A ARMADILHA

A Armadilha – Capítulo I - O início de tudo

-oOo-

Segunda-feira. Santuário. Área de treinamento.

A manhã estava nebulosa e cinzenta, assim como aparentava seu estado de espírito. Não que o cavaleiro de Escorpião fosse uma pessoa sombria e mal-humorada, totalmente o contrário, porém o motivo que o deixava naquela situação era, no mínimo, respeitável.

- Bom dia, Mi. – o pisciano cumprimentou-o com um belo sorriso assim que o grego entrou na arena.

O escorpiano mal olhou para o amigo.

- Nossa! Que mau-humor do cão! O que houve?

- Acho que vou morrer, Dido.

- Como assim, "ACHA QUE VAI MORRER?" – Afrodite praticamente gritou.

- Você acha que vai morrer, Milucho? – Aioria, que estava do lado do sueco, indagou curioso.

- Não acho, Gatinho. – usou o apelido pejorativo para dirigir-se o leonino – Eu vou.

- Quem vai morrer? O aracnídeo? Que bom. Um pentelho a menos. – Máscara da Morte aproximou-se.

- É sério. – o escorpiano falou com a expressão carregada.

- Mi, quem te disse que você vai morrer? – o sueco questionou – Alguém te ameaçou?

- Aposto que foi a Jara. – o canceriano arriscou – Uma vez ela disse: "se eu souber que é o Milo quem apronta comigo, ele está morto!". – o italiano imitou o jeito da mulher falar e ele, Afrodite e o leonino caíram na gargalhada.

Jara era o diminutivo de jararaca. O canceriano referia-se à cozinheira, dona Antures, apelidada desta forma "carinhosa" por Kanon – quem mais atormentava com a coitada – que chegou a jogar, sem que ela visse, um besouro enorme no caldeirão de sopa só para tirar a mulher do sério.

- Não, Máscara. Eu não estou brincando. Eu vou mesmo morrer.

As risadas cessaram.

- Você vai morrer, Milucho? – Kanon chegou ao grupo.

- Vou. – respondeu abatido.

- Cazzo!! Pára de fazer cara de "Oh! Está chegando o fim-do-mundo!" e desembucha o que está pegando. – o canceriano disse sem muita paciência.

O grego deu um suspiro antes de falar.

- Vocês sabem que a Atena me designou para uma tarefa na Espanha, não sabem? – os outros assentiram positivamente – Então, eu embarco na segunda-feira que vem. – deu uma pausa – A princípio eu estava confiante e me senti honrado por ter sido escolhido para este trabalho, mas esta noite eu tive um pesadelo macabro.

- E o que isso tem a ver com quererem te matar?

- Tudo, Ória. No meu sonho um cara todo vestido de negro, assim, parecendo um daqueles cavaleiros negros do Senhor dos Anéis, se aproxima de mim durante a noite, diz em espanhol que vai tirar de mim o que eu menos uso, enfia a mão no meu peito e arranca o meu coração.

- Ah, coitadinho! – Máscara da Morte falou zombeteiramente – A criancinha está com medo do bicho-papão. Uuuuhhhh. – o italiano imitou um som fantasmagórico e deu uma sonora gargalhada.

Kanon e Aioria também riram.

- Gente, isso é sério. – Afrodite falou ao ver o semblante nebuloso do escorpiano.

- Eu tenho certeza que vou morrer.

- Milo, desencana. Foi só um sonho.

- Não foi só um sonho, Kanon. Vai acontecer alguma coisa ruim. Eu sei.

- Será que você também não quer adivinhar os números da loteria? – o canceriano sugeriu.

- Ei! Vocês vão treinar ou vão ficar de papo, como um bando de fofoqueiras? – Shura perguntou ao grupo, aproximando-se – O Saga já está com um bico deste tamanho de chamar vocês.

Os cavaleiros se dispersaram, participando do treino. O escorpiano continuou tenso. Algo estava para acontecer e isso era certo.

-oOo-

Quarta-feira. Escadarias do templo de Escorpião.

Durante a semana as coisas não ficaram mais amenas para o grego. Quanto menos tempo faltava para sua viagem, mais preocupado este ficava.

Ele e o francês estavam sentados nas escadarias de seu templo, conversando sobre este assunto.

- Você parece nervoso como um gato de rabo grande numa sala cheia de cadeiras-de-balanço. – Kamus disse ao amigo

- Filosofia de botequim. – replicou irritadiço – Aonde você ouviu esta mxxxx?

- Sei lá. Talvez em algum filme... (1) – respondeu pensativo.

- Kamye, eu estou falando sério. Você não está entendendo a gravidade da situação.

- Milo, isso tudo é pura bobagem. Somos cavaleiros e não videntes. Nosso destino está selado pela devoção à Atena. A morte não deve ser temida. Um cavaleiro bem preparado não tem medo do inimigo.

- Mas Kamye, não me sinto despreparado e nem com medo do inimigo. Só não quero ir para a Espanha.

- Por causa de um sonho ridículo.

- Você concordaria comigo se você tivesse visto o jeito que eu morri. – levantou-se e abriu os braços teatralmente.

- Eu já sei como você morreu. Você já contou esta história mais de mil vezes: seu inimigo se aproxima, diz que vai tirar de você o que você menos usa e arranca seu coração. – deu uma pequena pausa – Humpf! Fala sério. Deixe de ser cabeça-oca, Milo. Pára de se encher de superstições e crenças infantis.

O grego virou-se para o outro e cerrou os olhos.

- Muito obrigado, Kamus. – falou com ironia – Ajudou bastante saber que meus medos são uma completa idiotice para o meu amigo. Tenha uma boa noite. – disse e retirou-se para dentro de seu templo.

O francês ficou parado do lado de fora, pensativo. O escorpiano estava muito tenso e satirizar seus temores não resolveria o problema. Felizmente o grego só embarcaria segunda. Havia tempo para conversar e desfazer as más impressões causadas por suas atitudes.

-oOo-

Sexta-feira. Templo de Aquário.

Kamus entrou no quarto e olhou para o relógio. Passava das dez da noite. Momentaneamente pensou no escorpiano. Ainda não conseguira falar com ele e desculpar-se. Decidiu visitar o grego no dia seguinte.

Sentou-se em sua cama e pegou o livro que estava em sua cabeceira. Virava a terceira página quando sentiu o cosmo do amigo na entrada da casa de Aquário.

- Ok, Milo. – disse a si mesmo – Você veio me obrigar a te pedir desculpas. Tudo bem. – levantou-se e foi ver o que o outro cavaleiro queria.

-o-

Encontrou o escorpiano dentro de seu templo, parado.

O grego era um homem bonito, mas naquela noite estava vestido para matar. O jeans justo realçava seu corpo atlético e a camisa rosa bebê destacava seu bronzeado natural; o perfume que exalava era viril e provocante e os cabelos azulados caiam sobre o tecido claro em belos cachos; os olhos azul-céu pareciam mais brilhantes que o normal e a boca entreaberta o deixava repleto de sensualidade.

"Acho que é isso que as mulheres chamam de deus grego". – pensou sobre o amigo.

- Milo, foi bom você aparecer. Precisamos conversar.

O outro permaneceu calado apenas aproximando-se um pouco.

- Sobre o que aconteceu na quarta-feira, eu... não deveria ter dito aquilo.

O francês percebeu o grego um tanto ofegante. Talvez por este motivo sua boca estivesse entreaberta. Porém seus olhos também não estavam mais brilhantes: estavam vidrados.

- Milo, você está bem?

O escorpiano permaneceu calado, apenas chegando mais perto.

- Milo, fale comigo, você está bem?

O grego não respondeu. Aproximou-se do aquariano, segurou-lhe gentilmente o rosto e beijou-o na boca.

Tudo foi tão rápido que Kamus demorou alguns segundos para se dar conta dos acontecimentos. Porém, quando isso ocorreu, empurrou o escorpiano, aumentou o cosmo e aplicou-lhe um soco com força, derrubando-o no chão.

O sangue do francês fervia. Estava completamente alterado. Sentira o hálito forte de bebida emanado pelo grego, mas se Milo queria brincar consigo, ia ver o que era brincar. Elevando ainda mais o cosmo, o cavaleiro de Aquário colocou-se em posição de luta e esperou o outro se levantar.

Com os olhos crispados, o aquariano continuava aguardando. Assim que o outro se aproximasse, ou lhe dirigisse a palavra, levaria um soco que atravessaria a parede. Mas o grego permaneceu no chão, ofegante, cabeça baixa, cabelos escondendo o rosto. Muitos segundos depois se levantou, no entanto não olhou para o amigo, ficando de costas.

- Me desculpa. – disse e saiu rapidamente do templo de Aquário.

Kamus continuou preparado para socá-lo, mas ele não voltou.

-o-

No dia seguinte nem o francês saiu de casa, nem o escorpiano apareceu para se explicar. Milo viajou na segunda-feira de madrugada para a Espanha sem falar com o aquariano. Depois disso mais de duas semanas se passaram. Desde então nenhuma notícia sobre o grego tinha sido recebida.

-oOo-

Templo de Aquário. Vinte dias depois da partida do escorpiano. Manhã de sábado.

Kamus não era de acordar muito tarde, mas como não marcara nenhum compromisso naquela manhã, permitiu-se esparramar-se na cama e dormir um pouco mais. Seus olhos finalmente se abriram quando o relógio marcava oito e treze. Estava para virar para o outro lado e continuar seu descanso quando lembrou-se que deveria limpar sua armadura.

- Hummmm. – esticou o corpo todo, espreguiçando e criando disposição para se levantar – Bem que agora poderia ser seis da manhã.

Ainda estava sonolento quando escorregou para fora da cama e seguiu até a suíte. Lavou o rosto e começou a pensar em algo para comer.

-o-

O trabalho foi árduo porque a armadura tinha vários detalhes. Porém, ao término do serviço avaliou o resultado e sorriu.

- Perfeita, como a armadura do defensor de Aquário deve ser. – orgulhou-se de seu próprio capricho.

Deixou o material de limpeza em lugar apropriado e seguiu para o banho.

-o-

O francês estava na suíte, terminando de pentear os longos cabelos, quando ouviu alguém chamá-lo. Foi até a entrada de seu templo e encontrou o cavaleiro de Peixes.

- Bom dia, Kamus. – o sueco cumprimentou-o com seriedade.

- Bom dia, Dido. Que cara é essa? Aconteceu alguma coisa?

- Preciso falar com você sobre o Milo.

A menção do nome do escorpiano o remeteu a lembranças recentes.

- O que você quer falar sobre ele? – perguntou com o humor um tanto alterado.

O sueco não respondeu. Apenas entregou-lhe um envelope.

- O que é isso? – o francês questionou.

- Uma carta que o Milo deixou antes de partir. Eu deveria entregá-la a você, caso ele morresse na Espanha.

- ELE MORREU? – gritou, com o coração quase parando.

- Não. Eu fui até a casa dele hoje cedo. Ele está vivo.

- O Milo, acordando cedo no final de semana? – sorriu.

- E pode apostar que essa não é a única coisa estranha que ele anda fazendo. – replicou com seriedade.

- Como assim? Que tipo de coisas estranhas ele anda fazendo?

- Você percebeu que ele está no Santuário há quatro dias?

- Quatro dias?! – duvidou – Se ele está há tanto tempo no Santuário, por que não participa dos treinos?

- Que tal começar perguntando o porquê de não sentirmos seu cosmo?

- Tem razão. – disse depois de concentrar-se um pouco - Não sinto seu cosmo em Escorpião. Tem certeza que ele está lá?

- Ele está escondendo o cosmo.

- O quê? – surpreendeu-se – Escondendo o cosmo? Mas por quê?

- Justamente por isso vim falar com você e te entregar esta carta. Hoje cedo fui levar umas flores para o Shaka e quando eu voltava senti um cosmo muito fraco em Escorpião. Eu sabia que o Milo estava na Espanha por este motivo entrei no templo sem pedir permissão, pronto para expulsar o invasor. Nem acreditei quando dei de cara com ele em meio a um monte de papéis, fotos e outras coisas. Eu me desculpei, dizendo não ter percebido que era ele e ele respondeu que isso era natural, já que estava escondendo o cosmo.

- Dido, isso não tem o menor sentido. Por que ele faria uma coisa dessas?

- Segundo o próprio, para que algumas pessoas não soubessem que ele estava de volta.

- Como é? Ele está doido?

- Com certeza está, porque quando perguntei que pessoas eram estas que "não deveriam saber que ele estava de volta", ele respondeu que isso não importava e o que realmente importava era conseguir terminar sua "mudança de vida".

- Como assim, terminar sua "mudança de vida"?

- Fiz várias perguntas a este respeito, mas só recebi respostas evasivas.

- Ele não te disse nada?

- Não e como percebi que ele não ia esclarecer esse mistério, tentei outra tática, a da aproximação: falei que eu estava preocupado com ele, que ficamos sem notícia dele este tempo todo, que eu estava feliz por ele não morrer na Espanha. Coisas deste tipo.

- E o que ele falou?

- Nada. Ele ficou calado.

- Ele não te disse nada?

- A única coisa que disse foi: "Você entregou aquela carta para o Kamus?"

- Esta carta? – perguntou, levantando o envelope.

- Sim. Esta carta.

- E o que você disse?

- Que não tinha entregado.

- E o que ele te falou?

- Disse para eu queimar a carta e não falar com ninguém sobre esse assunto.

- Humm. – retrucou e ficou pensativo.

- Eu puxei conversa com ele, Kamye, tentei entender o que estava acontecendo, mas só o que ele fez foi inventar uma desculpa esfarrapada para me fazer sair de Escorpião. – deu uma pequena pausa – Eu estou muito preocupado, Kamus. O Milo não é de agir deste jeito. Foi por isso que voltei até meu templo, peguei a carta e vim falar com você.

- E o que você espera que eu faça?

- Não sei. Vocês sempre foram muito amigos. Quem sabe o conteúdo desta carta não esclareça alguma coisa?

- É. Talvez. – pegou a carta e abriu. Tirou de lá uma folha com duas únicas palavras escritas: "Me perdoe".

- E então? Ajudou?

- Não, Dido. Nada.

- Você não pode ir até lá e falar com ele?

- Falar com ele? Falar o quê?

- Sei lá. Tenta entender o que está se passando.

- Dido, eu não sei.

- Kamye, eu não viria até a sua casa contar toda esta história e nem te daria a carta que o Milo me mandou destruir se eu não estivesse extremamente preocupado. Para que esconder que está no Santuário?

- É. Isso é bem estranho.

- Isso não é estranho. Isso é um absurdo! – deu uma pausa – Por favor, Kamye. O único que pode fazer alguma coisa é você. Pela amizade que vocês têm um pelo outro.

O aquariano ficou algum tempo pensativo.

- Ok, Afrodite. Eu vou.

-oOo-

Templo de Escorpião..

O francês entrou cuidadosamente na oitava casa e chamou o dono, mas não obteve resposta. Concentrou o cosmo e percebeu-o no quarto. O cosmo do escorpiano realmente estava muito enfraquecido.

Kamus seguiu até a entrada do dormitório. A porta estava aberta e o grego de costas. Havia algumas caixas abertas pelo chão, além de vários papéis espalhados. Teve a impressão de ouvi-lo fungar e chamou-o.

- Milo?

O outro se virou, mas rapidamente colocou a mão no rosto, baixando a cabeça, escondendo-se em seus cabelos.

- Kamus! – disse nervosamente – Estou aqui arrumando algumas coisas e espirrando por causa do pó.

- Colocando a casa em ordem? – perguntou entrando no quarto – Parece até uma "mudança". – comentou com segundas intenções. Quem sabe o grego não esclarecia alguma coisa?

- E é. É uma "mudança de atitude". Estou me desfazendo de algumas coisas. A gente precisa se livrar do passado para ser feliz, não?

O francês se aproximou um pouco.

- Fique à vontade. – o grego disse com a mão em frente ao rosto – Vou lavar as mãos e os olhos irritados pelo pó e já volto. – entrou na suíte e fechou a porta.

O aquariano observou o lugar com desconfiança. Será que teve mesmo a impressão de vê-lo chorando?

Desviou sua atenção para as caixas abertas. Eram três. Aproximou-se. Em uma leu "Coisas Antigas II" e na outra "Coisas Antigas I". Entretanto, uma em especial chamou-lhe a atenção. Estava semi-fechada e lia-se "Não abrir nunca mais". O francês olhou para a porta da suíte. Permanecia fechada e era possível ouvir o barulho da água correndo. Aproximou-se e levantou a tampa. Viu alguns cartões de aniversário e várias fotos suas. Em algumas aparecia sozinho, em outras estava com os cavaleiros e havia uma foto por cima de todas – especialmente bonita – em que apareciam ele e Milo sorrindo, lado a lado.

Observou rapidamente o conteúdo das outras caixas. Fotos dos outros dourados, cadernos, papéis. Curiosamente, todas as suas fotos e tudo o que remetia a si estavam no "Não abrir nunca mais".

Ouviu a torneira fechar e deixou as caixas na mesma posição, saindo de perto delas.

- Estou arrumando minhas coisas. – o grego sorriu forçadamente – Você sabe como sou desorganizado. Uma hora eu precisava fazer isso.

- "Não abrir nunca mais"? – leu, fingindo curiosidade.

- É. – deu um sorriso amarelo – Cenas de um passado que eu preciso enterrar.

- Enterrar? – aproximou-se. – Realmente devem ter coisas bem ruins aqui dentro.

- Nada de mais. – ficou na frente da caixa – Apenas coisas velhas e cheias de pó. Um veneno para quem tem rinite.

- Claro. – falou pouco convencido.

- E você, como está? – sorriu mais uma vez forçadamente – Faz tempo que não nos vemos.

- É. Faz mesmo. – assentiu – Mas estou bem.

- Que bom. – disse olhando para baixo.

- Milo, – aproximou-se um pouco – sobre o que aconteceu no meu templo antes de você viajar...

- Aquilo? – sorriu nervosamente – Não ligue. Foi uma brincadeira de mau gosto. Mas não vai acontecer novamente. Juro não beber mais daquele jeito. – ficou sério e continuou a olhar para baixo.

- Acho que eu exagerei, eu...

- Tudo bem, Kamus. Eu entendo perfeitamente. – olhou para o outro – Foi tudo culpa minha. Eu fiquei tão impressionado achando que ia morrer na Espanha que... – olhou rapidamente para os lábios do francês e desviou o olhar – ...que exagerei na bebida. – voltou a olhar para baixo.

O aquariano não comentou nada. Apenas ficou calado, observando o amigo.

- Kamus, é... eu... eu ainda tenho muito para arrumar e não quero que você fique cheio de pó. Não podemos nos falar outra hora? Eu te ligo no final de semana.

O escorpiano permaneceu com o semblante sério, sem encarar o outro.

- Claro. – o francês deu uma última olhada no quarto e saiu.

O final de semana acabou e o grego não o chamou para conversar.

-oOo-

Duas semanas depois...

Nas semanas seguintes os dourados perceberam várias mudanças no comportamento do escorpiano. De falante passara a calado, de alegre a sério.

Kanon, Aldebaran, Aioria, Máscara da Morte, Kamus e Shura estavam conversando quando o pisciano se aproximou.

- Galera, o que está acontecendo com o Milo? – Afrodite perguntou – Antes dele ir para a Espanha sempre tomava banho no vestiário, agora só toma em casa. Antes de ir para a Espanha ele subia comigo, com o Shu ou com o Kamye até Escorpião. Agora mal acaba o treino e ele se afasta rapidamente, cheio de desculpas para não aceitar a companhia de ninguém, e segue sozinho até seu templo.

- Será que ele foi abduzido, é um clone ou um espião disfarçado? – Kanon sugeriu.

- Também não é pra tanto, maluco. – o italiano respondeu.

- Mas Mask, eu nunca vi o Milo ficar em casa no final de semana e nem ficar calado nos treinos.

- Tem razão, Kanon. Antes ele chegava e ficava soltando piadinha para todo mundo. Agora ele chega e fica mudo. Isso é praticamente um milagre. – o brasileiro confirmou.

- Quem sabe durante a estadia na Espanha ele não bateu a cabeça? Pode ser amnésia. – o pisciano sugeriu.

- Pára de ver tantos filmes, cabecinha de vento! – Máscara da Morte atacou – Isso aqui é realidade e não aquelas histórias melosas que se passam em Hollywood. Amnésia não existe.

- Sorte sua eu estar de bom-humor, ou te mostraria quem tem a cabeça de vento. – o sueco respondeu – E qual o problema? Antes de ser cavaleiro o Milo é um ser humano. Por que ele não poderia apresentar os sintomas de alguma doença? E se for depressão?

- Um cavaleiro deprimido? Sem essa, Dido. – Shura concordou com o italiano.

- Bem, ele está mesmo muito diferente. Antes falava um monte de bobagens e chamava todo mundo por apelido ou diminutivo. Agora ele está mais sério que o Kamus. – Aldebaran comentou.

- Mas eu também não sou tão sério assim.

- Nos treinos é, Kamye. Já o Milo, nunca foi. Nem nos treinos.

- Será que ele está apaixonado? – Afrodite sugeriu.

- Apaixonado? – o leonino perguntou pouco convencido – Ele me parece mais triste do que feliz.

- Tem razão, Ória. Está mais para desiludido. – o pisciano complementou – Talvez nosso amigo esteja passando por uma forte desilusão amorosa.

O francês ouviu e ficou pensativo enquanto olhava para as escadarias e via o escorpiano subindo sozinho até seu templo.

-o-

Depois de estudar o comportamento do grego por mais alguns dias, o aquariano resolveu interceptá-lo assim que ele chegou à arena. Precisava tirar aquela história a limpo.

- Bom dia, Milo.

- Bom dia, Kamus.

- Vamos subir juntos hoje?

- Hoje? – perguntou incerto – Eu... preciso conversar com o Afrodite. Não sei se vai dar.

- Eu posso te esperar.

- Vai demorar. Não quero te atrasar.

- Não será incômodo nenhum esperar.

- É melhor marcarmos para outro dia. Hoje acho que não vai dar. – disse, sem olhar nos olhos do aquariano.

- Tudo bem, Milo. Então fica para outro dia. – disse e saiu de perto do grego.

-o-

O leonino ia fazer par com o sueco nos treinos quando Kamus se aproximou.

- Aioria, você se importaria se eu ficasse com o Dido hoje?

- Claro que não, Kamye. Fique à vontade.

- Dido, – o francês disse assim que o grego se retirou – o Milo vai conversar com você quando acabar o treino. Preciso de um favor.

- O quê?

- Descubra o que aconteceu para ele ficar assim tão diferente.

- Ele está muito arisco. Não sei se vai querer falar. Já tentei daquela vez e não deu certo.

- Vamos lá, Dido. Você é esperto e se dá muito bem com ele.

- Ok, Kamye. Vou tentar. Vou fazer o melhor.

- Isso, garoto! Assim é que se fala. – sorriu.

-o-

Ao final do treino Milo aproximou-se do pisciano.

- Afrodite, posso conversar com você?

- Claro.

Os dois se afastaram um pouco.

- Você conhece algum remédio para dormir?

- Nossa, Mi, por quê?

- Minha insônia pegou de vez. O remédio antigo não adianta mais e não quero ir ao médico. Tenho receio da Atena descobrir e ficar brava comigo.

- Mi, e desde quando cuidar da saúde a deixaria brava?

- Sei lá. – disse desanimado.

- Eu acho que você está muito tenso com alguma coisa que aconteceu antes da sua ida à Espanha. Este é o seu problema.

- Talvez. – disse melancólico.

- O que você tem, Mi? Estamos muito preocupados. Todos estão comentando que você está estranho.

- Eu não tenho nada. – replicou com o olhar vazio – Estou ótimo.

- Você não me parece ótimo.

- Mas estou, Afrodite. Estou até escrevendo um blog. – sorriu forçadamente.

- Um blog?

- É. É como um diário, só que fica em um site.

- Eu sei o que é um blog e... – calou-se e sorriu – Que bom. Isso pode fazer muito bem para você. Vai ser bom colocar para fora aquilo que te chateia. – deu uma pequena pausa – Em qual site é?

- Prefiro não dizer. Não me sinto à vontade para partilhar isso com os outros.

- Prefere partilhar isso com estranhos a partilhar com amigos?

- Não estou usando meu nome. Ninguém sabe que sou eu.

- Bem, talvez isso seja um bom meio de se livrar dos medos e frustrações. Mas se quiser falar sobre o assunto...

O grego ficou calado e olhando para baixo.

- Milo, eu sei que você não está bem. Você não quer conversar sobre isso?

- Não, Afrodite.

- Tem certeza? Você sabe como eu me preocupo com você.

- Obrigado, Afrodite, mas tenho certeza.

- ARRE!! – irritou-se – Pára de me chamar de Afrodite que me dá nos nervos! Você nunca me chamou assim. Você sempre me chamou de Dido!

- Foi mal. – ficou olhando para baixo.

- Não, Mi. – abraçou o amigo – Desculpa. Você está passando uma fase difícil e eu fico cheio de histórias só porque você me chamou de Afrodite. – sorriu – Esse é o meu nome, não?

- Sim, é. – olhou para o pisciano, permanecendo sério – E se você souber de algum remédio bom, me avise.

- Leite quente.

O grego sorriu. Pela primeira vez, o que pareceu ser um sorriso sincero.

- Obrigado pela dica, – deu uma pequena pausa – Dido.

- Disponha. – o sueco replicou com um belo sorriso.

- Vou nessa. Tchau. – despediu-se um tanto sem jeito e seguiu em direção às escadarias.

O pisciano observou com tristeza o amigo afastar-se.

-o-

Kamus, que ficara esperando a conversa acabar, aguardava o escorpiano para subir com ele até seu templo.

- Que bom que você está subindo, Milo. Vou com você.

O grego travou.

- Humm... acabei de lembrar que eu esqueci algumas coisas no vestiário. Preciso voltar.

- Eu volto com você.

- Não, Kamus. Não se incomode. Eu ainda vou tomar banho.

- Tomar banho?

- É.

- No vestiário? – indagou descrente. Depois que voltara da Espanha Milo não tomara banho um dia sequer no vestiário. Só tomava banho em sua casa.

- Sim.

- Ok, Milo. Como preferir. – disse com certa desconfiança – Vou subir. – deu uma pausa – Podemos subir juntos outro dia.

- Claro. Podemos sim.

- Obviamente. – disse pouco convencido.

-oOo-

Templo de Aquário. Tempos depois.

Kamus chegou em casa, preparou algo para comer, esperou alguns minutos e ligou para o pisciano.

- E aí, Dido? O que você descobriu?

- Ele veio me pedir remédio para dormir.

- Ué, e os remédios que ele tomava?

- Não fazem mais efeito.

- Viciou.

- Talvez.

- E por que ele não vai a um médico?

- Não quer que Atena saiba que ele não está bem.

- Teimoso.

- Estou com medo, Kamye. Acho que ele está em depressão profunda.

- Por quê? Ele te falou que está? – perguntou com ansiedade.

- Não. Parece que ele não confia mais em mim, mas descobri uma coisa. Ele mantém um blog.

- Um blog? Ótimo! Vamos entrar no site e descobrir o que está acontecendo.

- Ele não quis me dizer o site.

- Você perguntou?

- Claro, Kamye, mas ele não quis dizer.

- Logo imaginei. – ficou pensativo.

- Ele revelou que não está usando o nome dele. Tenho certeza que está escondendo alguma coisa.

- Concordo.

- Mais tarde vou tentar procurar alguma coisa na internet.

- Ok. Vou procurar também. Quem encontrar primeiro avisa o outro.

- Fechado. Tchau, Kamye.

- Tchau, Dido.

-o-

O francês foi para seu quarto e ligou o computador. Entrou em um site de busca e começou a caçada. Primeiro digitou "Santuário" e "Milo", mas não achou nada que valesse a pena. Tentou "Santuário", "Escorpião". Também nada.

Várias tentativas depois o aquariano sorriu. Foi com "Grécia" e "Espanha" que achou o que queria. Alguém intitulado Uxxo08 contava que morava na Grécia, em uma espécie de vila, com mais dez amigos, deveria ir à Espanha a trabalho e em um pesadelo horrível era assassinado na Espanha.

- Uxxo, Ucho, Milucho, 08, 8º templo. – sorriu – Te achei.

Nota da autora – Explicação

( 1 ) Esta frase foi utilizada pela Vampira no desenho X-Men Animated Series.