Memórias
Uma coleção de pensamentos de Teddy Lupin.
Capítulo 1 - Normalidade
"Normal:Adj. 1.De acordo com um modelo. Usual, típico ou esperado. 2.(de uma pessoa) Sem problemas físicos ou mentais."
Fechou o dicionário imediatamente e o colocou de volta no lugar onde o encontrara, um pouco perturbado com sua descoberta. Caminhou rapidamente até seu quarto, fechando a porta atrás de si e sentando-se em sua cama, pronto para se perder em seus pensamentos.
No auge de seus sete anos de idade, Teddy Lupin se considerava muitas coisas. Ele era legal, obviamente; todos que o conheciam gostavam dele, ou fingiam muito bem. Era esperto e um desastre no quadribol, embora esperasse que isso pudesse mudar quando seu padrinho conseguisse um pouco mais de tempo pra ensina-lo a se equilibrar de maneira decente em uma vassoura por mais de cinco minutos. Se considerava inteligente também, e talvez por isso tenha ficado intrigado quando ouviu Eddie Mullen, um garoto trouxa da vizinhança, comentar com os amigos que "tem algo estranho com aquele garoto Lupin. Ele não é normal".
Teddy conhecia aquela palavra. Lembrou-se de que já a usara algumas vezes, especialmente para responder às perguntas insistentes de sua avó sobre como estava a comida, mas o sentido jamais se aplicaria a uma pessoa. O que era normal então?
Pensou em perguntar à sua avó, mas isso o obrigaria a confessar que usara azul em seu cabelo nas ruas, e ele preferia morrer a admitir que desobedecera a uma ordem explícita de Andromeda Tonks. Pensou em Harry também; ele não o reprimiria. Mas seu padrinho provavelmente tinha coisas mais importantes para resolver no Ministério do que ouvir dúvidas infantis de seu afilhado. Não, seu único aliado nesse momento seria o livro grosso na antiga biblioteca de seu avô, e foi para lá que Teddy se dirigiu assim que acordou naquela manhã.
Agora no entanto, já não tinha tanta certeza se fizera a coisa certa; estava ainda mais confuso do que antes de consultar o livro que supostamente deveria lhe dar respostas esclarecedoras. Normal. Será que ele era normal? Não tinha nenhum problema físico nem – a não ser que ele não soubesse – mental. Mas e nos outros aspectos?
Teddy suspirou. Ele podia mudar sua aparência a hora que desejasse. Hoje seu cabelo estava roxo vibrante, enquanto no dia anterior estava verde floresta; seus olhos, naturalmente castanhos, estavam azuis havia semanas. Quantas crianças ele conhecia que podiam fazer isso? É claro que seu círculo de amizades se resumia basicamente a Victorie Weasley e o pequeno James Potter, além de alguns primos trouxas da família de seu avô que ele via de tempos em tempos, mas Teddy tinha certeza que nenhum deles podia fazer o que ele fazia.
Em outros termos, Teddy morava numa casa relativamente grande; três quartos, três banheiros, duas salas, cozinha, biblioteca e escritório. Não seria estranho se morassem mais pessoas com ele e sua avó. Sua avó. Esse era outro aspecto que poderia ser encaixado fora da normalidade, Teddy refletiu. Ela era geralmente alegre e risonha, mas às vezes Teddy percebia algo em seu olhar que ele não gostava nem um pouco. Parecia... tristeza. E ele se sentia triste quando a via desse jeito, porque se ele perguntasse qual era o problema, ela o abraçava e começava a chorar, e isso o assustava.
Enquanto todos os pais que Teddy conhecia diziam orgulhosos que seus filhos falaram suas primeiras palavras: "papai" e "mamãe", sua avó gabava-se de que as primeiras palavras de Teddy foram "Vovó" e "Harry", o que levava a outro aspecto não normal na vida dele.
Dizer que Teddy conheceu seus pais era praticamente uma crueldade. Ele não tinha lembrança nenhuma deles, a não ser algumas fotos tiradas nos dois meses que puderam passar juntos. Ainda assim, eram lembranças das fotos que Teddy carregava consigo. Não eram seus pais.
Teddy suspirou, admitindo para si mesmo que Eddie Mullen tinha razão. Ele podia ser muitas coisas, mas normal certamente não era uma delas.
Primeiro era seu nariz normal, similar ao de seu pai. Aumentou o tamanho e então curvou-o finalmente soltando pêlos das narinas. Teddy estava prestes a torná-lo ainda mais protuberante quando foi interrompido.
- James, James, não chora! - ele disse rapidamente, concentrandos-se e mudando a aparência de seu nariz para o que todos estavam acostumados. - Sou eu, vê? Não é nenhum monstro, só o Teddy! Desculpa... - ele acrescentou, olhando para Harry e Ginny apologeticamente.
- Não tem problema – Ginny apressou-se em dizer, pegando o pequeno James no colo e balançandos-o suavemente de um lado para o outro. - Acho que foram os pêlos, ele já está acostumado com os outros.
- Talvez da próxima vez você possa fazer aquele nariz quebrado junto com os cabelos brancos. É bom pra ele já se acostumar com suas brincadeiras de Halloween... mais sorvete, Teddy? - Harry perguntou, fazendo um cafuné em James, que havia parado de chorar e tentava pular do colo de Ginny.
Teddy sorriu, assentindo com a cabeça. Os domingos que passava na casa de seu padrinho eram certamente os dias que ele mais gostava. Pegou a taça que Harry havia enchido de sorvete e perdeu-se nela, silenciosamente – fato que não passou despercebido.
- Teddy – era a voz de Harry – o sorvete tá amargo?
Teddy olhou para ele surpreso.
- Não Harry. Eu só estava... pensando.
- Pensando. - Harry repetiu.
- É. - Teddy falou e como todos olhavam pra ele, até mesmo o pequeno James no colo de sua mãe, continuou – Aqui... com vocês e o James... é quase como se fosse uma família.
Harry e Ginny se entreolharam. James, que estivera quieto até então, voltou a chorar. Harry limpou a garganta e projetou-se para frente em sua cadeira.
- Teddy... tem algo que você queira conversar? Tá tudo bem?
Ele suspirou. Conhecia as conversas de Harry, e geralmente as apreciava. Ele sempre falava sobre como, da mesma maneira que Teddy, não se lembrava de seus pais, sobre como ele havia sido criado por seus tios sem afeição nenhuma e sempre terminava dizendo que Teddy tinha muita sorte em ter uma avó como Andrômeda, que o amava e se importava com ele. Isso fazia Teddy se sentir culpado a princípio, por desejar ter seus pais mesmo com toda a afeição que sua avó lhe oferecia, mas depois que colocava seus pensamentos no lugar, agradecia mentalmente a Harry por mostrar o quanto ele era sortudo. Hoje, no entanto, ele não queria ter outra dessas conversas, não queria ouvir sobre a vida de Harry ou sobre seus pais.
- Não, Harry. Tá tudo... – ele pensou um pouco antes de responder e um sorriso quase imperceptível formou-se em seus lábios – tudo normal.