A Felicidade é uma Arma Quente

"Happiness is a warm gun
Happiness is a warm gun
When I hold you in my arms
And I feel my finger on your trigger
I know nobody can do me no harm
Because happiness is a warm gun
Yes it is."¹

Era um corte muito fundo.

Sim; praticamente separava seu tórax em duas partes, duas faces. A face esquerda doía por Lily. Queria voltar para casa.

"Vamos, Potter!" berrava McKinnon, à frente. Sempre à frente. Sempre incentivando. Sempre forte. "Vamos, Potter! Falta pouco!"

Um braço amparou sua corrida débil, abraçando suas espáduas.

"Por Merlin, James está sangrando muito!", era a voz de Remus, ao longe. Mas Remus estava ao seu lado.

"Vamos! Vamos! Vamos...!"

Todas as suas energias estavam sendo drenadas para algum lugar, talvez para sua cabeça, que não parava de pensar. Não conseguia parar.

"James, nós vamos ter um filho."

"Que maravilha, Lily! Ele vai se chamar Harry.", murmurou, em resposta ao eco de suas memórias, e então cedeu ao próprio peso.

"Vamos parar, James está delirando!...Oh! Não, James!"

Ele abriu os olhos.

Estava num lugar muito branco, muito limpo.

A imagem borrada de Lily vertendo dois rios de lágrimas chegou a si quando ele pendeu a cabeça levemente para o lado.

"Meu Merlin, eu morri e estou no céu.", sorriu com dificuldade. O mesmo sorriso quase arrogante de sempre.

"Seu...idiota!", ela lançou-se ao peito dele, e James gemeu, incomodado. Afastaram-se a contragosto, Lily enxugando seus olhos de jade e James registrando aquele colete de ataduras que haviam costurado para sua recuperação.

"Você não vai me chamar assim na frente do Harry, vai?"

Ela soltou um riso que mais parecia um soluço.

"Não...Eu...Remus disse que Greyback tinha ferido você. Pensei em tantas coisas ruins, James! Eu pensei no pior!"

Lily explodiu num choro copioso. James não podia simplesmente assistir àquilo. Venceu a própria dor, sentando-se devagar e estendendo fracamente seus braços na direção dela. Não ficou nem um segundo sozinho naquela posição; ela buscou o carinho dele como uma criança busca o de um pai. Ninaram seus medos naquele abraço calmo, morno.

Não havia mais ninguém naquela enfermaria, nem mesmo a enfermeira que enfaixara James horas atrás.

"Eu achei que nunca mais fosse ver você", ele confessou muitos minutos depois, quando ela já havia parado de chorar e se aninhara junto a ele, debaixo das cobertas hospitalares. "Eu achei que ele tinha acertado meu coração, mas ele esteve o tempo todo batendo...por você...pelo Harry."

Lily ainda tremia muito. Simplesmente abraçou-o com mais intensidade. James acarinhou o topo da cabeça ruiva.

"Não está feliz, Lily? Agora vamos ficar juntos pra sempre - eu, você e o nosso filho!"

"Pra sempre até quando?", ela gemeu.

Silêncio.

"Não está feliz, Lily?", ele repetiu, num fio de voz.

Ela pareceu considerar a pergunta por alguns instantes, então respondeu:

"Estou, mas ainda dói. Dói muito."

"E dói igual a antes?...Antes de me descobrir vivo?", perguntou, desembaraçando languidamente os cabelos dela.

"Não", fungou, ameaçando outra crise de pranto.

Os lábios dele formaram uma única linha, no sorriso mais sincero que podia lhe oferecer. Então beijou a testa de sua mulher, enquanto sua mão deslizava para dentro dos lençóis, na direção do ventre ainda liso dela.

"Sabe, Lily...Algumas felicidades doem. Doem de verdade, e por isso as pessoas choram de felicidade. Mas a dor de reencontrar você depois de quase morrer é uma dor muito, muito melhor do que a de ver você se desfazendo em lágrimas por minha causa. Não chore, por favor. Eu só quero a dor de estar feliz aqui, com minha mulher e meu filho."

Tirou uma mecha teimosa dos olhos lacrimosos dela, que agora se iluminavam de esperança.

"Eu prometo que nós três vamos ficar bem."

Ela assentiu preguiçosamente, sorrindo, uma de suas mãos indo entrelaçar-se à dele, sobre Harry. James tinha razão; e ela confiava nele. Sobreviveriam à guerra e logo aquela dor iria embora, e então daria lugar a outra - a dor de ser mãe.


¹A felicidade é uma arma quente/A felicidade é uma arma quente/Quando te pego nos meus braços/E sinto meus dedos em teu gatilho/Eu sei que ninguém jamais será capaz de me ferir/Porque a felicidade é uma arma quente" - trecho de Happiness is a Warm Gun (The Beatles). Ao escrever essa short, provavelmente estive sob efeito do mesmo chazinho narcótico que John Lennon e Paul McCartney tomaram ao criar essa música.

Sempre gostei de imaginar que James e Lily passaram por maus bocados em seus últimos anos de vida, e que foram otimistas e resistentes durante o tempo todo, até a visitinha de Voldemort à Godric's Hollow. Afinal de contas, eles eram grifinórios!

Por favor, sejam bonzinhos e deixem uma review contando o que acharam!

Beijo beijo!