Harry Potter e o Herói de Mil Faces
Capítulo 1: Cem anos de Solidão

"A person doesn't die when he should, but when he can."
--Gabriel Garcia Marquez, One Hundred Years of Solitude


3:00 p.m.
20 de setembro 2008

Rony Weasley estava sentado no mesmo lugar, contemplando as cortinas de sua sala, há vários minutos.

-Ou essas cortinas saem ou saio eu – ele disse. Há muito tempo já tinha perdido qualquer constrangimento de falar sozinho, afinal, quase nunca havia outra pessoa com quem conversar. – Ótimo, Weasley. Uma frase de Oscar Wilde para todas as ocasiões.

As cortinas estavam tirando sarro dele. Penduradas ali, cheias de listras e com seu puxador enfeitado... Elas se acham tão boas. Não seriam tão arrogantes se soubessem que nem mesmo havia uma janela atrás delas. Simplesmente ficavam penduradas em seu suporte bem polidos com as bordas decoradas, fechadas sobre uma parede branca. Ilusão de uma janela onde não poderia haver uma. Não havia janelas no apartamento dele. Era difícil ter uma janela quando se morava vinte metros embaixo da terra.

E ainda assim as cortinas estavam penduradas, sempre fechadas, sempre bem alinhadas. Elas acham que estão enganando alguém? Ele pensou. Dá pra ver claramente que não há peitoral.

-O que está fazendo? – veio uma voz curiosa atrás dele. Rony não se assustou, era apenas Bob. Estava esperando-o, ele vinha todos os dias na mesma hora, sem falta.

-Odeio essas cortinas – ele disse.

Bob olhou pra elas. –Hã. Elas são bonitas, eu acho.

-Claro que são bonitas. É só que são tão... Mentirosas – ele levantou. –É tão claro. Não podemos ter janelas, então vamos pendurar algumas cortinas inúteis para fingir que temos. Preferia ter uma paisagem de Monet, ou uma daquelas fotografias artísticas de Londres vista de cima.

Bob apoiou a entrega diária de Rony, vinda como sempre numa caixa de papelão tampada. –Consegui o jornal que queria.

-Ah, ótimo – Rony disse, interrompendo o exame de suas cortinas. –Já estava ficando sem.

-Quer que eu leve o último pra plastificar?

-Claro – Rony cruzou a sala até sua biblioteca, onde pegou uma pilha considerável de jornais e colocou cuidadosamente em uma caixa vazia. Entregou a Bob. –Aqui está.

-Trago de volta pra você em alguns dias.

-Ótimo – Rony, já voltando aos próprios pensamentos, pegou sua entrega e se afastou devagar, olhando o conteúdo da caixa. Bob acharia a saída sozinho, como sempre, e voltaria para... Onde quer que ele ficasse quando não estava fazendo a entrega diária. Em algum lugar deste dormitório subterrâneo ficava o apartamento de Bob, que Rony achava que era similar ao dele, com uma diferença chave.

Bob podia entrar e sair quando quisesse. Rony não colocava os pés fora do apartamento há dez anos.


7:43 pm.
Na hora que Harry saiu do banheiro, seu rosto mais branco que papel, Hermione já tinha conseguido colocar pra fora basicamente o que ela vira pra Jorge. Ele balançava a cabeça enfaticamente.

-Não. Não. Isso não está certo. – ele disse.

-Jorge, escute...

-Não! –gritou, interrompendo o que ela ia dizer. –Pare, Hermione! Meu irmão está morto! Por que está fazendo isso?

-Só quero saber a verdade sobre meu amigo! – ela respondeu, sentindo que chegava cada vez mais perto da histeria.

-A verdade? – Jorge gritou. –A verdade é que ele saiu do castelo porque achou que vocês dois precisavam de ajuda e pagou por essa preocupação com a vida! – Hermione fez um som de choque. Essa era a primeira vez que ouvia qualquer membro da família Weasley sugerir mesmo remotamente culpa dela e de Harry na morte de Rony. –Não pode olhar em uma penseira idiota e chegar a essa conclusão!

-Está enganado, Jorge – Harry disse baixo. –Acredito que o que ela viu é verdade.

-Mas... É só uma memória! Não consigo lembrar nem o que tomei no café!

-Não é apenas uma memória, é uma memória de penseira. Posso não lembrar de tudo que aconteceu naquela noite, mas meu cérebro gravou toda cena com exatidão, até o último detalhe. A memória que Hermione viu é verdadeira. – ele avançou, parecendo um tanto hesitante em seus passos. –Jorge, sei que a possibilidade dele estar vivo todos estes anos é... quase horrível demais pra se compreender. Mas se houver a menor das possibilidades, então temos que seguí-la.

Os músculos do rosto de Jorge trabalharam, fazendo que dezenas de expressões conflitantes aparecessem em sucessão. –Sim, temos sim. Mas como sabemos que é real?

Harry suspirou. –Tem uma forma de termos certeza.


2:49am
21 de setembro de 2008

Hermione estava sentada em um banco baixo de pedra no jardim atrás da Toca, os joelhos contra o peito, olhando pras estrelas que brilhavam no céu escuro, sem lua. Lá dentro, os filhos Weasley descobriam sobre as dúvidas em relação a morte do irmão. Harry ficou lá dentro para dar apoio a Arthur e Molly enquanto tentavam explicar, mas ela escapara para o jardim, sem conseguir encarar outra cena desesperadora por enquanto.

Levou um tempo pra ela e Harry explicarem a Arthur e Molly o que acreditavam ser verdade. As reações dele foram como ela esperava. Ficaram chocados, horrorizados e devastados... E ainda, quando essas reações iniciais passaram, esperançosos. Poderia mesmo o caçula deles estar vivo? Hermione simpatizava, pois sentia o mesmo. Seu coração pulava com idéia de poder vê-lo novamente um dia e ainda assim o pensamento inescapável do que poderia ter acontecido com sua vida nesse tempo logo espantava qualquer euforia que pudesse sentir.

Arthur e Molly concordaram na mesma hora que o corpo encontrado na clareira deveria ser examinado, para descobrir sem dúvidas se era mesmo de Rony Weasley. Eles imediatamente chamaram seus outros filhos, sem contar o que acontecera, mas dizendo que deveriam vir pra casa imediatamente. Agora, nas horas mais escuras que ocorriam entre a noite e a madrugada, todos chegaram e era hora de saberem a verdade.

Ela ouviu uma agitação repentina de exclamações e gritos de surpresa de dentro da casa. Ela ouviu uma voz aumentar com raiva, parecia Carlinhos. Ela ouviu Gina gritando alguma coisa, mas não conseguiu distinguir as palavras. Podia ouviu Molly chorando e depois ouviu a voz implacável de Harry, baixa e equilibrada enquanto ele tentava manter o controle da situação.

Ela não sabia como Harry conseguia ficar tão calmo. Desde que voltara até ela e Jorge depois de sua ida ao banheiro, ele estava quase artificialmente contido e racional. A princípio foi... um tanto horrível. Harry era uma pessoa emocional, e ela estava acostumado a vê-lo dessa forma... mas tinha que se lembrar que provavelmente era a única pessoa que o via dessa forma. Para maior parte do mundo, Harry mantinha vigorosamente sua fachada fria. Seu controle o permitira sobreviver a uma infância horrível, e ela achava que ele teve que cultivar ainda mais este lado em sua linha de trabalho.

De certa forma, o comportamento dele a deixava orgulhosa e impressionada. Ela não via com freqüência o verdadeiro bruxo que ele era; pois pra ela, ele era apenas Harry, seu amigo e companheiro escolhido pra passar sua existência. Ela se perguntou se nessa situação seu comportamento profissional tomara uma forma de auto-preservação, pra permitir que funcionasse sem se desesperar. Manter o controle era uma habilidade necessária pra ele fazer o que tinha que fazer. A primeira vez que ela leu o histórico dos serviços dele, a descrição de seus vários atos de liderança calmos e corajosos a impressionaram, que já achava que ele era o mundo. Esse era o homem descrito naquele histórico.

Ela ouviu a porta dos fundos abrir e fechar de novo, e depois passos na grama. –Como foi? – ela perguntou enquanto ele se aproximava pra parar atrás do banco ela estava.

-Quem pode saber? – Harry respondeu. –Como posso julgar uma reação a uma notícia desse tamanho? Como se espera que uma pessoa deva responder? Eles estão lidando com isso. Achei que deviam ter um tempo pra eles.

Ela concordou, repousando o queixo nos joelhos. –O que acontece agora?

Ele suspirou. –Falei com Sukesh, ele vai arranjar as coisas para que o corpo seja desinterrado e trazido para o necrotério da DI. Ele vai examiná-lo lá. Disse que devemos tentar levar a família pra lá ás cinco que ele estará pronto.

Ela ficou em silêncio algum tempo. –Parece que vou explodir em mil pedaços - finalmente disse. –Sinto como se estivesse louca.

-Eu sei.

-Está tão calmo – ela disse. –Queria me sentir tão calma quanto você parece estar.

-Estou calmo porque preciso estar – ele disse, a voz apertada. –Acredite, por dentro estou andando em círculos e puxando os cabelos.

-Harry... E se for verdade? E se ele estiver realmente vivo? Meu deus, onde ele está? O que foi feito dele? – ela poderia continuar fazendo uma pergunta atrás da outra, mas as conteve.

-Vamos dar um passo de cada vez – Harry repondeu. –Precisamos examinar o corpo primeiro. Depois poderemos ter umas perguntas interessantes a fazer.


5:35 am
Hermione estremeceu apesar do cômodo não estar frio. O caixão estava sobre a mesa diante dela, um cheiro de lama e musgo. Ela esperava fervorosamente que não precisasse olhar o que estava lá dentro, mesmo que não fosse o corpo de seu amigo.

Harry estava de pé de frente pra ela, os braços cruzados sobre o peito. Os Weasley estavam agrupados perto da cabeça do caixão, todos se tocando de uma forma ou de outra. Gina estava pálida e em silêncio, parecendo amassada como se tivesse pulado da cama, o que Hermione imaginava ser o caso. Arthur e Molly se apoiavam, e Molly tinha o outro braço em volta de Carlinhos. A família fora trazida até a DI sob condições de segredo estrito, ao que Hermione achava que todos já estavam acostumados.

Argo estava à direita da Hermione. Ela estava a par da situação, discretamente, e informara a Harry e Hermione que poderiam contar com seu total apoio. Os Weasleys com certeza não tinham idéia de quem ela era e não pareciam se importar.

A porta abriu e Sukesh entrou, carregando diante de si uma grande e polida caixa prateada. Ele colocou a caixa numa mesa próxima e virou para os Weasley. –Ministro – ele disse, com sua voz mais calma. –Sra Weasley, todos vocês. Sou o Dr. Subramaniam. Entendo que esta seja um momento muito difícil. É importante que entendam o que vou fazer – ele colocou uma mão sobre a caixa. –Este é um artefato que chamamos de Oráculo. É um amuleto de identificação, muito poderoso. Na verdade, é o único desse tipo em todo o mundo. Pode ver através de qualquer poção, qualquer feitiço, e qualquer disfarce criado por meios mágicos ou físicos. Não pode ser enganado, não pode ser coagido. Seus poderes se estendem além do fim da vida física; o que quero dizer é que ele é igualmente confiável para identificar corpos. Não temos mortos não-identificados no Corpo de Executores, o Oráculo nos diz que era sem importar como foram encontrados. Entendem? – todos fizeram que sim. –Vou demonstrar seu funcionamento brevemente.

Sukesh abriu a caixa e o Oráculo prateado e brilhante emergiu, um cubo girando no ar. Sukesh o guiou até sobre a cabeça de Gina, que estava mais próxima dele. O Oráculo girou por um momento. –Weasley, Virgínia Catherine – pronunciou com sua voz irrefutável, sem gênero. –Fundadora e editora-chefe da revista Circe – ficou em silêncio. Sukesh guiou o Oráculo sobre a cabeça de Arthur. Novamente, aquele momento de consideração. –Weasley, Arthur Allen – pronunciou. –Ministro da Magia, Ministério do Reino Unido – Sukesh trouxe o Oráculo de volta.

-Vou agora fazer a identificação do corpo do homem – Sukesh disse, movendo o Oráculo até o caixão.

-Precisa... Abrir? – Arthur perguntou.

-Não é necessário – Sukesh respondeu. –O Oráculo pode ver através da madeira – ele posicionou o Oráculo e recuou.

Hermione passou os braços por cima do abdome, a ansiedade revirando seu estômago. Ninguém se mexia, ninguém fazia barulho, parecia que ninguém nem mesmo respirava enquanto o Oráculo girava por um tempo um pouco mais longo do que fora para Gina e Arthur. Está pensando, ela concluiu.

Finalmente o Oráculo deu sua resposta. Duas palavras que atravessaram a vida de Hermione, como uma guilhotina, separando sua vida em "antes" e "depois". Apenas duas palavras e ela sabia que nada seria o mesmo novamente.

-Identidade desconhecida.

Apesar de não ser tanta surpresa pra ela, a confirmação oficial ainda parecia como um bom chute no queixo. Ela ouviu Molly dar um grito estrangulado e viu Gina se encolher contra o peito de Fred, seus ombros tremendo. Todos os Weasley pareciam ter apanhado feio. Hermione olhou para o outro lado pra Harry, que estava completamente parado com os olhos fechados. Sentiu Argo colocando uma mão confortante sobre seu ombro e ficou feliz por isso. Estava congelada, paralisada, e ainda assim se tremia toda como seus músculos não conseguissem ficar quietos sob sua pele.

Harry avançou, e ela quase podia vê-lo colocando sobre si aquele manto de "Tomando Controle". –Certo – ele disse. –Agora sabemos.

-Não sabemos de nada – Gui exclamou. –Harry... como pudemos deixar que isso acontecesse? Como isso aconteceu?

-Onde ele está? – Arthur exigiu saber, apesar de com certeza saber que ninguém neste cômodo poderia responder esta pergunta. –Onde está nosso filho?

-Todos, me escutem – Harry disse, esticando as mãos. –Sei como se sentem. Sinto o mesmo... No momento, mal posso juntar as coisas em minha cabeça. Mas todos vocês, por um momento, vamos manter a calma. Olhem pra mim e escutem – ele olhou cada um deles nos olhos. –Vou encontrá-lo. Me ouviram? Não importa quanto tempo leve ou o que eu tenha que fazer, eu vou descobrir o que aconteceu com ele. Agora, a coisa mais importante que todos precisam entender é que ninguém deve saber sobre isso.

Isso causou um pequeno rebuliço. –O que está falando? – Percy disse indignado. –Temos que alertar as autoridades responsáveis, começar uma investigação, temos que...

Harry o interrompeu com um olhar sério. –Certo, escute. Nenhum de vocês sabe no que eu e Hermione trabalhamos. Bem, acho que já tem alguma idéia, não é? O fato é que nós somos as autoridades responsáveis. Haverá uma investigação, mas nós que a conduziremos. – ele olhou para Arthur e Molly. –eu vou encontrá-lo – ele repetiu mais suave. –Confiam que posso encontrá-lo?

-Bem, claro que confiamos em você, Harry, mas... é nosso filho, precisamos nos envolver.

-Não – Harry disse firme.-Não podem se envolver. – mais protestos. –Ouçam! – Harry disse novamente, silenciando as perguntas. –Me escutem. Certo, posso supor alguns cenários do que aconteceu com Rony. Entretanto, o mais provável é que ele tenha sido levado na noite de sua suposta morte, mantido preso e esteja preso desde então. Quem quer que o tenha levado tinha um motivo pra isso. Se ouvirem rumores que estamos atrás deles, que sabemos a verdade... Podem decidir diminuir os prejuízos e matá-lo ou então começar a mudar seu cativeiro e nunca o encontraremos. Entendem? Temos que manter isso bem, bem secreto ou então colocamos Rony em perigo. – Os Weasley trocavam olhares preocupados, mas Hermione podia ver que os argumentos de Harry foram bem recebidos. –Certo. Eis o que vamos fazer. Todos devem voltar a suas vidas e agir de forma normal, como se nada disso tivesse acontecido. O que preciso saber é se podem fazer isso. Podem continuar como sempre? Podem manter em segredo? Se acham que não podem, precisam me dizer agora e sejam sinceros, porque a vida de Rony está em jogo aqui. Prefiro fazer um feitiço na memória de cada um de vocês do que deixar que um deslize coloque em risco nossas chances de recuperá-lo com segurança.

Foi Molly quem respondeu por toda família, seu maxilar firme e o rosto manchado de lágrimas determinado. –Podemos fazer isso, Harry. Podemos fazer o que for preciso se ajudar a proteger Rony. Mas... Não há nenhuma forma da gente ajudar? Qualquer jeito?

Harry balançou a cabeça que não. –Não. Vocês são muito visados, todos vocês. O Ministro da Magia e sua família são observados de perto. A única forma de nos ajudar é continuando com suas vidas. Devem confiar em nós.

-Confiamos – disse Arthur. –Mas tem que nos prometer que vai nos manter informados, Harry. Temos que saber o que estão fazendo e o que descobriram. Não acho isso pedir demais.

-Não, não é. Vamos mantê-los informados – ele suspirou e olhou em volta. –Temos tempos difíceis a nossa frente, e não posso prometer um final feliz. Mas posso prometer que Hermione e eu vamos estar com vocês a cada passo do caminho. Nos dois amávamos Rony, como vocês amavam e nada vai nos impedir de descobrir a verdade.

-Harry? – Gina disse, sua voz estranhamente baixa e hesitante.

-Sim, Gina?

-Como sabemos... – Gina parou e limpou a garganta. –Se Rony não morreu naquela noite... Bem, como sabemos que... – ela não podia continuar.

-Que ele ainda está vivo? – Harry terminou gentilmente. Gina fez que sim, pressionando as costas da mão no nariz. –Não sabemos. Por pior que seja penas nisso, há uma possibilidade distinta de Rony ter sobrevivido naquela noite e ter morrido depois. Mas temos que presumir que ele ainda está vivo, Gina. Não podemos, bem, não podemos não procurar por ele, não é mesmo? Temos que tentar. Eu... – Harry virou a cabeça pro lado por um momento e Hermione o viu lutando contra suas emoções. –Tudo que sabemos com certeza é que ele não morreu da forma que pensávamos. Eu acredito que meu amigo está vivo. – ele disse com a voz rouca. –Vou continuar acreditando nisso até que me provem o contrário.

Os Weasleys saíram então, uma confusão de abraços e lágrimas derramadas enquanto partiam. Harry se conteve, ficando perto do caixão, enquanto Hermione saía entre a família e oferecia palavras de confiança quando podia. Ela abraçou Gina com força, nenhuma palavra necessária entre as duas amigas de longa data. Jorge ficou mais tempo. –Vou voltar para Toca hoje com todo mundo – ele disse. –Mas estarei em casa amanhã. Vamos esconder isso do resto do pessoal da casa também? – ele perguntou.

Hermione fez que sim. –Por enquanto, vamos esconder de todos – ela disse.

Jorge saiu seguido por Sukesh e Argo, que acompanhariam os Weasleys até a Toca. Hermione fechou a porta atrás deles e se apoiou nela, recuperando o fôlego. Ela virou, sozinha no cômodo com Harry e o caixão. Ele olhou pra ela e a encarou pela primeira vez e ela viu no olhar dele a confirmação do que suspeitava: não importava no que tinham se metido, isso seria mais difícil pra ele do que pra ela. Ela era, possivelmente, mais próxima de Rony na época em que ele morreu, mas ela sabia que Harry passaria por uma situação pior com essa revelação do que ela. Harry tinha seus defeitos, um dos mais pronunciados era tendência de carregar muito peso nos ombros. Tudo geralmente era culpa dele e responsabilidade dele e a cruz que ele tinha que carregar. Podia ser bem irritante e às vezes fazia com que outros o acusassem de egocentrismo quando na verdade refletia justamente a inclinação oposta. Ele colocava a culpa em si por isso e por tudo e tentaria protegê-la das piores implicações como tentava protegê-la de tudo... Outra faceta de sua personalidade que ela achava infinitamente irritante.

E ainda assim, apesar de tudo isso, ela via em seu rosto o reflexo do mesmo choque e confusão que sentia. Ele tentou dar um pequeno sorriso. –Nunca temos tempo de respirar, hein? – ele disse.

Ela balançou a cabeça que não, sentindo uma pontada de ressentimento pela verdade desta afirmação. Não já passamos pelo suficiente? Uma voz em sua cabeça sussurrou. Não já ganhei o direito de um tempo de paz sério com o homem que amo? E então veio a vergonha, pois parecia tão pequeno estar pensando em si mesma numa hora dessas. Ela sabia que se significava ter Rony de volta ela devia passar por isso com satisfação... E ainda assim, droga, não era justo.

Nenhuma resposta que ela pudesse pensar parecia adequada então ela apenas esticou a mão pra ele. –Venha cá – disse simplesmente. Harry rapidamente cruzou o cômodo e a puxou pra perto, dando um suspiro tremido enquanto isso, como se estivesse esperando para abraçá-la há muito tempo. Ela passou os braços em volta dele e repousou o rosto contra seu pescoço, deixando que seus olhos fechassem. A expressão que ela apresentava para outras pessoas desapareceu e levando com ela suas inibições normais, ela virou uma versão mais verdadeira de si, uma versão que somente Harry era capaz de ver. Suas emoções estavam sempre mais próximas da superfície quando estava sozinha com ele, e as coisas que eram mais difíceis de articular ou expressar outras vezes eram mais fáceis quando estavam apenas os dois. Ela várias vezes ficava impressionada com como ela era diferente quando estava perto dele e se perguntava se era isso que fazia o amor dos dois tão distinto e talvez valesse a pena a verdade modificada... Não era simplesmente o que ela sentia por ele, mas também o que sentia por si mesma quando estava com ele.

Esses pensamentos vagavam em algum lugar logo abaixo de sua consciência, que estava muito mais ocupada com um monte de perguntas e ansiedade. Ela percebeu de repente que Harry tremia, e que a abraçava com força de mais pra ser confortável. – Harry – ela sussurrou. –Está me apertando.

Ele recurou, mantendo os braços em volta da cintura dela, e a olhou direto nos olhos. Uma estranha urgência iluminou o rosto dele. Sua testa franziu numa expressão de concentração; ele levantou os braços e a segurou pelos ombros. –Diga que me ama – ele disse rápido, como se a resposta dela fosse de extrema importância e de séria dúvida.

Ela piscou, surpresa – Harry, eu... claro que te amo, sabe que sim.

Isso não pareceu satisfazê-lo. –Me diga o quanto.

Ela balançou a cabeça, confusa e então levantou as mãos e as colocou no rosto dele. Ele parecia desesperadamente precisar ouvir isso de repente, então ela ia atender seu pedido. –Não existe uma palavra pra quanto eu te amo – ela disse. –O que isso significa? Por que está me perguntando isso? E por que agora?

Ele suspirou e baixou a cabeça até o peito, de forma que ela não podia mais ver seu rosto. –Se ao menos eu tivesse deixado você ver aquele corpo... – ele disse. –Se não tivesse te segurado... você teria visto, não teríamos, Rony estaria...

-Pare bem aí – ela disse, ela disse, mentalmente parando o cronômetro interno no qual inconscientemente marcava "quanto tempo até ele se culpar". –Mesmo se eu tivesse visto o corpo, não há garantias que notaria o hematoma. Tive muito mais tempo pra olhar na penseira do que teria naquela noite e estava num estado quando o encontramos... não acha que já pensei nisso? E se eu tivesse insistido para vê-lo? Se eu não tivesse deixado que me impedisse? Pare de monopolizar a culpa toda, Harry, nós podemos dividi-la! – ela se inclinou, tentando fazer com que olhasse pra ela. –Nunca vamos saber o que aconteceria ou o que poderia ter acontecido. Você não sabia, não poderia saber. Estava apenas tentando me proteger.

-É isso – ele disse, levantando os olhos. –Não a impedi de vê-lo para que te protegesse, mas pra me proteger. Não podia deixar que você visse aquela marca na testa dele, porque se visse poderia me odiar por aquilo. Poderia me culpar por aquilo e não suportaria te perder também. Fui egoísta e por causa disso, nos enganaram. Eles nos enganaram por dez malditos anos e não posso suportar pensar o que Rony sofreu por causa de meu egoísmo!

-Pare, Harry! – ela disse, balançando-o. –Não vou deixar que se afunde em auto-piedade por causa disso! O que passou, passou e não podemos mudar o que aconteceu naquela noite. Tudo o que podemos fazer agora é consertar! Pelo amor de Deus, eu amava Rony e você também! Por mais que a gente seja importante um para o outro, não estávamos totalmente completos sem ele, nunca estivemos! Agora temos a chance de acertar as coisas!

Ela viu a expressão dele mudar quando colocou sua culpa de lado com um esforço quase visível, sendo substituída por uma forte determinação-. –Está certa – ele disse – Desculpe, eu só... – ele suspirou. –Me levou por um minuto.

-Eu sei – ela disse, apertando a mão dele. –Mas agora temos um trabalho a fazer.

-Então vamos trabalhar – ele voltou até o caixão, Hermione indo para o outro lado. –Eu admito, estou um pouco incerto de como começar.

-Então me permita – ela pegou as anotações de Sukesh e olhou para o Oráculo, ainda flutuando sobre o caixão, esperando instruções. –Oráculo – ela disse. Girou um pouco mais rápido. –Confirme a identidade.

-Identidade desconhecida.

-Verifique se o desconhecido não é Ronald Weasley.

Giros. –Verificado.

-Hora da morte?

Gira, gira, gira. –Hora da morte: 4:46 da tarde, sábado, 12 de março de 1997 – Hermione anotou as palavras do oráculo.

-A data está certa, mas a hora não – Harry disse.

-Eu sei. Às quinze pras cinco você e eu tínhamos acabado de sair da Torre da Grifinória pra pratica duelo. Rony não recebeu o bilhete de Voldemort até uns vinte minutos depois.

Harry mordia seu lábio inferior, seus olhos estreitados enquanto pensava. –Eles mataram o Rony falso antes, pegaram o Rony verdadeiro e substituíram os corpos.

Hermione concordou. –Certo, uma possibilidade. – ela virou pro Oráculo. –Idade na hora da morte.

Gira, gira, gira. –Vinte e oito dias, cinco horas.

Os dois agentes trocaram olhares, balançando a cabeça com horror mútuo. –Se nós tivéssemos usado isso na época – Hermione disse, a voz apertada.

-Não tínhamos razão para suspeitar de nada além do que parecia óbvio.

-Por que mais ninguém notou que o hematoma tinha sumido? Eu não era a única que sabia que ele estava machucado. Você sabia, Madame Pomfrey sabia, os investigadores com certeza sabiam.

-Sim, mas todos também sabiam que ele foi tratado da clavícula quebrada. Tenho certeza que qualquer outro machucado também fosse tratado. – Ele franziu a testa, e então olhou pra ela por cima do caixão. –Por que não foi mesmo, falando nisso?

Ela suspirou. –Rony não queria esperar Madame Pomfrey misturar a poção para hematomas porque ia se atrasar pra aula. Ela tratou a fratura, mas ele teve que sair antes dela tratar o hematoma. Ele pensou em ir lá mais tarde e tomar a poção ou até deixar que se curasse sozinho.

-Eu não sabia disso, e tenho certeza que mais ninguém pensou em perguntar. Se eu ao menos tivesse notado na época que o hematoma sumira, que admito não percebi, teria presumido que ele tivesse tratado também. Sabe, você provavelmente era a única pessoa que sabia com certeza que ele ainda tinha o hematoma antes de morrer.

-E eu fui a única pessoa que não viu o corpo – ela balançou a cabeça. –Que conveniente – ela colocou as anotações de lado e guiou o Oráculo de volta a sua caixa prateada. Se endireitou e olhou pra Harry que estava inclinado sobre o caixão com uma expressão pensativa no rosto. –Como vamos encontrá-lo depois de tanto tempo, Harry? Por onde começamos?

-Começamos aqui – ele disse batendo no caixão. –Vamos analisar esse corpo com um pente fino e procurar qualquer coisa que possa sugerir onde estava antes de ser morto, quem o criou, onde e como.

-Vamos precisar de ajuda nisso. Muita ajuda.

-Eu sei – ele olhou rapidamente pra ela e ela viu a mesma preocupação que ela ia falar no rosto dele... mas mesmo assim precisava dizer.

-Harry... precisamos manter isso em sigilo, pra evitar colocar Rony em risco...

-Eu sei.

-Se há um agente duplo aqui na DI não há como impedir isso de vazar.

Ele balançou a cabeça. –Vamos ter que fazer o melhor que pudermos. Vamos manter nossa investigação pequena e limitar quem saiba dela a um pequeno grupo, só as pessoas em quem realmente confiamos. Argo e Sukesh já sabem. Remo, Henry e Napoleon.

-Diz?

Harry suspirou. –Não tenho certeza se confio completamente nela ainda. O histórico dela fala por si, mas pra essa missão... Preciso ter mais certeza pra ir em frente.

Hermione assentiu. –Concordo. Sirius também precisa ser informado, mesmo que não possa ajudar.

-Sim – Harry passou a mão pelos cabelos, deixando-o ainda mais bagunçado que o de costume. –Mas temos que tomar cuidado, e manter os olhos abertos, mesmo com nossos amigos mais próximos.

-Vamos nos tornar um bando de malucos paranóicos se não nos cuidarmos.

-Um de meus instrutores uma vez disse que um pouco de paranóia é uma coisa saudável em tempos incertos.

-Isso é muito sábio. Lefty te ensinou isso?

Harry balançou a cabeça, dando um pequeno sorriso amargo. –Allegra.


8:17 am
O silêncio na pequena sala de reuniões perdurou alguns momentos. –Mil vezes merda – Napoleon sussurrou. –Dez anos.

Harry balançou a cabeça que sim. –Estou tentando não pensar nisso pra conseguir me concentrar. Vamos focar no que será feito agora. – ele olhou em volta para o grupo reunido, que estava sendo atualizado dos acontecimentos da noite. –Acima de tudo, nossa prioridade é o segredo. Quem quer que esteja mantendo Rony, não pode saber que estamos atrás deles. Qualquer coisa que deva ser feita, será feita apenas por nós. Sem ordens, sem delegações, sem ajuda.

-Posso fazer uma análise do corpo – Sukesh disse. – Se houver alguma evidência a ser encontrada, eu encontrarei.

-Bom.

Henry balançava a cabeça. –Não tenho muita confiança nessa abordagem, Harry. Depois de dez anos, qualquer traço de evidência estará praticamente impossível de ser recuperada dado ao grau de decomposição. Acho que teremos que usar a inteligência para encontrá-lo,

-Certo, vamos falar nisso – Harry disse. –Vamos ouvir algumas idéias.

-Se ele está vivo e mantido contra a vontade – Remo disse. – Então alguém, em algum lugar sabe disso.

-Não é certo que esteja preso em algum lugar – Hermione disse. –E se ele teve a memória apagada e está vivendo em algum lugar completamente ignorante? E se ele foi mandando pra trás no tempo ou para frente?

Harry levantou a mão. –Podemos ficar malucos pensando nos cenários mais diferentes que podem ter ocorrido, Hermione. Em um caso como esse, a coisa mais produtiva a fazer é se concentrar na explicação mais simples, mais provável. Então o que sabemos? Sabemos que esse tipo de operação já foi feita.

-Sim, quando mandaram o corpo do falso Harry durante sua ausência – Hermione disse.

-E não sabemos quem mandou ou como.

Hermione se remexeu em sua cadeira. –Na verdade... Sim, sabemos. – todas as cabeças viraram para encará-la. – ou melhor, eu sei.

-Sabe? – Harry disse, franzindo a testa. –Nunca disse nada sobre isso.

-Não podia – ela respondeu. –É... Coisa do Guardião.

-Pode ser mais especifica? – Henry perguntou, se inclinando pra frente.

Hermione sentou em silêncio por um momento, em conflito. Theo nunca dissera especificamente que não podia discutir aspectos sobre o Guardião e Eternos com outros mortais, mas ficara implícito. O que ela sabia era que nenhuma das pessoas presentes quando Harry foi curado, nem Sirius, Sukesh ou Napoleon, manteve a lembrança de ter visto Theo e North na cela de Harry no Confinamento. As memórias de Napoleon de ter ido ao Domínio estavam intactas, mas confusas. Ela parecia ser a única que lembrava claramente todos os eventos e conversas do tempo deles lá... Incluindo o fato de que Seth quem enviara o corpo falso, ou pelo menos quem ordenara o envio. As implicações disso no desaparecimento de Rony não passaram batidas por ela. Entre a escolha de revelar a existência de outro mundo além desse ou permitir que seu melhor amigo continuasse perdido, bem... Não havia muita escolha na verdade.

-É assim – ela disse, cruzando as mãos sobre a mesa. –Existe um Guardião. Não se lembram, mas alguns de vocês a viram. Ela é uma força do bem... Mas ela também vive em um universo equilibrado, onde para cada bem também precisa existir um mal.


Enquanto isso...
Os olhos de Allegra se abriram bruscamente, a consciência voltando a ela num instante. Ela sentou, percebendo de imediato que estava na própria cama em seu próprio quarto em Lexa Kor... E que não estava sozinha.

O Mestre estava sentado numa cadeira que puxara para o lado da cama dela, olhando-a intensamente. –Ah, está acordada. Me desculpe se te choquei. Devo dizer que não esperava que desmaiasse tão teatralmente.

Ela olhou pra ele, as últimas palavras que ele dissera antes dela desmaiar ainda ecoando em seus ouvidos. –Quem...quem é você? – perguntou.

-Sabe quem sou eu, mãe.

-Não me chame assim! Não sou sua mãe!

-Claro que é. Se prefere te chamo de Allegra. Devo dizer que também prefiro assim.

Ela abriu a boca para falar, mas hesitou. Queria negar a linhagem dele novamente, tirar do leque de possibilidades a idéia de que esse homem adulto que parecia ter dez anos mais que ela poderia ser a criança dela, uma criança que... mas não, não era possível. –Não pode ser – ela disse. –Você não é. Não acredito.

-Ah, qual é. Olhe pra mim. Vi fotos de seus parentes. Lembro muito os homens em sua família. Seu irmão mais velho e eu poderíamos ser gêmeos. E nem mesmo você pode negar que tenho os olhos de meu pai – ele sorriu pra ela, mas não havia nenhum calor nele.

Ela balançou a cabeça negando, mesmo quando sentia que acreditava nisso e mesmo esperando que fosse verdade. -Mas você... Você morreu –sussurrou – Eu te perdi.

-Sim, perdeu, mas não para morte – ele disse, trocando de lugar e sentando na beirada da cama. –Sei que isso deve estar te confundindo. Parece tão vulnerável agora... Devo dizer que é um visual contrastante com o da mulher que comecei a conhecer e respeitar como uma formidável força da natureza.

-Não fale como seu fosse uma criança – ela retrucou.

O sorriso dele se alargou. –Essa é minha garota. Agora, por que não me diz o que aconteceu... ou pelo menos o que você acha que aconteceu... oito anos atrás.

Ela amoleceu contra a cabeceira, voltando a mente para uma época que tentara com todas as forças esquecer. –Tinha acabado de retornar ao Círculo quando descobri que estava grávida –murmurou, quase apenas pra si mesma. –Estava carregando o filho de Harry. Não devia ser possível, nós dois estávamos sob feitiços, mas mesmo assim... Lá estava. A princípio fiquei horrorizada. Depois comecei a me acostumar com a idéia e até mesmo...

-Começou a me amar – ela concordou, desviando os olhos. –Como amava meu pai.

Ao ouvir isso, ela virou bruscamente. –O quê? Nunca...

-Lembre com quem está falando, por favor. Não pode me enganar. Vejo todos seus segredos mais escondidos, toda sua vergonha, toda sua culpa. Você foi seduzir Harry Potter, descobrir tudo sobre ele para que pudesse destruí-lo. Você o enganou completamente e no processo, enganou a si mesma. Que chato, que típico e que previsível: você se apaixonou por ele.

-Esse é um monte de loucura além da imaginação – ela disse. –Até a idéia é ofensiva.

-Talvez, mas isso não faz disso menos verdade – o sorriso frio nunca deixou o rosto dele enquanto falava. –Então começou a gostar da idéia de ter o filho dele, uma parte dele que poderia manter com você, uma criança que cresceria e seria como você.

Ela suspirou. –Acho que é da natureza humana, e sou apenas humana.

-Mas não foi desse jeito.

Ela levantou a cabeça e encontrou os olhos deles, aqueles mesmos olhos. –Você morreu no parto – sussurrou. –Nunca pude entender, porque você estava bem até o final. Ouvi você chorar uma vez e depois apenas o silêncio. Foi como se você de repente tivesse... sumido – ela sentiu os olhos enchendo de lágrimas ao lembrar da dor que nunca compartilhara com ninguém. Ela tinha passado pelas contrações do trabalho de parto praticamente sozinha, exceto pela medibruxa que a atendera e dera a luz sozinha... E sozinha segurara a pequena forma sem vida e chorara. O olhar dela endureceu então quando, virou para o rosto estranho. –Se é meu filho, então diga como é possível estar ao mesmo tempo vivo e morto.

-Deve saber a resposta disso, Allegra. O Círculo tem um histórico próprio desse tipo de operação. Acredito que você própria está em posse de um... um de bichinho muito bem guardado, não é? Um que herdou de seu antecessor? – os olhos dela se estreitaram. Poucas pessoas sabiam disso, apenas ela, alguns poucos bruxos de sua mais alta confiança e é claro Bob. –Mas não vamos falar disso, eu sei. Entretanto, deve saber que substituições podem ser feitas para aqueles que queremos que acreditem estar mortos.

-Não fui eu que fiz isso. Voldemort...

-Voldemort era um tolo, e aqueles que o ajudaram a se erguer até sua posição não ficaram muito felizes com como ele desempenhou sua função. Eles estão, no entanto, muito mais satisfeitos com você.

-Quem está satisfeito? Do que está falando?

-Abra os olhos, minha querida mãe, pois há mundos maiores que esse – ele se inclinou mais pra perto. –Eu, também, tenho um mentor. Ele me criou, me mostrou meu destino. O poder dele é... bem, é melhor não entrar neste ponto. Mas tais barreiras como alguns feitiços contraceptivos não são dificuldades verdadeiras. Se ele queria que você concebesse um filho, você concebeu. Se ele queria a criança pra si, ele a tomou.

Allegra sentia como se tivesse entrado num profundo vaso de mentiras negras onde a realidade que ela conhecia era uma fina linha. –Quem? Quem, droga?

-Tudo em seu tempo – ele disse. –Não seria bom pra mim te dar todas as respostas de cara, não é mesmo?

-Mas... você deve ser do futuro, certo? Nasceu apenas há oito anos.

-Pela maneira que conhecem o tempo, tenho quarenta e oito anos. E acho que sou futuro, de uma forma e de outra forma, não sou nenhum um pouco do futuro.

-Está tentando me confundir? – ela perguntou, cruzando os braços sobre o peito e arqueando uma sobrancelha. Se ele estava, fazia um bom trabalho.

-Não, de maneira nenhuma. Tudo ficará claro. Realmente importa agora?

Ela olhou no rosto dele, a mente dela só agora registrando a verdade que ele era, de fato, seu filho. Supunha que ainda podia ser um esquema elaborado, mas sabia que não era. Sabia por instinto, por algum centro maternal há muito tempo esquecido e em desuso, que reconhecia seu filho num nível mais profundo que transcendia a lógica e racionalidade. Ela balançou a cabeça que não. –Pode esperar – ela disse. Apesar de tudo, seu coração inflava com a visão dele. Ela se esforçara muito para deixar para trás a morte de seu filho, pra negar que ele significara alguma coisa pra ela e que sua perda não a devastara. Se fosse questionada, dissiparia o assunto simplesmente balançando a mão... E ainda assim, lá no fundo onde ela estava nunca tinha superado de verdade. E agora, aqui estava ele, vivo. Mesmo se ele fosse algo que ela não compreendia e algo que ela devia até mesmo temer, ele ainda era filho dela. –Posso... – ela começou, depois desviou os olhos, desconfortável. Ela queria perguntar se podia tocá-lo, mas não encontrava as palavras.

Ele pareceu sentir o desconforto dela e um toque de humanidade apareceu em seu rosto pela primeira vez. Ele esticou a mão e segurou a dela. –Fico feliz que a gente finalmente se conheceu, Allegra – disse, num tom gentil.

Ela sorriu um pouco balançada. –Eu também –sussurrou, apertando os dedos dele.

Antes que ela pudesse dizer mais qualquer coisa, a porta de sua câmara se abriu de vez. –Temos um problema – Lynch, um bruxo do Círculo que ela pensava em termos gerais como o segundo no comando.

-O que? – ela disse, considerando e depois rejeitando o impulso de gritar para reclamar com ele por entrar assim. Ele não teria feito isso se não fosse importante.

-Lynch olhou dela para o Mestre, a quem não reconheceu. –É sobre... o prisioneiro – ele não detalhou - nem era necessário.

Allegra engoliu em seco. Ela tinha a sensação que o momento que vinha adiando estava chegando. –O que tem ele? – ela disse, colocando um tom calmo na voz.

A expressão de Lynch era de determinação, e com suas duas palavras seguintes tirou todos os pensamentos gentis e maternos de sua mente de uma vez só. –Eles sabem


10:18 am
Harry estava sentando em sua sala, as mãos na cabeça uma xícara de café esfriando intocada na mesa diante dele. Ele achava que nunca tinha se sentido tão sobrecarregado na vida. A tensão pra se controlar estava começando a cansá-lo; seus nervos pareciam estar a flor da pele e prestes a gritar.

A pequena equipe que reunira tinha se designado tarefas e estavam cumprindo-as. Ele tinha alguns minutos para si agora, apesar de não ter certeza se ficar quieto era uma boa idéia. Mantendo-se ocupado ao menos podia evitar ser esmagado pelo peso das emoções confusas e novas ansiedades que se acumulavam sobre ele.

A porta abriu e Hermione entrou, grandes círculos escuros sob os olhos. Doía em seu coração vê-la tão tensa e infeliz... E ainda assim, mesmo nesse estado, ela ainda parecia linda pra ele e ainda era uma visão bem-vinda a seus olhos cansados. –Oi – ele disse.

Ela sentou na cadeira do escritório dele. –Oi – por alguns segundos eles apenas ficaram sentados se olhando. Harry observou o rosto dela, e ela mal precisava falar pra ele saber o que se passava na cabeça dela. Os traços dela eram tão bem-conhecidos pra ele que suas expressões diziam muito. Finalmente, ela falou. –Sou uma pessoa terrível, Harry.

Ele suspirou uma irritação subindo em seu peito. –Sim, claro que é. Uma pessoa terrível, horrível, pavorosa. Não sei por que fico por perto. Temos que te mandar pra o Lar das Pessoas Terríveis. Fico impressionado de você ter convivido tanto tempo conosco, as pessoas não-terríveis.

Ela deu um olhar paralisante na direção dele. –O sarcasmo não leva a lugar nenhum.

-É meio que um fim por si mesmo, na verdade.

-Certo, esqueça tudo.

-Bem, o que espera quando faz uma declaração dessas do nada? Só quer que eu diga que não é uma pessoa terrível.

-É tão difícil assim?

-O que te fez pensar essas coisas sobre você? – ela piscou algumas vezes, rapidamente, e ele se arrependeu da brincadeira. Ela estava à flor da pele, como ele, e viera até ele buscando algum conforto. E o que ele fez? Afastou-a. E por quê? Porque ele mesmo precisava de conforto e ela fora mais rápida que ele, forçando-o a assumir o papel de apoiador e não de apoiado. Tudo bem, eles iam se revezar como sempre faziam. Ele levantou e se abaixou ao lado da cadeira dela, esticando o braço pra segurar a mão dela. –Me desculpe –disse baixo. –Estou a um piscar de olhos de ter um ataque nervoso, só isso.

-Eu também – ela sussurrou.

-Como posso te ajudar? Me diga.

-Eu me sinto tão... Egoísta.

-Por quê?

-Porque estamos todos aqui e Rony pode estar vivo em algum lugar, talvez sofrendo muito, talvez se perguntando por que a gente levou dez anos pra regatá-lo. Não vou parar até descobrir onde ele está e o que aconteceu com ele.

-Nem eu.

-Eu sei, e é justamente isso! Se estou tão dedicada a encontrar meu amigo e ajudá-lo então porque não paro de pensar que... – ela hesitou e então recomeçou. –Fico ouvindo essa pequena vozinha que não vai embora e não importa o quanto eu tente me concentrar em encontrar Rony e no quanto não quero pensar em nada além dele, essa voz idiota fica gritando "claro, mas isso vai estragar o casamento?".

Harry quase riu, mas conseguiu se conter a tempo. –Isso não te faz uma pessoa ruim, Hermione. Apenas um ser humano. Talvez num filme melodramático não pensaríamos em nada além dele, mas essa é a realidade. É perfeitamente natural considerar as implicações práticas.

-Eu só não quero que ninguém, especialmente os Weasley, ache que qualquer coisa agora é mais importante do que encontrar Rony, porque não é. No que depender de mim, tudo vai ficar de lado. Se tivermos que adiar, vamos adiar. Mas droga, nós esperamos tanto...

Ele levantou a mão para interrompê-la. –Deixa eu te mostrar uma coisa – ele disse, levantando e indo até sua capa pendurada no cabide atrás da porta do escritório. Ele tirou uma pequena caixa de um dos bolsos e voltou pro lado dela.

-O que é isso? – ela perguntou.

-Comprei esses anéis anteontem – ele disse. Ele não tinha planejado mostrar a ela até muito depois, mas agora parecia a hora certa. Os olhos dela se abriram um pouco e ela olhou para caixa. Ele abriu a tampa, olhando o rosto dela.

Lá, presos numa almofada de veludo, estavam as duas alianças, uma um pouco mais larga que a outra. Eram douradas com linhas prateadas formando ondas abstratas. Ele as encomendou em uma joalheria de Londres. Mais tarde receberiam uma inscrição, mas ele ainda estava pensando sobre as palavras. –Oh – ela disse, esticando a mão para tocá-las gentilmente. –São lindas – ela olhou pra ele. –Por que está me mostrando isso agora?

Ele deu um olhar firme pra ela, esperando que sua sinceridade ficasse completamente clara – Esse anel vai pra seu dedo em 15 de novembro. Quer a gente tenha encontrado Rony, quer não. Não me importo com o que a gente esteja fazendo ou onde estejamos. Se for numa vila distante no Himalaia, então droga, eu vou encontrar um xamã ou algo assim, vamos tirar 15minutos e fazer nossos votos um ao outro. – ele sorriu e se inclinou mais pra perto. –Está certa, temos que ter prioridades e Rony é nossa prioridade agora, mas não quer dizer que tenhamos que deixar de lado todos nossos planos por tempo indeterminado. Vou desistir de nossa cerimônia de casamento se for necessário, mas me recuso a desistir de ser seu marido. Então não faça outros planos porque em 15 de novembro pretendo me casar com você de modo que é melhor aparecer. Certo?

Ela sorriu em resposta. –Certo.

-Promete?

Ela se inclinou e o beijou. –Prometo.

-Ótimo. Vou cobrar essa promessa, sabe.

A porta da sala de Harry se abriu e Napoleon entrou, trazendo duas caixas de arquivo de tamanho considerável. Ele hesitou, vendo os dois tão próximos, a mão de Hermione no rosto de Harry. –Desculpe, estou interrompendo alguma coisa?

Harry levantou e pegou uma das caixas. –Não, só conversa sobre o casamento. São relatórios?

-É – Napoleon colocou a outra caixa na mesa de Harry.

-O que é tudo isso? – Hermione perguntou.

-Desde o desaparecimento de Rony a DI teve vinte e sete agentes diferentes infiltrados trabalhando no Círculo em varias épocas e por intervalos variados. – Harry disse. –Espero que algum deles tenha ouvido ou visto algo sobre Rony e não tenha percebido na época o que significava – Harry olhou para Napoleon. –Comece a dar ordens a cada um desses agentes para que se apresentem a mim imediatamente para entrevistas. Mande uma coruja de convocação sumária para os que não são daqui. – ele olhou para Hermione, abrindo a boca pra falar. Ela levantou a mão, interrompendo-o.

-Deixa eu adivinhar. Quer que eu olhe estes relatórios e procure alguma coisa que possa ser uma referência a Rony.

-Você está bem adiantada.

Ela colocou uma das caixas debaixo do braço. –Bem, vejo vocês em alguns dias.

-Napoleon vai te ajudar depois de mandar as convocações – Harry olhou os papéis em cima de sua mesa, lutando contra a fadiga. Hermione hesitou na porta.

-Harry, não dorme há mais de 24 horas.

-Nem você.

-Estou bem – ele não se enganou. Ela estava pálida e abatida, o cabelo caído limply em seu rosto e sua pele usualmente limpa estava manchada. Ele não achava que estava em melhor estado.

-Eu também.

Ele quase podia ver as engrenagens da mente dela trabalhando enquanto ela decidia se discutia ou não com ele sobre isso. Aparentemente decidiu que não, talvez sabendo que se tentasse fazê-lo descansar ele a obrigaria a fazer o mesmo. –O que vai fazer?

-Quatro desses agentes infiltrados estão no momento trabalhando na sede, vou começar com a entrevista deles agora mesmo.

-Harry... não disse nada sobre... O que eu disse a você sobre o outro corpo falso. O Guardião acha que Seth o enviou. E se foi ele que...

Harry a interrompeu. –Não podemos lidar com isso agora. Voldemort e os Comensais da Morte estavam envolvidos com o desaparecimento de Rony, sabemos disso. Então se esse Seth... Como vamos chamá-los, de "anti-Guardião"?... estava tramando alguma coisa, então estava usando Voldemort. Se esse foi o caso, então provavelmente ainda está operando através do Círculo. Essa deve ser a abordagem pro caso. Acho que a maioria do Círculo nem sabe que tem um patrão muito mais poderoso e não seria muito esperto deixá-los saber que nós sabemos dele. Não podemos lutar contra alguém como Seth, está alem de nós. Temos que lidar com o Círculo no nível deles.

-Acha que Seth pode ser o Mestre de Allegra?

-Parece a conclusão óbvia, o que me faz achar que é totalmente errada.

Ela fez que sim e saiu para o corredor. –Napoleon, pode trazer aquela outra caixa para meu escritório quando estiver pronto? – ela pediu.

-Certo – ele disse, distraído, enquanto ela fechava a porta atrás de si. Ele olhou a lista de agentes infiltrados e Harry os olhos dele se arregalarem – Forth Chism trabalhou infiltrado no Círculo? Tá brincando, né?

-Não, ficou lá dentro por mais de um ano.

-O sujeitinho com cara de doninha da Estratégia? Não seria o mesmo que assustar um rato? Estou pensando no cara certo?

-É ele mesmo, não o subestime. Por baixo daquela fachada de cobrador, Forth Chism é um dos agentes mais inteligentes que conheço. O cérebro dele coloca o de nós dois no chinelo, com certeza. A única pessoa que poderia equiparar seu intelecto talvez seja Hermione. – Harry podia sentir os olhos de Napoleon presos nele enquanto olhava o conteúdo da caixa, de cabeça baixa. Ele não sabia por que tinha mencionado ela. As coisas sempre eram mais fáceis entre ele e seu vice quando o nome dela permanecia intocado. Só o som dele lembrava aos dois a rivalidade latente. Harry e Napoleon muito tempo atrás chegaram a um acordo sobre Hermione, ao menos superficialmente. Ele tinha certeza de sua posição na vida dela, mas não estava acima de admitir que sua possessividade masculina interior surgia só de saber que outro homem tinha planos pra ela, por assim dizer.

Mas agora Napoleon simplesmente comentou com neutralidade. –Acha mesmo que ela é o mundo, não é?

Ele levantou os olhos, franzindo a testa para o tom de dúvida na voz de Napoleon quando o que dissera era tão óbvio. –Bem, claro que sim. Por que você...

Napoleon deu de ombros, interrompendo-o. –Ah, deixa pra lá. É só... Você é o único cara que conheço que nunca vi fazer alguma piadinha sobre a patroa nas costas dela. Mesmo caras que conheço que realmente amam as esposas ou namoradas parecem ter vontade de fazer piadas sobre elas quando não estão por perto, sabe? Acho que algum tipo de ritual de ligação masculina. Postura de macho. Fazer parecer que não precisamos dela o tanto que precisamos.

Harry pensou sobre isso, ficando impressionado com jeito sempre surpreendente de Napoleon de fazer uma observação perspicaz, e então deu de ombros. –Sei o que quer dizer, mas... Acho que não entendo essa ligação masculina. Rony e eu nunca... – ele parou de repente, o som do nome de seu amigo puxando sua mente de volta a tarefa em mãos. Ele se encontrou imediatamente sem poder continuar, a garganta fechando. Napoleon franziu um pouco a sobrancelha.

-Hei. Não se preocupe. Vamos encontrar seu amigo, parceiro. Vou te ajudar, todos vamos. Vamos encontrá-lo e tudo vai ficar bem e então, bem... vamos encontrá-lo, é isso.

O incentivo sincero de Napoleon, mesmo que sem-jeito ajudou. Harry limpou a garganta e piscou, concordando. –Sim. Obrigado. Hã.. pode...

Ele pegou a lista de agentes. –Vou terminar essas ordens e depois ajudar a Granger a olhar os relatórios, certo?

-Perfeito, é – Harry sentou, pensando nas entrevistas que ia conduzir. –E diga a Forth Chism pra se reportar em quinze minutos, ele é o primeiro.

Napoleon foi para porta e então hesitou e virou. – Ouça, Harry. Vocês dois podem dizer que estão bem, mas você e Hermione precisam descansar logo. Não quero carregar nenhum dos dois até a enfermaria.

Harry concordou, relutante em abandonar a busca por um momento sequer, mas ciente de que trabalhar até um ataque induzido por exaustão não ajudaria ninguém. –Depois dessas quatro entrevistas vou pra casa dormir um pouco. Você e Remo podem continuar as entrevistas com os agentes que responderem a convocação.

-Sim, senhor – Napoleon disse sorrindo e parodiando uma continência, sua amostra casual do conhecimento militar tirando qualquer tensão formal. Harry o olhou saindo, pensando nos amigos improváveis que a vida colocara em seu caminho durante os anos.


1:19pm
Hermione já tinha olhado uma pilha de mais ou menos 5 centímetros de relatórios quando Napoleon se juntou a ela, sentando do outro lado da mesa e começando imediatamente. –Tem um truque – ela disse –Ouça meu conselho, sou perita em busca em textos. Pule a parte de Status pessoal, olhe rapidamente as anotações sobre Novos Contatos, passe os olhos nas Atualizações e então leia a seção de Anotações e Observações. Não abra as Transcrições a não ser que o agente se refira a alguma que tenha neles que possa ser relevante ou vamos ficar aqui até o fim dos tempos.

-Aqui – ele disse, colocando uma xícara fumegante na frente dela. – Achei que agora era uma boa hora de quebrar a regra de "sem café depois do almoço".

-Obrigada – ela disse, soprando a superfície quente.

-Harry disse que depois que terminar algumas das entrevistas vocês vão pra casa dormir um pouco.

-Isso é o que ele pensa.

-Se você não for por vontade própria, tenho certeza que ele vai adorar te carregar. Ou eu vou.

-Tenho trabalho a fazer – ela inclinou a cabeça sobre os relatórios de novo, seus olhos se mexendo rapidamente sobre as palavras. Napoleon não quis insistir, apenas começou a olhar os relatórios em silêncio.

Hermione tinha que fazer um grande esforço constantemente para que seus olhos focassem as páginas, pois eles desviavam, embaçavam e fechavam toda hora. O café ajudou um pouco, mas logo foi gasto, o que na verdade era como ela se sentia, gasta.

Por horas, ficaram lendo em silêncio enquanto a tarde se arrastava até a noite. A fatiga tentava invadir o corpo de Hermione, mas ela lutava contra isso com determinação, mantendo seu objetivo firme em mente... Encontrar Rony. Nada mais importava. Nem suas pálpebras pesadas ou seu corpo dolorido ou seu estômago roncando. Finalmente Napoleon falou, assustando-a um pouco. –Precisa de mais café? –perguntou.

Ela balançou a cabeça que não. –Não, preciso de uma distração. Fale comigo.

-Uma distração?

-Alguma coisa pra manter minha mente aqui nessa sala. Sou boa em fazer coisas ao mesmo tempo, posso ler relatórios e ouvir ao mesmo tempo. Fale comigo.

-O que quer que eu diga?

-Ah, qualquer coisa. Qualquer coisa que não seja ligado a isso. Me diga, ah, não sei. Fale sobre sua infância. Cresceu na Austrália, não foi?

-Não, no leste de Londres. Estava certo de ir pra Hogwarts quando meus pais se mudaram pra Alice Springs – ele continuou, falando sobre sua educação em Swingarten, uma escola de magia no nordeste australiano. A sua falta de habilidade em quadribol dele, como foi capitão do Clube de Duelos, seu jeito pra perder pontos da casa e então recuperá-los no dia seguinte. Ele parecia sentir o que ela precisava e tagarelou sobre coisas que ela poderia ouvir ao longe e entender enquanto se debruçava sobre os relatórios. Ele continuou a própria leitura enquanto falava, apesar de ter diminuído um pouco a velocidade pois sacrificou um pouco de sua concentração em seu discurso.

Depois de mais de uma hora, ele parou, sem ter mais o que dizer. Ela olhou pra ele. –Não pare, isso está me ajudando a me concentrar. Se tiver que fazer duas coisas ao mesmo tempo me impede de ficar distraída.

-Não sei mais o que dizer.

-Me diga uma coisa que não sei sobre você.

Ele hesitou. –Terk e eu nos divorciamos porque ela se apaixonou por outro cara – ele disse de repente. Hermione parou ao ouvir essa abrupta revelação, a resposta à pergunta que ela há muito tempo queria fazer tirando-a do ritmo. Ele balançou a cabeça. –Desculpe. Isso não foi exatamente apropriado, não é?

-Ela se apaixonou? – a opinião dela sobre Terk estava quase descendo o ralo, um fato que Napoleon não deixou de perceber.

-Não pense menos dela por causa disso. Não escolhemos quem nós amamos um fato que nós dois conhecemos muito bem. E devia ver o cara. Ele era maravilhoso. Eu também meio que me apaixonei por ele. Ele era um amigo nosso, apenas aconteceu. Não guardo mágoas. Nosso relacionamento nunca foi o que se poderia chamar de harmonioso. Ficamos amigos. Não é que deixamos de nos amar, é só que... Bem, ele veio e pronto.

Hermione expirou entre os dentes. –Uau. Você é bem mais compreensivo em relação a isso do que eu seria em seu lugar. Se Harry se apaixonasse por outra pessoa, acho que teria dificuldades em não matá-la enquanto dormia.

-A amargura não é amiga de ninguém.

-Por que ela não está com ele agora?

Napoleon suspirou. – Ele morreu. Alguns meses depois do nosso divórcio, e um pouco antes da data marcada para casarem.

-Ele morreu?

-Foi assassinado. – Hermione fez um barulho de surpresa. –É, eu sei.

-Que horrível!

-E fica pior. Ele foi assassinado por alguém que foi atrás dela e o encontrou no lugar. Morto como um aviso para ela. Ela não foi a mesma desde então. Pegou o cara que fez isso, mas se recusa a se envolver seriamente com qualquer outra pessoa. Sei que nós dois já pensamos em voltar, mas... Acho que ela tem medo. Por que acha que ela mantém Tax tão perto? Tem medo de algo acontecer a ele... Apesar de nem precisar dizer que se alguém tentasse matar Tax teria um trabalhão.

Antes que Hermione pudesse responder, a porta de sua sala se abriu e Harry estava lá. –Hermione, vamos pra casa dormir um pouco – ele disse.

-Não – ela disse enfaticamente, mantendo os olhos nos relatórios. Eles estavam mais ou menos três quartos encaminhados e o fim já estava à vista. –Quero terminar isso.

-Napoleon pode terminar. Está prestes a desmaiar e eu também.

-Estou bem. Quero...

-Não – Harry disse. –Voltaremos logo. Vamos deixar os outros tomarem conta disso por enquanto, não tem que fazer tudo você mesma. Deixe aí, já fez o suficiente por hora.

-Disse que estou bem! Eu posso...

Ele a interrompeu novamente. –É uma ordem, tenente – o tom dele era direto e imperativo. Claramente não estava disposto a discutir sobre isso.

Raiva embaçou a visão dela, que levantou detrás de sua mesa. –Como você se atreve – ela disse. –Como se atreve a usar patentes com isso! Não pode me ordenar como uma subordinada, Harry.

Napoleon se inclinou pra frente. –Na verdade, ele pode – ele sussurrou. –Ele é tipo Major e você não é e ele...

-Cala boca, Jones – ela retrucou irritada. –Obedeceria as ordens dele numa boa se isso fosse uma operação da Agência na qual nós dois estivéssemos participando, mas não com isso. Isso não é assunto da DI, é pessoal e se tem uma coisa que ele absolutamente não pode fazer é me dar ordens em nossas vidas pessoais! – ela encarou séria Harry, que não parecia nem um pouco surpreso com a raiva dela... parecia simplesmente resignado como se esperasse isso e estivesse preparado pra resolver o caso.

-Certo, esta é minha deixa. – Napoleon disse. –Papai e mamãe estão brigando, vou me esconder na minha sala e esperar – ele pegou a caixa de arquivos e saiu. Hermione mal notou.

-Vai retirar o que disse? – ela perguntou. –E se desculpar por ter falado comigo como uma subordinada?

Ele deu a volta na mesa e ficou perto dela, entrando no seu espaço pessoal e falando baixo. –Nossa busca por Rony pode envolver muita coisa pessoal, mas isso é assunto da DI – ele disse, indicando a caixa de arquivo diante dela. –Foi você que sempre insistiu que mantivéssemos nosso relacionamento pessoal distante do profissional e nesse prédio, com esses arquivos você é subordinada. Mantenho minha ordem de passar a tarefa pra outra pessoa. Sabe que estou certo – ele disse, tentando olhar nos olhos dela. –Está cansada demais pra trabalhar eficientemente. Nós dois estamos num turno de trinta e seis horas. Sabe que odeio usar a patente com qualquer um, especialmente você. Então, por favor, Hermione, estou te pedindo pra vir pra casa comigo. Admito, preciso dormir. Vou pra casa, pra cama e não quero ficar lá sozinho. Não quero estar sozinho em lugar nenhum agora. Preciso de você. – ela se sentiu fraquejar quando ele se inclinou e beijou o pescoço dela, no ponto onde encontrava seu ombro. Ela tentou manter a postura firme e irritada, mas os efeitos dele sobre ela eram como um imã puxando pedaços de ferro. –Precisamos nos apoiar um no outro – ele disse baixo, no ouvido dela, sua respiração quente contra sua bochecha.

-Ah, está certo – ela finalmente disse. Ele não deu nenhum sinal de satisfação ou triunfo, apenas segurou a capa dela que devia ter pego quando cruzou a sala. Ela colocou os braços na capa. –Mas isso não quer dizer que te perdoei. – ela completou. Esse fato estabelecido, ele podia deixar-se relaxar ao lado dele, a cabeça repousando sobre seu ombro e os braços dele ao redor dela.

-Pode me punir mais tarde – ele disse enquanto saiam da sala dela.


2:38 am
22 de setembro de 2008

Hermione ficou surpresa com a recusa teimosa de sua mente em pensar em qualquer coisa além do destino de Rony. Preocupações obsessivas com a situação dele não a deixavam nem agora enquanto ela e Harry estavam deitados em sua grande cama, fazendo amor.. ou tentando.

Ao chegar em casa os dois caíram na cama quase sem falar nada um ao outro, mal tendo tempo de tirar a roupa e foram direto dormir. O descanso dela fora desconfortável, entretanto. Visões de um pesadelo se entremearam em seu cérebro adormecido e a atormentaram com imagens de Rony sendo torturado, aprisionado, desfigurado, morto, várias e várias vezes em centenas de maneiras que a chocavam e aterrorizavam e então a acordaram de seu sono, despertando Harry com seus gritos e assustando-a ao ouvir a própria voz no quarto.

Ele a abraçou e confortou e ela começou a relaxar de novo, se aproximando mais dele, querendo um conforto seguro. Quando ele começou a beijá-la e acariciá-la, ela se deixou levar, apesar de sexo não estar em primeiro na lista de escolha do que queria fazer. Ela precisou do toque reconfortante dele quando acordara assustada, talvez ele precisasse do dela também. Se dependesse dela, preferia voltar a dormir, mas se Harry precisava disso, ela daria a ele com satisfação.

E por isso que ela se encontrava ali, sem dar ao ato sua completa atenção como de costume. Eles estavam em uma de suas posições favoritas com Hermione deitada sobre seu lado direito e Harry de conchinha atrás dela. Os braços dele a seguravam com força contra seu peito, suas mãos moldando os seios dela enquanto se movia dentro dela, uma situação que comumente apagava todos pensamentos da mente dela com eficiência, mas não hoje. Ela nem conseguia reunir concentração suficiente pra fingir uma resposta convincente. Esperava que ele não notasse, mas receava pelo oposto. Ele parecia um tanto constrangido, seus movimentos menos relaxados e espontâneos e ele não a beijava tanto quanto costumava.

De repente, sem nenhum aviso, ele recuou e deitou de costas, expirando com força. –Desculpe, querida – ele disse. –Não consigo.

Ela mudou o lado para que pudesse olhar pra ele, confusa. –Não consegue o que?

-Não consigo. Estou cansado.

Ela deixou a cabeça cair no travesseiro. –Graças a Deus. Sexo era a última coisa que tinha em mente agora.

Ele virou a cabeça, franzindo a testa. –Mas... Só estava fazendo isso porque achei que você precisasse.

Ela piscou. –Eu só estava fazendo porque achei que você precisasse! – depois de uma curta causa pra absorver a besteira mútua, eles sorriram sem graça um para o outro.

-Nossa– ele disse. –Talvez a gente deva discutir antes da próxima vez.

-Desculpe, eu só... nunca me senti menos sexy em minha vida.

-Nem eu. Sinceramente, não ia acreditar nos pensamentos safados que tive que passar pela cabeça só para... acordar a besta, do jeito que estava.

Ela riu. –Não tenho certeza como devo reagir. Estou aqui na cama com você, toda nua e tudo mais e você tem que pensar em coisas safados para ficar excitado.

Ele sorriu em resposta. –Por favor. Quem você acha que estava nesses pensamentos?

Ela se inclinou para frente e o beijou gentilmente. –Eu devia ter dito algo, mas não estava preparada. Geralmente te quero tanto que é estranho ter... outros pensamentos atrapalhando.

-Pensando em Rony?

Ela fez que sim, mordendo o lábio. –Sei que está também.

Ele levantou uma mão para segurar o rosto dela, o polegar acariciando a bochecha. Ela viu nos olhos dele um entendimento completo, e uma dor empática que combinava com a dela. Ele esticou os braços e a puxou contra ele, ela foi com satisfação, aconchegando o corpo nu ao lado do dele e imergindo no cheiro familiar da pele dele. Havia um aperto carente no abraço dele, os dedos de uma mão emaranhados do cabelo dela e segurando sua nuca. Ele beijou a testa dela, deixando seus lábios se demorarem ali, a respiração dele fazendo cócegas no cabelo dela quando ele falou. –Vamos encontrá-lo – sussurrou, repetindo mais uma vez. –Estaremos todos juntos de novo. Vai ser como os velhos tempos.

Ele ficou em silêncio então e ela não ofereceu uma resposta. O que mais poderia ser dito quando os dois sabiam que nunca seria como os velhos tempos, que nunca poderia ser daquela forma de novo? O trio deles era especial e único. Ainda seria depois de todo esse tempo? Um triângulo eqüilátero tinha um tipo de misticismo mágico em torno de si, uma figura de simetria perfeita, com todos três pontos eqüidistantes. Quanto teria mudado quando dois de seus vértices tinham se aproximado tanto? A simetria estava perdida, o formato do triangulo se tornara embaçado e pouco definido, seus ângulos diferentes, alguns obtusos outros agudos.

Já seria ruim se eles não conseguissem encontrar Rony ou se encontrassem não ele, mas evidencia de uma morte mais recente. Ainda assim, não era isso que assombrava seus pensamentos. O medo que mais pesava era assegurar seu retorno são e salvo e encontrar um estranho, alienado deles, seus anos afastado continuamente separando-os mesmo quando estivessem fisicamente reunidos. Supondo que ele quisesse continuar com ela de onde pararam? A modéstia dela fazia muito para descontar essa possibilidade, mas e se ele tivesse sofrido por ela durante sua ausência? Como ele reagiria ao encontrá-la não apenas dormindo com seu melhor amigo, mas também prestes a se tornar sua esposa? Uma escolha pra ela entre Rony e Harry era uma conclusão impensável. Harry era a vida dela, fim de papo. O mero prospecto dela ser forçada a articular tão escolha a fazia tremer.

Ela não ousava perguntar a ele, mas sabia que Harry devia estar tendo esses mesmo pensamentos. Eles pareciam estar concentrados numa conspiração mútua de silêncio para negar a existência deles. Se não falarmos em voz alta, talvez possamos fingir que não estamos nos preocupando com isso, eles diziam um ao outro em centenas de olhares silenciosos e com a comunicação não-verbal. Vamos nos concentrar em encontrá-lo e não vamos nem admitir que estamos pensando no que acontece quando o encontrarmos.


5:29 pm
25 de setembro de 2008

Hermione entrou na sala de Harry atendendo a sua convocação e não o encontrou sozinho. Sentado diante da mesa dele estava um homem usando uma capa cumprida, o capuz levantado. Os dois viraram quando ela entrou. –Hermione, este é Sabian – Harry dsse.

Uma animação imediata por finalmente conhecer o misterioso Sabian foi diminuída pelo fato dela não poder ver nada do homem. A capa o cobria dos pés a cabeça, as mãos estavam escondidas em luvas de couro. O capuz formava uma escuridão tão impenetrável diante do rosto dele que ela suspeitou que ele utilizava um Feitiço de Ilusão para se esconder ainda mais. –É um prazer te conhecer – ela disse simplesmente, oferecendo a mão.

Ele a apertou com firmeza. –O prazer é meu Drª. Granger – ele respondeu, sua voz grossa familiar devido aos inúmeros relatórios via bolha.

Ela sentou na outra cadeira da sala de Harry. –Pedi a Sabian que integrasse nossa investigação – Harry disse. Ela não ficou surpresa. Se havia um agente na divisão dele que Harry confiaria incondicionalmente, era este homem. –Ele passou a maior parte dos últimos dias fazendo umas perguntas pra mim. – Harry olhou para o agente encapuzado, um sinal ilegível em seus olhos. –E ele já estava de saída, não é?

Sabian levantou, a cabeça se inclinando em reconhecimento. –Vou manter contato, Chefe – ele disse. Virou e saiu pela porta, parecendo flutuar ao fazer isso. –Drª Granger – ele disse baixo e sumiu, deixando um leve odor de incenso no caminho.

Ela virou para encarar Harry. –Assustador.

-Ele é. Mas eficiente.

-Sabe por que ele se esconde com tanto cuidado?

-Não exatamente. Preferência pessoal, acho. Faz com que seja impossível identificá-lo e o permite se misturar em qualquer lugar.

-Mesmo assim. Ele parece o Fantasma do Natal Futuro.

Harry colocou seu lápis sobre a mesa e a encarou. –Ah meu Deus. É exatamente com quem ele parece. Isso me incomoda há anos. Obrigado. – ele levantou. –Venha, temos uma reunião.

Eles andaram em silêncio até a sala de conferências de Sukesh, onde o pequeno grupo de investigação se encontrava em segredo. Os passos de Hermione estavam cansados e sem ânimo. Sabia que ela não tinha nada de interessante a dizer, e achava que mais ninguém teria.

Não estava errada. Quando se reuniram na mesa, viu apenas expressões deprimidas e frustradas. –Entrevistei cada agente que se infiltrou no Círculo e nenhum deles se lembra de nada que seja remotamente ligado a Rony – Harry disse.

-Remo e eu olhamos todos os relatórios de campo duas vezes e não achamos nada – Napoleon disse.

Sukesh passou as folhas de seu caderno. –Não consegui tirar nenhuma evidência física útil do corpo. Descobri que sua última refeição foi um sanduíche de frango e purê de batatas, não que esta informação possa ajudar.

-Bem... Suponho que isso sugere que não o mantiveram preso até que fosse necessário – Harry disse.

Henry falou em seguida. –Reexaminei os relatórios e anotações do time que investigou a morte de Rony em 98 e entrevistei todos menos um. Não havia nada que sugerisse que o crime fosse algo além do que parecia ser e nenhum dos Aurores ou Executores sentiu nada suspeito com nada.

-Como instruído, os dois agentes que tenho atualmente no Círculo fizeram algumas perguntas muito discretas – Isobel disse. –Um deles relatou que vem surgindo rumores entre os bruxos do Círculo que Allegra tem um esconderijo secreto, mas o que ela mantém lá... Bem, alguns dizem que é um tesouro, outros que é o coração ainda pulsando de Voldemort e alguns dizem que são presos políticos secretos. Nenhuma fonte muito confiável.

Harry suspirou. –Talvez a notícia mais decepcionante é que apesar dos dois dias de esforços, Sabian não conseguiu nada também. – Todos presentes se encolheram um pouco. As habilidades de Sabian como agente da inteligência eram tão lendárias que a crença prevalecente era que se Sabian não podia descobrir alguma coisa, ela não existia. –Mas ele não desistiu.

Remo virou pra Hermione. –Algum progresso no uso de meios mágicos para localizar Rony?

Ela balançou a cabeça. –Feitiços de ligação ao lar são inúteis, já que nenhum deles funciona sem um preparo anterior do alvo. Um feitiço de Localização parecia ter chance, mas requer uma imagem relativamente recente. Uma foto de dez anos atrás não serve. Os dragonhounds podem funcionar, mas não temos idéia de onde começar a procurar.

O silêncio caiu sobre a mesa. –Como estão Molly e Arthur? – Sukesh perguntou baixo.

Harry suspirou. –Como você estaria? Estão inquietos. Estou começando a achar que vou ter que fazer um feitiço da memória neles, pelo bem da própria sanidade deles e da segurança da investigação.

-Nossa investigação não vai a lugar nenhum tão rápido – Napoleon disse. –Estamos ficando sem opções rápido demais.

-Ah, nós temos opções – Henry disse. –Muitas opções. O problema é que todas elas mostrariam nossa mão ao Círculo. Estamos atados pela necessidade de manter segredo.

-Talvez estejamos preocupados demais com isso –Remo disse. –Se nos mexermos rápido o suficiente...

-É muito arriscado – Harry disse direto. Ele estava sentado na cabeceira da mesa, sentado meio torto, os braços cruzados sobre o peito. –Vou considerar isso apenas como última opção.

-Acho que já chegamos nisso.

-Não, não chegamos não. Ainda não.

Hermione limpou a garganta. –Eu... posso ter uma idéia – todas cabeças viraram pra olhar pra ela. –Podemos usar um Feitiço Phenomorbius – olhares vazios a encararam de todos lados, exceto Sukesh. O chefe da equipe médica sentou tenso e um olhar de alarme aparecendo em sua bela expressão.

-Absolutamente não – ele disse firme.

-Pode nos dar exatamente o que precisamos.

Harry levantou a mão. –Não estou familiarizado com esse feitiço.

-Por um bom motivo – Sukesh disse. –É um feitiço restrito de classe D, muito perigoso e possivelmente letal. Eles nem ensinam em lugar nenhum a não ser em treinamento médico avançado, para reforçar seu perigo.

-O que ele faz? – Napoleon perguntou.

-Quem se importa – Sukesh exclamou. Hermione raramente o tinha visto tão agitado. –Não podemos utilizá-lo.

-Sukesh – Harry disse baixo. –Hermione, por favor, nos fale desse feitiço.

Ela respirou fundo. –O feitiço induz a um tipo de transe no qual a mente do conjurador é aberta, possibilitando que os pensamentos e experiências de um indivíduo alvo sejam puxados para mente do conjurador.

-Pelo grande fantasma de Merlim – Remo murmurou. –Tal feitiço deve ser extremamente difícil.

-Sim. É classe D por seu extensivo envolvimento cerebral. Qualquer feitiço que modifique o cérebro é perigoso, mesmo o velho feitiço da memória de classe B só deve ser feito por bruxos treinados. Muitos bruxos o fazem, mas pergunte a Gilderoy Lockhart como pode ser perigoso. Ele passou cinco anos no Confinamento reconstruindo sua identidade depois que um deles falhou.

Sukesh se intrometeu nesse ponto. –Mas os efeitos de um feitiço da Memória errado são nada comparados com os do Phenomorbius. Quando a mente de alguém é aberta a entradas externas, fica muito vulnerável. A dificuldade não é abrir a mente do conjurador, mas localizar e buscar com sucesso as memórias do alvo. Se o feitiço der só errado, mesmo que só um pouco, pode resultar numa invasão da memória do conjurador por memórias de cada pessoa do planeta. A sobrecarga neural resultante é instantaneamente fatal.

-Mas e se der certo, e então... você acorda e tem as memórias da outra pessoa? – Napoleon disse. –Por que isso seria exatamente o que precisamos.

Hermione suspirou. –Infelizmente não é tão simples. O sucesso relativo do feitiço depende muito do conjurador, além de vários outros fatores que estão longe do controle. Houve casos em que o conjurador de fato, como você disse, acordou lembrando de frações da vida do alvo como se tivessem vivido eles próprios. Em outros casos, o conjurador mantém uma memória acumulada, uma impressão da experiência do alvo. Em outros casos ainda, o conjurador recebe a informação no que pode se chamar de um nível subconsciente. Só acessam as memórias como um instinto ou impressão.

-Isso é Magia Negra? – Henry perguntou.

-Não – Hermione disse com firmeza. –Absolutamente não. O Phenomorbius não pode ser utilizado para machucar ou controlar outro, então não é magia negra. O único perigo é pra quem a conjura.

Harry já não falava a um tempo. Ele simplesmente ficou sentado na cabeceira da mesa, olhando-a. devagar, ele balançou a cabeça. –Não.

-Harry, quero fazer isso – ela disse. –Pode ser nossa melhor chance de encontrá-lo.

-É muito perigoso.

-Sabe que precisamos disso. Posso conseguir. – ele não disse nada. –Pode ser nossa melhor possibilidade.

-Não vou deixar que arrisque sua própria vida por isso.

-Sou eu quem toma essa decisão – os outros olhavam de um para o outro como se assistissem a uma partida de tênis. Nenhum dos dois levantou a voz, falando em tom simples, declarativo como se o final já estivesse decidido, e talvez já estivesse. Hermione olhou para os outros. –Vamos precisar fazer alguns preparativos.

-Não vou participar disso! – Sukesh exclamou.

-Você a ouviu, é nossa melhor chance! – Napoleon disse.

Imediatamente, todos membros do time falavam alto, gesticulavam e intervindo. –A literatura é incompleta...

-... horas, talvez dias, e se ela...

-... Fiz um juramento e me recuso a assistir um procedimento que...

-..Ainda tenho algumas opções da inteligência que acho...

-... acabando e isso pode ser um atalho...

Nem Hermione, nem Harry tomaram parte nessa confusão, apenas ficaram sentados em lados opostos da mesa, em silêncio e parados, se encarando firmemente. Hermione não poderia descrever a expressão de Harry nem se tivesse cem anos pra pensar sobre ela. Ela podia ver toda a historia da vida dela ali no rosto dele. Ela sentiu como se uma forte corrente tivesse puxado os dois pelos tornozelos e o carregasse até uma conclusão, um futuro que se aproximava rapidamente, um formato que podia ser sentido mesmo que não fosse visto. Tudo que ela podia fazer era ir com a maré e manter a cabeça acima da água, e se segurar nele com toda sua força.

Nenhum dos outros se importava com eles, ou estavam conscientes que eles compartilhavam o que começava a parecer um momento profundo; estavam ocupados nos próprios debates e perguntas. Tudo o que Hermione via era o rosto de Harry, sua expressão resignada, o inevitável em seus olhos e então o pequeno movimento de seus lábios quando formaram três palavras silenciosas que eram apenas pra ela ver: eu te amo.

Ela desviou o olhar rapidamente, piscando. Harry estava levantando, puxando Sukesh de lado. Ela reuniu suas anotações e gesticulou para Napoleon e então a ação voltou. O momento, o que quer que tenha significado e o que quer que tivesse ocorrido nele, tinha acabado.


Enquanto isso...
O dia começara como qualquer outro, Rony se lembraria mais tarde. Levantar, comer alguma coisa, um pouco de tempo na esteira, ler alguma coisa, esperar pela entrega diária. Ele não sabia como esse dia seria diferente, nem suspeitava que ao fim dele teria deixado seu apartamento prisão, pra nunca mais vê-lo.

Ele estava em sua escrivaninha quando ouviu a porta abrir... Só que era cedo demais pra Bob. Uma coisa diferente então. Qualquer coisa diferente era boa.

Quando viu Allegra entrar, teve que duvidar desse sentimento. Ele levantou uma sobrancelha enquanto ela ficou na porta, os quadris pro lado. –Bem, bem... – ele disse. –Você nunca bate?

-Pegue sua escova de dente, Rony. Vai fazer uma pequena viagem.

Ele riu e bateu as palmas. –Ah, que lindo! Fui um garoto tão bom nos últimos dez anos e agora o Papai Noel atendeu minhas preces e a mamãe vai me levar pra Disney finalmente! Ah, que alegria, que felicidade. – o sorriso sumiu do rosto dele abruptamente e ele voltou a escrever com um riso irônico. –O que você quer?

-Não me ouviu? Vou te tirar daqui.

Ele apenas a encarou feio. Alguns momentos se passaram em silêncio. –Nossa, essa brincadeira já está longa demais.

-Estou falando sério.

-Aham. Como você disse que ia me deixar ir cem vezes durante esses anos todos. Desculpe se não estou dando uma festa.

-Não disse que ia te soltar. Vou te colocar num local mais seguro.

Rony franziu a testa. Agora estava ficando preocupado. O jeito dela estava tão... não era seu tom de costume de brincadeira cruel. –Mais seguro? O que, recebi ameaças de morte de novo?

-Não é você. É Potter. – ela disse, cuspindo o nome.

O estômago de Rony esfriou. –Harry? –perguntou baixo. –O que... Do que está falando?

Os olhos de Allegra se estreitaram. –Ele sabe.

Por um momento, Rony se perguntou se sua cabeça ia realmente explodir. Ele esperava ouvir estas palavras há dez nos. Vagarosamente levantou detrás de sua mesa, a cor subindo para seu rosto sardento. –Então não importa onde você me levar – ele disse. –Se Harry sabe que estou vivo, vai me encontrar. Não vai desistir.

-Eu sei. Mas isso não significa que tenho que facilitar as coisas pra ele. – ela esticou a mão e pegou o braço dele. Com rodopiar da magia de Desaparatação, desapareceram, deixando apenas uma prisão vazia e a pena de Rony derramando tinta num pedaço de pergaminho.


"Uma pessoa não more quando deve, mas quando pode."
--Gabriel Garcia Marquez, Cem anos de solidão.

NA: Já estamos em maio?? O tempo está passando depressa demais!! Desculpa pela demora desse capítulo, mas ele foi um tanto problemático (e azarado). Primeiro, eu me ocupei demais durante as férias e demorei pra fazer a tradução, dar uma corrigida básica e mandar pra betar. Quando consegui terminar, foi a vez da beta estar ocupada e pra completar a situação o pc dela quebrou. Como já estava demorando mais que demais pra sair, resolvi só rever o que eu tinha marcado como duvidoso e postar mesmo assim. Então... Perdoem qualquer erro! Foi pra não demorar mais do que já demorou, ok?

Essa terceira fic da série traz algumas respostas que ficaram pendentes, novas perguntas e mais algumas respostas. Pelo menos por enquanto, afinal ela ainda não está terminada. Lori (a autora, pra quem não sabe) não atualiza tem um bom tempo, mas no grupo dela (que é por onde tenho informações sobre a fic, não tenho contato direto com ela) já deixou bem claro que não vai desistir e inclusive pretende fazer uma quarta fic (num formato diferente pra não ocorrer essas demoras).
Os capítulos dessa fic começam com trechos de livros... Como não sei se pra todos tem uma tradução oficial, preferi deixar o trecho original no começo e colocar a tradução no fim.

Enfim... espero que vocês gostem dessa continuação. Fiquem a vontade pra deixar comentários com dúvidas, sugestões, reclamações, declarações de amor, teorias etc. Próximo capítulo... Sem previsão, mas esse demorou tanto que dá pra dizer que vai sair mais rápido. Eu acho P. Bjos!