A Dama
O bairro era pobre.
As casas de tijolo vermelho mal rebocado empilhavam a rua, uma atrás da outra, uma em cima, uma em baixo, uma ao lado. A coleta de lixo com certeza demorava a passar, já que a vista eram sacos plásticos e escuros, ocupando a estreita calçada quebrada.
Adolescentes decoravam as paredes dos becos e homens bêbados, a vala. O cheiro de bebida e droga chegava a ser apalpável.
Recorreu a um prédio velho e mal-pintado de um rosa descascado e sujo, que sustentava no topo um letreiro reluzente, entre o vermelho e roxo. Mesmo que a letra "o" estivesse apagada.
A flecha, vertida para baixo, indicava incessante o local.
"MOTEL"
Aquela figura exótica; com uma postura encurvada, cabelos negros e revoltos, pele pálida, camisa branca, um jeans folgado e o Allstar sujo; acompanhava alguém um tanto vulgar.
Também possuía os cabelos escuros, porém lisos e escorregadios no ombro, a boca fina e avermelhada, a pele tão pura e clara, contrastando com a quantidade de vermelho que usava.
Ele segurou de uma forma possessiva, os braços brancos e delicados da acompanhante, e ambos procuravam pelo quarto 33.
Não detinha as unhas pintadas de vermelhos, que corriam na barriga do atual parceiro. Enroscava-se deliberadamente ao redor da cintura esquálida, enquanto a boca de carmim pedia um encontro rápido com os finos lábios ressecados.
x
Lançou com brutalidade aquele corpo nos lençóis brancos e, montara nas curvas dos quadris, prendendo qualquer gesto por parte dela. Olhava com superioridade o ser abaixo, enquanto o olhar brilhava. A claridade do quarto era apenas uma pequena lâmpada posta no centro do teto rachado.
- O que você quer fazer agora?
A provocação fora cuspida na frente do homem pálido. Esperava apenas fazer sexo, receber o seu sagrado dinheiro, em dobro; e ir embora.
Os olhos cresceram perceptivelmente ao encararem a lâmina de metal pressionando a carne do rosto.
O riso do homem se tornava audível e insano. Apenas ria de ver o desespero marcado na expressão abaixo de si. Ah, como era divertido observar como queria fugir e gritar por estar em baixo de um louco. Não pensou duas vezes ao fazer um singelo corte no colo branco.
E um choro atingiu o lugar.
- Porque você fez isso eu...
Ele segurou o pescoço fino entre as mãos grudentas, não dando espaço pra que a mulher continuasse.
- Não chore. Por favor, não chore...
O lado esquerdo da face correu próximo à orelha num sussurro calmo, e o aroma adocicado e enjoativo do hálito a invadia.
- Eu posso cantar uma musica pra você...
As brancas mãos alcançaram as que lhe tiravam o ar, na tentativa de arrancá-las dali. O pânico crescia dentro da frágil criatura, o ar sumia aos poucos, enquanto aquela voz calma começava a sussurrar uma música infantil.
Cock-a-doodle-doo!
My dame has lost her shoe;
My master's lost his fiddling stick,
And don't know what to do.
Levantou o rosto, e a expressão divertida salientava os dentes e os lábios.
O olhar cor de sangue mirava a pobre mulher, que alternava a pele pálida em vermelho. Ouvia os sôfregos pedintes por clemência, sofridos pela falta do ar.
Cock-a-doodle-doo!
What is my dame to do?
Till master finds his fiddling stick,
She'll dance without her shoe.
Desviou a atenção para um dos gomos da faca prateada. A sua face refletia distorcido na lâmina, e cada vez mais o sorriso se misturava com um riso, entre as estrofes da pequena música.
Ao passo da continuação da letra, as unhas compridas e escarlates esmagaram a pele da mão.
Por mais que ele gostasse de ver a dor, ele era de certa forma, sensível. Puxou a mão bruscamente do pescoço da prostituta.
- Não foi uma coisa bonita da sua parte, não, não.
Ele analisava com a ponta dos dedos os pequenos cortes e, logo uma falsa expressão triste tomou o rosto.
- Não gosto de quando você faz isso, L. Isso... dói sabia?
A mulher tentava puxar o ar, mas a cada inspiração, a traquéia impedia dolorosamente. As mãos, agora, massageavam o pescoço antes pressionado. Mesmo que quisesse responder, a dor e o medo lhe tiravam qualquer possibilidade.
Beyond entortou a cabeça, cerrando os olhos e rolando a faca que ainda bailava entre os dedos.
- Meu doce detetive L... Onde você está agora?
Sorriu maníaco.
Cock-a-doodle-doo!
Cock-a-doodle-doo!
- Será que você esta sonhando com o B?
A cabeça se lançou pra trás, deixando a mostra o pescoço branco.
A prostituta assistia ao delírio com certo assombro.
- Ah, porque eu estou sonhando agora com você.
O quadril começou uma dança vagarosa em cima da mulher. Logo o par de esferas avermelhadas se abriu e consumiu a pequena quantidade de luz. Olhava libidamente a criatura pálida abaixo, que mantinha os lábios abertos em busca de ar. Fora a deixa que Beyond Birthday encontrou para invadi-los. Buscava com uma mão o corpo da prostituta, que tentava rejeitá-lo. A pobre se sentia tão assustada e débil que não conseguiria fazer o seu trabalho. Acabou mordendo a língua que a invadia.
Ele se esquivou choroso. O gosto metálico se apoderava, retirando o sabor doce da geléia que tanto lhe agradava. Segurou firme a faca e deslizou o cume pontiagudo pelo vestido avermelhado.
Ela não precisaria mais dele.
- O que você pensa que está fazendo, sua aberração?
Tentava segurar o tecido, que agora se transformava em duas partes. Ainda sentia desespero contra os atos daquele homem. Arrependeu-se amargamente de ter aceitado o dobro do preço.
B levantou o rosto alegre, os lábios assobiavam um ritmo qualquer e, de novo, os trechos da música voltaram.
Cock-a-doodle-doo!
My dame has found her shoe,
And master's found his fiddling stick,
Sing doodle-doodle-doo!
- Vamos ver o que L tem debaixo do vestido?
Espirituoso, jogava os trapos de qualquer maneira no chão marrom.
Ela, mais uma vez, tentou deter, e o que recebera fora um corte na mão. Não superficial como o do colo. Gritou enquanto as lágrimas vertiam junto com o carmim.
- O que você quer de mim? Por favor, me deixa ir vai... Não precisa pagar. Só me deixa ir embora...
Falava entre o ruído do choro, e o grito da dor.
Beyond pousou a mão direita na face feminina, um gesto carinhoso, igual à fala que se seguia.
- Pobre L... Doeu, meu amorzinho?
A moça se consternou com a atitude e apenas balançou a cabeça em afirmativo. O uso daquele L, a primeira letra do seu nome, Lucien Lughe, soara realmente doce.
- Me desculpe. Mas, sua voz não é igual ao do meu L, ela é... Irritante.
Os dedos corriam brincalhões pela pele do queixo e lábios.
A mulher apenas dilatou mais a pupila dos olhos negros.
- Então fica quietinha.
B declarou rispidamente a ordem. A expressão era aterradora; pobre, pobre mulher.
- O... que? Não, eu quero sair. Vamos, me deixa sair. Eu esqueço que um dia eu te vi. Eu juro.
A angustia com que disse essas palavras, o ato de levantar a mão cortada e segurar um dos braços de Beyond, a face transtornada, onde se formava gotas salgadas; tudo refletia medo. Meu Deus, a única coisa que queria era sair dali.
Fixou o olhar na prostituta, sentia algo parecido com prazer ao vê-la assim.
Levou o comprido indicador aos lábios, fazendo o conhecido sinal de silêncio.
- Não... Do que adianta querer fugir?
O rosto se encontrava frente a frente ao borrado da mulher.
- Sabe que, você morre amanhã?
O cheiro que emanava era enjoativo, algo como o artificial odor de morango.
O espanto da moça era visível de tal maneira, que B riu. Era divertido.
- Acha que faz diferença, morrer hoje ou amanhã?
O desespero, a angustia, o terror. Tudo se misturava dentro da pobre.
E mais um grito ameaçou a sair, pediria socorro; se não fosse a mão pegajosa lhe tampado a boca.
- Não mandei você calar a boca?
Mas continuava. Os murmúrios aflitos, os braços tentando arrancar aquela maldita mão.
Não era mais divertido ver ela assim. Além do que, aquela cena toda lhe tirava da cabeça o seu amado L.
Suspirou enquanto sustentava a faca. Encaminhou a lâmina até o pescoço fino; a mão ainda prendia a boca manchada. A prostituta tremia com o contato frio do objeto, e com a proximidade da morte
Começou novamente a cantarolar.
Cock-a-doodle-doo!
Cock-a-doodle-doo!
Beyond Birthday deslizou o cume suavemente, de ponta a ponta pelo pescoço da mulher.
O fino e profundo corte, vertia um grosso escarlate e o cheiro acre começava a impregnar. Os olhos da prostituta, em nano segundos; perderam toda a vida que um dia possuíram.
Deixou um sorriso tomar conta dos lábios.
Cock-a-doodle-doo!
My dame will dance with you,
While master fiddles his fiddling stick
For dame and doodle-doo.
- Pobre dama... Pobre, pobre!
Descobriu a boca, agora arroxeada, da prostituta e voltou a sentar cômodo no abdômen da mesma.
Limpou a faca na camisa branca e suspirou comtemplativo.
Cock-a-doodle-doo!
Cock-a-doodle-doo!
Fechou os olhos, tratando de mentalizar o querido Detetive.
x
L estava em baixo de si, gritando e gemendo por ele.
Os movimentos lânguidos e pecaminosos, causando o prazer indescritível, se tornava cada vez mais frenético.
A todo momento as mãos torciam o lençol sujo, na esperança de conter os espasmos. O rosto vermelho, a respiração ofegante e a lasciva o tomavam por completo.
- L...
A letra não engasgava, era dito com furor, com desejo.
Dita possessiva e incessantemente.
- Meu L!
x
Abriu os olhos, e não eram as pernas do detetive, onde escorriam o fruto branco da ação prazerosa.
Era a prostituta degolada, Lucien Lughe, a L.
Cock-a-doodle-doo!
Cock-a-doodle-doo!
xx
Notas: Cock-a-doodle-doo… - Música infantil, da Mamãe Gansa.
Cock-a-doodle-doo!
Minha dama perdeu seu sapato;
Meu mestre perdeu o seu violino
E ele não sabe o que fazer.
Cock-a-doodle-doo!
O que a minha dama vai fazer?
Até o mestre encontrar seu violino
Ela irá dançar sem o seu sapato.
Cock-a-doodle-doo!
Minha dama encontrou seu sapato,
E meu mestre encontrou o seu violino.
Cante doodle-doodle-doo!
Cock-a-doodle-doo!
Minha dama irá dançar com você,
Quando o mestre tocar o violino
Para a dama e doodle-doo.
Quando disse que Beyond sabia quando a prostituta morreria, é porque ele tinha os olhos de Shinigami e, com eles, todos sabem; dá pra ver a expectativa de vida e o nome.
E fiz um trocadilho com o número do quarto, oh.
Cara, Beyond Birthday é tão foda, que puta que pariu!
Enfim, apareceu essa idéia e eu acabei escrevendo...