Disclaimer: os personagens de Naruto não me pertencem.

Observação: esta fanfic é a continuação de Um Trago para a Rainha.

Considerações necessárias: Esta fanfic basicamente não contém spoilers, uma vez que foi escrita logo no começo da publicação da saga do Pain.

Assim, tudo o que aconteceu durante e após a mesma deve ser desconsiderado para a melhor compreensão e ambientação desta história.


O Império


A hundred days had made me older, since the last time that I saw your pretty face. A thousand lies have made me colder. You're still on my lonely mind. You're still with me in mydreams.

(Uns cem dias me fizeram ficar mais velho desde a última vez que eu vi o seu lindo rosto. Umas mil mentiras me fizeram sentir mais frio. Você ainda está em minha mente solitária. Você ainda está comigo em meus sonhos.)

Here Without You – 3 Doors Down


Capítulo Um: O Sorriso do Porta-Retrato

Ino acordou sozinha.

O quarto estava tão silencioso quanto era possível. O relógio tiquetaqueava sobre a cômoda, cada dia parecendo se mover mais devagar, como se o tempo não passasse.

No meio da escuridão do cômodo não era possível notar as madeixas douradas que estavam espalhadas pela cama, por entre os lençóis. E, com os olhos acostumados ao breu, ela estendeu o braço, tirando-o debaixo do seu refúgio de cobertores, e tateou a mesa de cabeceira em busca do interruptor do abajur.

As pesadas cortinas que protegiam a janela não permitiam que a luz penetrasse no ambiente.

O corpo esguio se perdia no meio da penumbra, desnudo, e fazia frio.

Ino se perguntou, ao se arrepiar suavemente, se era dia ou era noite, quando a pequena luminosidade provinda da lâmpada enfim se formou.

Num gesto automático, olhou em volta, à procura de Gaara. Mas foi com certa mágoa que lembrou que Gaara já não estava lá.

Há dois dias, o ruivo retornara para o seu país, movido pelos chamados dos conselheiros da Suna, que se enraiveciam com o seu desleixo. Apesar da dor, em nenhum momento lhe ocorrera o pensamento de impedi-lo de ir. Um Kage era praticamente uma santidade local e o que seria ela, se não uma simples plebéia?

Movendo as pernas para fora da cama, os seus pés tocaram o carpete.

Demorou alguns segundos para se levantar, ainda pedindo internamente que Gaara estivesse lá para recepcioná-la. Em vão.

Os passos foram abafados pelo tapete do corredor e ela adentrou o banheiro, já desperta.

A água quente do chuveiro lhe evocava uma sensação de conforto, massageando os ombros doloridos do sono profundo e perturbado em que estivera imersa.

As olheiras embaixo dos seus olhos eram discretas. Apenas poderiam ser notadas por um crítico, e ela sabia que ninguém se arriscaria a esmiuçar a sua expressão enquanto estivesse vendendo flores.

Quando, vestida e de cabelos lavados, postou os olhos sobre o calendário da cozinha, já arregaçando as mangas da blusa para ir em busca de algo comestível, notou a data.

Um pequeno suspiro deixou os seus lábios, como prova do abatimento que a dominava.

Duas semanas, foi o que lhe ocorreu. A caixa de leite na geladeira parecia rir da sua própria sorte, lendo os seus pensamentos. E Ino estreitou os olhos.

Duas semanas, repetiu mentalmente.

OIMPÉRIO&OIMPÉRIO

Havia areia grudada às têmporas de Gaara quando ele finalmente pôs os pés em casa.

O sol quente queimara a sua pele durante todo o caminho e leves gotas de suor escorriam pelo seu pescoço, quebrando a impressão dura e imponente que muitos moradores da Suna tinham do seu Kazekage.

A enorme casa destinada à sua família estava vazia, por enquanto.

Os ninjas que o recepcionaram logo tratariam de trazer o estardalhaço de boas-vindas até a sua porta, como sempre faziam, mesmo que tenha se tornado habitual seu ir-e-vir da Vila da Folha.

Ele caminhou até o quarto, tirando a camiseta pelo caminho.

Sua cama, como acontecia quando Ino não estava lá, se encontrava meticulosamente arrumada. Os lençóis enquadrados no formato do colchão, o travesseiro afofado previamente. Nada fora do lugar, nem ao menos um grão de poeira.

Ao perceber que o perfume da loira não bailava mais pelo ar, um leve gemido quis escapar de sua boca.

O suor, que ao lado dela lhe fazia tão quente, estava frio.

Ele esfregou levemente as palmas das mãos contra o tecido da calça, notando a temperatura quase gélida dos seus dedos.

Apenas estava chegando, é verdade, mas sentia falta daquelas madeixas douradas que refletiam o sol e dos sorrisos que tinham o hábito de aborrecê-lo. E Gaara podia ser insensível ou mesmo impassível em suas decisões, mas não era hipócrita consigo mesmo: queria Ino perto de si. Ela lhe pertencia, era um direito seu.

Movendo a cabeça, procurando afastar aqueles pensamentos, foi na direção do banheiro adjacente.

Estava no chuveiro, vendo os grãos de areia, que se grudaram em seu corpo no caminho para a Suna, escorrerem pelo ralo, quando a voz inflexível de Temari ecoou pelo quarto ao lado.

"Gaara, onde você está?"

"O que você quer?" Existia frieza em sua voz.

"Estava começando a achar que você não retornaria mais." Ela disse.

A seriedade comum de Gaara não a impedia de ser irônica. Ao contrário, apenas a impulsionava a perturbá-lo.

Temari se escorou no batente da porta do banheiro, cruzando os braços, observando os contornos dele pelo box embaçado.

"Os velhos estão furiosos com você." Avisou.

Ele continuou em silêncio, sentindo a água correr pelo seu corpo e cabelos vermelhos.

A realidade é que a confidência dela não o surpreendera. Quando, sem aviso prévio, resolvia ir para Konoha ver a sua mulher, Gaara deixava para trás compromissos e pessoas.

Os conselheiros do Kazekage eram homens cruéis e inabaláveis. Muitas foram as vezes em que acusaram o jovem Kage de ser irresponsável e inconseqüente, mas a verdade é que, com a idade, ninguém poderia ter se tornado tão merecedor daquele título quanto o ele. Gaara se provara ser um exímio administrador de tudo aquilo em que punha as mãos.

A maturidade do irmão aflorara com a presença de Ino em sua vida, dizia Temari, porém, os velhos conselheiros não davam ouvidos às suas palavras, acusando-a de ser sentimental.

"Gaara," a voz da mulher soou mais gentil. "como está a Ino?" Perguntou.

"Está linda." Respondeu ele, apenas.

Um sorriso se abriu no rosto de Temari com a resposta e ela se recordou da loira exuberante e exibicionista que tinha o hábito de lhe pedir conselhos sobre como lidar com Gaara, tanto tempo atrás.

Fazia alguns meses que eles estavam juntos, Ino e Gaara.

Diferente do que pensara a princípio, Temari descobriu que o relacionamento do seu irmão com Ino era perfeitamente estável. Em nenhum momento ele permitira que o seu rosto o traísse, mas era percebível como era louco por ela, em sua discrição.

Ela despertou das suas lembranças quando percebeu que o barulho da água correndo sumira e então a porta do box se abriu, revelando o corpo nu e molhado do ruivo.

"Eles estão realmente furiosos, Gaara." Repetiu, estendendo-lhe a toalha, sem se preocupar em perscrutar o seu semblante com os olhos. "Talvez seja melhor você tomar uma decisão sobre o seu relacionamento com a Ino." Recomendou.

"Ela não quer sair de Konoha, Temari." Havia certa imparcialidade no timbre dele, que sugeria não estar preocupado com o rumo dos acontecimentos.

Gaara esfregou a toalha contra o rosto e depois contra os cabelos vermelhos-fogo.

Quando ele passou pela irmã e foi em direção ao armário do quarto, à procura de roupas limpas, Temari o seguiu, tendo o cuidado de não se sentar em sua cama, pois ele não suportava que alguém o fizesse.

Enquanto vestia a camisa, percebeu ela, Gaara baixara a guarda.

"Os velhos não gostam do envolvimento de vocês." Alertou-o, aproveitando-se daquele raro momento, embora não gostasse de soar repetitiva. "Por favor, Gaara, escute o que eu estou dizendo. A sua última saída foi o estopim. Eles estão enfurecidos e vão tentar dar um jeito nisso."

Os músculos do maxilar dele estavam enrijecidos quando voltou o rosto na sua direção.

A face de Gaara, de um modo que Temari não estava habituada a ver em qualquer outro, possuía uma característica acentuada: ele tinha linhas bonitas e firmes, mas a sua expressão parecia sempre ter sido talhada em mármore.

A calma impressa em seus olhos, ao encará-la, fez com que um arrepio lhe subisse pela espinha.

A presença de Ino em sua vida era um tabu para todos, até mesmo para os seus parentes.

Afora perguntas que tencionassem saber como ela andava, Gaara era extremamente super-protetor com relação à loira e não dividia a intimidade deles com ninguém.

A princípio, Temari achara que era apenas pelo seu jeito fechado, mas com o tempo descobrira que Gaara tinha medo do que pudesse acontecer a Ino, enquanto envolvida com um Kage.

Jogar na cara dele as verdades entaladas em sua garganta era como uma afronta às proteções naturais criadas por Gaara para protegê-la. Ele a tratava como a sua mais preciosa jóia e Temari respeitava isso.

"Temari," começou ele, sério. "eu não quero mais ouvi-la falar sobre isso."

Temari suspirou, porque sabia que, mesmo se tentasse, ele faria questão de ignorá-la.

"Protejam-se." Pediu ela numa última súplica, tocando suavemente o seu braço. "Protejam-se ou eles vão conseguir separá-la de você." Disse, em tom de quem estava finalizando o assunto.

"Você não precisava ter me pedido isso." Falou Gaara.

Ela o observou se afastar e caminhar em direção à porta do quarto.

Sabia que aquele era o momento. Os anciões, assim que o irmão pusesse os pés na sala do Kazekage, fariam questão de massacrá-lo.

Se havia algo no mundo do qual jamais duvidara, fora da capacidade daqueles homens em conseguirem o que queriam.

OIMPÉRIO&OIMPÉRIO

Ela estava se sentindo péssima naquela manhã.

Além do cansaço por não ter conseguido dormir bem, a floricultura Yamanaka estivera simplesmente lotada de clientes. Ino nem poderia fazer idéia de que evento súbito necessitaria tanto de flores.

Ao quebrar um vaso num descuido, machucou o dedo. Foi preciso ir aos fundos da loja em busca de um curativo.

Era horário de almoço, mas Ino simplesmente não conseguia arranjar ânimo para ir até a sua casa e esquentar a janta do dia anterior.

Estava com um embrulho no estômago, causado pela sensação de nervosismo que a acompanhara desde a manhã, e, se lhe oferecessem qualquer coisa, ela apenas desejaria um antiácido.

Suspirou, baixando os olhos para uma muda de orquídeas reservada para um cliente e o seu braço se esticou para poder pegar o regador pousado no chão.

"Oi, Ino." Ouviu então.

Erguendo a cabeça, deparou-se com Tenten, que exibia um grande sorriso - completamente contrário ao seu estado de espírito, constatou Ino, com um pouco de inveja.

A morena trazia um saco de pano sobre o ombro e ele sacudiu quando ela se aproximou, adentrando na floricultura com o seu andar naturalmente desleixado.

"Estava voltando da lavanderia e resolvi passar pra dar uma olhada em você." Comentou, divertida.

Ino sorriu, sem ânimo.

"Estou bem, obrigada." Disse. "Apenas um pouco cansada."

"Sei." Tenten tinha a expressão de quem compreendia perfeitamente os seus problemas. "Sua cara está realmente péssima. Dormiu mal, não é?" O sorrisinho em sua face não sumiu, apesar de tudo.

"É."

"É a saudade." Desdenhou, o que não causou raiva em Ino.

"Talvez." Concordou ela apenas.

Então Tenten pousou o saco de pano da lavanderia no chão e Ino voltou os olhos para a muda de orquídeas que estava preste a molhar, o regador em sua mão.

Como sempre, a morena estava com os cabelos presos em coques. O castanho deles não causava um contraste retumbante como o dourado do de Ino. Na maioria das vezes, as madeixas loiras dela atraíam todas as atenções para si, brilhantes e onduladas. Mas, naquela manhã, seus cabelos estavam escondidos num coque.

Ino, Tenten sabia, era narcisista. Sempre gostara de esbanjar a sua beleza, vangloriar-se por ela. Era uma característica da sua personalidade e tanto Sakura como Hinata e até mesmo Tenten já haviam se habituado.

Sua omissão tão notável era sinal de que algo estava errado.

Caminhando até a mesa da floricultura, sentou-se sobre a mesma, cruzando as pernas.

"Tudo bem," disse, para chamar a atenção para si. "desembuche."

"O quê?" Molemente, Ino soltou o regador no chão novamente, erguendo o rosto.

"Você está uma mocréia." Explicou Tenten, gesticulando, como se aquele fosse o motivo da sua súbita intimação.

Surgiu um pequeno sorriso no rosto naturalmente pálido de Ino. Existia um leve brilho desnorteado em seus olhos azuis e a noite anterior a mantivera num sono desgastante e cheio de pesadelos.

Mediante palavras tão sinceras, ela permitiu que aquele ar preocupado e distante a abandonasse, para que pudesse mostrar uma breve descontração, mas não o suficiente para amainar todas as suspeitas de que algo a perturbava seriamente.

Ela se ergueu, alisando o avental.

"A minha menstruação." Disse, então. "Ela está duas semanas atrasada."

O silêncio de Tenten provou que ela também ficara surpresa com as suas palavras.

Ino admitia que, algumas vezes, tampouco ela como Gaara haviam se prevenido enquanto faziam amor. Sempre soubera que poderia engravidar, mas aquela parecia uma realidade distante.

Sua menstruação nunca fora deveras regulada. Sempre vinha às vezes uma semana antes ou uma depois, mas não duas. E ela estava certa de não sofrer de nenhum tipo de problema hormonal nem de estar tomando qualquer remédio que causasse distúrbios neurológicos, o que a deixava com poucas opções, além de desconfiar de uma gravidez.

Aquela idéia, um filho, era um pouco assustadora. Ino não queria ter que confrontá-la.

"Tem um chá. Arruda. Ele ajuda a menstruação a descer. Experimenta." Sugeriu Tenten, levemente pensativa.

OIMPÉRIO&OIMPÉRIO

Quando Gaara entrou na sua sala e se sentou, uma chuunin, destacada como sua secretária (e espiã), correu para recepcioná-lo.

Ele acomodou calmamente na cadeira, atrás da única mesa do grandioso cômodo, sem se importar com a pilha de papéis que estavam sobre ela. Seus olhos, primeiramente, procuraram a foto da loira que ocupava os seus pensamentos.

Quando não encontrou o porta-retrato, Gaara ergueu a cabeça e encarou Aiko.

"Onde está a foto da minha mulher, Aiko?" Perguntou, sem demonstrar aborrecimento ou irritação. Ao contrário, a sua voz trazia a mais absoluta tranqüilidade.

A moça se desconcertou.

"Ehh... O Fugaku-san me mandou guardá-la na sua gaveta, Gaara-sama. Ele disse que não era apropriado para um Kage se mostrar tão abertamente sentimental." Ela disse, num murmúrio.

"Bem," começou Gaara, abrindo a primeira gaveta da sua mesa e tirando o porta-retrato de lá. "essa é a minha mulher. Este porta-retrato ficará sobre a minha mesa até que eu dê permissão para removê-lo daqui." Posicionou-o num canto da mesa e se voltou para ela, impassível. "Espero que você tenha compreendido." Disse, secamente.

"Sim, Gaara-sama." Aiko baixou os olhos castanhos em sinal de obediência.

"Passei pouco menos de uma semana fora." Disse.

O silêncio reinou entre eles por alguns segundos, até que a voz imponente de Gaara tomasse novamente conta do cômodo.

"Eu estou esperando que você me faça os relatos necessários." Avisou, erguendo as sobrancelhas, impaciente.

Pela próxima meia-hora, ele esteve ocupado junto da moça, revisando alguns papéis, assinando outros, fazendo algumas perguntas às vezes, tão seriamente quanto lhe foi possível.

Um quesito no qual Gaara jamais poderia ser repreendido era em relação à sua profissionalidade. Mesmo se o mundo estivesse explodindo à sua volta, ele era capaz de focar a atenção no problema mais importante. E quase nada podia distraí-lo, uma vez que começava.

Aiko, quando não estava temerosa demais em fazer algo errado, arriscava sorrisos que não eram correspondidos. Ela era nova no ofício. Fora destacada pouco depois da partida de Ino para Konoha e Gaara não a considerava digna de atenção.

Ele precisava admitir, porém, que ela era uma boa secretária e que eles tinham um bom entrosamento como chefe e funcionário. Aiko o acompanhava em todas as reuniões e anotava incansavelmente tudo que considerasse importante. Até então, Gaara sempre achara os assuntos de fundamental valor devidamente enfatizados em seus escritos.

Havia muita tarefa a ser posta em dia, percebeu ele.

O destacamento de ninjas para missões enviadas à Suna não era uma tarefa sua desde que ele encarregara um grupo de chuunins para fazê-lo. Ainda assim, ele precisava dar o aval aos grandes trabalhos.

Do dinheiro que entrava e saía da Suna, Gaara tudo sabia. Os menores pedidos de empréstimo por parte dos habitantes da Vila da Areia ou do recebimento dos préstimos pelas missões eram devidamente analisados e arquivados. Ele era ótimo em mexer com negócios. Aquilo simplesmente fluía da sua personalidade.

Aiko estava escrevendo um memorando a ser enviado para a Vila do Trovão quando Fugaku entrou na sala.

O mais importante dos conselheiros do Kazekage, Fugaku Homoru, era irritável, explosivo, imponente e incrivelmente desdenhoso. Tinha uma barba tão branca quanto os seus cabelos, e olhos negros que lembravam os de aves de rapina.

"Ahh, o nosso querido Kazekage está de volta." Foi percebível a ironia calculada em sua voz.

"Deseja alguma coisa, Fugaku?" Perguntou Gaara, erguendo os olhos dos documentos que analisava.

"Você," o velho olhou para Aiko, que parara subitamente de escrever à entrada de Fugaku, e andou imponentemente, como se fosse o dono do lugar. "saia." Mandou, numa ameaça velada.

O ruivo ergueu o braço quando a moça começara a juntar os papéis e canetas a fim de abandonar a sala. Detestava que alguém contestasse a sua autoridade.

"Ela é a minha secretária. Ela só sairá se eu quiser, Fugaku." E ele não pareceu temer ou se incomodar com o olhar de ira que caiu sobre si. "Agora, novamente, você deseja alguma coisa?" Repetiu, levemente impaciente.

A risada sarcástica de Fugaku inundou o ambiente silencioso de repente.

"Você é realmente incrível, Gaara. Some por tanto tempo e, quando chega, vem simplesmente se sentindo o rei do lugar." O desprezo na sua voz foi percebido tanto por Gaara como por Aiko. "Abandonando as suas obrigações deste modo, por causa de uma mulher." Rugiu ele. "Uma rameira."

Uma nuvem negra passou de fronte ao rosto de mármore de Gaara e um brilho de fúria contida reluziu brevemente em seus olhos, normalmente tão impassíveis, como uma chama que se vem e se apaga.

O lábio inferior dele se retorceu levemente, porém. Era o máximo que podia exprimir, sem colocar em risco o controle férreo das suas emoções.

"A minha mulher sou eu quem escolho." Sentenciou.

"Uma vadia de outra aldeia, é o que ela é!" Gritou Fukagu. "Seu pequeno insolente!"

"Por favor, Fugaku, saia da minha sala." Mandou Gaara, sério. "Eu não tenho tempo para as suas explosões sentimentais."

Diante daquelas palavras, o velho ficou pálido. Ele nunca fora abertamente contrariado. Era conselheiro dos Kages desde os dois últimos e os anteriores sempre ouviram e respeitaram as suas opiniões. Gaara, embora fosse extremamente habilidoso com os negócios, era deveras arrogante. Era jovem.

O jeito superior de Fukagu, que agia em nome de todos os conselheiros, era incapaz de se sobrepor às vontades do Kazekage. Muitas vezes, Fugaku se apoderava de documentos de fundamental valor antes que chegassem às mãos do seu Kage e tomava as decisões que achava corretas. Em todas as vezes em que isso aconteceu, Gaara precisou, irremediavelmente, pôr em vigor ordens que anulassem aquelas dadas anteriormente.

Embora aquele fosse um reinado absolutista, os anciões tentavam incansavelmente manipulá-lo para que atendessem aos seus desejos. E nunca saíam bem sucedidos.

Havia uma rigidez inflexível na maneira como os conselheiros lidavam com o povo e com a modernidade da juventude. Eles eram tradicionais e repreendiam o jeito de agir dos jovens e a maneira como se vestiam e falavam e como pensavam. Julgavam-se à prova de erros e consideravam indignos relacionamentos fora de um casamento.

Esse era o maior erro de Gaara: envolver-se com uma moça sem que ela fosse a sua esposa. Ele sabia que, além disso, ainda havia o aspecto de Ino, com os seus cabelos loiros não-comuns que davam aos velhos a sensação de se depararem com uma moça altiva e esnobe. Os cabelos de Temari eram loiros também, mas não refulgiam como os de Ino.

Quando ela saía pela Suna, suas madeixas douradas reluziam e era capaz de arrancar olhares admirados até mesmo dos homens mais duros.

Primeiramente, a visita dela fora em nome da amizade com sua irmã, de um acordo entre as Vilas. Enquanto Ino mantivera as suas garras longe dele, os anciões a consideraram tolerável, apesar da sua natureza narcisista, mas quando, de repente, ela começou a sugar toda a sua atenção, Ino se tornou um estorvo que não seria tolerado.

Assim que Gaara assumiu por completo a sua posição de regente, os conselheiros, que antes decidiam tudo no seu nome, foram jogados de lado. Fugaku ainda não aceitara a sua nova posição.

O lábio inferior dele tremia quando encarou Gaara.

"Você é um desgosto como Kage." Sentenciou.

"Não há nada que você possa fazer quanto a isso." E o ruivo então baixou os olhos para os documentos que lia antes de ter a sua sala subitamente invadida, dando a conversa por encerrada.

"O seu relacionamento com aquela mulher de cabelos dourados não irá adiante, Gaara." Advertiu Fugaku, obtendo o silêncio como resposta. Os olhos arregalados de Aiko o observavam. "O seu povo não aceitará uma rameira de outra Vila ao lado do Kazekage." Ele sorria, os dentes amarelados à mostra.

Gaara notou um ultimato naquelas palavras, mas decidiu não fazer nenhum movimento.

Com a influência dos anciões, eles poderiam açoitar o povo da Suna contra o seu Kage, se assim o quisessem. Gaara sabia que havia esse risco, mas não era a hipótese que realmente o preocupava.

Mesmo que talvez fosse, como o próprio Fugaku sentenciara, um desgosto como superior, ele sabia que não tratariam de depô-lo com tal rapidez. Gaara era, sem dúvida, o ninja mais forte do país e nenhum lhe seria ao menos páreo, mesmo após ter tido o espírito do Shukaku retirado do seu corpo.

Conseguira conquistar a simpatia de boa parte da população após a defesa da Vila, quando fora raptado pela Akatsuki. Alguns o respeitavam; outros, inevitavelmente o detestavam. A verdade é que Gaara não fazia idéia de como andava o seu status como Kage. Não tinha o hábito de fazer aparições públicas. Era Aiko quem repassava as ordens ou avisos.

Ele se mantinha nas sombras, à espreita, e isso era tudo.

Minutos depois, as portas da sua sala batiam com violência, anunciando o afastamento de Fugaku.

"Gaara-sama..." Chamou Aiko. Existia receio em sua voz.

"Continue trabalhando." Ordenou o ruivo, sem erguer a cabeça.

"Mas-"

"Apenas continue trabalhando." Repetiu.

Aiko baixou os olhos.

"Sim, senhor." Disse ela, não erguendo outro protesto.

OIMPÉRIO&OIMPÉRIO

Era quinta-feira, notou Ino, e o céu estava tremendamente nublado.

As nuvens cinzentas impediam que o sol se mostrasse e, quando saiu da cama, enrolou-se no chambre, indo até a gaveta da cômoda à procura de um par de meias de lã quentinhas.

Estava chegando o inverno, para o seu desgosto. Sua casa era fria nessa época, mesmo que a cor viva das paredes desse uma sensação de quentura. Os seus pés, geladíssimos, sempre se arrastavam pelo chão recoberto de carpete, tentando conseguir um pouco de calor além da eletrostática.

A lâmina de barbear de Gaara estava sobre a pia, exatamente como ele havia deixado dias antes. E, sem querer pensar no ruivo logo ao despertar, Ino a escondeu dentro do armário aéreo do banheiro enquanto pegava a escova de dentes e se preparava mentalmente para enfrentar o frio quando se despisse para entrar no chuveiro.

Quando fechasse a floricultura no cair da tarde, sabia o que deveria fazer: ir até o hospital de Konoha, ir atrás de Sakura.

Para o seu desgosto, o chá sugerido por Tenten não fizera o milagre que Ino secretamente ambicionara. Mas ela já estava certa de que não havia mais jeito, mesmo quando foi até o mercado atrás de arruda. A visita a um médico viera à sua mente como última alternativa, aquela que a faria se deparar realmente com a realidade dos fatos.

Ino sabia o que a aguardava: ela estava esperando um filho de Gaara e, ao mesmo tempo em que se sentia chocada com a descoberta, sentia-se temerosa pelo que diria a ele.

Sua tarde foi envolta por milhares de pensamentos aterrorizantes em relação às possíveis reações do ruivo diante da verdade. Ela não conseguira se concentrar no que fazia e, quando um cliente visivelmente insatisfeito abandonou a floricultura, decidiu dar um basta e ir minar as suas suspeitas de uma vez por todas.

Um bruto enjôo a obrigou, então, a permanecer em casa e deitada pelo resto da noite.

Como se atendendo ao seu nervosismo, o bebê entrou em concordância com as suas emoções conturbadas e embaralhou o seu estado de espírito.

Ino se viu tão derrubada pela náusea que apenas ficou deitada em sua cama, encarando o teto, incapaz de formular um pensamento coerente. Havia uma jarra d'água já seca na sua mesa de cabeceira e ela sentia a boca áspera e sedenta antes de finalmente pegar no sono.

OIMPÉRIO&OIMPÉRIO

Era cedo quando foi procurar por Sakura.

"Sakura." Chamou-a, quando conseguiu distinguir um punhado de cabelos rosa em meio à movimentação excessiva do hospital, mesmo amanhecendo.

Havia dúvida nos olhos de Sakura ao encará-la.

"Ino?" Perguntou, vendo-a se aproximar. "O que houve?"

"Me ajuda." Pediu a loira, tentando não dar às suas palavras a entonação levemente afoita que tencionou inicialmente. Passou a mão pelo rosto, afastando os cabelos, e hesitou antes de continuar a falar, como se tivesse medo de que, verbalizando, os seus medos adquirissem dimensões reais. "Eu estou com um problema." Admitiu finalmente.

Houve uma expressão surpresa no rosto da médica e Ino não pôde repreendê-la. Jamais tivera o hábito de dividir com os outros as suas frustrações. Era orgulhosa demais para fazê-lo.

Mas, quanto àquilo, não haveria outro modo, senão se abrindo com alguém. E ela preferia que fosse com Sakura, que um dia fora a sua melhor amiga, do que com um desconhecido.

Baixou os olhos para o piso por um segundo.

"Minha menstruação, Sakura. Ela está atrasada." Murmurou, contendo o impulso de desistir das suas próximas palavras. "Por favor, isso está me remoendo."

Meia hora depois, ela ouviu exatamente o que esperava: "É, Ino. Você está grávida."

Um enjôo violento se apoderou do seu corpo e tudo que a loira conseguiu fazer foi vomitar.