Capítulo 3: "Última chance"
Ali estava
o dia que no fundo ele esperou nunca chegar. O momento que pensara
ser surreal.
A varinha estava mirada para o diretor que ele
sempre considerou patético e desprezível, igualmente comparado às
suas ações excêntricas. Draco não gostava de excentricidades. E
havia o detalhe do brilho nos olhos atrás das pequenas lentes dos
óculos de Dumbledore, que ocasionalmente aparecia quando se falava
no seu aluno preferido... Harry Potter. Era mais um a venerar
Potter. Mas Dumbledore era diretor de Hogwarts... E um bruxo
respeitado, Draco não podia negar esse fato. Mas então... por quê
diabos se igualar à todos aqueles fãs estúpidos e expectadores
assíduos da vida heróica do menino-idiota-que-sobreviveu? Para quê
se rebaixar a tanto?
Pensar em Harry Potter sempre era um incentivo para enfurecê-lo instantaneamente, mas por que diabos não estava funcionando? Desprezo... Ele precisava sentir desprezo...
Mas suas mãos tremiam. Seu coração batia muito
forte.
Então, finalmente, ele se pegou pensando no por que de
tanto desprezo. Cansara de ouvir essa pergunta dos outros, cansara de
ser aconselhado a se perguntar. Sempre ignorara. Nunca imaginara que
ela fosse surgir involuntariamente e quando ele menos precisasse
dela.
Talvez sem nem saber, Dumbledore havia ganhado vantagem
sobre ele e destruído algum pilar de segurança que ele tinha
construído dentro de si no momento exato em que tocou naquele
assunto, o mesmo cujo qual ela falara com ele sobre, semanas
atrás...
Velho maldito! Guerra maldita. Lados malditos.
Quis que tudo acabasse e todos morressem, inclusive ele... Quem sabe
se todos morressem ao mesmo tempo não sobraria culpa nenhuma para
ele se seu pai ou sua mãe fossem mortos...
Semanas atrás, havia
dito para ela que mudar de lado simplesmente não existia para ele.
Por que não conseguia mais sentir tanta aversão assim com um
segundo convite? Talvez porque era uma prova de que ela estava certa,
havia uma porta aberta para ele no fim das contas... Mas, maldição!
Chegara até ali. Enfrentara seus medos, batera de frente com seu
destino! Seria tudo em vão? Toda a fumaça negra que o envolvia se
dispensaria assim, tão fácil como parecia?
Pensar em fumaça
negra momentaneamente o lembrou de minutos atrás, nos corredores da
escola, dele segurando a Mão da Glória enquanto guiava os comensais
para longe dos ex-integrantes da Armada de Dumbledore que estariam
cegos pelo Pó Escurecedor Instantâneo do Peru. Havia guardado para
si mesmo e agora se confessava involuntariamente: fizera aquilo por
ela. Seria muito mais fácil estuporar (ou até mesmo matar,
dependendo do comensal em questão) os estudantes que entrassem em
seus caminhos, mas não... Não podia deixá-la correr esse risco.
Sentiu algo cair estômago abaixo só em imaginá-la morta por sua
causa... Que morressem todos os seus irmãos, Potter, Granger,
Longbottom asno... Mas ela não.
Os incentivos dos comensais
da morte presentes à cena não estavam ajudando em nada, assim como
o diálogo inteiro que tivera com o diretor... Ele sequer temia
morrer. E não era difícil... Era apenas dizer duas palavrinhas e
acabaria, ele ganharia admiração do Lorde das Trevas, coisa que
nunca obteve de Dumbledore...
Mas como seria sua vida depois
daquilo? Simplesmente não podia deixar de pensar... Matar não é
tão fácil como crêem os inocentes. Por quê diabos ele dissera
aquilo? Duas palavras... Eram duas palavras, ele tinha certeza que as
conhecia, tinha certeza que se quisesse dizê-las era só abrir a
boca e elas sairiam firmemente e com segurança, a mesma segurança
que via sua tia Belatriz usar seus feitiços, a mesma que seu pai lhe
ensinara a ter, a segurança que ele deveria ter
herdado...
Snape apareceu do nada. Sem Draco ter tempo de
pensar ou agir, seu professor – até então favorito - já havia
pronunciado as palavras que ele parecia ter esquecido.
Tinha
acabado. Ele fracassou. Draco Malfoy era, afinal, nada mais que um
garoto fraco. Fraco.
Iria morrer. Sua única
certeza.
Morrer!
Não pode evitar o maior clichê e, ao mesmo tempo, inadequado para o momento – lembranças que vinham agora como flashes, lembranças totalmente fora da realidade atual, que sabe-se lá por que diabos insistiam em invadir sua mente justo naquele momento...
- Me tire uma dúvida. – ouviu sua voz
surgir, borbulhando de provocação.
Ela virou-se
imediatamente para ele, não parecendo realmente surpresa com
aquilo.
- O quê você está fazendo com Corner?
– ele continuou, sorrindo debochado. – Sinceramente, depois de
gastar a comida do mês da sua família com esse vestido de segunda
mão você precisará pedir alguns trocados para alguém além do seu
par oficial do Baile, sabe, em troca de algumas danças. E Corner, se
me recordo bem, é um mestiço desprezível e irrelevante sem nenhuma
poupança especial.
- Ao contrário de você
eu não preciso envolver dinheiro e status para conseguir companhia.
É um dom natural, mas não me surpreende que você não conheça. –
ela retrucou, furiosa. Ele preferiu ignorá-la.
- E
tem mais: dois em uma noite, Weasley? Claro que eu entendo você usar
o Longbottom pateta só para se passar por uma boa moça solidária e
depois sair pelos cantos com outros caras. Mas a questão é: o quê
mamãe Weasley acharia disso tudo? Tsc, tsc. Acho que vai contra os
ideais Coelhos do Bem, não é mesmo?
Gina estava de
costas para ele, mesmo assim Draco adorou conseguir vê-la frear o
ódio que parecia querer sair de dentro de seu corpo a todo custo.
Por um momento ele até achou que ela pegaria sua varinha para
azará-lo, mas algo pareceu controlá-la. Ela respirou fundo e
virou-se para encará-lo.
- Sabe – ela começou,
de repente calma demais para o gosto dele. – Se não fosse bizarro,
eu acharia que você está se preocupando demais com quem eu converso
e danço. Nem meus irmãos estão dando toda essa atenção aos meus
relacionamentos...
- O que está realmente tentando
insinuar? – ele começou a rir.
- Isso, ria, faça
papel de idiota agora. Mas você sabe o quê estou
insinuando.
Imediatamente ele parou de rir, embora
não perdesse totalmente o ar debochado.
- Não seja
tão pretensiosa, Weasel.
- Então não seja tão
imbecil. Aliás, Pansy Parkinson está vindo, você não quer que seu
querido par com cara de buldogue me veja com você, certo? Adeus,
Malfoy.
O tom dela já não era de ódio. Pareceu
achar que triunfara sobre ele, deixando-o sem reação... O quê não
era verdade, é claro, ele apenas estava demorando a refletir o que
ela tentara lhe insinuar... Pensando melhor, desde quando, e como
eles haviam começado um jogo com tais insinuações?!
Pegou-se
imaginando como seria morrer.
Seu corpo enrijeceu e ele
considerou rezar para que acontecesse de um jeito rápido e indolor.
Um Avada Kedavra parecia algo generoso demais. A que ponto
chegara...
Suas pernas corriam o quanto podiam, e por mais que sua
mente vagasse longe, ele tentava controlá-las ainda assim. Desceu
mais escadas do que lembrava ter subido e quase caiu – seus pés
pareciam adormecidos.
E quanto a seus pais? Voldemort iria
matá-los também? Não, ele não podia... O quê tinha a ver sua
pobre mãe com a desgraça e falha de seu marido e filho? Se ela
tivesse sorte nunca teria o tido. Ou então ele teria nascido um
pouco menos covarde a ponto de ser capaz de realizar algo que
estivesse planejado tanto... Perdera o ano para nada, era um
lixo...
Seu pai no momento está seguro em Azkaban...
quando chegar a hora posso protegê-lo também... venha para o lado
certo, Draco... você não é um assassino... A voz de Dumbledore
ainda soava em seus ouvidos, quase palpável... Voz que o assombraria
para sempre. Mais uma. Draco deu atenção à primeira parte dessa
fala em particular... Seu pai seguro em Azkaban? Por mais estranho
que soasse isso acendeu uma fraca luz em seu peito... De algum jeito
conseguia acreditar nas palavras de Dumbledore. Sempre conseguira...
Mas agora era tarde para refletir sobre as palavras de alguém
morto... E havia mais, Draco tinha a consciência de que se
Voldemort quisesse, tinha capacidade suficiente de fazer Lucio sofrer
independente de onde ele estivesse... Principalmente agora, que Alvo
Dumbledore estava morto.
Sentiu suas pernas finalmente
fraquejarem e a pequena luz em seu peito se apagou violentamente.
De que lado estava, afinal?
- O quê é que você está
fazendo! - Snape gritou com ele, levantando-o violentamente e
sacudindo seu corpo. – Corra, Draco, não há tempo para
fraquezas!
Cair não significava nada, apesar de tudo. Sua maior
fraqueza acontecera na Torre de Astronomia.
- Minhas... pernas. –
murmurou para na verdade Snape não ouvir, ou ignorar, e continuar
correndo.
Mas assim que viraram para o corredor próximo,
foram impedidos por muitos duelos que aconteciam ao mesmo tempo.
Entretanto, ninguém pareceu apto a detê-los.
Na verdade ninguém
parecia vê-los como inimigo ali, tanto professores e alunos quanto
comensais... Mas não significava que o caminho estava livre.
Definitivamente, teriam de desviar de muitos feitiços se quisessem
sair ilesos dali. Snape parecia chegar à mesma conclusão, quando de
repente uma tapeçaria particularmente grande demais foi tombada no
meio do corredor que mais parecia um campo de combates.
Momentaneamente tudo desapareceu da visão de Draco assim como dos
demais, tamanha era a nuvem de poeira que se ergueu. Tudo o que
sentiu a seguir foi um puxão seguido pela voz irritada de Snape.
- Não fique parado, continue! Vou procurar uma saída desse corredor, tente me seguir!
Mas como diabos ele ia segui-lo se mal
conseguia ficar com os olhos abertos?
Felizmente, a nuvem parecia
dispersar-se. Lentamente, mas ainda assim parecia.
Tateou quase
às cegas a parede e andou com o corpo meio curvado guiando-se por
ela... Provavelmente alguém estaria se aproveitando da situação
para lançar feitiços no ar e Draco não queria ser atingido por uma
maldição que nem fora mirada nele. Se bem que... não era má
idéia. Ele morreria de qualquer jeito, e morrer assim, de repente,
talvez o poupasse de muito sofrimento... Mas e se algum Crucio o
atingisse? Ele já fora torturado o bastante aquela noite
psicologicamente. Não precisava mais.
Quando começou a
conseguir enxergar um pouco, porém, não via mais Snape. Um
sentimento de desespero começou a invadi-lo.
De alguma forma,
Snape parecia dar-lhe segurança por ser um dos mais respeitáveis
Comensais. Um dos que possuía mais consideração da parte de
Voldemort, no caso. Mais do que qualquer comensal que estava na
Torre... E agora, sem Snape, havia a possibilidade de algum comensal
querer vingar-se dele por não ter matado Dumbledore... Ou então já
haviam descoberto que fora ele quem deixara os comensais entrarem em
Hogwarts e estava procurando-no...
Agora seria caçado pelos
dois lados. Definitivamente, estava perdido.
Perdido. Perdido...
A palavra soou melodicamente dentro de sua cabeça. Talvez não
houvesse melhor descrição para sua real situação.
A
consciência de que trabalhara o ano inteiro em algo que no fim das
contas não conseguiu realizar-se por inteiro, tudo por sua
própria culpa, de repente pareceu estar acendendo lentamente...
em breve, queimaria. Queimaria sua mente aos poucos. Seu bem-estar.
Sua paz.
Sentiu algo cair estômago abaixo. Talvez fosse sua
auto-estima. Ele era só um garotinho fraco, é o que sempre fora. A
quem esteve tentando enganar todo esse tempo?
Noites em claro,
trabalhos no Armário Sumidouro, pesquisas na biblioteca sobre
consertos, pergaminhos e mais pergaminhos com anotações
arquitetando cada detalhe, cada possibilidade... Agora sentia como se
uma obra-prima divina fosse arrancada de suas mãos antes que pudesse
terminá-la. Sentia não só um, mas vários pedaços sendo arrancado
de si aos poucos... Não era bom vir a morte e levar tudo?
Em meio à sensação de estar preso em um buraco muito fundo, Draco freou de repente quando ouviu uma voz. Já conseguia distinguir as coisas à sua frente, logo seus olhos involuntariamente começaram a varrer o local à procura da dona daquela voz...
- Eu não
sei, Rony, Harry passou correndo por mim sem me explicar nada! –
Gina gritou com certa dificuldade.
Rony Weasley em resposta gritou
algo curto a ela e pareceu correr para outro corredor.
Foi
quando ele conseguiu vê-la, a poeira finalmente baixando.
Ela
duelava com Aleto Carrow, um dos comensais que estavam anteriormente
na Torre de Astronomia. Mas não era bem um duelo... ela mais fugia
das maldições de Carrow do que tentava azará-lo. E estava
desviando tão bem dos feitiços que qualquer distração pequena
poderia atrapalhá-la... na verdade bem demais.
Estava um
pouco longe da batalha deles em particular – mas olhar para a
expressão maliciosa de Carrow, como um predador insistindo em cercar
a presa, fez Draco odiá-lo instantaneamente e seus pés virarem para
aquela direção. Não sabia o que estava fazendo, obviamente, e logo
quando o comensal o viu dera-se conta de que havia feito algo
estúpido.
- Seu garoto idiota! – Aleto Carrow berrou para
ele. – Era para você ir com Snape, onde ele está?! Não basta
você não ter sido capaz de fazer o que lhe foi mandado essa
noite... Ainda tem que se perder?!
Sentiu seu coração parar, mas
poderia ser de fúria ou porque Gina virou imediatamente o rosto para
ele.
- Cale a boca... – respondeu à Aleto. Sem pensar, tirou
violentamente sua varinha do bolso e mirou no comensal. O ato pareceu
surpreendê-lo, distração suficiente para um rápido feitiço de
Gina atingi-lo no peito e ele cair duro.
Mas ele também fora
pego de surpresa. Agora restava ele em pé, e uma Gina que o encarava
com a boca entreaberta sem parecer saber o que falar ou até mesmo
pensar.
Porém, ele sabia a informação que ela estava demorando
a digerir. Agora ela sabia que – seja lá o que fosse para ele
fazer – ele não havia feito. Ou melhor, não havia conseguido
fazer.
Ela era uma das últimas pessoas no mundo que Draco queria
que soubesse o quanto ele era fraco.
- Qual o problema, vai me
atacar?! Estou esperando! – gritou a ela. Sabia que não podia
ignorar o fato deles estarem próximos um do outro se encarando no
meio de tantos duelos.
- Não seja besta! Não vou te atacar. –
ela desviou de um feitiço que ricocheteou na parede há poucos
metros atrás dela e tentou aproximar-se de Draco como pôde. – Não
vou te atacar, porque agora sei que você também não vai!
- O
que quer dizer com isso?
Era bizarro o fato de eles estarem tendo
uma conversa (de gritos, aliás) um para o outro no meio de outras
pessoas. De fato, quase não se podia ouvir suas vozes, e a
movimentação aliada ao resto de nuvem poeira tornava quase
impossível de se distinguir Draco e Gina ali.
- O que ele disse,
é verdade? Você não fez o que estava planejando fazer? Então não
está completamente envolvido com as Trevas?
Era a última
coisa que ele precisava: compartilhar seu fracasso com ela.
Eram dois assuntos que não deveriam ser misturados, e ambos no
momento faziam-no sentir péssimo.
E foi a primeira vez que
preferiu dar as costas a continuar ali perto dela. Procurou
desesperadamente uma saída para outro corredor qualquer e para sua
surpresa estava mais perto de alcançá-lo do que havia pensado.
Dando largos passos, ainda evitando os feitiços que insistiam em
voar pelos ares, ele virou o corredor e, sentindo que Gina não
desistiria fácil dele, entrou na primeira porta de sala de aula que
encontrou – na verdade, "porta" ainda era alguma coisa perto da
madeira cheia de buracos e estragos causados pelos feitiços que ali
haviam ricocheteado. Reconheceu facilmente a sala de Transfiguração,
tivera aulas ali em seu quarto e quinto ano...
- Malfoy?
Draco! - Gina o alcançou, para o seu total desgosto. – O
que está fazendo?!
- Estou colhendo lírios, Weasley. –
ironizou com uma voz muito seca. - Por Merlim, me deixe em paz!
-
Eu me referia ao que você está fazendo fugindo assim. Mas está ok,
eu já recebi a resposta que queria, daquele comensal... Eu só
preciso saber de uma coisa, Draco.
- Não, você não precisa
saber de na...
- Se você não fez... sei lá, o que devia fazer –
ela cortou-o, aproximando-se dele para não precisar mais falar em
voz alta. – Significa algo, certo?
- Sim – algo explodiu
dentro dele. - Sim, significa que eu sou um idiota incapaz. É
engraçado, não é? Deve ser, para você, que me assistiu nessa
trajetória de autodestruição e agora está conferindo que eu
realmente me auto-destruí quando acabei não fazendo o
que...
- Não, não, não... Draco, você fez uma escolha!
Ele
perdeu as palavras: a convicção com que ela havia dito aquilo
pareceu retorná-lo alguns minutos, que nem eram tantos... "...venha
para o lado certo, Draco... você não é um assassino...".
Havia ecos naquela sala? Ele quase podia tocar a fala... "Você não
é um assassino... Você não é um assassino..." Eram convicções
similares. Totalmente similares!
Havia algo de errado com o poder
que ela exercia sobre ele. De algum jeito, a presença dela ali
pareceu anular momentaneamente todas as suas preocupações:
Dumbledore pareceu estar vivo dentro de sua fala e ele, no final das
contas... Draco morreria, mesmo. Não cumprira o que havia prometido,
e Voldemort não faria igual. No entanto, era sua única certeza, e
estava bem com ela. O que poderia fazer, senão aceitar? Aceitar
perder essa sua vida maldita, amaldiçoada. Era quase um alívio,
vendo agora.
Pensando bem, nunca parara para pensar no que viria
depois da morte. Claro, ele nunca planejara morrer antes de receber
aquela sina. Mas gostou de pensar que talvez ele voltasse em outro
corpo, outra vida. Uma vida sem aquelas complicações imbecis,
inúteis... Tudo seria perfeito novamente. Ele não via a hora.
Mas
até lá... o que vinha a seguir?
- Só me responda isso, você
está do nosso lado agora?! É o que eu preciso saber...
-
Não...
- Mas... Ah, você não sabe ao certo.
- Tanto faz essa
idéia idiota de lados. Tanto faz, agora que eu vou morrer de
qualquer jeito. – sua voz soou perfeitamente indiferente e
irritada. Era o que afinal sentia no momento sobre tal assunto.
-
Não, me escute: Você pode vir comigo agora, se quiser!
Será que
ela iria falar de Dumbledore com seu olhar de esperança de novo?
-
Não, não posso...
- Não seja teimoso na hora errada! Nós
podem...
- Por favor – ele pediu impacientemente. – Só
esqueça, Weasley. Só.
Ela pareceu refletir. Por um momento,
também pareceu esquecer que havia uma guerra do lado de fora daquela
sala de aula.
- Como assim! O que diabos afinal você vai fazer? –
ela realmente estava cansada de enigmas.
- Eu, nada. – ele deu
de ombros. - Ele vai fazer por mim. Me matar, sabe. Mas até
lá... Aí está algo para se pensar: o que vou fazer até lá?
-
Não brinque com a morte.
- E por que não? – ele começava a
se divertir: finalmente encontrara alguém para ficar aterrorizada
com o assunto no lugar dele. - Ela brincou comigo o ano inteiro
praticamente. Era como se houvesse um ponteiro com meu nome que
alternasse sempre em "Você vai morrer!" e "Você vai
sobreviver!"... Mas ela, a morte, sempre soube o que havia no
final. Só esteve tentando me manter distraído...
- O que está
havendo com você?! - Gina quase gritou de irritação, ao mesmo
tempo em que se aproximou mais de Draco e sacudiu seu ombro com a
mão. Ele sentiu a fricção de tê-la por perto... e isso não foi
bom. Pareceu acordar de seu sonho de faz-de-conta, frustrado... –
Se Você-Sabe-Quem te ameaçou e você acha que ele vai te matar, não
é motivo de ficar fazendo brincadeiras e reflexões infantis! Se
você prometer que mudou de lado eles vão te aceitar, vão te deixar
seguro na Ordem, você não precisa morrer assim!
Ele não era um
assassino. Não era um comensal de verdade (se fosse, teria matado
Dumbledore). Não era o Malfoy que seu pai esperara que fosse.
Logo... não era difícil pensar que também não seria o personagem
da história a mudar de lado. Talvez isso fosse relevante demais para
ele.
E também, não daria certo. Dumbledore morrera, Gina ainda
não sabia, mas ele sim. Com isso, seria quase fácil para o
Lorde das Trevas o achar e matá-lo. E havia seus pais, que ele
levaria junto para o inferno: premiação por eles terem tido um
filho tão inútil e fraco.
Morte. Fim de tudo. Podia senti-la
caminhando a seu lado nesse momento, e sorrindo gentil. Ao contrário
do que pensara segundos atrás, morrer não era tão bom assim...
Havia tanta coisa que ele deixara de fazer e, principalmente, tanta
coisa que ele planejava fazer... Era ridículo morrer agora, sem ter
tido quase nada do que tinha em mente.
Como ela – Gina. Parada
em sua frente, um dos maiores exemplos. Irônico. Muito irônico da
parte do destino colocá-la em sua frente como um exemplo palpável
quando ele estava justamente pensando sobre o que poderia ter
sido.
Foi assim então, mergulhado em profunda tristeza e
solidão, que ele pensou... Estava vivo. Pelo menos por
enquanto. É claro que morreria... mas ainda tinha uma chance.
Chance de fazer algo que queria, pela última vez...
E a chance
estava bem à sua frente.
Num impulso abraçou Gina, e sem
dar tempo dela sequer localizar-se, a beijou.
Foi um beijo
apressado... e não tinha palavras para descrever aquela sensação:
era como se dissesse, beijando-a, que simplesmente o deixasse
beijá-la, porque era tudo o que precisava no momento, era tudo o que
poderia fazer para salvá-lo. Era o que sempre gostara mais nos
beijos dela, algo que tinha certeza que nunca mais encontraria nos
beijos de ninguém... Uma conexão, uma plenitude. Havia sentido, ao
mesmo tempo em que não se precisava dele. Queria paralisar o tempo
naquele momento para que durasse até que ele finalmente pudesse
morrer em paz, sem tempo para se arrepender ou qualquer coisa do
tipo.
Aspirando o perfume dela, concentrou-se em guardar seu
cheiro na memória e finalmente separou seus lábios. Longe deles,
realmente, só a morte poderia ajudá-lo. Tragicamente irônico,
outra vez.
- Talvez haja mesmo outra dimensão. Adeus. – ele murmurou apressadamente, observando a expressão de espanto de Gina.
E então ele se foi. Era melhor correr... ele não
conseguia imaginar o por quê, mas sentia que era.
Snape... é,
Snape devia estar furioso com ele... Mas ele não se importava.
Sentia que, de alguma forma, talvez realmente pudesse morrer, talvez
até agora. Algo se completara dentro dele. Talvez ficasse
aterrorizado de novo com a idéia de morrer mais tarde. Mas sabia que
não se arrependeria de ter feito aquilo. Beijar Gina pela última
vez foi a melhor coisa que ele fizera, e o único ponto positivo em
saber que o futuro não existia para ele. Em ver fumaças em vez de
um caminho.
Enquanto corria, sentiu um baque dentro de
si.
Somente agora havia ocorrido-lhe... Ela ainda era
namorada de Potter.
Aquilo significava que ele havia beijado a
namorada de seu maior inimigo. Do precioso Potter perfeito que nunca
perdia! Invencível!... Até agora!
A sensação era maravilhosa
– se não fosse as reais circunstâncias, até vibraria.
Ganhara
dele. A certeza de que Gina sempre fora dele, afinal, muito
mais do que de Potter, recomeçava a nascer dentro dele. Era uma
certeza que até então estava adormecida, quase morta, guardada
dentro de si. Agora ela estava mais do que nunca viva, em pé, e
rugia vitoriosa.
De repente, pegou-se pensando se era realmente
uma traição... Na teoria, sim. A garota beijara lábios que não
era de seu namorado. Mas... Gina beijara-o?
Vasculhou internamente
sua memória de segundos atrás. Como assim ele estava em dúvida?
Ela não o empurrara. Não o impedira. Ele estava agitado e ansioso
demais para prestar atenção nos detalhes de reação de Gina,
simplesmente precisava-a. Talvez ela tenha percebido isso, e
cedido.
Ou talvez ela quisesse tanto quanto ele...
- Draco!
Draco! Onde você pensa que estava?! – alguém segurou seu braço
firmemente. Draco virou e viu um Snape agitado.
- Eu me perdi
naquela poeira!
- E você me diz isso pacificamente? Não percebe
a real situação que temos aqui?! Vamos, Draco, corra! Já devem
estar atrás de nós!
Com certeza estavam.
Seguiu Snape com
o corpo tremendo – a realidade voltava a persegui-lo. E agora não
havia mais salvaguarda. Não havia mais Gina.
Tentou se lembrar
do beijo de segundos atrás conforme corria. Sentia sua visão se
dissipar a cada clarão de feitiço que via passar por eles dos
combates em corredores perdidos. Via-a, tentava senti-la...
Mas
contra ele havia também seu destino vindo de braços abertos – sua
morte.
No fundo ele sempre soubera disso, embora não servisse de consolação. Então ele correria, e a abraçaria de volta.