Título: Apocalipse, Please
Autora: Dana Norram
Capa: Vide Profile
Sinopse: Dez anos após a derrota daquele que se nomeava Lorde das Trevas, o mundo bruxo encontra forças para se reerguer na figura de seu grande herói: Draco Malfoy.
Gênero: Aventura/Romance
Classificação: Slash/Nc-17
Casal: Harry Potter e Draco Malfoy
Spoilers: Harry Potter and the Half-Blood Prince (Quê enigma, Rocco?)
DISCLAIMER: Harry Potter não me pertence. Se pertencesse o sétimo livro não seria lançado tão rápido assim. Tia Jô, please, não mate o Remus! T-T E quanto à canção Apocalipse, Please, bem, ela pertence a banda Muse e eu só peguei o título emprestado. E nada mais.
AVISO: Esta fanfic contém SLASH — gênero também conhecido como: dois homens lindos de morrer engatados numa relação muito, muito íntima e imprópria para o horário nobre da vossa televisão brasileira. Não gosta? Mude de canal JÁ. O senhor e a senhora não são obrigados a continuar, muito menos euzinha a agüentar comentários grosseiros de gente que não sabe o que quer da vida, viste?
"E a imagem que você tinha de mim...
Cadê?
O gato comeu?
O chapeleiro escondeu?
Ou será que foi você quem perdeu...
Do lado de lá de um espelho?"
(Prayer)
Apocalipse, Please
Por Dana Norram
—X—
Capítulo Um: Depois do Fim
—X—
Os olhos verdes, protegidos atrás dos velhos óculos redondos. Os cabelos negros e revoltos, apontando para todas as direções. A fina cicatriz em formato de raio, coberta pela despontada franja. Tudo continuava lá. Quase não houvera mudanças visíveis no Harry Potter que em silêncio assistia a uma saraivada de fogos de artifício explodirem sobre o céu do beco diagonal.
O halloween do ano de 2007 chegava ao fim, e o mundo bruxo comemorava o décimo aniversário da morte d'Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado.
"Hipócritas." Uma voz levemente irritada fez Harry franzir as sobrancelhas de leve, mas ele não se mexeu quando sentiu Hermione parar ao seu lado. Seus braços estavam cruzados sobre o busto, os olhos castanhos fixos no céu através da janela em cujo parapeito ele estivera apoiado durante a última meia hora. "Era o seu nome que eles deveriam chamar, Harry, você sabe disso."
Ambos observaram as luzes explodirem por mais alguns instantes em absoluto silêncio. Do lado de fora vinham os gritos de êxtase da multidão. Hermione inspirou fundo. Harry balançou a cabeça, o cansaço e a fadiga estampados em sua face.
"Não quero discutir esse assunto outra vez. Eu não faço a menor questão, eu... eu nunca quis ser famoso e essa coisa toda, para começar-"
Hermione abriu a boca, mas foi outra voz quem interrompeu o discurso dele.
"Não se trata de fama, Harry, e você sabe disso." Ron Weasley caminhou para dentro da sala parcamente iluminada e seus olhos se desviaram para a criança que ele trazia pela mão. "Vamos, Andrew. Dê um beijo de boa noite na sua mãe."
Harry assistiu ao menino soltar-se de Ron e correr na direção de Hermione, que o ergueu no ar com alguma dificuldade, os braços rechonchudos dele enlaçando seu pescoço.
"Andrew quis assistir aos fogos lá de cima," disse Ron à guisa de explicação, sob o olhar inquisidor da esposa. "Você sabe como ele é. Quando bota alguma coisa na cabeça, não tem quem tire."
"Não faço idéia de a quem ele puxou." Comentou Harry irônico, se oferecendo para pegar o afilhado no instante em que Hermione bufou irritada e rodou os olhos, logo após aceitar um beijo do filho.
"É verdade o que a mamãe disse hoje de manhã, tio Harry?" Perguntou o menino com um ar curioso, voltando-se para o padrinho. "Você também já foi um herói?"
Harry lançou um olhar que fez a amiga se encolher.
"Obrigado, Hermione." Resmungou entredentes, apertando as sobrancelhas negras.
"Harry, eu-" Hermione deu um passo na direção dele com a mão estendida, mas o amigo ignorou-a e saiu do cômodo carregando Andrew, que acenou para os pais antes de desaparecer pela porta nos braços do padrinho.
Não era como se Harry quisesse fugir do passado ou coisa parecida. Ele só achava decididamente irritante ser obrigado a conviver com aquela constante lembrança do que ele fora um dia.
Herói. Ora, corta essa. Quem queria saber d'O Menino Que Sobreviveu agora?
"Mamãe vai ficar zangada com você, tio Harry." A voz de Andrew ecoou em algum lugar acima da cabeça de Harry, firme, inteligente e decidida. Quase não-infantil. "Ela não gosta que saiam da sala quando está falando, sabe? Outro dia papai fez isso e..."
Andrew emitiu um ruído que lembrava muito o dos fogos de artifício explodindo e, a contragosto, Harry deixou um sorriso escapar.
"Tem toda razão, Andy." O bruxo mais velho ofegou por um instante, finalmente sentindo o peso do afilhado após subir alguns lances de escada, colocando-o no chão e segurando sua mão para continuar o caminho através de um longo corredor. O garoto crescera consideravelmente nos últimos meses e agora já passava da sua cintura. "Amanhã pedirei desculpas a sua mãe, está bem? Não quero deixá-la brava. Agora, vamos, vamos... onde foi que ela enfiou seus pijamas?"
Harry deixou que Andrew se vestisse sozinho, sorrindo intimamente quando o garoto recusou sua ajuda para pegar um livro que estava na parte mais alta da estante, deixando que ele puxasse uma cadeira para alcançar o volume por si só.
"Hogwarts, uma História?" Harry arqueou as sobrancelhas, folheando o livro que Andrew lhe passou antes de entrar debaixo das cobertas.
"Estou relendo para a prova de amanhã." Explicou o garoto em tom solene, afofando o travesseiro com alguns pequenos socos, antes de estender a mão para o padrinho.
Harry tentou não parecer impressionado e devolveu o volume sem mais comentários, pensando intimamente que mesmo após tantos anos ele nunca se dera ao trabalho de ler aquele livro. O afilhado abriu a pesada edição sobre o colo, voltando o rosto na direção do padrinho, suas sobrancelhas castanho-arruivadas se arqueando de um jeito que lembrava muito Hermione. Harry sorriu e balançou a cabeça.
"Certo, certo. Vou deixar você estudar em paz. Uma professora como sua mãe não deve ser alguém fácil de se agradar."
Então, fazendo um cafuné nos cabelos encaracolados, Harry virou de costas e começou a caminhar para fora do quarto, mas a voz de Andrew o deteve na altura da porta.
"Tio Harry?" O tom do menino era hesitante. O bruxo mais velho franziu o cenho. Andrew sempre se comportava tanto como um adulto que às vezes Harry se esquecia que ele era apenas uma criança.
"Sim, Andy?"
"Quando eu fizer onze anos, vou poder ir para Hogwarts?"
Harry sentiu um bolo se formar em sua garganta e forçou um sorriso quando se voltou para encará-lo.
"Com quantos anos você está agora, Andrew?"
"Completo oito daqui a um mês e sete dias." Respondeu o afilhado sem se abalar, voltando a parecer o rapazinho decidido de quem Ron e Hermione tanto se orgulhavam.
"Oito?" Harry engoliu em seco, sentindo um certo desespero diante daquela prova viva e irrefutável do passar dos anos. "Bom, ainda falta um tempinho para chegar sua época de Hogwarts, não falta? Por que já está tão preocupado com isso agora?"
Os ombros de Andrew murcharam de um jeito muito parecido com Ron.
"Ouvi papai e a mamãe falando com a tia Luna ontem. Ela comentou algo sobre como era legal que mamãe tivesse sido uma aluna tão boa em Hogwarts, já que nós nunca poderíamos estudar lá mesmo..."
Andrew voltou os olhos para o livro sobre seu colo e acariciou as páginas com ternura.
O bolo na garganta de Harry dobrou de tamanho instantaneamente.
"Andy... Andrew. Olhe para mim." Harry colocou uma mão sobre o ombro do menino e assistiu aflito um par de olhos azuis se voltar para ele. "As coisas hoje não são mais como quando seus pais e eu estudávamos-"
"Por que eu não posso ir para Hogwarts, tio Harry?" O tom da voz do afilhado fez Harry fechar os olhos, sentindo uma onda de raiva antiga voltar com tudo, se alastrando por seu peito sem o menor controle. Ele sentiu vontade, como não sentia a anos, de pegar sua varinha e azarar algumas pessoas por aí. Harry respirou fundo e engoliu em seco, fazendo um aceno meio hesitante, meio afirmativo, tentando se acalmar.
"Porque, ainda que a sua mãe tenha sido uma das alunas mais brilhantes de toda a história de Hogwarts, ela nasceu trouxa, como a minha mãe. E embora seu pai seja um dos homens mais corajosos do mundo e tenha o sangue puro de centenas de gerações em suas veias, ele fez escolhas que outras pessoas julgam erradas, Andy."
O garoto ouviu sem interromper, parecendo já estar a par de tudo, mas ao mesmo tempo precisando ouvir de uma outra pessoa antes de aceitar aquilo como um fato imutável. Incontestável. Com um aceno tranqüilo, firme e dono de si, Andrew voltou a mirar o livro em suas mãos com indizível adoração.
"Existe mesmo uma câmera secreta no castelo?" Ele perguntou depois de alguns instantes de silêncio, os olhos mais uma vez envoltos num brilho curioso, embora levemente desconfiado. Quase cético, exatamente como a mãe. Harry sorriu, sentindo alívio pelo afilhado não ter insistido no assunto. A Guerra e tudo que ela trouxera não era um assunto que ele estava pronto para discutir. Talvez nunca estivesse.
"Prometo contar se você tirar uma boa nota no exame amanhã." Tornou Harry com um ar que em dias melhores poderia ser descrito como 'maroto'. "Fechado, Andy?"
Andrew apertou com força a mão oferecida pelo padrinho e voltou-se para o livro em suas mãos ao mesmo tempo em que Harry fechava a porta com um estalo, o barulho de seus passos ecoando pelo corredor deserto.
oOo
Não passou pela cabeça de Harry retornar para a sala onde estivera assistindo à queima de fogos. A idéia de uma nova discussão com Ron e Hermione sobre sua constante apatia não lhe agradava sob nenhum aspecto. Em vez disso, preferiu descer lance após lance de escadas, até sentir seus pés tocarem a terra fofa que cobria todo o térreo de um antigo prédio de três andares, abandonado no lado trouxa de Londres. Aquele era o que eles chamavam de "lar" há quase um ano.
Harry observou ao redor atentamente. Um pouco mais afastado das escadas, a pequena estufa onde Neville cultivava as plantas que Hermione usava em suas poções. Poções que Ron e Harry negociavam como podiam. Juntos, eles podiam garantir parte do sustento para o que restara da velha Ordem da Fênix.
Desfazendo toda sorte de feitiços de proteção que separavam as escadas da entrada camuflada — desembocando nos fundos de uma loja no mais remoto canto do Beco Diagonal, Harry tentou não pensar em como era ingrata a vida que eles eram obrigados a levar desde o final da Guerra. Mas era difícil esquecer de tudo quando o rosto de seu afilhado não lhe saía da cabeça de jeito nenhum. Era tão injusto que Andrew e tantas outras crianças pagassem pelos erros e pelas escolhas dele.
Harry nunca poderia dizer que se acostumara, embora já tivesse desistido de lutar por um mundo que parecia decididamente conformado com a sua atual situação. Ele, porém, entendia a reação da sociedade bruxa. Todos estavam com medo do que aconteceria depois do fim e aceitaram de braços abertos quando surgira alguém que não se importava em vestir o uniforme de salvador da pátria. Harry tinha plena noção de que nunca se encaixara muito bem naquele papel. Ele não sabia fazer discursos. Transmitir segurança através de palavras bem escolhidas. Ou mesmo posar sorrindo para fotografias.
Draco Malfoy sabia.
"E como sabe", pensou Harry com amargor, saindo para a noite gelada de outono e puxando um capuz para cobrir seu rosto. Inspirou fundo duas vezes e depois soltou a respiração de uma única vez.
Cartazes com o rosto de seu antigo colega de escola estavam por toda parte. Para onde quer que olhasse, havia fotografias em vários tamanhos de um homem próximo dos trinta anos. Os cabelos loiros ligeiramente compridos presos num rabo-de-cavalo firme. A face inescrutável torcida num bem ensaiado sorriso e uma das mãos erguida num aceno enfático. Harry imediatamente sentiu um arrepio que sabia nada ter a ver com o vento frio que sacudia suas vestes.
A verdade era que Draco estava cada vez mais parecido com o falecido Lucius Malfoy, e aquilo era algo que fazia o bolo na garganta de Harry crescer consideravelmente.
Ele até tentara, mas nunca havia conseguido esquecer da imagem do loiro em seu sexto ano, quando ele abaixara a varinha, sem conseguir proferir o feitiço que deveria ter matado Albus Dumbledore. Harry nunca compartilhara aquilo com mais ninguém, e às vezes perguntava a si mesmo se poderia ter ajudado o loiro quando tivera a oportunidade. Harry não conseguia culpar Draco Malfoy pela situação em que vivia. Não conseguia culpar a ninguém além de si mesmo.
Parou de caminhar para examinar velhos cartazes de busca colados nos muros de uma das ruelas que dava acesso à principal rua do Beco Diagonal. A tinta havia desbotado quase que completamente e mal se podia ler o "Ronald Bilius Weasley, procurado pelo assassinato de Viktor Krum" no topo de uma das folhas. O papel se rasgara em diversas partes e outras estavam cobertas por enormes propagandas de Draco Malfoy, apoiando sua atual — e praticamente ganha — candidatura à Ministro da Magia. Um pouco abaixo, outro cartaz, ainda mais desbotado, exibia os rostos juvenis de Colin e Denis Creevey sobre a legenda de "Procurados por invasão e roubo de propriedade do Ministério".
Neville fora dado como morto poucos dias antes da queda de Voldemort, e sua avó não agüentara o golpe, sucumbindo antes de descobrir que o neto estava vivo, apenas escondido para sobreviver. Aquela era a única coisa da qual Neville se arrependia, aparentemente. Ao menos foi o que ele dissera a Harry, quando este tomara coragem para lhe perguntar sobre o assunto certa vez, anos atrás. Luna conseguira passar desapercebida pelos interrogatórios, fingindo ter sido alvo da maldição Imperio — de fato, Luna chegara a aplicar a maldição em si mesma algumas vezes, só por via das dúvidas — e hoje trabalhava como fotógrafa para o novo Profeta Diário, embora fizesse questão de conservar sua fama de excêntrica. O The Quibbler fechara as portas há poucos anos, após o pai de Luna ser morto por assassino ou assassinos desconhecidos, como disse uma reportagem de canto de página, rapidamente esquecida por todos, exceto por ela.
Nunca conseguiram acusar Hermione formalmente por nada, ainda que ela tivesse figurado em vários cartazes como "Suspeita de se envolver em atividades anti-Ministério e considerada inteligente e extremamente perigosa" — o que bastava para um mundo com medo da própria sombra, desesperado por ter alguém em quem colocar a culpa por seus próprios erros. Se fosse uma nascida trouxa, casada com Ronald Weasley e melhor amiga do famigerado Harry Potter, tanto melhor.
Mas era engraçado não haver mais fotos do próprio Harry espalhadas por aí. Aparentemente a sociedade queria se esquecer de ambas as suas facetas. A de Herói e a de Homicida. Essa última, em especial, estivera muito em voga pouco menos de uma década atrás: "O Menino Que Sobreviveu — Salvador ou Assassino inescrupuloso?" fora uma manchete bem popular, pelo que ele se lembrava.
O fato era que Harry jamais se esqueceria das pupilas dilatadas de Ginny Weasley, nem de seu corpo frágil caído sobre o chão de Gringotes, diante de uma multidão de curiosos. Harry sabia que nunca se esqueceria dos murmúrios, dos dedos apontados em sua direção, dos cabelos ruivos espalhados pelo piso de mármore. E não era porque ele estivera lá, segurando a varinha no exato momento em que um feitiço levou a vida dos olhos dela. Era porque a foto daquela cena, clicada por algum fotógrafo anônimo, imediatamente se tornara uma arma contra Harry Potter, seu nome e tudo que ele representava — amplamente divulgada em todos os meios de comunicação bruxo existentes.
'De que adiantava ter derrotado o Lorde se para isso Harry Potter perdeu o juízo?', os jornais se perguntavam. A mesma pergunta ecoava pelas ruas, pelas casas, as palavras impregnadas de medo do mundo que passara a ver a Guerra sob uma nova ótica: a de Harry Potter versus o Lorde das Trevas e em como e a que preço O-Menino-Que-Sobreviveu o derrotara.
'Potter e seus seguidores são uma ameaça para a nossa sociedade de uma maneira que aquele que se auto-intitulava Lorde das Trevas nunca foi...' refletia uma reportagem que só serviu como a gota d'água para transbordar um balde já cheio de dúvidas.
Sufocada pelo medo de ver surgir um novo Voldemort sob a pele de Harry Potter — um feiticeiro jovem e poderoso — a sociedade bruxa, aos poucos, o repudiou por completo.
Haviam, porém, desistido de procurar por ele há alguns anos. O que não significava que era prudente aparecer em público ostentando a cicatriz que jamais o deixaria passar incógnito. Sua pele empalidecera terrivelmente devido à falta de sol, e Harry podia contar nos dedos quantas vezes vira a luz do dia nos últimos cinco anos. E nos dedos de uma única mão quais destas vezes foram em território bruxo.
Mas naquela noite, acompanhado por todas as suas perturbadoras lembranças, Harry sentia pela primeira vez em muito tempo uma vontade incontrolável de sair e caminhar pelas ruelas conhecidas, que tão pouco haviam mudado na última década. Os cartazes estampados com a face de Draco Malfoy só aumentaram conforme ele avançou pela multidão que assistia ao fim da queima de fogos. Ninguém prestou atenção nele, da mesma forma que ele não se demorou em observar nenhuma pessoa em especial.
Harry só se deu conta de que tomara o caminho para a Travessa do Tranco quando reparou que não estava mais esbarrando em outras pessoas a cada dois passos. O barulho dos fogos diminuíra até se calar por completo, e tudo ao seu redor ficara consideravelmente mais escuro. Estava sozinho agora. Mas isso não fez com que Harry diminuísse o ritmo, muito pelo contrário, ele passou a andar mais depressa. Então, dobrando uma esquina, o bruxo avistou um velho e enferrujado letreiro onde se lia "Caverna do Dragão" e reprimiu um sorriso antes de cruzar a soleira da porta que fechou com um baque seco atrás de si.
—X—
Uma densa neblina se formara nos céus, empestando todo o ar com o cheiro ocre dos fogos recém-queimados. Draco Malfoy torceu o nariz e fechou a janela com um estalo. Massageou seu pulso por alguns instantes, sentindo o braço dolorido após tantas horas de acenos ininterruptos. Quando era mais jovem, o halloween sempre fora o seu feriado favorito, mas, de uns anos para cá, a festa se tornara mais cansativa e burocrática do que propriamente divertida.
Caminhou a esmo pelo vasto aposento, iluminado por candelabros de prata, até alcançar uma poltrona de couro negro de espaldar alto, onde se instalou com um suspiro pesado. Por um fugaz instante, ele pensou que se sentia tão cansado quanto se tivesse sido atacado por um hipogrifo raivoso, mas acabou soltando uma risada amarga logo em seguida. Draco sabia, afinal, que as sensações não eram sequer minimamente parecidas.
"Você esteve ótimo hoje à noite, Draco."
Draco passou a mão pelo rosto, sentindo as pálpebras pesarem. Soltou outro suspiro, engolindo em seco. Definitivamente, não estava no humor para os comentários perigosos e pouco amigáveis de Blaise Zabini.
"Já te disse que é Malfoy." Resmungou sem tirar a mão de cima dos olhos. Ele não podia ver, mas fizera Blaise abrir um sorriso amplo e satisfeito devido ao seu comentário.
"Bobagem." O bruxo negro deu de ombros e caminhou até o bem abastecido bar, num dos extremos do aposento. "Todos os membros do comitê já foram embora. Não vejo necessidade para formalidades quando estamos a sós, Draco."
O loiro deixou a mão pender sobre o colo, descobrindo os olhos e mirando Blaise com ar irritadiço. O sorriso do outro homem se ampliou ainda mais, e Blaise ergueu um braço, sustentando o copo repleto de um líquido âmbar na direção do loiro, num brinde mudo.
"O que você quer?" Perguntou Draco com rispidez, apoiando ambas as mãos nos braços da poltrona e fazendo menção de se levantar.
Blaise ergueu o dedo indicador, pedindo tempo, enquanto virava a bebida de uma vez. Draco suspirou, firmando um dos cotovelos na poltrona, e apoiou a curva do rosto numa das mãos finas, aparentando profundo e crônico desinteresse.
"Você prometeu que pensaria no caso, Draco." A voz de Blaise era tranqüila, mas havia um quê de cobrança impregnada em casa sílaba.
"Não lembro de ter lhe dito quando, Zabini." Retrucou o loiro, rodando os olhos, impaciente. "Eu posso deixar para pensar no caso daqui a uns vinte anos se eu quiser."
A resposta do bruxo negro foi um dar de ombros, indiferente e quase irritante. Draco inspirou fundo. Aquele não era o assunto mais confortável do mundo, e o loiro sabia que não poderia fugir dele para sempre. Soltou outro suspiro, encarando com atenção o homem na sua frente pela primeira vez desde que ele pisara naquela sala. Blaise encheu outro copo e voltou-se para encarar Draco. Desta vez, porém, preferiu ingerir o líquido em pequenos goles, apreciando o sabor da bebida. Seus olhos profundamente negros brilhavam, refletindo os resquícios das luzes dos fogos de artifício que ainda explodiam do lado de fora da janela.
"Você sabe que não tem vinte anos para pensar, Malfoy."
Draco fechou os olhos, tentando não sorrir. Ele conseguira tirar Zabini do sério. Fora até bem rápido esta noite.
"Sim, eu sei." O loiro respondeu, as pálpebras ainda cerradas, apreciando a tranqüilidade que apenas a escuridão era capaz de proporcionar. "Eu sei." Ele repetiu, mais para si do que para Blaise.
"Se sabe, Draco, por que demorar tanto para tomar uma simples decisão? É só uma palavra de ordem, nada mais. Sim ou não? O que pode dar errado, afinal?"
"Tudo." Disse o loiro, sem abrir os olhos. "Talvez eles estejam se escondendo por aí, Zabini, mas não estão mortos. Tem idéia do que pode acontecer caso um deles resolva dar o ar da graça... justamente agora? Não. Eu acho melhor esperar."
"Esperar pelo quê? A eleição está ganha, Draco. O cargo é seu. Tudo é uma questão de tempo."
"Tempo. Tempo." Draco entoou, a voz arrastada. "Eu tenho tempo. Posso esperar."
Blaise conteve um sorriso.
"Não, não pode."
Draco abriu os olhos. Blaise o encarou de volta, a boca subitamente seca.
"Não posso? O que quer dizer com 'não posso'?"
"A senhora Malfoy soube do plano... e ela..." Blaise já não encarava Draco nos olhos e balançava o copo nas mãos, enquanto bebericava o restante de seu conteúdo nervosamente. "A Madame quer que seja feito o mais rápido possível. Já conseguiu todo apoio político que precisamos. Ela só não quer passar por cima da sua ordem direta."
Draco soltou um palavrão e passou uma das mãos pelos cabelos, enfiando os dedos magros entre os fios loiros. Abaixou a cabeça, balançando-a por alguns instantes em completo desalento. Escutou o som dos passos de Blaise, que se aproximava, mas não fez nenhum movimento para impedir que ele tocasse seu ombro.
"Draco-"
"Dê o fora daqui." Veio a voz seca e dura em resposta. "Suma da minha frente."
Blaise estancou no lugar, a mão que segurava o copo vazio inerte ao lado do corpo, para então se endireitar, recompondo-se.
"Qual é a sua resposta, Draco?"
Os olhos cinzas cintilaram de leve quando o loiro ergueu o rosto pálido e pontudo. Não havia nada em sua face que demonstrasse raiva ou contrariedade. Nenhum vinco. Nada.
"Eu preciso mesmo dizer?" Mas seu tom de voz era claro. E era contra.
"Ainda pode conversar com ela, Draco. Talvez você possa fazê-la mudar de idéia-"
"Você sabe muito bem que não posso." Draco levantou da poltrona e passou por Zabini sem olhar para ele, mas se deteve antes de alcançar a porta, voltando o corpo. "Só reze para que eu não descubra quem foi o filho da puta que deixou essa história chegar aos ouvidos dela, Zabini."
"Você sabe que nunca vai descobrir. E que mesmo que descubra, isso não vai mudar nada."
Draco soltou outro suspiro. Estava cansado.
"Sim. Eu sei."
O ruído da porta se abrindo encheu todo o aposento. Os dois bruxos não se mexerem por vários segundos. E Blaise foi o primeiro a ceder.
"Draco?"
"Sim?"
"Eu sinto muito."
Mais um suspiro. O último antes de bater a porta.
"Eu também."
—X—
Harry puxou o capuz para mais perto do rosto e ergueu a mão direita, gesticulando ao barman que queria mais uma dose. O homem no outro extremo do balcão fez sinal para que ele aguardasse enquanto atendia a um grupo de bruxos com forte sotaque irlandês. Apoiando um dos braços na superfície de madeira, Harry voltou à atividade que ocupara a sua última meia-hora: observar os demais ocupantes do bar.
Estava bastante cheio, mesmo para os padrões de um feriado tão popular como o halloween. Ele não podia negar que no fundo sentia uma certa inquietação diante daquele cenário. Há alguns anos, você não encontraria um lugar como aquele repleto de pessoas só pensando em se divertir e passar o tempo. Ele precisava admitir que talvez nunca se acostumasse com a paz. A maior parte de sua adolescência foi passada em guerra, e nela que fora moldado boa parte do seu caráter.
"Whisky de fogo?" Harry ouviu a voz suave e balançou a cabeça. Esperou o copo encher antes de erguer os olhos e reprimiu um sorriso fraco ao encontrar o rosto conhecido e abatido de Remus Lupin.
"Como você está, Harry?" Lupin abaixou a voz, seus olhos castanhos correndo de um lado para o outro em busca de qualquer movimento suspeito. Todos os outros ocupantes do bar, porém, pareciam muito entretidos em seus próprios copos para dar qualquer atenção a eles.
Harry fez um gesto evasivo com as mãos e em seguida bebeu metade do copo num único gole.
"Teve outra discussão com Hermione e Ron?"
Harry balançou a cabeça, negando. Apontou com o rosto na direção da porta.
"Entendo." Disse Lupin, se pondo a limpar o balcão com um pano úmido. "Também não estou tendo o melhor halloween da minha vida."
O bruxo mais novo ergueu o rosto do copo, o cenho franzido, preocupado.
"Lua cheia?"
Lupin forçou um sorriso.
"Cinco dias atrás. Mas o pior já passou."
"Tem certeza de que está tudo bem? Não está precisando de nada? De mais poção?"
"Não se preocupe. Ainda tenho o bastante até o natal. Agradeça novamente a Neville e Hermione por mim."
O grupo de irlandeses começou a rir entre si e um deles chamou a atenção de Lupin, indicando seu copo vazio. Lupin despediu-se de Harry com um aceno e voltou ao trabalho.
Harry se mexeu nervosamente no banco de madeira. Apesar de visitar o bar há anos, ainda se sentia irrequieto por estar em público em pleno território bruxo. Entretanto, ele sabia que não tinha com que se preocupar de verdade. Aquele era um dos únicos lugares seguros no mundo, afinal, não importava o governo, a Travessa do Tranco tinha suas próprias leis, e o bar era considerado zona neutra. Bruxos que queriam negociar com trouxas usavam os fundos do Caverna do Dragão para passar para o lado menos bem-quisto de Londres e vice-versa. Normalmente, Harry entrava e saía pelos fundos do bar, para evitar qualquer eventualidade, mas hoje... hoje ele não estava se importando.
O fato era que ainda não conseguira tirar da cabeça o rosto do afilhado, nem os olhares irritadiços e decepcionados de Ron e Hermione. Os amigos estavam certos, é claro. Ele não deveria ter se conformado com a derrota, com aquela carga negativa que foram obrigados a carregar, como se fossem culpados por alguma coisa realmente grave além de acreditar.
Mas Harry sabia que sua única e verdadeira culpa, seu erro, fora ter aberto mão do direito de resposta quando tivera a chance. Por não querer ser o salvador pelo qual todos clamavam, por não querer se expor. Seu medo de falhar fora tão grande que ele obrigara o mundo bruxo a escolher um outro herói, um novo alicerce onde se apoiar. Ele sabia que nunca quisera estar apto para ser o porto-seguro de ninguém.
Harry Potter só não podia imaginar que, não muito longe dali, outra pessoa sentia o mesmo que ele.
Continua...
Dedicada à Maaya M.
Porque ela ficou reclamando que nunca dedicaram uma fanfic HD para ela.
Espero que goste, minha Anta-Herege favorita!
NA.: A idéia da fanfic foi graças a música homônima da banda Muse — que eu acho absurdamente FODA (o nome da música, não a música) — e ao pensamento: "e se num mundo pós-Voldemort Harry Potter deixasse de ser o queridinho dos bruxos? Quem ocuparia o seu lugar? E como? E por quê?" Afinal, todo mundo precisa de um ídolo, certo? Certo!
Ah, eu pretendo atualizar conforme for escrevendo e os capítulos terão sempre mais ou menos o mesmo tamanho e este está bem grandinho, né? Então não posso garantir um novo capítulo para muito breve, mas sabem como é... reviews solidárias é algo extremamente estimulante! Favor dizerem o que acharam, please? #puppy eyes#
E NÃO, eu não sei se alguém vai morrer nessa história. Garanto que tem uma porrada de gente JÁ morta, mas não sei se um dos protagonistas vai levar Avada no meio das fuças. Juro que não sei! Sugestões de defuntos são bem-vindas, aliás. xD
Agradecimentos Eternos e Incondicionais: A Calíope Amphora, beta do coração que é uma das únicas que me entende quando eu começo a surtar e dizer "Isso aqui está um lixo, cadê o botão de delete? Mimimi!" Thanks por TUDO, honey!