Capítulo 6 - Crimson Evening II

Eu dormira tranquilamente naquela noite.
Minha mãe estava extremamente excitada, e só pareceu se recompor quando entramos na elegante carruagem. Ela havia feito Margareth usar um longo vestido rosado, cheio de fitas e pequenos laços. O tipo de coisa que minha irmã não suportava. Para mim ela estava linda, mas eu sabia que ela estava odiando tudo aquilo. Desconfiava que se fosse possível, minha irmã teria usado calças em casa, transformando a vida de minha mãe em uma sucessão de decepções. Eu parecia uma miniatura de meu pai, exceto pelos cabelos claros.
Eram cerca de duas horas até Londres, e sabíamos o caminho de cor.
Margareth ouvia desinteressada o monólogo de minha mãe sobre a peça, e eu apenas observava a paisagem, imaginando se Neil apareceria quando eu voltasse, e que tipo de assuntos ele tinha para resolver. Sentado ali, eu percebi que não sabia nada sobre ele. De onde vinha, para onde ia, o que fazia. Nem nome ele tinha, que tipo de vida alguém como ele levava? Eu não percebera que minha mente estava totalmente preenchida por sua figura, nem mesmo quando após cerca de uma hora de viagem, a carruagem simplesmente parara, e eu só percebi isso quando ouvi meu pai perguntar ao cocheiro com a voz séria, o que havia acontecido.

"Os cavalos não querem seguir", o jovem que nos guiava dizia impaciente, enquanto chicoteava os dois cavalos com fúria.

"Pois os faça andar, não podemos nos atrasar e estou lhe pagando muito bem por essa viagem."

"Desculpe o transtorno."

Pela pequena janela, vi quando o homem desceu de seu assento, mas não vi quando retornou.
Ficamos em silêncio por algum tempo, até a impaciência de meu pai começar a reaparecer, e ele abrir a porta da carruagem para ver o que havia acontecido. Assim como o cocheiro, ele não voltou.
Foi somente após o não retorno de meu pai, que eu comecei a perceber que algo não estava certo.
Não estávamos em uma estrada vazia, mas fizemos todo o caminho sem encontrarmos ninguém, isso já era bem estranho, ainda mais por ser a única estrada que levava até Londres. A ausência de meu pai surtiu um efeito imediato em minha mãe. Aquela expressão de aborrecimento surgira novamente, e ela mexia no guarda-chuva com certa agitação.
Maggie parecia ser a única alheia a tudo aquilo, encarando o outro lado da janela, como se os dois homens fossem reaparecer a qualquer minuto, mas que ela era agradecida pela pausa sobre a enfadonha peça que sua mãe dera a seus ouvidos. Eu estava começando a ficar assustado.

"Onde eles foram?", minha mãe passou o lenço pela testa e pude perceber que ela suava.

"Quer que eu vá ver?", Margareth inclinou a cabeça para o lado, apontando para fora.

"Você fique aqui dentro, Margareth!"

Olhei de minha mãe para Margareth, e foi então que tudo aconteceu.
Do lado de fora da janela, do lado de minha irmã, havia um rosto. Em seguida, havia um braço que entrava pela janela. O segundo que gastei virando a cabeça para avisar minha mãe, fora o tempo de ver um outro braço entrando pela outra janela.
Minha mãe fora levada junto com a porta. Eu não chegara a ouvir sua voz. Eu não tinha tempo, eu precisava de Maggie. Mas era tarde.
Quando minha cabeça virou-se novamente para o seu lado, tudo o que pude fazer fora esticar a mão em sua direção, enquanto ela era levada assim como minha mãe. Nossas mãos não se encostaram, mas eu pude ver o terror em seus olhos antes que ela desaparecesse, e algo caísse com barulho no teto, afundando-o. Eu senti o teto me prensar junto com o banco, e minha perna quebrar. Meu nariz tentava sugar o máximo possível de ar, como se tudo o que eu precisasse fosse me manter respirando.
O teto amassado contra meu corpo não me deixava enxergar nada, mas eu conseguia ouvir.
Pareciam trovões, como se chovesse envolta de mim. Em seguida eu pude ouvir gritos, gemidos e o barulho de algo sendo quebrado. Isso durou uma eternidade para mim, e então senti o cheiro de madeira sendo queimada.
Uma onda de medo tomou conta de meu corpo. E se fosse a carruagem? E se eu estivesse pegando fogo e não percebesse? Eu estava vivo, provavelmente não inteiro, mas vivo, o que aconteceria? Eu seria queimado? E minha família? Onde estava Maggie? Eu precisava sair dali e ir procurá-la.
Tentei empurrar o teto, mas era impossível. Eu não tinha forças nem mesmo para mover a cabeça.
Conforme o cheiro de queimado se tornava mais forte, algo em cima de mim parecia se mover. Eu podia ouvir o barulho de ferro e madeira sendo jogados, para em seguida sentir a luz do dia em meu rosto, quando o teto fora retirado.

Foi então que eu o vi.
Neil estava em cima do que antes fora o assento do cocheiro.
Ele tinha nas mãos boa parte do teto da carruagem. Suas vestes estavam sujas, havia manchas vermelhas por todo o colete. Seus cabelos estavam desarrumados, e balançavam com o vento. Atrás dele havia uma grande fogueira que queimava alto.
Eu esqueci por completo minha própria situação. Esqueci a perna quebrada, a poça de sangue que era meu peito e meu braço, o corte em minha cabeça. Nada disso parecia importante. Eu me senti salvo, protegido.
Meus olhos ficaram embaçados e eu senti as lágrimas se formarem no canto deles. Com dificuldade, estiquei uma das mãos em sua direção, e então notei que todo meu braço estava ensangüentado. Mas isso não era importante. Eu sabia que não conseguiria falar, mas balbuciei seu nome, como se isso fosse a solução de todos os problemas.
Quando levantei o braço, Neil virou o rosto e soltou o teto da carruagem, levando a mão até o nariz, como se sentisse o cheiro de algo ruim. Porém, quando movi meus lábios e disse seu nome, foi como se ele despertasse.
Ele estava na minha frente em segundos, pegando-me nos braços, em um gélico abraço. Eu nunca o havia tocado, não sabia que ele era frio como gelo, mas naquele momento, eu senti como se fosse à pessoa mais aquecida do mundo.

"Eu estou aqui, eu estou aqui..."

Ouvi sua voz rouca em meu ouvido e fechei os olhos.
Eu havia perdido muito sangue.

x

Meus pais e minha irmã haviam morrido em um acidente com a carruagem na estrada quando seguíamos para Londres. Eu fora o único sobrevivente, tendo quebrado apenas uma perna e duas costelas, e com pequenos ferimentos no braço direito e na cabeça.
Essa foi a versão que contei a todas as pessoas, três semanas após o ocorrido.
Era uma perfeita mentira.
A verdade fora que eu acordara no dia seguinte, deitado em uma cama de Hospital em Londres, cercado por enfermeiras e dois médicos que me avaliavam. Minha primeira reação fora o choque, eu desmaiei novamente em seguida e acordei doze horas depois. Era noite, e não havia mais enfermeiras ou médicos no quarto. Havia Neil.

Ele estava de costas para a cama em que eu estava, encarando a janela. Ele virou-se quando eu respirei um pouco mais fundo, mas permaneceu onde estava. Não havia sorriso em seus lábios. Seus olhos não estavam apertados e risonhos. Ele parecia uma estátua.
Eu o olhei por um longo tempo. Minha mente estava branca, vazia, mas eu precisava saber que ele estava ali, mesmo que por um distante. Uma enfermeira apareceu pouco depois, mas Neil permaneceu ali. Ela fez algumas perguntas para mim, mas eu não respondi. Ele respondeu. Ela saiu, e ele aproximou-se.

"Você precisa sentar para comer, acha que consegue fazer isso?", ele estava a alguns passos de minha cama, e sua voz estava tão séria quanto seu rosto.

Eu o olhei e não respondi. Eu queria dizer que conseguiria, mas não conseguia. Percebi que não conseguia falar, e isso fez com que eu recomeçasse a me desesperar.

"Eu vou te ajudar a sentar", a voz de Neil estava mais alta, como uma bronca. Eu recuei um pouco e percebi que ele tinha feito de propósito, pois eu deixara de tremer.

Neil caminhou até mim e me colocou sentado na cama com uma facilidade enorme. Ele usava luvas, e eu não senti seu toque gelado em minha pele. Suas vestes também estavam diferentes, melhores. Notei então que seus cabelos estavam presos em um polido rabo de cavalo.
A enfermeira retornou rapidamente, trazendo uma bandeja com um prato de sopa. Neil agradeceu com a cabeça, e ela deixou o quarto, enquanto ele pegou o prato como se fosse uma pluma.

"Coma o que conseguir, mas você precisa se alimentar."

Eu não tinha como responder, e apenas balancei a cabeça em afirmativo.
Ele sentou-se ao meu lado e me fez comer cinco colheradas da terrível sopa de ervilha. Eu me senti como se fosse um bebê, mas estava com fome, e não conseguiria me alimentar sozinho.

Neil permaneceu ao meu lado até que eu dormisse, e essa rotina se repetiu por mais oito dias, o tempo que permaneci no Hospital. Ele passava o dia ausente, retornando sempre à noite, cada dia com uma roupa diferente, ausentando-se na manhã seguinte.
Os oito dias foram um divisor de águas. No sexto dia Neil me contou o que havia acontecido naquele dia, mas eu não tive outro ataque de choque. Ouvi atentamente o que ele me dissera sobre o ataque a carruagem. Os cavalos sentiram uma presença estranha, e foi isso que chamou a atenção dos dois seres que estavam naquela floresta. Eles atacaram o cocheiro, mas não sabiam que tinha mais alguém ali até meu pai sair da carruagem. Minha mãe e Maggie também foram atacadas, e eu teria sido o próximo se Neil não tivesse aparecido.

"Eu os estava caçando, mas eles me enganaram na floresta", Neil dizia cada palavra devagar. "Eu planejava segui-lo para garantir que vocês chegassem a salvo em Londres, ouvi sobre outros como eu naquelas florestas".

Meus olhos azuis estavam cravados na figura dele. Eu queria fazer uma pergunta básica, mas não conseguia. Ainda não conseguia falar.

"Você quer saber o que eu sou?", ele olhou-me e por um rápido momento eu pude ver o vestígio daquele sorridente homem que me contava histórias fantásticas. "Acho que isso pode esperar", e levantou-se da beirada da cama.

Toda a pouca força que eu tinha concentrou-se naquele gesto.
Eu agarrei suas vestes, fazendo-o virar a cabeça em minha direção. Ele estava novamente sério, e eu percebi que eu também estava. Eu precisava saber o que havia acontecido. Eu precisava de toda a verdade.

"Descanse, Vincent..."

Apertei ainda mais forte suas vestes.
Ele suspirou.

"Eu escalava sua janela, corria pelo seu jardim sem deixar vestígios. Eu arranquei o teto da carruagem com facilidade. Eu não venho te visitar durante o dia". Houve uma pausa, ele retirou uma das luvas, e segurou minha mão entre as deles. Eram geladas, como duas grandes pedras de gelo. "Eu já fui chamado de muitas coisas durante anos, mas sou o que vocês chamariam de monstros sugadores de sangue. Eu sou um vampiro, Vincent. E essa é a verdade que você queria ouvir."

Ele soltou minha mão e sentou-se novamente na beirada da cama.
Eu o olhei por um longo tempo, até virar o rosto na direção oposta. Neil permaneceu comigo até a manhã seguinte e eu tinha certeza disso, mesmo tendo adormecido pouco tempo depois de ter ouvido aquela história. Quando acordei, tudo estava diferente. O Mundo não era o mesmo aos meus olhos.

Deixei o hospital e pedi que seguisse para minha casa durante a noite.
Minhas ordens eram dadas por escrito, e eu sabia que Neil só poderia me acompanhar nesse período. Não houve objeções.
Uma carruagem fora nos apanhar na noite do décimo dia. Neil carregou-me no colo até lá, eu permaneceria sem andar por algum tempo.
O sentimento que tive ao encarar aquela enorme Mansão fora algo extremamente forte. Eu agradecia por não conseguir falar, assim pude esconder praticamente tudo o que sentia enquanto cruzava aqueles corredores, que há poucos dias estavam cheios de vida. John e os demais empregados me receberam, mas não disseram nada.

"Posso permanecer o tempo que achar necessário", Neil colocou-me na cama, olhando-me em seguida, esperando uma resposta.

"Quanto é necessário?", escrevi com a pena nas folhas que agora carregava comigo.

"Dois dias, dois anos, vinte, cinqüenta anos", ele olhou-me nos olhos. "Ficarei ao seu lado pelo tempo que precisar."

Acenei com a cabeça.
No dia seguinte oficialmente Neil tornou-se o meu tutor. Ele tinha vindo da França, por indicação de meu pai antes do acidente. Neil fez um documento idêntico, com a mesma letra e assinatura de meu pai, tomando a minha guarda. Eu era também o único herdeiro da família.
Honestamente, eu não sabia nada sobre negócios ou como funcionava uma casa, mas Neil sabia. Ele foi minha voz por dois anos, conseguindo administrar não somente a herança de meu pai, mas também a grande casa e tudo o que envolvia o meu nome.
Ninguém estranhava o fato dele se ausentar em dias ensolarados, ou que os casos de desaparecimento de pessoas havia aumentado potencialmente desde que retornamos para aquela casa. Se eu sabia que ele matava pessoas? Sim. Se eu me importava? Não. Eu estava vivo graças aquele homem, mas havia perdido... quase tudo. Se para ficar ao meu lado outras pessoas tivessem de desaparecer, eu não me importava. Hoje eu sei que esse era um pensamento extremamente egoísta, mas acredito que fiz o que precisava ser feito para mantê-lo ao meu lado.

Na noite do meu décimo segundo aniversário, Neil retornara de uma reunião que fizera em outra cidade. Eu o havia visto entrar da enorme janela do escritório, que antigamente pertencia a meu pai, mas que agora era decorado ao meu gosto. A cadeira tinha sido substituída ao meu tamanho, assim como o restante dos objetos.
Ouvi quando ele bateu duas vezes na porta antes de entrar.

"Boa Noite", a porta fechou-se e ele entrou. Começaria a falar da reunião.

Eu me virei e ele ergueu os olhos, fechando a pequena pasta que tinha nas mãos. Fisicamente Neil era o mesmo. Eu havia crescido, e nós dois havíamos mudado. Ele nunca mais sorrira, eu nunca pedi que o fizesse. Acreditava que ambos tínhamos nos adaptado a uma nova realidade, mas não sabia até onde isso iria. Até onde o "tempo necessário" duraria. Aquele pensamento não era novo. Há meses ele perambulava em minha mente, e eu apenas esperava o momento exato para deixá-lo sair. E o momento havia chegado.

"Obrigado por seu trabalho."

Os olhos de Neil se arregalaram. Isso não acontecia com freqüência.
Um meio sorriso se formou no canto dos meus lábios sem que eu percebesse. Minha voz havia mudado, e aquela era a primeira vez que eu me ouvia falar alto e claro depois de tanto tempo.

"S-Sua voz", ele estava completamente pasmo, e sua expressão era extremamente tola. "Q-Quando? Quando você voltou a falar?"

"Há poucos dias, mas é a primeira vez que falo com alguém", era estranho me ouvir, mas eu não odiava a idéia. "O que eu tenho para dizer não pode ser passado por escrito, por isso quero que me ouça com atenção."

Neil retomou a expressão séria, e apenas acenou com a cabeça.
Eu havia esperado anos por aquele momento. Desde que ele me contara sobre o acidente, eu queria dizer algumas coisas, mas não conseguiria escrevê-la, elas teriam de esperar até serem transformadas em palavras.

"Você tem feito um excelente trabalho nesses últimos dois anos, eu sou agradecido. Quero que saiba que eu não o culpo, e gostaria que não se mantivesse ao meu lado por pena ou culpa". As palavras saíam naturalmente, e enquanto falava, percebi o quão diferente eu estava daquele garotinho que ficava fascinado pelas histórias maravilhosas que ouvia. Eu me sentia velho, extremamente velho. "Eu ainda sou apenas uma criança, precisarei do seu conhecimento sobre tudo por algum tempo, além de lhe pedir um favor."

"Estou ouvindo."

"Quando o momento chegar, eu quero ser como você. Quero que me transforme em um vampiro."

"Não farei isso", sua resposta veio direta, mas sua expressão parecia estática. Aquilo me aborreceu.

"Dê-me apenas um motivo para isso", eu sentia a juventude começar a tirar o melhor de mim. Mentalmente eu tinha tido aquela conversa, e nenhuma das minhas reações foram tão drásticas.

"Você quer se transformar no mesmo tipo que os assassinos de sua irmã?"

Eu esperava por aquilo.

"Não". Disse tentando ganhar novamente o controle de mim mesmo. "Eu quero ser do mesmo tipo que você".

Neil olhou-me e sua expressão pareceu branca.
Em seguida abaixou o rosto e levou a mão até os lábios. Sua risada invadiu todo o escritório, e então foi minha vez de ter uma expressão vazia. Há anos eu não via aquilo, aqueles olhos apertados e risonhos. Sem contar que era a primeira vez que o via gargalhando. Era fascinante, hipnótico.

"Você não sabe o que está pedindo", ele deixou a pasta em cima da mesa, caminhando até mim, atrás da mesa. "Você quer que eu o transforme em um predador de seres humanos, e para quê? O que você vai ganhar com isso? Você tem um nome, uma espécie de Império para honrar Vincent, e você é uma criança."

"Eu não serei uma criança para sempre", rebati novamente levado pelo impulso. "Eu vou crescer, eu vou me tornar mais alto, você vai ver. E eu não quero saber de Império, o que vou fazer com isso tudo?", bati a mão com força na mesa, fazendo o tinteiro virar, mas não foi preciso me preocupar. Neil o segurou antes que a tinta virasse. "Isso!", disse segurando seu pulso. "Eu quero isso."

"Rapidez? Bons reflexos? Você acha que compra o pacote somente com as coisas boas?", ele não estava tão risonho. "Você não poderá tomar mais banho de Sol nem permanecer próximo às pessoas, terá de viajar quando ficar tempo demais em um local. Você terá de matar pessoas se quiser sobreviver, não existe outro jeito."

"Você faz todas essas coisas, não faz?", eu não iria perder aquela argumentação. "Então me diga, por que me salvou aquele dia? Por que não me deixou ser levado? Por que apareceu para mim naquele jardim? Eu era a sua caça naquele dia, não era? Me diga!"

Eu sabia que a força que eu fazia sobre seu pulso não significava absolutamente nada, mas eu tinha conhecimento da força que minhas palavras exerciam sobre ele. Neil nunca dissera nada sobre aquela noite no jardim, ou detalhes sobre o acidente com meus pais. Tudo o que conversamos se resumia ao que ele me contou naquela noite no Hospital, e sobre as desculpas por ele não ter chegado mais cedo. Em momento algum chegamos a conversar sobre qualquer outro aspecto.
Ele me olhou nos olhos, e ficou ereto.
Eu havia crescido, mas ainda era visivelmente infantil perto dele. Senti-me um pouco desconfortável com aqueles olhos. Não que eu tivesse medo de ser atacado, mas era uma vergonha completamente diferente, e que meus jovens anos não me permitiam entender.
Lentamente Neil se abaixou, ajoelhando-se em apenas um joelho.
Ele pegou minha mão direta e olhou-me nos olhos. Eu corei.

"Eu farei isso. Quando achar que é o momento eu o transformarei. Mas até lá tem que me prometer que viverá sua vida normalmente, que não deixará de fazer nada por pensar no que acontecerá depois. Eu estarei ao seu lado todos os anos necessários, eu prometo."

"E-E todos os anos depois do necessário", eu disse com o rosto vermelho, sentindo que minha mão suava, mesmo estando sendo segurada pela mão gelada de Neil. "Eu não quero ficar sozinho depois."

"Será um longo caminho, você vai enjoar da minha companhia", o sorriso havia voltado para os seus lábios, e agora ele segurava minhas mãos com ambas as dele.

"Isso é algo que eu decido", retirei minha mão das dele, virando o rosto, desconcertado.

Neil ficou de pé e deu a volta na mesa novamente, segurando a pasta entre as mãos, recomeçando o discurso sobre a reunião que fizera.
Ao final ele fez uma pequena reverência com a cabeça e sorriu antes de sair do escritório.
Eu me joguei na cadeira e afundei o rosto nos papéis em cima da mesa.

x

Seis anos se passaram desde nossa conversa naquele escritório.
Daquele dia em diante, Neil havia voltado a ser o mesmo daquelas quatro noites que passávamos conversando em meu quarto. Com o passar dos anos, era cada vez mais difícil ignorar sua presença, e eu o via em praticamente todos os momentos de meu dia.
Eu havia oficialmente me tornado o herdeiro da família, e agora com idade suficiente para assumir os negócios, a presença de Neil - segundo a lei - era desnecessária. Mas tal idéia não me passava pela cabeça, e eu tinha certeza que nem pela dele.
Eu mirava o grande espelho a minha frente, enquanto terminava de abotoar as abotoaduras da manga. Eu havia crescido, não o quanto gostaria. Ainda era menor que Neil, batendo inferiormente em seu ombro. Meu corpo mudara, minha voz mudara. Meus cabelos não eram tão louros como antes, mas eles ainda mantinham o penteado. Eu havia me tornado o que as moças chamavam de "um belo partido", e que para mim não significava absolutamente nada. Naquela noite em especial, eu me arrumava para novamente, negar um pedido de casamento com a mesma desculpa de sempre.

Na verdade eu estava cansado daquilo.
Nos últimos três meses eu havia recebido doze convites. Todos de jovens damas da sociedade que planejavam se tornar parte do que meus antepassados construíram, junto com o fato de poderem se casar com um jovem bonito. Eu achava tudo aquilo um absurdo. Não somente porque não tinha vontade alguma de me envolver com nenhuma delas, tanto pelo fato de que em breve eu deixaria aquele mundo para conhecer algo totalmente diferente. Eu tocara no assunto seis meses atrás, mas Neil dissera que eu ainda não estava pronto. Quanto tempo mais eu teria de esperar? Sem contar que a própria presença de Neil tornara-se um martírio. Suspirei. Eu era oficialmente patético por estar me esforçando tanto para parecer apresentável, mas não para a garota que eu iria declinar naquela noite.

Como das outras vezes, a jovem estava bonita. Era simpática, agradável. Portava-se bem na mesa. Essa se chamava Lydia, o pai era um rico fazendeiro que se mudara para Londres. Ela me vira no último baile da cidade, e gostaria de saber mais a meu respeito.
Ouvia tudo o que tinha a dizer, mas raramente respondia.
Eu havia me tornado ainda mais reservado, de poucas palavras e de raras expressões. Lydia parecia saber de tudo isso, e ao contrário das outras, não parecia se importar com minha falta de vivacidade.
Quando o jantar terminou, ela sugeriu um passeio pelo jardim. Eu precisava acabar com suas esperanças, então que fosse o quanto antes.

Caminhamos por entre as árvores. Ela me contou sobre sua nova residência, sobre os planos que tinha. Em todos os momentos ela deixava um espaço entre as falas, e me olhava como se esses espaços devessem ser futuramente preenchidos pela minha pessoa. Eu apenas ouvia e ás vezes balançava a cabeça, esperando o momento certo para começar meu discurso de praxe. O momento veio antes do que esperado. Lydia parou quando chegamos ao chafariz - aquisição de Neil - o que pareceu extremamente irônico. Estávamos debaixo de duas estatuas: um enorme anjo com duas asas, que abraçava um outro anjo, esse, com as asas caídas.
Lydia não parecia nervosa, e achei que talvez já soubesse o que eu pretendia falar. Eu estava certo.

"Eu sei que não me ama, Vincent", ela sorriu. Era muito bela quando sorria. "Mas eu realmente gosto de você, e acho que poderíamos nos conhecer melhor. Tenho certeza que serei a esposa perfeita para você."

Lydia realmente era diferente de todas as outras moças.
Suas conversas não me aborreciam, ela sabia o momento certo de calar-se, e era extremamente bonita. Entretanto, nada disso me faria desistir do que eu tinha em mente, não importava qual argumento ela tivesse.

"Lydia...", respirei fundo, como fazia sempre antes de começar o discurso.

"Não!", ela levou os dedos até meus lábios, o que me surpreendeu. "Eu quero provar que não são apenas palavras."

Lydia adiantou-se na minha direção, e eu sabia o que ela pretendia fazer, mas não imaginava que ela o faria. Segurei seus pulsos e dei um passo para trás, antes que seus lábios tocassem os meus. Ela olhou-me com surpresa, e seus olhos encheram-se de lágrimas. Soltei-a, e ela levou as mãos até o rosto, soluçando.

"Eu sinto muito", abaixei o olhar e passei a mão na testa. "Você é uma moça muito agradável, eu realmente apreciei esse jantar e o passeio. Gostaria que o fizéssemos novamente, mas como amigos. Eu sinto muito.

Minhas palavras pareciam fazê-la sentir-se ainda pior, e demorou algum tempo até que ela parasse de chorar. Aceitou o lenço que lhe ofereci, e quando me olhou novamente, seus olhos estavam vermelhos, e ela parecia ainda mais bela.

"Você é incrivelmente bonita", disse sincero. "Qualquer homem na Inglaterra será muito afortunado, mas eu não serei esse homem."

"Existe outra pessoa não é?", ela disse com os lábios trêmulos, mas as lágrimas haviam cessado.

"Desculpe?", inclinei a cabeça, sem entender o que ela dizia.

"Eu sei das outras propostas, e eu sabia que você iria me rejeitar, mas eu quis arriscar, eu realmente estou apaixonada por você, Vincent. Mas existe outra pessoa não é? Por isso você rejeitou todos os pedidos."

Olhei para Lydia e permaneci paralisado.
Até aquele momento eu nunca havia pensado sobre aquele assunto. Era algo natural recusar aquelas propostas. Logo que os convites chegavam a minha mesa, eu já os recusava mentalmente, já tendo o discurso feito. Mas o motivo para isso só podia ser porque eu pretendia abandonar aquela vida, não havia outro. Ou havia?
Lydia chamou meu nome duas vezes, até que eu saísse da espécie de transe que me prendia. Olhei para ela, que parecia realmente preocupada com o meu silêncio, e passei a mão no cabelo. Meu penteado já era passado.

"Sinto muito", repeti novamente.

Lydia despediu-se com lágrimas nos olhos, e mesmo insistindo, disse que eu não precisava acompanhá-la até a carruagem. Eu a ouvi deixar o jardim, enquanto me recostava ao chafariz, virando o rosto para olhar o ornamento, engolindo seco ao encarar a casa. Eu conhecia aquela silhueta em meu quarto.
Deixei o jardim e fiz o caminho até o segundo andar, extremamente nervoso. Eu estava realmente preocupado com o que Neil poderia ter pensado sobre aquilo tudo, que mal consegui abrir a porta, e encarar suas costas. Ele ainda olhava a janela, e virou-se como de costume, sorrindo e me desejando Boa Noite.

"Ela era uma moça adorável", ele disse voltando a encarar a janela. "Por que você faz isso com elas?"

"Já disse que não vou me casar, se é isso que está esperando para me transformar, eu escrevo, assino e carimbo para tornar oficial", rebati com fúria. Meu humor estava péssimo.

"Você deveria reconsiderar. Eu não ficarei desapontado se você quiser voltar atrás no que disse."

"É mesmo? Por que você quer tanto que eu me case? Não me diga que você tem uma vampira que também pretende desposar e acha que vou atrapalhar?", retirei o sobretudo que usava, passando a mão no cabelo. Aquela conversa era absurda.

"Não. Eu não tenho", Neil respondeu com a calma usual. "Mas eu só não quero que deixe algo importante. O que você escolheu não tem volta, Vincent."

"Eu já ouvi isso, eu sei o que eu quero, mas estou cansado. Estou cansado dessa espera. Você não pode ser o único, deve haver outros". Nesse momento ele virou-se. Sua expressão estava mortalmente séria. Ele havia dado o argumento que eu tanto esperava. "Se você não quer fazer isso, encontrarei quem o faça."

A reação de Neil foi automática.
Em um segundo ele estava à janela, para no segundo seguinte eu estar encostado na parede, cercado por seus dois braços ao lado de minha cabeça. Sua expressão era algo que eu nunca tinha visto. Ele parecia realmente bravo, realmente irritado.

"Você conseguiu me irritar, garoto", ele falava entre os dentes, mas sua voz continuava aveludada.

"Não sou mais um garoto", se ele iria ter aquela conversa, então a teríamos do jeito dele.

"Não, você é só um garoto ainda."

"Eu não estou brincando, Neil. Se você não me transformar eu vou encontrar alguém que faça isso."

"Impossível", eu encarava seus olhos vermelhos como se estivesse hipnotizado. "Você é meu, eu não vou permitir."

Eu tremi.

"Eu não permitirei que ninguém o toque, ouviu? Nem outro vampiro, nem nenhuma dessas tolas garotas."

Aquela era a primeira vez que via Neil realmente nervoso.
Eu deveria tremer dos pés a cabeça, provavelmente desmaiar por medo de alguém como ele estar naquele estado emocional, mas eu não conseguia. Era errado, não era? Sentir-se bem ao ponto de querer sorrir ao ouvir aquilo?

"Então faça isso!", eu disse mais alto do que ele. "Qual parte do para sempre você não entendeu? Você prometeu que ficaria ao meu lado, então pare de inventar empecilhos, porque eu não vou aceitar mais convite nenhum. Eu não preciso daquelas garotas."

Neil olhou-me nos olhos por algum tempo, e eu sabia que ele estava tentando ganhar controle sobre si mesmo. Dei o tempo que ele precisava, até que ele se afastou e recomeçou a andar, colocando as mãos na cintura. Eu afrouxei o lenço que estava em meu pescoço, esperando que ele retomasse o assunto.

"Eu tenho medo", ele recomeçou a falar. Sua voz ainda estava séria, mas não havia fúria. "Tenho medo de não conseguir me controlar."

"Não entendo."

"Seu sangue...", ele virou-se. "Tenho medo de não conseguir me controlar."

"Você diz... você gosta do meu sangue?", aquela era a primeira vez que ele citava aquilo. Aquela noite realmente estava sendo surpreendente.

"No jardim, naquele dia, não fora a primeira vez que eu o vi. Seu cheiro me trouxe aqui", Neil virou o rosto como se sentisse vergonha. "Eu planejava entrar em seu quarto naquela noite, quando você apareceu no jardim eu achei que fosse a oportunidade mais que perfeita, mas no momento que eu planejei o ataque, você... caiu."

"Eu lembro", disse cruzando os braços.

"E você permaneceu ali sentado. Eu, provavelmente seu maior inimigo diante de você, e tudo o que você faz é ficar me olhando como se tivesse visto um anjo. Tem idéia de como era irônico?"

"Você não estava se referindo ao tombo quando disse que eu tinha problemas", abaixei o olhar. Eu lembrava daquele dia com perfeição.

"Eu estava falando de mim mesmo. Eu era o problema. Mas você se levantou e eu achei que fosse fugir, eu obviamente não permitiria, mas você simplesmente começou a olhar sua roupa, e mirava sua casa com preocupação."

"Você sentiu pena de mim."

"Sim, eu fui gentil, mas pretendia voltar ao plano original e atacá-lo em seu sono. Eu não lavei suas roupas, eu sabia onde você as comprara, eu estava lá. Apenas trouxe um novo modelo, o mesmo para os chinelos", Neil passava as mãos pelos longos cabelos negros, e sua voz parecia pesarosa. "Eu entrei pela janela e você dormia. Joguei as roupas no chão e fui direto até você, era o momento que eu esperava. Você seria minha presa da década. Mas então eu o vi, você havia se descoberto e tremia, enquanto estava deitado feito um gato indefeso. Não me pergunte. Eu não sei porque parei. O que sei é que no minuto seguinte eu estava fechando os botões do seu pijama, e você havia parado de tremer quando eu o cobri. Foi a primeira noite que passei em seu quarto. Permaneci até o Sol nascer. Daquele dia em diante você se tornou meu ar, isso se eu precisasse respirar", uma risada fraca saiu dos lábios de Neil. "Eu desejei seu sangue durante as quatro noites que passamos aqui conversando. Eu pensei diversas vezes em um momento que eu acabaria te ludibriando e simplesmente encerraria sua vida, mas não pude. E quando finalmente vi a sua carruagem destroçada, tudo o que pensei foi em vê-lo vivo, mas não por seu sangue. Eu queria que você estivesse vivo."

Neil calou-se e mirou o tapete.
O quarto permaneceu em silêncio por um tempo que parecia imensurável.
Minha mente processava o que eu havia ouvido. Era informação demais para uma noite, mas eu sabia que não podia perder um segundo sequer. Mais do que nunca eu sabia o que eu queria.

"Você sabe o motivo que o fez poupar minha vida em todas aquelas vezes. É o mesmo motivo que o fez querer que eu estivesse vivo, e que me salvou. Eu estava banhado em sangue, mas você me abraçou e me trouxe até um Hospital quando poderia ter simplesmente acabado comigo."

"Essa idéia passou pela minha mente", ele virou-se. Havia derrota em sua face.

"Mas você não o fez, e tenho certeza de que não tornará a fazer isso. Se eu me tornar igual a você, ainda continuará querendo meu sangue?"

"Não. Você vai se tornar como eu, você vai querer o sangue de outras pessoas."

"Esse motivo que fez você me poupar, isso, vai deixar de existir se eu me tornar um vampiro?"

Neil parou de andar e me olhou, erguendo novamente a cabeça.

"Isso não sumiria nem que você quisesse continuar humano."

"Então não temos mais dúvidas", eu respirei fundo. "Porque o motivo que te fez poupar a minha vida, é o mesmo que me faz recusar todas essas garotas nesses enfadonhos jantares", senti o rosto tornar-se quente.

Os olhos de Neil se apertaram, e ele caminhou em minha direção com largas passadas. Eu recuei, não por medo, mas porque todas as vezes que ele se aproximava daquela maneira, eu me sentia extremamente embaraçado. Quando meus olhos se ergueram em sua direção, capturei seu sorriso. Como sempre, hipnótico.

"Você pensou em tudo, não foi?", ele levou uma das mãos até meu ombro. "John, os empregados. Você manteve somente o cozinheiro e pediu que ele deixasse a casa assim que terminasse, para que estivéssemos sozinhos."

"Sim. Você disse que o processo é doloroso, e que não voltaremos mais para cá se eu quiser preservar a vida de meus empregados."

"Exato. Você não voltara a vê-los depois, pois não os verá com os mesmos olhos. Eles se tornarão comida, e não mais seres humanos", a mão de Neil desceu pelo meu braço até minha cintura. "O que vai fazer com a casa?"

"Queimá-la, depois. Os empregados receberão cartas com uma quantidade suficiente para que vivam bem pelo resto de suas vidas. Doei mais da metade para a caridade."

"Você não precisara no restante depois. Dinheiro se tornará algo irrelevante."

"Não me importo, quero ter o suficiente para um chafariz no jardim."

A risada de Neil ecoou por todo o quarto.
Ele parecia estar realmente se divertindo, o que deixava a situação ainda mais embaraçosa. Quando seu momento terminou, seus olhos voltaram a pousar em cima dos meus, mas dessa vez eles estavam diferente. Havia um brilho que nunca esteve ali, uma malícia que eu nunca tinha visto.
Ele aproximou-se de forma que ficássemos um de frente para o outro. Sua mão em minha cintura impossibilitava qualquer movimento que eu tivesse, e sua outra mão tocou meu rosto com cuidado.
Seus dedos frios fizeram o caminho do canto de meus olhos até meu queixo, descendo pelo meu pescoço, subindo novamente para o rosto. Era ridícula a maneira como eu não conseguia me desvencilhar dele, não por ele ser infinitamente mais forte, mas pela minha força de vontade ser praticamente nula.

"Não se mexa."

Neil passou a ponta dos dedos por meus lábios, aproximando o rosto do meu. Eu prendi a respiração pela proximidade, sentindo seus lábios tocarem meu maxilar, de um lado á outro de meu rosto, para em seguida tocarem meus próprios lábios. Nesse momento minhas pernas vacilaram, mas ele estava me segurando firme com a outra mão. Movi levemente os lábios, e fui prontamente retribuído. Meu primeiro beijo durou segundos, pois não erab somente meus lábios que mereciam recebê-lo. Meu pescoço teve seu momento, mesmo meus lábios exigindo mais.
Os olhos de Neil encontraram os meus, e ele colocou a ponta dos dedos entre os nossos lábios quando eu fiz menção de aproximá-los novamente. Havia um meio sorriso em seus lábios, com a mesma malícia de outrora.

"Mal posso esperar pelo momento que você deixará de ser quebrável."

E com um beijo em meu pescoço, eu senti minha vida sendo sugada por seus lábios, enquanto meu corpo era preenchido por seu veneno, em meu último beijo mortal.
Neil estava certo sobre a transformação, e sobre tudo o que viria em seguida. Foi doloroso, extremamente doloroso.
Nós queimamos a casa quatro dias depois. Os jornais noticiariam que o único herdeiro morrera em um incêndio em sua própria residência, junto com seu Tutor. Eu não saberia qual fora a reação de John, e nem dos demais empregados. Deixei a Inglaterra com Neil, e seguimos para a França. Tudo estava vagamente bagunçado graças a Napoleão, e eu precisava de algum lugar farto de alimento para meus primeiros anos como recém nascido.

Não foi fácil como eu pensei que seria.
Eu compreendi Neil de uma forma que achei que não fosse possível. A transformação me mudara, não somente fisicamente. Eu trouxera algo da vida humana, e compreendia a facilidade que ele tinha em lidar com as mulheres. No meu caso, conseguia impor o meu arbítrio as pessoas, com certas limitações. Era simples para nós conseguirmos alimento, mas esse dom não funcionava com Neil. Eu podia gritar uma ordem que ele simplesmente me olharia e riria, como ele sempre costumou fazer.
Em cento e cinquenta e nove anos, nós viajamos o mundo várias vezes.
Conhecemos juntos os novos continentes, observamos de perto o crescimento da ambição humana. Suas Guerras, seus conflitos.
Eu me tornei tudo o que gostaria. Estudei e li o que pessoa alguma conseguiria em uma vida humana. Nunca me arrependi de ter escolhido aquela vida, mas eu não a teria se não a tivesse ganho pelas mãos de Neil. Ele era a razão de eu ter aceitado pela primeira vez a idéia de nos mudarmos fixamente para um local. A primeira proposta recebemos cem anos atrás, ela vinha da Itália, mas Neil a recusou prontamente. Demoramos décadas até ouvirmos falar de uma família que morava na América, cuja estadia havia dado certo, e que eles ainda tinham algo extremamente raro: um hibrido. Metade humano, metade vampiro.
Nós estávamos naturalmente curiosos, não somente pela criatura, mas pela idéia de termos novamente a vida que tínhamos quando eu ainda era humano.
Neil era visivelmente o mais animado com tudo isso, e eu apenas me limitava em ouvir seu entusiasmo.

"Você sabe, hoje em dia nós não seríamos visto como antes, é bem comum."

"Eu não estou ouvindo", revirei os olhos e continuei a andar, massageando minhas temporas. Eu conhecia aquele assunto.

"Você deveria reconsiderar, Vincent. Casa nova, vida nova, não é o que dizem?"

Eu podia ouvir o sorriso em cada palavra que ele dizia, e sorri, sabendo que ele não podia ver isso.
Quando ele se aproximou ao meu lado, eu estava novamente com minha expressão séria, fingindo que não ouvia o que ele dizia.

"Tem certeza que avisou a eles que chegaríamos mais cedo? Eu não quero problemas."

"Sim, avisei o chefe, Carlisle, que estaríamos indo, não vai ter problema nenhum", senti o braço de Neil envolta de meu pescoço.

Seguimos pela floresta, enquanto ele contava seus planos para quando estivéssemos novamente morando sob o mesmo teto, fazendo piadas sobre nos tornarmos "vegetarianos".
Eu gostava da idéia, me fazia sentir uma certa nostalgia daqueles anos, mas nada comparado ao presente. Nós não poderíamos ter o tipo de vida que tínhamos agora, como ele mesmo gostava de quotar: "eu costumava ser quebrável."


Finalmente terminei!
Antes de mais nada peço desculpas pela falta de informação no capítulo anterior, parece que joguei a história aqui e essa não foi minha intenção.
A idéia original era contar um pouco da história dos dois vampiros e fazer um extra sobre a visão da Bella e do Edward. O problema é que acabei me entusiasmando com os reviews que pediram uma continuação, e acabei optando por adiar a fanfic B&E para começar logo a continuação dessa aqui.
Todos que me acompanharam até aqui, um muito obrigada por terem lido minha primeira fanfic de Twilight, e espero que gostem das continuações.
Ah sim, a nova fanfic se chama "Daybreak's Bell".

Vejo vocês em breve~