava pensando?

Saiu pelo retrato a tempo de vê-lo virar no corredor. Foi atrás. Ele conhecia mais entradas secretas que ela, tinha de ser rápida.

Conseguiu.

- Remo, dá pra parar? – Ela o segurou pelo braço novamente. – Me explica o que vocês conversaram. O que aquele idiota do Sirius te disse? – Ela buscava seu olhar, mas ele relutava, mantinha a feição determinada, dura.

- Esquece.

A garota bufou.

- Ah! "Esquece"? Então tudo bem! Se for o que você QUER, eu esqueço! Mas sabe o que eu quero agora, Remo? Hein? – Ela gritava. Por que tinha que gritar? Por que ele tinha que ouvi-la? Por que tinha que QUERER ouvi-la?

O garoto abaixou o rosto em resposta. Fechou os olhos como que para evitar sentir o efeito do que a garota lhe dizia ou iria lhe dizer.

- Eu quero ficar com você… - Disse Marlene, agora brandamente.

Remo viu que não podia mais fugir. Daria-lhe as respostas.

- E quer que eu diga o mesmo? Marlene, o que você quer de mim é menos do que eu quero de você, entenda isso. – Seu tom era cansado.

- E por que você acha isso? Por que você acha que eu tenho dó de você? Se você me disser que foi o gênio em psicologia do seu amigo que lhe falou essa besteira e que você acreditou aí sim tenho pena de você. O Sirius não sabe o que quer, Remo. Ele é orgulhoso demais pra ver que eu… - Mas a garota não conseguiu achar termo algum que completasse sua frase. Será que se enganara? "Não, sei que não. É isso o que eu quero. Não estou enganando ninguém. E nem mesmo sendo egoísta."

- Que você o quê? Como você vai completar isso, Lene? Você não pode dizer que ele verá que te perdeu, porque não é verdade. Você não pode dizer que você quer a mim em vez dele, porque não é ver…

- Ah, por favor! Desfaça esse semblante de bronca de pai, Remo! Eu não te vejo assim! Esse é o seu problema! Você acha que eu não te quero? Pois o que é "querer" alguém, Remo? Eu QUERO você, sei disso. E não quero o Sirius agora. E não quero ninguém nesse momento além de você. E não estou com a menor pena dessa mula que está parada na minha frente tentando inutilmente me confundir com algo que é muito claro.

- Você acha que é claro. – Disse Remo, ainda com o pesar na voz, mas rindo de lado. Marlene nervosa não costumava deixa-lo sério…

- E daí? O que importa? Que diferença faz no final, Remo? Aliás, que diferença faz AGORA? – Ela olhava-o como quem dizia algo óbvio, mas Remo sabia que nem ela encarava realmente daquela maneira. Ele sabia que era nesse ponto que os dois se divergiam… quando pra ela os conceitos misturavam-se e nada significavam, e ela conseguia fazer tudo o que queria, quando queria. Mas para ele as boas verdades e as palavras daquela garota à sua frente surgiam como postas sob sua vida real, a vida abafada pelo "lado bom" que ela expunha, e ele sabia que ela era boa demais pra enxergar seus problemas. Sim, ele a queria.

Os dois se olhavam, fitando um orbe de cada vez, vendo quem ganhara. "O que importa?", Remo viu seus pensamentos esvaírem-se, tomados pela visão daqueles olhos que perceberam a luta ganha e que na verdade, nem havia luta. Quase sem perceber, o garoto perpassou o olhar pelo rosto da garota, acompanhando o desenho de seu nariz empinado e chegando ao desenho cheio e pouco definido de sua boca. Nada mais passou pela sua cabeça…

Antes que percebesse, Marlene aproximou-se, os olhos dele haviam se fechado. Ela só pensava no gosto doce que sabia que sentiria assim que encontrasse os lábios finos e bem desenhados do amigo. Seus beijos sempre eram… flutuantes. Essa era a palavra… eram leves… macios… quentes. Eles não queimavam como os de Sirius… Eles jamais feririam seus lábios… E sempre os acalentaria. Remo era seu refúgio. Sua bela aventura… Um passeio quente por um céu de vento frio.

Ela o beijou longamente. Ele a envolveu pela cintura e o espaço entre seus corpos deixou de existir. Havia ali uma passagem secreta, bem atrás da parede sobre a qual encostou Marlene nos minutos seguintes. Ele separou seus lábios dos dela.

- Você é teimosa demais. Tanto que quase me manipula…

- Uau! Alguém consegue manipular a cabeça de uma mula que nem você? Estou surpresa.

Os dois falavam de lábios quase colados.

- Às vezes, essas coisas acontecem… E, você sabe, não se pode desperdiçar oportunidades. – Remo puxou-a enquanto abria a passagem secreta e adentrava-a.

- Que lobo mau... – A garota ria divertida. – Aqui é sua toca, eh? Estou encant…

Remo beijou-a com intensidade.

Naqueles tempos, Marlene tinha razão. Os anos mudaram demais. Havia guerras, e somente guerras. Os humanos guerreavam unidos, tanto trouxas quanto bruxos, pela igualdade. Lutavam consigo e contra eles mesmos pelo fim de preconceitos incontáveis, pela liberdade que a própria civilização lhes privava de ter. E tudo que ela, ele e muitos dos jovens temiam era manter-se presos por conceitos que nem mesmo aprovavam, ou por leis de consciência sobre as quais não lhes deram tempo ou oportunidade para pensar, para negar ou assimilar. Era o limite entre tantos anos de aceitação e a geração que podia finalmente pensar sobre e por si.

E isso tudo era interno. E isso tudo não era tudo. Eles sabiam que Hogwarts era uma redoma que não estava nem perto de ser eterna para eles. Tudo aquilo acabaria. Lá fora o preconceito e os conceitos internos de cada pessoa tornar-se-iam a base de batalha para dois lados que guerreariam. Ali, beijando-se, Marlene e Remo sabiam que, de verdade, o que passavam naquele momento, ali dentro, sob a redoma de seus professores, entre os afagos cheios de desejo, era parte de tudo que teriam mais tarde, lá fora, sobre seus próprios passos, sob um céu furioso, entre raios de ódio do inimigo: lembranças…

Nada daquilo duraria o suficiente e, depois, se houvesse depois, estariam sujos e corrompidos demais pela guerra para serem felizes como eram. Para terem idéias concretas como tinham. Para ter qualquer tipo de certeza e força que lhes trazia todo aquela felicidade.

Eles estavam certos, e ninguém poderia negar. Fosse por que fosse, estavam os dois juntos, naquele momento e não se privariam de nenhum prazer.

Marlene separou-se de Remo, olhou-o. Segurou suas mão firmemente. Beijou-as e as pôs sobre sua cintura, puxando a camiseta do time da Grifinória e entregando sua barra para que ele a despisse. Abriu os botões da camisa do garoto, beijou-o no peitoral e voltou a olhá-lo nos olhos:

- Eu jamais teria pena de alguém tão perfeito como você. Você é um grande amigo, Remo. – O garoto dirigiu seu olhar do colo nu da garota para seus olhos.

- Eu amo sua amizade – Disse rindo.

Era o que queriam.