Gota de Chuva

"Don't you know?
The cold and wind and rain don't know.
They only seem to come and go away."


O primeiro movimento.

Um passo. As mãos executando (ou tentando executar) os movimentos do jyuuken. O ar ao redor movendo-se junto com os gestos dela. Contornando-a. Fazendo-a visível aos olhos.

Dois passos, o olhar com o byakugan nervoso, com medo de errar. O adversário quase bufou. Era tanto medo, e tão poucas as chances, que chegava ser patético. Tão patético que doía. Nela.

Três passos e o primeiro erro. O golpe falho, o desvio rápido de seu corpo, antes que ela tentasse de novo. E de novo. E o ar ao seu redor girando e girando.

Quatro passos. Gotas de suor correndo livremente pelo rosto, o medo estampado em seus gestos e nela, por si só.

Cinco passos. As mãos começando a tremer, um giro mal feito para escapar de um ataque, os dentes mordendo o lábio inferior com força. Talvez começasse a sangrar logo, refletiu o adversário, mas não importava. O ar ainda se movia. Com os movimentos dela e o medo dela.

Seis passos e, ela não poderia errar de novo, poderia? Não conseguiria. Mas conseguiu. Ela sempre se superava naquele aspecto.

Sete passos. Superava-se somente naquele aspecto, na verdade. Em mais nada. Em nada do que queria ou sonhava. E sonhava tantas coisas. Coisas demais.

Oito passos. Ele decidiu que estava na hora de acabar com aquilo.

Nove passos e ele finalmente revidou a sério. Ela caiu para trás, com um único golpe. O ar parou de se mover.

"Vamos parar por aqui, Hinata-sama."

O levantar envergonhado, a cabeça abaixada. E o murmúrio.

"Certo, nii-san."

Ele se virou, caminhando de volta à casa. Sentia que era observado.

Determinação inútil e patética. Nos olhos dela. Porque tinha tanta coisa nos olhos dela.


Tinha branco. Ele aprendera a observar. Branco, que gostava de mirar o chão. Branco idêntico ao dele. A mesma cor. Palidez sem brilho, claridade que não cegava.

A cor podia ser igual, mas o brilho era diferente.

Os de Neji tinham liberdade, sempre tiveram, mesmo nas lembranças amargas da morte de seu pai. Os de Hinata tinham medo, e aquela determinação tão estúpida. Eram diferentes. Tinham a mesma cor e não eram iguais. Nunca seriam.

E foram aquelas diferenças, quase invisíveis, que o fizeram querer completá-la.

Completá-la. Amá-la. Torná-la parte de si, marcas de suas vontades. Fazê-la uma. E dele, dele, dele – deveria ser dele. Unir-se a ela e a todos os seus movimentos. Todos os seus gestos, todas as danças que o ar fazia quando ela estava por perto.


- Hinata-sama. Está na hora.

- Ah, sim. Vamos, nii-san.


O ar ao redor dela. Nos olhos dela, em seus detalhes, nela como um todo. Acompanhando seus gestos. Seguindo-os de maneira tão displiscente que nem ela própria percebia, mas sem perder um momento.

Neji gostava do ar.

Quando pequeno, seu pai costumava dizer que eles eram parecidos. Que o ar era forte como ele, tão abençoado com o talento do clã Hyuuga. Que o ar estava em toda a parte e era capaz de mudar a tudo, sem jamais se afetar. Neji sorria, e confirmava com a cabeça, o rosto corado de orgulho.

Mas foi só ali, observando Hinata tentar lutar com ele, que Neji notou a verdadeira semelhança.

Segui-la. Contorná-la. Tê-la. Em cada momento, cada falha, cada derrota. Consumi-la. Seguir seus movimentos, acompanhando-os, um por um. Preenchê-la por completo. Neji sabia.

Aquelas danças, tão propositalmente insignificantes, tão invisíveis aos olhos, tão displicentes quanto aos gestos dela. Existiam somente naquela tentativa de acompanhá-la por inteiro, de forma tão errada e doentia como ele sabia que era.

Loucura. Vontade de atravessar cada gota de sangue, a pele, unir-se a ela até os ossos. Mas sabia que jamais teria a alma. Jamais seriam um.

Porque ela era estúpida demais, fracassada demais e ele era próximo demais. Eram diferentes demais e iguais demais. Porque seus olhos eram brancos e eles tinham o mesmo sangue. O mesmo sangue, unindo-os, separando-os, impedindo-o de tê-la. E tê-la, tê-la, tê-la, somente tê-la, de todas as coisas do mundo.

Foi naquele momento, observando suas danças, que Neji percebeu que ele e o ar não eram tão parecidos como seu pai pensava. Só queriam a mesma coisa.


O sangue molhando os lábios dela. Sua prima cambaleando, tentando não cair. Mas ela vai cair, e ele sabe. Ela sempre cai.

Mas ela fala.

As palavras o perfuram. Odeia a voz dela. Odeia o que ela diz, cada letra que faz sentido de forma quase insuportável. E dói. É tão coerente que dói, porque ela deveria estar agonizando. Mais que isso, se movendo. Mas ela não o faz e o ar fica parado. Parado como ela.

Ele perde o controle. Quer ver o corpo dela caindo, porque aí o ar vai ter de se mover. Uma última vez.

Mas ele é segurado.

Outras palavras chegam até ele. "Você me prometeu que não perderia a cabeça com esse negócio de família, Neji". Mesmo?Mas ele já prometeu tanta coisa. Coisas como proteger ela e ao clã até a morte. Mãos segurando-o, impedindo-o.

O ar se movendo. O corpo dela caindo.

Mas não é a última vez. Ele sabe que não.

"Meu Deus!" Exclama alguém. "Ele ia matá-la!"

E talvez fosse. Talvez fosse, mesmo.


- Nii-san, é melhor pararmos.

As mãos apoiadas nos joelhos, a respiração ofegante. Marcas da derrota, espalhadas pelo seu corpo em forma de feridas.

- Por que, Hinata-sama?

Ela dá um sorriso forçado. Aponta para o céu.

- Acho que vai chover.

Chover.

Uma justificativa plausível, é claro. Normal. Coerente. Mas ele sabe que é só medo. Medo do que pode acontecer.

Ela se vira. Mas ele a segura.

- Hinata-sama.

Ela olha.


Hyuuga Hinata parou de se mover. E Hyuuga Neji parou de pensar.


O gosto. Os toques, os lábios, o sangue correndo mais rápido, as mãos. A necessidade.

"Aishiteru.", murmurou ele. E ela não entendeu por quê.


Eles eram reflexos de olhares distantes, a junção de uma única essência. Duas cores e diferentes tons. E ele era o cinza e ela era o branco quando ele abriu os olhos naquela manhã para vê-la chorando.

"Hinata-sama?"

Eles eram como uma gota de chuva, formada pelos reflexos de tudo que havia ao seu redor. Mas, quando a chuva cai e a gota se desmancha, não existem reflexos. No segundo de sua destruição, a gota é só a gota. E então é só uma mancha. Nada além de uma mancha.

Uma mancha num tom de branco.

"Neji-nii-san..." Os soluços, as lágrimas escorrendo como gotas de chuva, só que mais claras. "Vo-você é da Bunke, nii-san... E nós somos primos... Isso... Você sabe que isso é errado, não sabe? Nii-san..."

O som, o cheiro, o sabor. A presença. Neji passou as mãos pelo corpo dela e enterrou o rosto em seus cabelos. Tê-la, somente tê-la, de todas as coisas do mundo.


Ele não abriu os olhos.

Não precisou deles. Sabia que estava sozinho. Não sentia o ar se movendo nas pontas de seus dedos.

O vazio. A não-respiração, o silêncio, a falta de lágrimas. A ausência. E era mais certo assim, ele sabia. Talvez fosse.

Estava chovendo.


"Você tem certeza disso, Hinata?"

O pai encarou-a com um olhar severo, como se a desafiasse a desistir. Mas ela não desistiu. Ela nunca desistia de fugir.

"Tenho."

Ele ergueu as sobrancelhas, pouco acostumado com a firmeza na voz da filha. "Bom, isso é uma escolha sua. Só não vá me envergonhar. Sabe que o clã tem..."

"Grandes negócios com as vilas, eu sei, pai. Quando posso partir?"

Hiashi deu de ombros. "Amanhã mesmo, se quiser." E ela queria. Ah, como queria.


Ela apoiou a mão no parapeito da janela. Os dedos brancos e pequenos longe dos dele. Longe demais dos dedos dele.

"Hinata-sama, isso é verdade?"

O silêncio. Ah, o silêncio.

"Hinata-sama?"

Ela virou a cabeça para olhar para trás, mas logo voltou a encarar suas mãos. Para alguns, aquele poderia ser o campo de treinamento, mas para ela eram lembranças demais.

"Nii-san..."

"Pretende ficar quanto tempo viajando em treinamento, Hinata-sama?"

Os dedos batendo nervosamente contra o parapeito da janela. Aishiteru, ele havia lhe dito. E as mãos de Neji, longe das dela e ainda assim perto demais.

As palavras saltaram de seus lábios. E ela não se ouviu responder.

"É-é um período indeterminado ainda, nii-san."

Ele poderia matá-la naquele momento, sem dúvida. Ela jamais lhe tiraria aquele direito.

Mas ele preferiu dar a ela. A oportunidade de matá-lo com palavras.

"Por quê?"

Seis letras, ela contou, mordendo o lábio inferior. Seis letras e a interrogação. Aquela interrogação que não devia existir, porque ele já sabia o motivo.

Hinata inspirou profundamente. E o ar ao seu redor acompanhou o movimento de seus lábios.

"É-é o melhor para... Para nós." A voz ganhou convicção, aquela determinação patética que ele gostava de ver nos olhos dela. "O que fizemos foi errado, nii-san."

Errado. Um erro, sem dúvida. E o aishiteru murmurado às pressas ecoando em sua mente.

Ele não respondeu, apenas encarou a janela. Hinata sentiu vontade de chorar. Mas passaria, ela sabia que passava. Tinha que passar.

(E as mãos dele ali perto, perto, perto demais)

Ficaram em silêncio. Diferentes tons da mesma cor encaravam o campo de treinamento.

"Hinata-sama... Podemos treinar?"

Quase iguais, quase um. Quase.


Mas Hinata sempre teve medo do quase.

"Está chovendo, nii-san."

E a chuva não deixava o ar dançar. Nunca deixou.


N/A: Nossa, que saudade de escrever NejiHina! De tão pouco que exploro os dois, até parece que não curto o ship, hahaha. E olha que sou viciada x)

Sobre a fic... Na verdade, eu gostei. Foi um pouco complicada de elaborar e eu gostaria de agradecer à Anna, santa Anne, que me deu umas idéias quando eu estava empacada ;) Acho a cara da Hinata fugir correndo da idéia de assumir alguma coisa com o Neji. Por favor, ela não consegue nem dar um oi pro cara que ela ama desde a infância, de onde ela vai tirar coragem pra assumir um relacionamento incestuoso com seu escravo? O Neji, por outro lado, me parece mais corajoso quanto a essa questão... Pelo menos depois da luta com o Naruto. Enfim, espero que gostem.

P.S.: As frases no início da fic vem da música Stand by me, do Oasis, e a tradução é algo como "Você não sabe? O frio, o vento e a chuva não sabem. Eles apenas parecem vir e ir embora". Só pro caso de alguém se interessar.