Capítulo 3: "Última chance"

Ali estava o dia que no fundo ele esperou nunca chegar. O momento que pensara ser surreal.
A varinha estava mirada para o diretor que ele sempre considerou patético e desprezível, igualmente comparado às suas ações excêntricas. Draco não gostava de excentricidades. E havia o detalhe do brilho nos olhos atrás das pequenas lentes dos óculos de Dumbledore, que ocasionalmente aparecia quando se falava no seu aluno preferido... Harry Potter. Era mais um a venerar Potter. Mas Dumbledore era diretor de Hogwarts... E um bruxo respeitado, Draco não podia negar esse fato. Mas então... por quê diabos se igualar à todos aqueles fãs estúpidos e expectadores assíduos da vida heróica do menino-idiota-que-sobreviveu? Para quê se rebaixar a tanto?

Pensar em Harry Potter sempre era um incentivo para enfurecê-lo instantaneamente, mas por que diabos não estava funcionando? Desprezo... Ele precisava sentir desprezo...

Mas suas mãos tremiam. Seu coração batia muito forte.
Então, finalmente, ele se pegou pensando no por que de tanto desprezo. Cansara de ouvir essa pergunta dos outros, cansara de ser aconselhado a se perguntar. Sempre ignorara. Nunca imaginara que ela fosse surgir involuntariamente e quando ele menos precisasse dela.
Talvez sem nem saber, Dumbledore havia ganhado vantagem sobre ele e destruído algum pilar de segurança que ele tinha construído dentro de si no momento exato em que tocou naquele assunto, o mesmo cujo qual ela falara com ele sobre, semanas atrás...
Velho maldito! Guerra maldita. Lados malditos. Quis que tudo acabasse e todos morressem, inclusive ele... Quem sabe se todos morressem ao mesmo tempo não sobraria culpa nenhuma para ele se seu pai ou sua mãe fossem mortos...
Semanas atrás, havia dito para ela que mudar de lado simplesmente não existia para ele. Por que não conseguia mais sentir tanta aversão assim com um segundo convite? Talvez porque era uma prova de que ela estava certa, havia uma porta aberta para ele no fim das contas... Mas, maldição! Chegara até ali. Enfrentara seus medos, batera de frente com seu destino! Seria tudo em vão? Toda a fumaça negra que o envolvia se dispensaria assim, tão fácil como parecia?
Pensar em fumaça negra momentaneamente o lembrou de minutos atrás, nos corredores da escola, dele segurando a Mão da Glória enquanto guiava os comensais para longe dos ex-integrantes da Armada de Dumbledore que estariam cegos pelo Pó Escurecedor Instantâneo do Peru. Havia guardado para si mesmo e agora se confessava involuntariamente: fizera aquilo por ela. Seria muito mais fácil estuporar (ou até mesmo matar, dependendo do comensal em questão) os estudantes que entrassem em seus caminhos, mas não... Não podia deixá-la correr esse risco. Sentiu algo cair estômago abaixo só em imaginá-la morta por sua causa... Que morressem todos os seus irmãos, Potter, Granger, Longbottom asno... Mas ela não.

Os incentivos dos comensais da morte presentes à cena não estavam ajudando em nada, assim como o diálogo inteiro que tivera com o diretor... Ele sequer temia morrer. E não era difícil... Era apenas dizer duas palavrinhas e acabaria, ele ganharia admiração do Lorde das Trevas, coisa que nunca obteve de Dumbledore...
Mas como seria sua vida depois daquilo? Simplesmente não podia deixar de pensar... Matar não é tão fácil como crêem os inocentes. Por quê diabos ele dissera aquilo? Duas palavras... Eram duas palavras, ele tinha certeza que as conhecia, tinha certeza que se quisesse dizê-las era só abrir a boca e elas sairiam firmemente e com segurança, a mesma segurança que via sua tia Belatriz usar seus feitiços, a mesma que seu pai lhe ensinara a ter, a segurança que ele deveria ter herdado...

Snape apareceu do nada. Sem Draco ter tempo de pensar ou agir, seu professor – até então favorito - já havia pronunciado as palavras que ele parecia ter esquecido.
Tinha acabado. Ele fracassou. Draco Malfoy era, afinal, nada mais que um garoto fraco. Fraco.

Iria morrer. Sua única certeza.
Morrer!

Não pode evitar o maior clichê e, ao mesmo tempo, inadequado para o momento – lembranças que vinham agora como flashes, lembranças totalmente fora da realidade atual, que sabe-se lá por que diabos insistiam em invadir sua mente justo naquele momento...

- Me tire uma dúvida. – ouviu sua voz surgir, borbulhando de provocação.
Ela virou-se imediatamente para ele, não parecendo realmente surpresa com aquilo.
- O quê você está fazendo com Corner? – ele continuou, sorrindo debochado. – Sinceramente, depois de gastar a comida do mês da sua família com esse vestido de segunda mão você precisará pedir alguns trocados para alguém além do seu par oficial do Baile, sabe, em troca de algumas danças. E Corner, se me recordo bem, é um mestiço desprezível e irrelevante sem nenhuma poupança especial.
- Ao contrário de você eu não preciso envolver dinheiro e status para conseguir companhia. É um dom natural, mas não me surpreende que você não conheça. – ela retrucou, furiosa. Ele preferiu ignorá-la.
- E tem mais: dois em uma noite, Weasley? Claro que eu entendo você usar o Longbottom pateta só para se passar por uma boa moça solidária e depois sair pelos cantos com outros caras. Mas a questão é: o quê mamãe Weasley acharia disso tudo? Tsc, tsc. Acho que vai contra os ideais Coelhos do Bem, não é mesmo?
Gina estava de costas para ele, mesmo assim Draco adorou conseguir vê-la frear o ódio que parecia querer sair de dentro de seu corpo a todo custo. Por um momento ele até achou que ela pegaria sua varinha para azará-lo, mas algo pareceu controlá-la. Ela respirou fundo e virou-se para encará-lo.
- Sabe – ela começou, de repente calma demais para o gosto dele. – Se não fosse bizarro, eu acharia que você está se preocupando demais com quem eu converso e danço. Nem meus irmãos estão dando toda essa atenção aos meus relacionamentos...
- O que está realmente tentando insinuar? – ele começou a rir.
- Isso, ria, faça papel de idiota agora. Mas você sabe o quê estou insinuando.
Imediatamente ele parou de rir, embora não perdesse totalmente o ar debochado.
- Não seja tão pretensiosa, Weasel.
- Então não seja tão imbecil. Aliás, Pansy Parkinson está vindo, você não quer que seu querido par com cara de buldogue me veja com você, certo? Adeus, Malfoy.
O tom dela já não era de ódio. Pareceu achar que triunfara sobre ele, deixando-o sem reação... O quê não era verdade, é claro, ele apenas estava demorando a refletir o que ela tentara lhe insinuar... Pensando melhor, desde quando, e como eles haviam começado um jogo com tais insinuações?!

Pegou-se imaginando como seria morrer.
Seu corpo enrijeceu e ele considerou rezar para que acontecesse de um jeito rápido e indolor. Um Avada Kedavra parecia algo generoso demais. A que ponto chegara...
Suas pernas corriam o quanto podiam, e por mais que sua mente vagasse longe, ele tentava controlá-las ainda assim. Desceu mais escadas do que lembrava ter subido e quase caiu – seus pés pareciam adormecidos.
E quanto a seus pais? Voldemort iria matá-los também? Não, ele não podia... O quê tinha a ver sua pobre mãe com a desgraça e falha de seu marido e filho? Se ela tivesse sorte nunca teria o tido. Ou então ele teria nascido um pouco menos covarde a ponto de ser capaz de realizar algo que estivesse planejado tanto... Perdera o ano para nada, era um lixo...

Seu pai no momento está seguro em Azkaban... quando chegar a hora posso protegê-lo também... venha para o lado certo, Draco... você não é um assassino... A voz de Dumbledore ainda soava em seus ouvidos, quase palpável... Voz que o assombraria para sempre. Mais uma. Draco deu atenção à primeira parte dessa fala em particular... Seu pai seguro em Azkaban? Por mais estranho que soasse isso acendeu uma fraca luz em seu peito... De algum jeito conseguia acreditar nas palavras de Dumbledore. Sempre conseguira... Mas agora era tarde para refletir sobre as palavras de alguém morto... E havia mais, Draco tinha a consciência de que se Voldemort quisesse, tinha capacidade suficiente de fazer Lucio sofrer independente de onde ele estivesse... Principalmente agora, que Alvo Dumbledore estava morto.
Sentiu suas pernas finalmente fraquejarem e a pequena luz em seu peito se apagou violentamente.

De que lado estava, afinal?

- O quê é que você está fazendo! - Snape gritou com ele, levantando-o violentamente e sacudindo seu corpo. – Corra, Draco, não há tempo para fraquezas!
Cair não significava nada, apesar de tudo. Sua maior fraqueza acontecera na Torre de Astronomia.
- Minhas... pernas. – murmurou para na verdade Snape não ouvir, ou ignorar, e continuar correndo.

Mas assim que viraram para o corredor próximo, foram impedidos por muitos duelos que aconteciam ao mesmo tempo. Entretanto, ninguém pareceu apto a detê-los.
Na verdade ninguém parecia vê-los como inimigo ali, tanto professores e alunos quanto comensais... Mas não significava que o caminho estava livre. Definitivamente, teriam de desviar de muitos feitiços se quisessem sair ilesos dali. Snape parecia chegar à mesma conclusão, quando de repente uma tapeçaria particularmente grande demais foi tombada no meio do corredor que mais parecia um campo de combates. Momentaneamente tudo desapareceu da visão de Draco assim como dos demais, tamanha era a nuvem de poeira que se ergueu. Tudo o que sentiu a seguir foi um puxão seguido pela voz irritada de Snape.

- Não fique parado, continue! Vou procurar uma saída desse corredor, tente me seguir!

Mas como diabos ele ia segui-lo se mal conseguia ficar com os olhos abertos?
Felizmente, a nuvem parecia dispersar-se. Lentamente, mas ainda assim parecia.
Tateou quase às cegas a parede e andou com o corpo meio curvado guiando-se por ela... Provavelmente alguém estaria se aproveitando da situação para lançar feitiços no ar e Draco não queria ser atingido por uma maldição que nem fora mirada nele. Se bem que... não era má idéia. Ele morreria de qualquer jeito, e morrer assim, de repente, talvez o poupasse de muito sofrimento... Mas e se algum Crucio o atingisse? Ele já fora torturado o bastante aquela noite psicologicamente. Não precisava mais.

Quando começou a conseguir enxergar um pouco, porém, não via mais Snape. Um sentimento de desespero começou a invadi-lo.
De alguma forma, Snape parecia dar-lhe segurança por ser um dos mais respeitáveis Comensais. Um dos que possuía mais consideração da parte de Voldemort, no caso. Mais do que qualquer comensal que estava na Torre... E agora, sem Snape, havia a possibilidade de algum comensal querer vingar-se dele por não ter matado Dumbledore... Ou então já haviam descoberto que fora ele quem deixara os comensais entrarem em Hogwarts e estava procurando-no...

Agora seria caçado pelos dois lados. Definitivamente, estava perdido.
Perdido. Perdido... A palavra soou melodicamente dentro de sua cabeça. Talvez não houvesse melhor descrição para sua real situação.
A consciência de que trabalhara o ano inteiro em algo que no fim das contas não conseguiu realizar-se por inteiro, tudo por sua própria culpa, de repente pareceu estar acendendo lentamente... em breve, queimaria. Queimaria sua mente aos poucos. Seu bem-estar. Sua paz.
Sentiu algo cair estômago abaixo. Talvez fosse sua auto-estima. Ele era só um garotinho fraco, é o que sempre fora. A quem esteve tentando enganar todo esse tempo?
Noites em claro, trabalhos no Armário Sumidouro, pesquisas na biblioteca sobre consertos, pergaminhos e mais pergaminhos com anotações arquitetando cada detalhe, cada possibilidade... Agora sentia como se uma obra-prima divina fosse arrancada de suas mãos antes que pudesse terminá-la. Sentia não só um, mas vários pedaços sendo arrancado de si aos poucos... Não era bom vir a morte e levar tudo?

Em meio à sensação de estar preso em um buraco muito fundo, Draco freou de repente quando ouviu uma voz. Já conseguia distinguir as coisas à sua frente, logo seus olhos involuntariamente começaram a varrer o local à procura da dona daquela voz...

- Eu não sei, Rony, Harry passou correndo por mim sem me explicar nada! – Gina gritou com certa dificuldade.
Rony Weasley em resposta gritou algo curto a ela e pareceu correr para outro corredor.

Foi quando ele conseguiu vê-la, a poeira finalmente baixando.
Ela duelava com Aleto Carrow, um dos comensais que estavam anteriormente na Torre de Astronomia. Mas não era bem um duelo... ela mais fugia das maldições de Carrow do que tentava azará-lo. E estava desviando tão bem dos feitiços que qualquer distração pequena poderia atrapalhá-la... na verdade bem demais.
Estava um pouco longe da batalha deles em particular – mas olhar para a expressão maliciosa de Carrow, como um predador insistindo em cercar a presa, fez Draco odiá-lo instantaneamente e seus pés virarem para aquela direção. Não sabia o que estava fazendo, obviamente, e logo quando o comensal o viu dera-se conta de que havia feito algo estúpido.

- Seu garoto idiota! – Aleto Carrow berrou para ele. – Era para você ir com Snape, onde ele está?! Não basta você não ter sido capaz de fazer o que lhe foi mandado essa noite... Ainda tem que se perder?!
Sentiu seu coração parar, mas poderia ser de fúria ou porque Gina virou imediatamente o rosto para ele.
- Cale a boca... – respondeu à Aleto. Sem pensar, tirou violentamente sua varinha do bolso e mirou no comensal. O ato pareceu surpreendê-lo, distração suficiente para um rápido feitiço de Gina atingi-lo no peito e ele cair duro.

Mas ele também fora pego de surpresa. Agora restava ele em pé, e uma Gina que o encarava com a boca entreaberta sem parecer saber o que falar ou até mesmo pensar.
Porém, ele sabia a informação que ela estava demorando a digerir. Agora ela sabia que – seja lá o que fosse para ele fazer – ele não havia feito. Ou melhor, não havia conseguido fazer.
Ela era uma das últimas pessoas no mundo que Draco queria que soubesse o quanto ele era fraco.

- Qual o problema, vai me atacar?! Estou esperando! – gritou a ela. Sabia que não podia ignorar o fato deles estarem próximos um do outro se encarando no meio de tantos duelos.
- Não seja besta! Não vou te atacar. – ela desviou de um feitiço que ricocheteou na parede há poucos metros atrás dela e tentou aproximar-se de Draco como pôde. – Não vou te atacar, porque agora sei que você também não vai!
- O que quer dizer com isso?
Era bizarro o fato de eles estarem tendo uma conversa (de gritos, aliás) um para o outro no meio de outras pessoas. De fato, quase não se podia ouvir suas vozes, e a movimentação aliada ao resto de nuvem poeira tornava quase impossível de se distinguir Draco e Gina ali.
- O que ele disse, é verdade? Você não fez o que estava planejando fazer? Então não está completamente envolvido com as Trevas?
Era a última coisa que ele precisava: compartilhar seu fracasso com ela. Eram dois assuntos que não deveriam ser misturados, e ambos no momento faziam-no sentir péssimo.
E foi a primeira vez que preferiu dar as costas a continuar ali perto dela. Procurou desesperadamente uma saída para outro corredor qualquer e para sua surpresa estava mais perto de alcançá-lo do que havia pensado. Dando largos passos, ainda evitando os feitiços que insistiam em voar pelos ares, ele virou o corredor e, sentindo que Gina não desistiria fácil dele, entrou na primeira porta de sala de aula que encontrou – na verdade, "porta" ainda era alguma coisa perto da madeira cheia de buracos e estragos causados pelos feitiços que ali haviam ricocheteado. Reconheceu facilmente a sala de Transfiguração, tivera aulas ali em seu quarto e quinto ano...

- Malfoy? Draco! - Gina o alcançou, para o seu total desgosto. – O que está fazendo?!
- Estou colhendo lírios, Weasley. – ironizou com uma voz muito seca. - Por Merlim, me deixe em paz!
- Eu me referia ao que você está fazendo fugindo assim. Mas está ok, eu já recebi a resposta que queria, daquele comensal... Eu só preciso saber de uma coisa, Draco.
- Não, você não precisa saber de na...
- Se você não fez... sei lá, o que devia fazer – ela cortou-o, aproximando-se dele para não precisar mais falar em voz alta. – Significa algo, certo?
- Sim – algo explodiu dentro dele. - Sim, significa que eu sou um idiota incapaz. É engraçado, não é? Deve ser, para você, que me assistiu nessa trajetória de autodestruição e agora está conferindo que eu realmente me auto-destruí quando acabei não fazendo o que...
- Não, não, não... Draco, você fez uma escolha!
Ele perdeu as palavras: a convicção com que ela havia dito aquilo pareceu retorná-lo alguns minutos, que nem eram tantos... "...venha para o lado certo, Draco... você não é um assassino...". Havia ecos naquela sala? Ele quase podia tocar a fala... "Você não é um assassino... Você não é um assassino..." Eram convicções similares. Totalmente similares!
Havia algo de errado com o poder que ela exercia sobre ele. De algum jeito, a presença dela ali pareceu anular momentaneamente todas as suas preocupações: Dumbledore pareceu estar vivo dentro de sua fala e ele, no final das contas... Draco morreria, mesmo. Não cumprira o que havia prometido, e Voldemort não faria igual. No entanto, era sua única certeza, e estava bem com ela. O que poderia fazer, senão aceitar? Aceitar perder essa sua vida maldita, amaldiçoada. Era quase um alívio, vendo agora.
Pensando bem, nunca parara para pensar no que viria depois da morte. Claro, ele nunca planejara morrer antes de receber aquela sina. Mas gostou de pensar que talvez ele voltasse em outro corpo, outra vida. Uma vida sem aquelas complicações imbecis, inúteis... Tudo seria perfeito novamente. Ele não via a hora.
Mas até lá... o que vinha a seguir?
- Só me responda isso, você está do nosso lado agora?! É o que eu preciso saber...
- Não...
- Mas... Ah, você não sabe ao certo.
- Tanto faz essa idéia idiota de lados. Tanto faz, agora que eu vou morrer de qualquer jeito. – sua voz soou perfeitamente indiferente e irritada. Era o que afinal sentia no momento sobre tal assunto.
- Não, me escute: Você pode vir comigo agora, se quiser!
Será que ela iria falar de Dumbledore com seu olhar de esperança de novo?
- Não, não posso...
- Não seja teimoso na hora errada! Nós podem...
- Por favor – ele pediu impacientemente. – Só esqueça, Weasley. Só.
Ela pareceu refletir. Por um momento, também pareceu esquecer que havia uma guerra do lado de fora daquela sala de aula.
- Como assim! O que diabos afinal você vai fazer? – ela realmente estava cansada de enigmas.
- Eu, nada. – ele deu de ombros. - Ele vai fazer por mim. Me matar, sabe. Mas até lá... Aí está algo para se pensar: o que vou fazer até lá?
- Não brinque com a morte.
- E por que não? – ele começava a se divertir: finalmente encontrara alguém para ficar aterrorizada com o assunto no lugar dele. - Ela brincou comigo o ano inteiro praticamente. Era como se houvesse um ponteiro com meu nome que alternasse sempre em "Você vai morrer!" e "Você vai sobreviver!"... Mas ela, a morte, sempre soube o que havia no final. Só esteve tentando me manter distraído...
- O que está havendo com você?! - Gina quase gritou de irritação, ao mesmo tempo em que se aproximou mais de Draco e sacudiu seu ombro com a mão. Ele sentiu a fricção de tê-la por perto... e isso não foi bom. Pareceu acordar de seu sonho de faz-de-conta, frustrado... – Se Você-Sabe-Quem te ameaçou e você acha que ele vai te matar, não é motivo de ficar fazendo brincadeiras e reflexões infantis! Se você prometer que mudou de lado eles vão te aceitar, vão te deixar seguro na Ordem, você não precisa morrer assim!
Ele não era um assassino. Não era um comensal de verdade (se fosse, teria matado Dumbledore). Não era o Malfoy que seu pai esperara que fosse. Logo... não era difícil pensar que também não seria o personagem da história a mudar de lado. Talvez isso fosse relevante demais para ele.
E também, não daria certo. Dumbledore morrera, Gina ainda não sabia, mas ele sim. Com isso, seria quase fácil para o Lorde das Trevas o achar e matá-lo. E havia seus pais, que ele levaria junto para o inferno: premiação por eles terem tido um filho tão inútil e fraco.
Morte. Fim de tudo. Podia senti-la caminhando a seu lado nesse momento, e sorrindo gentil. Ao contrário do que pensara segundos atrás, morrer não era tão bom assim... Havia tanta coisa que ele deixara de fazer e, principalmente, tanta coisa que ele planejava fazer... Era ridículo morrer agora, sem ter tido quase nada do que tinha em mente.
Como ela – Gina. Parada em sua frente, um dos maiores exemplos. Irônico. Muito irônico da parte do destino colocá-la em sua frente como um exemplo palpável quando ele estava justamente pensando sobre o que poderia ter sido.
Foi assim então, mergulhado em profunda tristeza e solidão, que ele pensou... Estava vivo. Pelo menos por enquanto. É claro que morreria... mas ainda tinha uma chance. Chance de fazer algo que queria, pela última vez...
E a chance estava bem à sua frente.

Num impulso abraçou Gina, e sem dar tempo dela sequer localizar-se, a beijou.
Foi um beijo apressado... e não tinha palavras para descrever aquela sensação: era como se dissesse, beijando-a, que simplesmente o deixasse beijá-la, porque era tudo o que precisava no momento, era tudo o que poderia fazer para salvá-lo. Era o que sempre gostara mais nos beijos dela, algo que tinha certeza que nunca mais encontraria nos beijos de ninguém... Uma conexão, uma plenitude. Havia sentido, ao mesmo tempo em que não se precisava dele. Queria paralisar o tempo naquele momento para que durasse até que ele finalmente pudesse morrer em paz, sem tempo para se arrepender ou qualquer coisa do tipo.
Aspirando o perfume dela, concentrou-se em guardar seu cheiro na memória e finalmente separou seus lábios. Longe deles, realmente, só a morte poderia ajudá-lo. Tragicamente irônico, outra vez.

- Talvez haja mesmo outra dimensão. Adeus. – ele murmurou apressadamente, observando a expressão de espanto de Gina.

E então ele se foi. Era melhor correr... ele não conseguia imaginar o por quê, mas sentia que era.
Snape... é, Snape devia estar furioso com ele... Mas ele não se importava. Sentia que, de alguma forma, talvez realmente pudesse morrer, talvez até agora. Algo se completara dentro dele. Talvez ficasse aterrorizado de novo com a idéia de morrer mais tarde. Mas sabia que não se arrependeria de ter feito aquilo. Beijar Gina pela última vez foi a melhor coisa que ele fizera, e o único ponto positivo em saber que o futuro não existia para ele. Em ver fumaças em vez de um caminho.

Enquanto corria, sentiu um baque dentro de si.
Somente agora havia ocorrido-lhe... Ela ainda era namorada de Potter.
Aquilo significava que ele havia beijado a namorada de seu maior inimigo. Do precioso Potter perfeito que nunca perdia! Invencível!... Até agora!
A sensação era maravilhosa – se não fosse as reais circunstâncias, até vibraria.
Ganhara dele. A certeza de que Gina sempre fora dele, afinal, muito mais do que de Potter, recomeçava a nascer dentro dele. Era uma certeza que até então estava adormecida, quase morta, guardada dentro de si. Agora ela estava mais do que nunca viva, em pé, e rugia vitoriosa.
De repente, pegou-se pensando se era realmente uma traição... Na teoria, sim. A garota beijara lábios que não era de seu namorado. Mas... Gina beijara-o?
Vasculhou internamente sua memória de segundos atrás. Como assim ele estava em dúvida? Ela não o empurrara. Não o impedira. Ele estava agitado e ansioso demais para prestar atenção nos detalhes de reação de Gina, simplesmente precisava-a. Talvez ela tenha percebido isso, e cedido.
Ou talvez ela quisesse tanto quanto ele...

- Draco! Draco! Onde você pensa que estava?! – alguém segurou seu braço firmemente. Draco virou e viu um Snape agitado.
- Eu me perdi naquela poeira!
- E você me diz isso pacificamente? Não percebe a real situação que temos aqui?! Vamos, Draco, corra! Já devem estar atrás de nós!

Com certeza estavam.
Seguiu Snape com o corpo tremendo – a realidade voltava a persegui-lo. E agora não havia mais salvaguarda. Não havia mais Gina.
Tentou se lembrar do beijo de segundos atrás conforme corria. Sentia sua visão se dissipar a cada clarão de feitiço que via passar por eles dos combates em corredores perdidos. Via-a, tentava senti-la...
Mas contra ele havia também seu destino vindo de braços abertos – sua morte.

No fundo ele sempre soubera disso, embora não servisse de consolação. Então ele correria, e a abraçaria de volta.