Autora: Dana Norram
Beta-Reader: Calíope Amphora
E-mail: Vide Profile
Capa da Fic: Idem
Sinopse: Um dia vamos todos compreender que as Verdades dos Outros são apenas um disfarce para as Nossas Mentiras.
Casal: Harry Potter / Draco Malfoy
Classificação: Slash / PG-13
Gênero: Angst / Drama
Spoilers: Harry Potter e a Ordem da Fênix
Parte: 1/4


Disclaimer e Alerta: A única coisa que eu tenho em comum com a titia Jô é gostar de ferrar com a vida dos personagens, nada mais. Harry Potter não me pertence e eu não ganho um único nuque para escrever fanfics, muito menos para aturar comentários de gentinha incapaz de ler uma sinopse com avisos DESTE tamanho. Isso aqui é uma história com conteúdo Slash, beleza? Não gosta? Tá fazendo o quê aqui então, ô criatura?

Aviso: Você me pergunta: "Tia Dana, eu preciso ter lido as fanfics Nicotina e Pontos de Autoridade (disponíveis neste mesmo bat-site e neste mesmo bat-profile) antes de começar a história a seguir?" e eu respondo: Precisa. Acredite, você não vai entender patavinas caso contrário. Vá lá e perca algumas horinhas do seu precioso dia para não ficar boiando. Não dói (muito) nem arranca pedaço. Palavra de escoteiro.


Guilhotina
Parte I
Por Dana Norram

X—

Guilhotina. Instrumento medieval utilizado para se aplicar pena de morte por decapitação. Seu nome foi uma homenagem ao francês Joseph-Ignace Guillotin, que considerava a guilhotina um meio mais humano do que o enforcamento ou a decapitação pelo machado. Por ser contra a pena de morte, ele esperava que este pudesse ser o primeiro passo para sua total abolição.

X—

Harry Potter parou diante do janelão aberto e olhou para baixo. Levou algum tempo para perceber que suas mãos tremiam. Soltou o ar pela boca e fechou os olhos, perguntando a si mesmo se ainda havia coragem para tanto.

O barulho suave que vinha da rua denunciava a falta de tráfego. Já era bem tarde. Talvez, se abrisse os olhos, até poderia contar as faixas amarelas que reluziam sobre o asfalto. Harry lembrava de ter acabado de fazer a mudança para aquele pequeno apartamento na longínqua tarde em que elas tinham sido pintadas por meia dúzia de operários.

Ele se lembrava de ter observado daquela mesma janela o trabalho do grupo de homens que, apesar de ágil, varou noite adentro. Também se lembrava de ter pensado em como todo aquela tarefa de horas e horas poderia ter sido feita com um simples acenar de sua varinha.

Deu um passo adiante, ainda com os olhos fechados, e sentiu o vento batendo em sua face ao mesmo tempo em que apoiava as mãos no parapeito da janela e soltava a respiração.

E foi somente com seus braços firmes que Harry Potter permitiu o olhar se perder através da janela e que sua mente vagasse solta.

Escutou um longo suspiro ecoar e imediatamente soube que era seu. Estava sozinho. Tão sozinho quanto não se sentia há muitos anos. Sabia que não poderia explicar a razão daquele suspiro. Talvez fosse pelo choque que finalmente lhe atingira, tal como um raio fulminante.

Riu-se. Um raio, francamente. Era uma boa hora para fazer piadas. Harry ergueu a mão quase inconscientemente e tocou a cicatriz escondida pela franja. Ela não era mais um problema. Não como fora. Agora sua cicatriz era apenas uma marca para lembrar-lhe de seu passado. O passado que, afinal, nunca o deixaria em paz.

Suspirou outra vez.

Talvez fosse alívio. Um alívio por algo que ele nunca esperaria sentir de verdade. As pessoas não mudam, apenas evoluem no seu próprio jeito de ser. E em seu próprio jeito de ser Harry Potter se sentia triste. E velho.

E com o vento batendo forte em seu rosto ele pensou. Pensou em como era possível para um dia que tinha começado absolutamente normal se transformar numa interminável noite de insônia.

Era claro que Harry Potter já passara por muitas coisas dignas de tirar o sono de homens mais experientes e mais fortes do que ele. Mas agora era diferente. Tudo tinha acabado.

Não tinha?

Assim que derrotara Voldemort, Harry lembrava vagamente de ser assaltado por uns primeiros cinco minutos de felicidade plena e inabalável. Pela genuína sensação de missão cumprida. Essa mesma felicidade, porém, lhe fora arrancada sem piedade instantes depois, quando descobriu que um de seus dois melhores amigos nunca mais estaria ao seu lado. A morte sempre fora uma companhia ingrata e constante e não era a primeira vez que ele sentia seus efeitos, mas aquele golpe havia sido baixo demais... perto demais.

E naquele instante, enquanto todo o resto da sociedade bruxa comemorava, o grifinório descobriu que só havia um meio de alguém igual a ele ter uma vida tranqüila. E sob os olhares perplexos de todas as pessoas que se importavam com ele, Harry deu adeus àquele mundo.

Não queria mais saber de feitiços e manipulações. Queria apagar todas suas memórias. Alegres ou não. Ele, que fora até as últimas conseqüências, lutara e vencera, descobriu-se repentinamente sem coragem para continuar.

"Vale a pena morrer por aquilo que..." e ele não se lembrava do que vinha depois. Ele estava vivo. Tinha de continuar. Era isso que todos lhe diziam. Mas ele não queria. Harry não conseguira salvar seu Padrinho. Seu mentor. Sua melhor amiga. Ninguém.

Todos tinham morrido por ele.

E Harry Potter sabia que não agüentaria mais escutar os parabéns e aceitar os gestos de condolência por suas perdas. Sabia que não poderia olhar para Ron e apagar o fantasma de Hermione impregnado em seus olhos azuis. Sabia que já cumprira sua tarefa.

Harry Potter só queria um pouco de paz.

Vivera completamente sozinho por anos. Se esquivando com impressionante habilidade de tudo e todos que insistiam em lhe lembrar de seu glorioso passado. E durante esse tempo, Harry podia dizer que viveu, sim, alguns raros e prazerosos momentos de tranqüilidade, quando conseguira ficar sem pensar em nada que trouxesse suas lembranças à tona.

Nunca renegara o fato de ser um bruxo. Conservava sua varinha sempre por perto, afinal, ainda era, literalmente, um homem marcado. Nem todos os seguidores de Voldemort tinham sido mortos ou capturados. Ainda existia um perigo que sua cicatriz não lhe deixava esquecer.

Além de tudo, seria muito injusto com aqueles que se sacrificaram por ele caso Harry simplesmente morresse, pego desprevenido em algum beco qualquer.

E era tão irônico. Tão irônico pensar que fora justamente o filho de um Comensal da Morte o responsável por alguns dos raros momentos de tranqüilidade pelo qual Harry Potter se permitira passar após anos de bem-sucedidas esquivas do passado.

Mas Harry Potter nunca gostara de Draco Malfoy.

Em Hogwarts, eles eram inimigos declarados e agiam como mandava o figurino. Nunca em seu tempo de escola Harry conseguira ver Draco como uma pessoa além de seu nome e família. E, claro, ficara verdadeiramente surpreso ao encontrá-lo naquela noite fria e garoenta, sobretudo em circunstâncias tão... inusitadas.

Seu instinto heróico decidira que iria livrar o outro daquilo. E não pelo fato de gostar de Draco. Nunca, nunca gostara. Era pura e simplesmente porque Harry não podia deixar que um ser humano fosse submetido àquele tipo de degradação e não recebesse ajuda alguma.

Entretanto, tirar Draco Malfoy daquele lugar só provou a Harry Potter que ele não podia salvar ninguém. O loiro o aceitara por outra noite, mas, na manhã seguinte, tinha sumido.

"Talvez um dia você esteja pronto para entender esta decisão e volte a me odiar em paz."

Aquelas palavras de despedida foram lidas e relidas até estarem gravadas no fundo de sua mente. Hoje, Harry Potter era grato a elas.

Repeti-las intimamente foi o que o manteve tranqüilo no início daquele dia, enquanto colocava suas antigas vestes bruxas, encarando o espelho de corpo inteiro e se perguntando o quanto teria mudado nos últimos anos. Arrumava e ajustava a peça de todas as maneiras que sua bem treinada memória lhe permitia. Não queria chamar mais atenção do que sua cicatriz atrairia por si só.

Mais cedo ele fora acordado por um som insistente, quase distante, e que lhe parecera melancolicamente familiar. E, ao abrir os olhos, vira a embaçada imagem de uma coruja que dava batidas fortes em sua janela.

Harry se lembrava de ter soltado a folha de pergaminho da pata do animal, se sentindo preso num sonho velho, quase desbotado. Um sonho que não lhe pertencia mais. Lembrava de deixar a coruja sair voando pela janela depois de fazer um carinho em suas penas eriçadas. Lembrava de ter sentado de volta na cama, enquanto punha os óculos e segurava a mensagem nas mãos, sem saber se deveria abri-la. Se queria abri-la. Podia haver tantas coisas escritas naquele simples pedaço de pergaminho...

Talvez não fosse nada demais. Alguma complicação chata com sua conta em Gringotes ou finalmente um interessado em Grimmauld Place. Poderia romper mais um elo com o passado se abrisse aquela carta, mas não. Não queria. Talvez alguém fosse se casar ou tivera um filho.

Talvez alguém estivesse morto.

Por quase dez minutos ele segurara o pergaminho sem conseguir reunir coragem suficiente para abri-lo, intimamente desejando que ele se transformasse num berrador e explodisse, para acabar com tudo logo de uma vez.

Dando o ajuste final em suas vestes, Harry novamente correu os olhos pelo pergaminho, enfiando-o de volta no bolso logo em seguida. Aparatou direto no Beco Diagonal, praticamente vazio àquela hora da manhã. Então esperou impaciente por uma lareira disponível, que o levasse até o Ministério da Magia.

Todo este percurso durou menos de meia hora e, durante esse tempo, Harry Potter tentou não pensar em como seria ver Draco Malfoy pela última vez.

Continua...


Guilhotina foi originalmente publicada na edição número dois do Fanzine Tristeza, produzido pelo grupo L.Y.F e lançado em Julho de 2006.


Nota da Autora: Hoje completam dois anos que a fanfic Nicotina foi postada no efê-efê-ponto-netê, então, não achei data melhor para publicar a primeira parte da conclusão da história. Reviews (também conhecida como "botão simpático e azul no final da página") com comentários, críticas, elogios e (até mesmo) ameaças de morte são eternamente bem-vindas. Sem falar que elas fazem com que eu deixe de ser (muito) preguiçosa e poste a próxima parte logo. Juro.

Agradecimentos: A Calíope pela (excelente) betagem de todas as horas, a Lily pelos (encorajadores) comentários, a Raquel por ter desenhado a (linda) capa da história para o fanzine e ao Sam (aka Shinji) por ter emprestado (mesmo sem saber) o computador para eu digitar parte da fanfic. Dana ama (do jeito dela) todos vocês.