6 anos


AMIZADE:

Substantivo feminino.

Sentimento fiel de afeição, simpatia, estima ou ternura entre pessoas que geralmente não são ligadas por laços de família ou por atração sexual.


Eu já me esqueci da data do dia em que nos conhecemos.

Só consigo me lembrar que foi no meio do verão. Eu havia saído até o quintal, estava emburrado porque Itachi não queria brincar de bola comigo e como não havia outras crianças na "Rua Cherry" apenas fiquei no gramado, olhando a árvore alta com as folhas extremamente verdes balançando ao sabor do vento. A árvore era a única divisão entre minha casa e a casa ao lado.

A casa ao lado estava vazia.

Não por muito tempo.

Um carro preto virou a esquina daquela ruazinha pacata, seguido por um enorme caminhão de mudanças. O carro entrou na estradinha que levava a garagem, mas parou sem entrar na mesma. Os homens pararam o caminhão na frente da casa, desceram e abriram à porta revelando muitos móveis. Desceram à rampa para começaram a descarregar.

Eu fiquei lá sentado sobre minha bola de basquete como um idiota curioso para saber quem eram os meus novos vizinhos. Do carro, do lado do motorista desceu um senhor de cabelos negros e longos, sério demais, como meu próprio pai. Do banco do carona ao seu lado desceu uma senhora já de idade, com os fios grisalhos e um bebê no colo. E, do banco traseiro, desceu você.

Quer saber qual foi à primeira coisa que eu pensei?

"Uau!" foi estúpido, logo seguido um pensamento egoísta "Agora posso brincar com ela e o Itachi vai ficar com ciúmes".

Você vestia um vestido de verão, de alças. Ele era vermelho e você também tinha um chapeuzinho na cabeça, também vermelho com um girassol num dos lados. Pensando agora, você parecia deslocada naquele meio de pessoas, pois você brilhava.

Seus cabelos eram curtinhos, preto-arroxeados ao sol. Saiu do carro cheia de curiosidade para saber para qual lugar tinha se mudado, que espécie de bairro e de rua nova e pessoas novas tinha ali. Mais tarde você iria descobrir que era uma rua tranqüila, com muitas árvores, um parquinho a dois quarteirões, uma mulher que nos deixaria nadar em sua piscina e um garoto moreno sentado em uma bola laranja de basquete.

Quando se virou eu pude ver seus olhos incomuns. Ao longo da sua vida você escutaria as pessoas dizerem que seus olhos eram azul-petróleo, outras que era um verde apagado, até mesmo que eram cinzentos. Desde a primeira vez que eu os vi eu notei que eles eram cor de nuvem de inverno. Foi a melhor descrição que eu consegui naquela época, mais velho eu percebi que eram perolados.

Seus olhos se encontraram com os meus e você sorriu. Eu me levantei, peguei a bola entre as mãos e sorri de volta. Acabávamos de nos tornar amigos e assim que as suas bochechas se avermelharam o seu pai lhe chamou:

- Venha, Hinata – você se virou e correu até ele, segurando-lhe a mão estendida e entrou na casa.

Eu me sentei na calçada com a bola laranja entre os joelhos observando os homens colocarem todos os seus móveis para dentro. O correio passou. Os homens terminaram de descarregar e foram embora, mas você não saiu mais aquele dia. Meu pai chegou do trabalho. Eram exatamente seis horas da tarde, as luzes dos postes da Rua Cherry se acenderam e minha mãe me chamou para jantar. As luzes da sua casa estavam acesas.

Eu me lembro exatamente das nossas casas, eram idênticas, mas ao contrário, por isso nossas salas de jantar ficavam uma de frente para a outra, tínhamos portas brancas corrediças e podíamos nos ver durante o jantar, porque elas eram umas junções de quadradinhos de vidro.

Através da porta de vidro eu podia ver o seu pai e aquela senhora arrumando os móveis pela casa, já estava quase tudo pronto. A mesa foi arrumada, assim como as cadeiras, mas não ouve jantar pra você naquela noite.

- Temos novos vizinhos – anunciou meu pai na mesa – Já os conheceu, Mikoto?

- Ainda não, eles passaram o dia todo arrumando a casa, não quis incomodar – respondeu minha mãe. Fiquei olhando para ela esperando continuar – Vamos levar uma torta pra eles amanhã.

Minha mãe sempre sabia das coisas, principalmente as que se passavam comigo, porque olhou bem para mim depois de um tempo e me pegou observando a casa ao lado.

- Quer ir conosco, Sasuke?

Acenei veementemente com a cabeça e, depois da sobremesa, corri pro meu quarto. Eu não fiquei tempo o suficiente lá para reparar na sacada, não na minha, na da casa ao lado. Peguei minhas coisas e fui tomar um banho. Eu estava simplesmente transbordando de felicidade de poder conhecer minha futura nova amiga.

Quando eu voltei para o quarto, completamente vestido com meu pijama, eu pude ver você através da porta de quadradinhos de vidro da minha e da sua sacada. Abri a porta e fui até a sacada. Os murais das nossas sacadas eram de madeira pintadas de branco e ficavam a menos de 30 cm de distância. Isso posteriormente seria conveniente.

Você pareceu se assustar a me ver parado lá, porque deu um passo para trás. O seu quarto já estava completamente arrumado, com a cama de dossel, a poltrona perto da janela, uma escrivaninha perto da porta do closet com alguns livros em uma estante sobre ela e um grande leão de pelúcia num outro canto.

Eu levantei a mão em um aceno a qual você retribuiu com um sorriso e com as bochechas vermelhas de novo. Você já estava de camisola, uma camisola cor de rosa que ia até os seus joelhos, uma borboleta sobre o peito ainda reto de garotinha. Contornou a cama e abriu a porta da sacada ficando de frente pra mim.

Naquela hora, se tivéssemos estendido nossas mãos, teríamos nos tocado facilmente, mas não o fizemos.

- Oi – hoje acho que foi o começo de conversa mais estúpido de todos, mas naquela hora eu me achei o máximo.

- Oi – você retribuiu com a voz fraquinha e melódica.

- Sou Sasuke – continuei tomando coragem – Tenho seis anos.

- Sou Hinata – você não me disse a sua idade.

- Você vai morar aí agora?

Você concordou com a cabeça e eu me deixei sorrir. Naquele verão quando nos conhecemos e nos anos que se seguiram até entrarmos na sétima série foram os anos que eu mais sorri.

- Amanhã eu e meus pais vamos até aí, quer sair para brincar comigo?

Mais um aceno afirmativo. Você era mesmo extremamente tímida no começo, três dias depois já não era mais. Sua timidez voltou mais tarde, quando as paqueras começaram, você ficava rubra e gaguejava quando um rapaz falava com você. Isso acontecia com todos, menos comigo.

- Vamos levar uma torta. Você gosta de torta, Hinata? – outro aceno – Qual torta?

- Cerejas.

Nós não conseguimos conversar mais. Seu pai abriu a porta do quarto e você se virou bruscamente. Lembro perfeitamente do arrepio de medo que subiu pela minha espinha quando os olhos dele pousaram sobre mim, olhos diferentemente idênticos aos seus.

- Tchau – você disse correndo para dentro, fechando a porta da sacada e depois as cortinas.

- Tchau – eu disse aquela despedida para o nada.

Também entrei e enquanto a luz do seu quarto ainda estava acesa, eu vi a sua sombra sendo colocada na cama pelo seu pai, deitando-se e ele lhe deixando só após apagar a luz. Suas cortinas permaneceram as mesmas cortinas de cor lilás, combinando com o seu quarto, até o nosso incidente da terceira série com o trabalho para a Feira de Ciências.

Meus pais vieram me ver para dar boa noite depois de um tempo. Como sempre minha mãe ligou o abajur de lava de cor azul no meu criado-mudo, me cobriu e me deu um beijo na testa.

- Mãe – chamei antes do "boa noite" – Amanhã a torta pode ser de cereja?

- Claro, querido – posteriormente eu diria que escolhi aquele sabor por ser o seu favorito, mas minha mãe havia consentido porque aquele também era meu sabor favorito – Boa noite, Sasuke.

- Boa noite, mãe – meu pai, como sempre fazia, esperava parado perto da porta minha mãe sair – Boa noite, pai.

- Boa noite, campeão – eu estufava o peito de orgulho quando ele me chamava assim. O apelido sumiu quando nós ingressamos no colegial.

Fecharam a porta me deixando somente com a luz azulada do abajur de lava. Olhei uma última vez para o seu quarto. Eu também tinha cortinas, elas eram de um azul escuro, mas eu nunca gostei de fechá-las. O seu quarto estava como o meu, na mais completa escuridão e com a porta fechada.

Nós nunca fomos crianças com medo de escuro.


- Sasuke, quer parar de roubar essas cerejas? – repreendeu minha mãe em tom de brincadeira.

Aquele era um sábado, meu pai estava em casa sentado no balcão da cozinha com seu moletom esportivo enquanto lia o jornal. Itachi tinha ido andar de bicicleta com Kisame, um amigo esquisito da escola.

Eu sentei encolhido ao lado do meu pai que, sem desviar os olhos do jornal, passou a mão enorme sobre a minha cabeça. Da cozinha dava para ouvir um cortador de grama de algum vizinho e o cachorro velho do senhor da esquina com seu latido apático. Ele sempre latia quando o casal que morava na casa a direita da minha passava correndo. Eles corriam todas as manhãs. Todas as manhãs o cachorro latia. Uma vez, duas, depois parava e entrava de novo.

A torta já estava no forno e eu estava impaciente. Aquela impaciência infantil de querer acordar o mais cedo possível só para poder sair para brincar por mais tempo. Agora eu tinha uma amiga, agora eu não precisava mais do Itachi.

- Já está pronta, mãe? – perguntei pela décima vez.

- Dez minutos, Sasuke – minha mãe desamarrou o avental florido e me mandou um sorriso – Porque está tão ansioso?

- Venha, campeão – disse meu pai dobrando o jornal e virando o último gole do café de sua caneca – Vamos treinar uns arremessos.

Eu pulei do banco e, junto com meu pai, fomos até a garagem, pegamos à bola laranja e baixamos o portão branco. Logo acima do portão tinha uma cesta. A rede já estava suja pelo uso. Meu pai me ajudava a alcançar o aro, colocando-me sobre seus ombros ou me erguendo por sob os braços. Ele não teve nem tempo de começar a suar pelo esforço de me pegar no colo que mamãe já trouxe a torta. O cheiro era delicioso.

Eu, papai e mamãe fomos até a casa ao lado; papai tocou a campainha e ficamos esperando durante dois segundos na varanda em frente à porta pintada de azul. Quem abriu foi o seu pai.

- Olá, desculpe incomodar – disse mamãe casualmente com um sorriso – Mas viemos cumprimentar os novos vizinhos.

Do contrário do que eu pensei seu pai não era um completo monstro, apenas tinha os olhos rígidos demais.

- Somos a família Uchiha – disse meu pai logo depois – Sou Fugaku, essa é minha esposa Mikoto e meu filho mais novo, Sasuke.

- Muito prazer – quando seu pai falou pela primeira vez percebi que ele era como meu pai, sério quando necessário, mas carinhoso – Sou Hiashi Hyuuga, queiram entrar.

Foi o que fizemos e ele fechou a porta atrás de nós. Apertou a mão de papai e nos guiou até a sala. Minha mãe entregou a torta a ele.

- É muita gentileza, obrigado – ele pegou à torta e pediu licença, foi até o pé da escada enquanto nos sentávamos e fez o que eu mais queria – Hinata, desça, temos visita.

Ele pediu licença de novo e levou a torta até a cozinha. Da sala eu podia ver a sala de jantar e, através da porta de quadradinhos de vidro, podia ver a minha sala de jantar.

Você começou a descer as escadas no exato momento do seu pai voltar pra sala trazendo consigo a babá de sua irmã caçula, a senhora de fios grisalhos do dia anterior. Trazia um bebê nos braços.

- Venha, filha – ele lhe deu a mão puxando-a para a sala – Essa é minha filha mais velha, Hinata. Essa é a senhora Mizuki, ela me ajuda a cuidar da minha filha mais nova, Hanabi.

Minha mãe derreteu-se assim que seu pai anunciou sua irmã mais nova. Ela levantou do sofá e pegou a garotinha no colo. Ela tinha apenas um ano na época.

Eu, sentado ao lado do meu pai, estava completamente envergonhado, assim como você ao lado do seu. Era diferente quando estávamos sozinhos e quando estávamos com eles, naquela época. Fomo-nos acostumando com a idade.

- Desculpe a pergunta, mas você e sua mulher se divorciaram? – meu pai havia levantado, estava com as mãos nos bolsos.

- Não, ela faleceu há seis meses.

- Meus pêsames – eu não sabia o que o meu pai disse significava, mas eu entendi que você não tinha mãe.

Quando nossos pais começaram uma conversa sobre negócios e quando minha mãe e a senhora Mizuki começaram a paparicar demais Hanabi, nós dois sabíamos que era hora de sair dali.

Dois anos depois, quando a senhora Mizuki viria a falecer, minha mãe iria ajudar muito seu pai com Hanabi, meu pai e o seu iriam se tornar bons amigos e, ao menos uma vez por mês, nossas famílias se juntariam para jantar uma na casa da outra.

Hinata me olhou, eu retribui. De uma forma estranha, como deve ser quando ainda se é criança, sabíamos o que o outro estava pensando.

- Sr. Hyuuga – chamei e ele olhou para baixo – Eu e Hinata podemos brincar no jardim?

Os olhos cor de nuvem de inverno de Hinata olharam de mim para seu pai.

- Se ela quiser, podem ir – será que seu pai ficou surpreso quando demos as mãos e saímos para correr pelo jardim até nos sentarmos sob a árvore que dividia nossas casas? Até hoje eu acredito que sim.

Da primeira vez que fizemos, não poderíamos saber que sentar sob aquela árvore acabaria se tornando uma espécie de vício. No primeiro dia que fizemos isso, depois de sair da sua casa, você trocara o vestido vermelho por um amarelo com margaridas na barra.

- Você não tem mãe, Hinata?

- Não.

- Sente falta dela?

- Sinto.

Depois desse começo de diálogo catastrófico, só tinha um jeito de remediar:

- Sabe, posso dividir minha mãe com você, se quiser.

- Sério? – você me olhou como se aquela fosse à coisa mais linda que alguém já lhe dissera em toda a sua vida.

- Sério, minha mãe tem um coração bem grande.

- O que isso significa?

- Eu também não sei.

- Tenho seis anos também – ela lembrou que ontem não tinha dito sua idade.

- A torta é de cereja.

- Obrigada.

Passamos o verão todo brincando juntos.

Toda manhã, depois que um dos dois terminava o café, íamos até a porta dos fundos das respectivas casas e batíamos na porta. Minha mãe sempre te atendia com um:

- Entre, Hinata, querida.

- Com licença, Sra. Uchiha.

E seu pai sempre me atendia com um:

- Bom dia, Sasuke.

- Bom dia, Sr. Hyuuga.

Depois de um ano assim não precisávamos mais bater. O que não mudou foi à forma como sempre tratávamos nossos pais. Senhor, senhora.

O verão terminou e nossos pais conversaram resolvendo nos matricular na mesma escola. Primário St. Louis Park. O parquinho St. Louis ficava a dois quarteirões da Rua Cherry, o colégio ficava a seis quarteirões do parquinho.

Nossos pais intercalavam os dias para nos levar para a escola. Seu pai até fazia o favor de levar o Itachi para a Escola Secundária St. Louis Park. Ficava a sete quarteirões da nossa escola.

Sentamos-nos juntos na escola, as carteiras eram de duplas. No recreio, passávamos juntos e sempre dividíamos o lanche. Depois da escola, fazíamos juntos os deveres de casa e íamos brincar. Éramos os primeiros alunos da turma.

Éramos os melhores amigos de todo o mundo.