"Em tempos de paz, os filhos sepultam os pais;
em tempo de guerra, os pais sepultam os filhos."


Apocalipse, Please
Por Dana Norram

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Capítulo Três: Si vis pacem, para bellum ¹

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No que dependesse de Harry, ele teria aparatado direto para o hall de entrada do St. Mungus no instante em que terminou de ler a manchete do Profeta Vespertino. Lupin, porém, o convenceu de que ele deveria voltar ao QG da Ordem antes de tomar qualquer atitude drástica.

Contrariando seus instintos, Harry se viu jogando um punhado de pó de flu na lareira dos fundos do Caverna e berrando seu destino para as chamas esverdeadas. Em poucos instantes ele já estava espanando o pó de suas vestes e limpando a fuligem dos óculos. Logo atrás dele surgiu Lupin. Sozinho.

Harry ergueu uma sobrancelha. Lupin lhe deu um sorriso discreto em resposta.

"Kingsley ficou. Não podemos nos dar ao luxo de levantar suspeitas. Um bar como aquele de portas fechadas no meio da tarde, você sabe, as pessoas falam." Explicou Lupin, fazendo um gesto evasivo com as mãos. "Onde está todo mundo?" Emendou, franzindo o cenho para a salinha escura e completamente vazia na qual tinham acabado de sair.

"No porão." Respondeu Harry, indicando o soalho com um aceno. "Fred e George armaram um sistema que avisa todo o prédio caso alguém tente entrar usando flu. Nossa lareira não está cadastrada na rede do Ministério, mas... nunca se sabe..."

Lupin concordou com a cabeça, e Harry, sem dizer mais uma palavra, tomou a saída da sala, passando por um corredor curto e estreito que levava ao térreo. Ao sentir o cheiro forte de terra invadir-lhe as narinas, Harry passou os olhos pelo lugar com atenção, para se certificar de que não havia mais ninguém por perto.

"Aqui." Disse ao abrir a porta da estufa pequena e úmida. Dirigindo-se até uma das bancadas, Harry começou a empurrar o móvel, empregando um pouco de força para afastá-lo da parede. Usando os pés, ele então retirou o excesso de terra do piso, revelando um alçapão de madeira que levava até o porão. Sob o olhar intrigado de Lupin, Harry se ajoelhou ao lado da tampa e deu três batidas rápidas com os nós dos dedos. Segundos depois, veio a resposta na forma de um único e forte 'toc!'.

A tampa foi imediatamente aberta por um jovem de longos cabelos claros, amarrados de qualquer jeito junto à nuca. Uma espécie de bandagem cobria todo o lado esquerdo de sua face, que parecia ter sido vítima recente de fortes queimaduras. O rapaz encarou Lupin por um instante, como se puxasse seu rosto pela memória, para então abrir um sorriso franco e largo, antes de voltar-se para Harry.

"Estão todos lá embaixo. Hermione convocou uma reunião de emergência."

Harry fez um aceno rápido e começou a descer as escadas.

"Como você está, Colin?" Perguntou Lupin ao rapaz, estendendo a mão para cumprimentá-lo tão logo alcançaram o chão.

"Já estive bem melhor, professor." Respondeu Colin Creevey dando de ombros e fechando a tampa com um aceno da varinha. Lá de cima vieram os sons da terra e da bancada voltando aos seus devidos lugares. Normalmente eles evitariam usar magia para não serem detectados pelo Ministério, mas a situação atual pedia praticidade, não cautela.

"E Neville... como ele reagiu?" Perguntou Harry, olhando para Colin por cima do ombro, mas o outro se limitou a balançar a cabeça, fazendo uma careta de desagrado.

"Foi Luna quem contou. Antes mesmo do Profeta sair." Resmungou Colin, parecendo subitamente irritado. "E eu lhe digo uma coisa, Harry, aquela mulher não tem a menor noção. Deu a notícia como se estivesse dizendo a previsão do tempo ou coisa assim! Não vi os dois depois disso, mas Neville deve ter ficado arrasado."

Harry encarou Colin, incomodado com o tom amargo da voz do outro. A maneira como a guerra transformava as pessoas era positivamente cruel. Já fazia muito desde a época em que Colin perdera o costume de persegui-lo por aí, na tentativa de conseguir uma foto ou um autógrafo. Desde a morte de seu irmão, Denis, assassinado por aurores meia década atrás, a face outrora alegre e jovial de Colin fora tomada por uma sombra constante. Ele parecia ter envelhecido dez anos a mais do que todos os outros e Harry desconfiava que suas marcas e cicatrizes visíveis não eram nada comparadas àquelas que estavam escondidas dentro dele. Colin se juntara ao que sobrara da Ordem, sim, mas não fazia questão alguma de participar das atividades do grupo. Era, de fato, curioso vê-lo opinando tão abertamente daquela maneira.

"Luna é a esposa dele." Harry deu de ombros e voltou a caminhar, descendo por um corredor estreito, parcamente iluminado que ia ficando mais úmido conforme eles avançavam. "Não vejo ninguém mais indicado do que ela para falar com Neville."

Colin torceu o rosto numa careta, mas não respondeu. Os três homens tinham acabado de parar diante de um portão de ferro escuro quando Colin ergueu o braço e deu duas pancadas sobre a superfície com força. Uma portinhola se abriu na altura de seus rostos e um par de olhos azuis surgiu do outro lado.

"Graças a Merlin!" Escutou-se uma voz grave, soando aliviada. "Achei que você fosse correr para a droga do hospital assim que soubesse!" Ron abriu a porta, dando um abraço forte em Harry e cumprimentando Lupin com um vigoroso aperto de mão.

O lugar parecia pertencer a uma velha galeria da rede de esgotos londrina, embora estivesse seca e razoavelmente iluminada. Cerca de vinte pessoas encontravam-se espalhadas por aqui e ali, sentadas em cadeiras velhas ou apoiadas contra as paredes de cimento escuro. Alguns poucos rostos cansados ergueram a cabeça quando Harry entrou acompanhado por Lupin e Colin, mas a maioria não pareceu prestar atenção neles.

Neville estava com a face enterrada nas mãos, sentado num canto. Parada ao seu lado, de pé, Luna lhe dava tapinhas ocasionais nas costas e murmurava alguma coisa sobre como a última planta que ele criara em cativeiro estava florescendo bem. Do outro lado do salão, Hermione tinha os lábios apertados de nervoso e os braços cruzados sobre o peito, enquanto conversava em voz baixa com dois ruivos de ombros largos e traços idênticos. Harry ergueu uma sobrancelha, um sentimento estranho de inquietação inundando seu peito. Fazia muito tempo desde a última vez que vira Fred e George tão sérios. E ele já estava caminhando na direção da amiga e dos gêmeos quando alguém praticamente se materializou na sua frente, lhe dando um forte empurrão. Seus óculos escorregaram do rosto e Harry os arrumou de volta na face antes de endireitar o corpo.

"Vê se pega leve, Tonks!" A voz de Ron ecoou ao lado de Harry, que sentiu uma mão em seus ombros.

Franzindo o cenho, Harry se viu encarando um homem alto e magro na casa dos sessenta anos. A barba estava por fazer, os cabelos grisalhos eram sem corte e as roupas amarrotadas pareciam cobertas de poeira.

"É culpa dele!" Acusou o homem, apontando o dedo indicador para Harry e fazendo menção de empurrá-lo outra vez. No mesmo instante dois pares de braços o seguraram com força.

"Relaxa, Tonks." Disse Fred, lançando um significativo olhar para o irmão. "Harry não tem nada a ver com aquilo. Você sabe disso."

"Minha menina vai ser executada por causa dele!" Berrou o homem, quase cuspindo e fazendo força para se livrar dos gêmeos. "Todos mundo sabe que Potter foi um fraco ao deixar aquele bando de abutres vivos! Eu teria acabado com eles um por um!"

"Senhor Tonks, vamos nos acalmar, por favor." Lupin se adiantou, entrando na frente de Harry e tentando colocar as mãos nos ombros do homem.

"Saia da minha frente, lobisomem!" Berrou Ted Tonks, visivelmente alterado. "Você é parte disso! Nymphadora só vivia por sua causa e veja o que aconteceu com ela! Está lá, presa naquele maldito quarto. Dizem que é um perigo para os outros e para si mesma! E tudo isso por quê? Porque você largou a minha menina. Você era tudo que importava para ela e ela saiu por aí... desesperada por vingança e acabou daquele jeito! A culpa é dele e é sua. De todos vocês!"

"Tonks era uma auror formada e competente. Uma mulher crescida que sabia o que queria e que tinha a perfeita noção de onde estava se enfiando. Ninguém a obrigou a coisa alguma. Ela escolheu atacá-los quando tudo já estava acabado e arcou com as conseqüências dos próprios atos." Disse Harry, afastando Lupin com uma das mãos e se colocando na frente de Ted Tonks com o rosto erguido em desafio. "Se colocar a culpa em mim vai fazê-lo se sentir melhor, senhor Tonks, vá em frente. Fred... George? Larguem-no."

Os gêmeos trocaram um longo e significativo olhar antes de, exatamente ao mesmo tempo, soltarem os braços do homem. Este, porém, não voltou a atacar Harry ou mesmo Lupin. Repentinamente pálido, Ted Tonks deixou os ombros penderem e desviou os olhos para o chão.

"Minha filhinha, minha menina..." A voz embargada do homem fez com que vários dos presentes desviassem o olhar da cena, envergonhados. "Eles vão matá-la como um animal, eu sei que vão..."

Harry sentiu ser empurrado para o lado e em silêncio assistiu Hermione se aproximar de Ted Tonks, lhe estendendo um cálice cheio de um líquido de cor púrpura. "Aqui, senhor Tonks." Ela murmurou em tom gentil, obrigando o homem a dar um gole na poção.

Tão logo Tonks terminou, Hermione deu fim no cálice com um aceno e fez um sinal para que Fred e George o tirassem de lá. Os gêmeos assentiram, arrastando o homem e largando-no numa cadeira afastada.

Colocando uma mecha de cabelos atrás da orelha, Hermione voltou-se para Harry e Lupin. Havia um mudo pedido de desculpas em sua face corada.

"Ele apareceu um pouco antes de vocês chegarem. O pobre homem não sabe o que fazer. Tonks é a única coisa que ainda o mantém vivo. Ele ia visitá-la hoje quando... quando recebeu a notícia."

Houve um momento de constrangido silêncio onde tudo que se ouvia eram as fungadas de Ted Tonks ao fundo. Lupin limpou a garganta, e Harry o encarou com atenção.

"O que exatamente nós sabemos, Hermione?" Ele perguntou, claramente tentando mudar de assunto, os olhos fixos no homem ao canto. "O jornal só dizia que o Ministério aprovou a proposta de Malfoy: extinguir a Ala Fechada do St. Mungus e a morte dos internos por administração da poção do morto-vivo."

Hermione soltou um suspiro fundo e olhou por cima do ombro para Neville, que continuava na mesma posição de quando Harry entrara. Parecia até que ele não tinha visto a cena que Ted Tonks fizera ainda há pouco.

"O argumento é que é 'indigno' deixá-los lá, sendo que eles nem têm idéia de que estão vivos." Ela disse, novamente cruzando os braços e apertando os lábios. Ron postou-se atrás dela, enlaçando-a pela cintura. Hermione pareceu relaxar um pouco e fechou os olhos, como se sentisse repentinamente segura. "Fizeram até mesmo uma comparação com aqueles que ganham o Beijo do Dementador. Dizem que seus corpos estão vivos, mas não suas almas, e que o certo seria acabar com o sofrimento deles e de suas famílias de uma vez por todas. Nas palavras do Malfoy é duro para ele tomar uma decisão como aquela, mas é necessário."

Harry sem perceber, prendeu a respiração de leve à menção daquele nome, mas continuou em silêncio.

"Sabem," A voz de Ron soou curiosa e todos se voltaram para ele. "Eu nunca entendi muito bem como eles conseguiram deixar Bellatrix Lestrange no St. Mungus depois que ela perdeu a razão de vez." E agora havia um quê amargura em suas palavras. "Tudo que ela fez era o suficiente para ser mandada a Azkaban duas vezes. Louca ou sã."

"Na época, o Ministério declarou que Bellatrix poderia estar fingindo a própria insanidade e que precisava ser vigiada o tempo todo." Lembrou Lupin, a expressão completamente fechada. "E não poderiam fazer isso em Azkaban, é claro."

"Conversa." Disse Hermione, rodando os olhos, impaciente. "A verdade é que Narcissa Malfoy não suportava a idéia de ficar longe da irmã depois que o marido morreu."

"Ah, mas vocês sabem o que corre à boca pequena, não sabem?" Colin juntou-se ao grupo e só naquele instante Harry percebeu que eles não eram os únicos interessados na conversa. Várias outras cabeças estavam voltadas na direção deles. "Dizem que na verdade foi Bellatrix quem matou Lucius Malfoy e que sua esposa invalidou a irmã de propósito... para fazê-la sofrer."

"Deixe de delírios, Colin." Hermione balançou a cabeça, apertando as mãos de Ron entre as suas, parecendo decididamente incomodada com aquela idéia. "Todos sabemos quem fez aquilo com Lucius Malfoy. Foi Tonks. Havia testemunhas, a própria Narcissa, elfos domésticos e tudo mais."

"Grande coisa." Riu-se Colin, subitamente amargo. "Até aí também havia uma dúzia de testemunhas afirmando que Sirius Black matou Peter Pettigrew e nós bem sabemos que-"

"Já chega." Harry interrompeu Colin, tentando não olhar para Lupin, que parecia repentinamente muito interessado nos próprios pés. "Assassina de Lucius Malfoy ou não, Tonks está no St. Mungus na iminência de ser executada com as bênçãos do Ministério da Magia. E Bellatrix Lestrange também. Não percebem a grande jogada deles? Matando ambas a história oficial vai ser a única história e ninguém jamais poderá desmenti-la."

O grupo silenciou por alguns instantes. A mente de Harry trabalhava a mil. Ele se lembrava das manchetes, embora nunca tivesse acreditado numa única palavra delas. Oito anos atrás, Tonks acordara numa manhã, tomara seu café, dera bom dia ao pai e a mãe e saíra dizendo que ia trabalhar. Ninguém desconfiou que algo estava errado. Na hora do almoço a notícia já havia se espalhado em todos os cantos de Londres. Lucius Malfoy fora assassinado em sua mansão, e Nymphadora Tonks era a principal suspeita. A acusação? De que ela se aliara à recém-capturada Comensal da Morte Bellatrix Lestrange para matar a família Malfoy.

Devido ao desfecho do caso — Tonks e Bellatrix, ambas encontradas resmungando coisas sem sentido ao lado do cadáver de Lucius — resolveu-se que tudo não passara de interesse na herança dos Malfoy, uma vez que Tonks poderia ser a herdeira direta caso Bellatrix também morresse. Dizia-se que Tonks voltou-se contra sua 'aliada' logo após assassinar Lucius e ambas acabaram atacando uma à outra até perderem a razão. O fato de Tonks ser a auror responsável por Bellatrix enquanto esta aguardava julgamento só alimentou a teoria que acabou se tornando fato.

Narcissa Malfoy depôs contra Tonks, afirmando que a sobrinha a contatara meses antes, se oferecendo para facilitar a fuga de Bellatrix em troca de ouro. A matriarca dos Malfoys negou ter aceitado a oferta, dizendo ainda que sua recusa fora a razão pela brutal investida contra sua família. Ela não sabia dizer se sua irmã estava envolvida, mas não negou que a possibilidade existia e como lamentava o fato. E como era lamentável pensar que alguém destinado a proteger a população bruxa, como uma auror, poderia ter se corrompido a esse ponto. O discurso que Draco Malfoy fizera no enterro do pai, dias depois, só ajudou a manchar um pouco mais a imagem dos mestiços e nascidos-trouxas. Se valendo do argumento de que sua prima se deixara cegar pela ganância típica dos não-bruxos, ele ganhou apoio de muitas famílias puro-sangue que consideravam uma 'vergonha' deixar que o sagrado uso da magia fosse deturpado por 'valores trouxas'.

Ambas, Tonks e Bellatrix, foram postas sob observação cerrada no St. Mungus, na esperança de que mais cedo ou mais tarde recobrassem a consciência e pudessem ser julgadas. Mas, mesmo tendo sido usados todos os métodos e feitiços conhecidos, foi impossível extrair fatos coerentes de qualquer uma das duas.

"Harry?" A voz de Luna Longbottom o chamou de volta a roda. Ela deixara Neville sentado no canto e agora encarava o moreno com seus grandes olhos azuis. Luna parecia absolutamente tranqüila, como se o assunto em discussão fosse as chances do Chuddley Cannons em vencer o Campeonato Britânico de quadribol daquele ano. "Isso tudo é realmente necessário?" Ela perguntou indicando todos ao redor. "Já se passaram tantos anos. Por que não ignoramos a notícia e simplesmente... continuamos?"

"Perdeu o juízo?" Colin dirigiu-se para Luna, os olhos arregalados. Seu tom de voz fez com que os poucos que não estavam ouvindo a conversa deles, mudassem o foco de atenção. "Estamos falando de pessoas, Luna! E não apenas sobre Tonks. Por Merlin, os pais do seu marido estão lá também!"

Luna esboçou um sorriso largo e cansado.

"Neville pode viver sem eles." E a voz dela perdera o tom tranqüilo, assumindo um quê de sarcasmo que destoava completamente de sua aparência avoada e sonhadora. "Neville sempre viveu sem eles. Quem sabe agora ele não consegue esquecer o passado, caso possa enterrá-lo de verdade."

Harry desviou o rosto de Luna, que encarava Colin como se o desafiasse a replicá-la. Soltou um suspiro audível e cerrou os olhos, esfregando a têmpora com uma das mãos. A guerra também fizera feridas profundas em Luna, e ele sentiu-se mal ao perceber que, longe de soarem como delírios, havia razão nas palavras dela. Talvez fosse verdade. Talvez eles devessem deixar as coisas como estavam e seguir em frente. E ele estava a ponto de dizer isso em voz alta quando a nítida imagem de Draco Malfoy, a mesma da foto que ilustrava a reportagem do Profeta daquela tarde, saltou em sua mente sem permissão. Harry sentiu a garganta secar, subitamente irritado com sua própria consciência. Sim, ele era um bom exemplo sobre 'deixar as coisas como estavam e tentar seguir em frente'.

"Luna tem razão." Todos se voltaram ao ouvir a voz de Neville, que colocara uma mão no ombro da esposa. Os anos haviam deixado-no mais alto do que Harry, quase do mesmo tamanho de Ron. Seu rosto perdera o ar infantil e não havia qualquer vestígio de medo em seus olhos, agora avermelhados devido ao tempo que passara com as mãos sobre eles. "Eu deveria deixá-los em paz. Malfoy pode ser um filho da puta, mas há verdade no que ele diz. É egoísmo da minha parte manter meus pais vivos por um capricho. Eles estão assim desde que me conheço por gente e... mesmo que eles voltassem hoje à consciência, o que eu diria a eles? O que eles diriam a mim? Não. Acho que é mesmo hora disso tudo acabar."

"Neville..." Hermione tinha os olhos marejados e uma mão sobre os lábios. Ron encarava o amigo como se nunca tivesse o visto antes. Lupin e Colin ficaram pálidos diante de suas palavras. Harry limpou a garganta e todos se voltaram para ele.

"Entendo o que você quer dizer, Neville, mas você não acha que tudo isso soa muito oportuno? Malfoy passou todos esses anos dando um fim nas sujeiras da família dele. O que me parece é que agora ele quer colocar a última pá de terra e fechar a cova de vez. Se Tonks e Bellatrix morrerem, ele está limpo. Completamente limpo. É verdade, ele tem um ponto sobre ser egoísmo deixar essas pessoas viverem sem realmente estarem vivas, mas, se fossem os meus pais naquele quarto, eu não iria deixar outra pessoa decidir como e quando eles morreriam. Eu tenho certeza de que eles esperariam mais de mim."

Seguiu-se um silêncio tenso às palavras de Harry. Neville ficara vermelho, mas seus olhos continuavam isentos de medo.

"Você está dizendo que eu mesmo deveria matá-los, é isso, Harry?"

Todos voltaram os olhos para o moreno, as bocas entreabertas de surpresa.

"Estou dizendo que é muito fácil se conformar com a decisão deles, como se ela fosse a única alternativa. Concordo que não há o que se fazer para trazer seus pais de volta. Concordo que não há nem mesmo uma razão para isso. Mas também não há razão alguma para deixar uma pessoa que nada tem a ver com eles decidir algo que caberia à você. Como não há razão para deixar isso acontecer com Tonks, sendo que o pai dela está bem ali, lutando por ela. Se eles quiserem acabar com a raça de Bellatrix, que o façam, e que façam bem-feito desta vez. Mas acho que não podemos deixar isso acontecer com Tonks, nem com os seus pais."

Ninguém disse coisa alguma. Luna olhou para o esposo, que parecia estar travando uma espécie de batalha interna. Parecia que já tinha sido difícil para ele tomar aquela decisão e era mais difícil ainda admitir que ela poderia estar errada.

"Que você sugere que façamos, Harry?" Perguntou Lupin, quebrando o silêncio após alguns instantes.

"O mesmo que eu quis fazer quando coloquei as mãos naquele jornal. Vamos trazê-los para cá. Nós podemos cuidar de Tonks aqui. E podemos dar um enterro decente aos seus pais, Neville, se você quiser."

"Não vou deixar aqueles bastardos matarem a minha menina." Ouviu-se a voz de Ted Tonks, que permanecia sentado na cadeira onde os gêmeos o largaram, mas seus olhos alertas mostravam que ele não perdera uma só palavra do que foi dito. "Nem que eu tenha de entrar lá sozinho e trazê-la nas costas."

"Não." Neville voltou-se para o homem, um ar inescrutável na face. "Não sozinho. Eu irei com você."

Harry adiantou-se, postando-se ao lado de Neville e colocando uma mão em seus ombros. Olhou do amigo para Tonks e abriu um sorriso. Um sorriso que muitos achavam ter se perdido com o passar dos anos.

"Nenhum de vocês estará sozinho. Nós faremos isso juntos."

x —

Draco nunca gostara de hospitais. Passara tempo suficiente em um logo após o término da Guerra, se recuperando de um ferimento no braço esquerdo. Nunca em toda sua vida ele se sentira tão mal, como se estivesse sendo sufocado aos poucos por aquele ar pesado, denso e doentio. Não havia nada pior do que tentar dormir ouvindo os gritos abafados pelas paredes grossas e pelo ruído dos pés dos curandeiros indo e vindo nos largos corredores. Ele não pregara os olhos em nenhuma única noite que passara no St. Mungus e estar de volta àquele lugar, mesmo que fosse apenas para uma visita rápida, o deixava irrequieto e suando frio.

Sua mãe não quisera acompanhá-lo, sob o argumento de que poderia se arrepender daquela decisão caso pusesse os olhos na irmã. Draco tivera que se segurar para não rir. Ele sabia perfeitamente bem que sua mãe não se importaria nem um pouco em oferecer a própria cozinha para preparem a poção para Bellatrix e os outros pacientes. De fato, não havia muitos internos na Ala fechada do St. Mungus, além de um casal de velhos decrépitos (que ele sabia serem os pais de Longbottom, que morrera na guerra), sua querida tia e, claro, a responsável pela morte de seu pai.

Um arrepio frio e desconfortável subiu por sua espinha ao se lembrar dela. Nymphadora Tonks era um mistério para Draco. Ele mesmo não conseguia entender o que levara a prima a fazer o que fizera. Ele a vira algumas vezes durante o começo da guerra, mas, a despeito de seu duvidoso gosto para se vestir e se comportar, ela não parecia do tipo 'ambiciosa'. Ele não estava em casa quando seu pai fora assassinado, logo não presenciara coisa alguma. Tinha apenas a palavra de sua mãe e precisava acreditar nela.

Parando do lado de fora da porta, Draco lançou um olhar atravessado a Blaise, que cantarolava baixinho ao seu lado. Os dois estavam acompanhados por um trio de curandeiros e por um auror taciturno. A ordem do dia era oficializar que aqueles pacientes eram totalmente inválidos e, portanto, poderiam ser submetidos à administração da poção do morto vivo. Os curandeiros estavam ali para atestar a idoneidade da declaração, Draco e Blaise para serem testemunhas e o auror para dar segurança ao processo.

A luz do sol entrava no quarto através das janelas gradeadas. Havia quatro camas. A primeira era ocupada por uma bruxa magra e pálida, cujos outrora longos cabelos negros haviam sido raspados completamente. Ela usava um conjunto de vestes verde-claras e parecia largada sobre o colchão como uma boneca de pano, os braços caídos lado a lado, sem se voltar para naqueles que tinham acabado de entrar.

"Não é perigoso deixá-la solta, assim?" Perguntou o auror, olhando para os pulsos aparentemente livres de Bellatrix Lestrange.

"O senhor pode não ver." Respondeu um dos curandeiros com ar de eficiência. "Mas ela está bem presa. Há feitiços de anti-desapataração no quarto, e a Sra. Lestrange é incapaz de sair da cama a não ser que uma enfermeira a ajude. Administramos uma poção de seis em seis horas que a deixa com as juntas e articulações desabilitadas, vê?" Ele se aproximou da cama e pegou um dos braços largados de Bellatrix, sacudindo-o como se o mesmo não fizesse parte do corpo dela.

Draco fechou os olhos diante daquilo, tendo plena consciência de que Blaise o observada com muita atenção. Continuou a andar pelo quarto, passando por mais duas camas, onde os Longbottom se pareciam mais com dois cadáveres que ainda respiravam ocasionalmente do que com pessoas. Seria bondade da parte dele matá-los, sua mãe tinha razão.

A última cama estava coberta com cortinas e, instintivamente, Draco deu um passo para trás, deixando que os curandeiros e o auror se colocassem entre ele e o móvel.

"Ela sempre reclama do sol, por isso deixamos as cortinas fechadas. Não que ela fale coisa com coisa, mas começa a gritar e se debater sem parar quando..."

Mas quem soltou uma exclamação audível na hora em que as cortinas foram abertas não foi Tonks, mas Draco. Seus olhos cinzas se arregalaram e a boca escancarou-se em descrença diante da imagem de alguém que nunca mais ele imaginara ver.

Sentado ereto na cama e trajando as mesmas vestes verde-claras que Bellatrix, encontrava-se a figura austera de Lucius Malfoy, os longos cabelos loiros caídos sobre os ombros. Um sorriso definitivamente cruel saltava de seu rosto pálido, que se contorceu numa careta ao encarar Draco, cujos batimentos cardíacos aceleraram instantaneamente.

"Pare já com isso, Srta. Tonks." Veio a voz de um dos curandeiros que se aproximou da cama com a varinha em punho.

O rosto de Lucius voltou-se para o homem com ar de desprezo, mirando a varinha como se quisesse tomá-la das mãos dele. O curandeiro aproximou-se da cama, brandindo a varinha e murmurando um feitiço que fez com que a figura de Lucius cerrasse os olhos, como se tivesse sido nocauteado e desmaiasse sobre o colchão. Draco quase puxou a própria varinha para impedir o homem de atacar seu pai, mas no instante seguinte, no lugar de um Lucius desacordado havia uma jovem mulher que ele reconheceu como sendo Nymphadora Tonks. O rosto com feitio de coração parecia cansado e seus cabelos tinham sido raspados da mesma forma que Bellatrix.

"Pedimos desculpas, senhor Malfoy," Disse o curandeiro, guardando a própria varinha, o cenho franzido diante da mulher desfalecida. "Devíamos ter imaginado algo assim. Desde que se tornou nossa paciente, a Srta. Tonks tem o costume de assumir a forma de pessoas que conheceu durante sua vida, inclusive chegando a repetir frases ou palavras que tenha ouvido dessas mesmas pessoas. É um pouco perturbador para quem não está habituado, mas não é a primeira vez que ela assume a figura do senhor seu pai. Achamos que isso é um modo de seu subconsciente exaurir a culpa pela morte dele."

Draco engoliu em seco e assentiu em silêncio, embora seu coração ainda batesse rápido e descompassado. Por um instante, por um mísero instante, ele realmente achara que estava olhando para seu pai, e vê-lo sumir diante de seus olhos fizera com que a ferida formada pela dor de tê-lo perdido uma vez se rompesse novamente. E só Draco sabia quanto tempo ela demoraria a cicatrizar.


¹ "Se queres a paz, prepara-te para a guerra."

NA.: Vocês não me odeiam (muito) por eu ter levado mais de um mês para postar o terceiro capítulo, né? (#insira gigantescos puppy eyes aqui#) Me desculpem, sério, mas eu não consegui parar e sentar na frente do computador para escrever nada que não fossem textos do trabalho nas três últimas semanas. Eu vou tentar (juro!) compensar nos próximos capítulos, okay? Agora, antes que vocês me perguntem: Harry e Draco devem se encontrar no próximo capítulo, não que isso signifique muita coisa. E só para constar:


Agradeço a todos os que leram e especialmente àqueles que deixaram comentários: Calíope Amphora (nada a declarar sobre Kingsley/Remus, mas que eu queria, eu queria. xD Aliás, Cissy, pega eu!), LelyInTheSky (não tenho a menor idéia! Não acho que vá ser uma fic enooorme, mas garanto pelo menos uns dez capítulos, viu?), Karla Malfoy (Okay, eu confesso. ::grin::), Elizabeth Bathoury Black (Atualmente, na fic, estamos na quinta-feira, Lizzy! xD), Lullus (V de Vingança é LUZ! Mas agora a moda é mesmo 300, e eu quero escrever um capítulo com muito sangue e lanças afiadas para compensar!), Lady Yuuko (Eu sou plenamente a favor do Lupin de batina, moça, ele deve ficar uma graça!), Sy.P (Cissy é linda. Não fica com medo dela não. ;-), Marck Evans (E é uma vilã com tudo em cima, não é que nem o Voldemort que só sobrou a carcaça, xD), JhU Radcliffe (Meu, que honra! Fico muito feliz de essa ser sua primeira fic slash, espero não decepcionar!), Jo (Fica com raiva dos Malfoy não! Eles são tão lindos!), Lily Carroll (#exorcizando o Pottah# 'Sirius Black, saia deste corpo que não te pertence!'), Isabelle Malfoy (não, a fic não vai ser angst. Pode até te dar um aperto no peito de vez em quando, mas não pretendo mudar a classificação dela, ok?), Felton Blackthorn (Que bom que a curiosidade venceu, Felton! Espero que continue gostando da fic!), Cristina Melx (Narcissa é macho e Lucius também, logo, não sei a quem o Draco puxou...), Amy Lupin (no geral tenho problemas para trabalhar o Draco, acho o Pottah mais simples, mas prometo investir no loiro, moça!), Lisse (O título se referia a Cissy mesmo e não, mim estar completamente bem e não, não tem mesmo angst na classificação), DW03 (Se é real o climinha entre o Blaise e o Draco? Temo que sim!), Sophie Huston (Eu sei, eu sei, desculpe. Prometo tentar não demorar tanto para postar o próximo...), Gisele.M ('For one more forgotten hero and a world that doesn't care'? Nossa, isso é realmente a cara do primeiro capítulo! Lindo mesmo!), gutinha (E olha que no geral politicagem me dá nos nervos. Quem gosta dessas coisas é a Calíope! xD), Ferfa (Mas Cissy não tá ameaçando ninguém de morte!), vilon (Eu não entendi muito bem o que você quis dizer com 'constante presença de fatos não explicados' uma vez que ainda estamos no segundo — agora terceiro — capítulo, nem sobre Harry e Draco estarem 'fora dos personagens' se considerarmos que eles estão dez anos mais velhos e que passaram por muita coisa durante esse tempo todo e portanto, amadureceram etc., mas agradeço pelos comentários e pelas dicas. xD), Gabri Chaplin (Obrigadinha! Espero que continue gostando!), Cami Rocha (Réri-"Só-me-fodo"-Pottah, muito prazer! xD) e Maaya M. (E aí, gostou de saber quem estava no St. Mungus?).