SAMSÂRA
(XVIII MANDALA)
Santuário de Athena, região de Imitos, Grécia
Mu acordou sonolento, demorando algum tempo a adaptar-se ao espaço envolvente. Não tinha conseguido dormir muito e sentia a cabeça a latejar devido à mudança de altitude. A longa noitada que tinha passado com Sahîr e Shaka no dia anterior não lhe tinham oferecido as respostas que desejava, e as mesmas perguntas tinham-lhe contaminado o espírito durante grande parte da noite.
O dia que começava seria longo.
Longo e complicado.
Voltou a fechar os olhos, balançado pelo chilrear dos pássaros que ocupava o Santuário de uma melodia serena. Um som que poucas vezes ouvia em Jamiel.
Era naquela manhã que mestre Arles regressaria para substituir Shion no lugar de Patriarca. Tinha sido convocada uma Ekklesia, durante a qual os cavaleiros fariam o juramento ao novo mestre do Santuário.
Mu sentiu-se agoniar com aquela ideia.
Revirou-se na cama e esforçou-se por pensar noutra coisa. Sem sucesso.
A realidade era aquela, e não outra. Tinha aprendido com Shaka que a vida era mudança e o sofrimento resultava da incapacidade de aceitar essa verdade cruel. Se queria sobreviver, se tencionava reerguer-se, teria de interiorizar isso.
"A vida é mudança" – ainda conseguia ouvir a voz suave de Shaka martelar-lhe a consciência.
A vida era mudança, e tudo se iria resolver! Lutaria por isso!
Aquele pensamento deu-lhe energia. Levantou-se da cama de forma demasiado súbita, ressentindo-o na cabeça dorida. A custo, arrastou os pés até a janela e espreitou por entre as pesadas cortinas de linho. Os dias tornavam-se mais curtos naquela altura do ano, mas a escuridão lá fora indicava que era demasiado cedo. Havia uma grande probabilidade de estarem ainda todos a dormir, à excepção dos poucos guardas destacados para vigia.
Com um suspiro pesado, afastou-se da janela e vasculhou a sacola que tinha largado num canto na noite anterior. Agarrou na primeira roupa que viu, uma calça e túnica clara, demasiado quente para o clima mediterrânico. Deu de ombros, resignado com a situação. As manhãs eram frias naquela época do ano, e pelo céu nublado que tinha visto pela janela, não se avizinhavam melhorias do tempo.
Abriu a porta do quarto e caminhou pelo corredor vazio até onde se lembrava ser as zonas húmidas do androceu. Os servos ainda não tinham entrado ao serviço, ao que teria de se contentar com a água fria que enchia a piscina. Demorou algum tempo a conseguir entrar e, uma vez dentro de água, apressou-se no banho.
Limpou-se com uma toalha que tinha visto dobrada sobre a cómoda de apoio, e vestiu-se rapidamente. Olhou de relance para a janela, e percebeu que no céu começava a distinguir-se tons avermelhados.
O sol começava a nascer.
Decidido a subir até Virgem, evitando ser interpelado ao máximo, percorreu rapidamente os corredores do templo de Áries, desceu ao átrio central de recepção e caminhou para a saída. Abriu a porta, ouvindo o chiar característico devido à sua escala desmedida, e mergulhando no ar frio daquele início de manhã, fez-se ao caminho. Sentia-se cansado, mas a ânsia de saber era o seu combustível.
A sua cabeça ainda entorpecida pela falta de sono estava inquieta. Era a primeira vez que subia aquelas escadarias na total posse da visão, e descobriu que não estava muito longe do que tinha imaginado. A escadaria larga parecia subir em direcção ao céu, numa sucessão de degraus de mármore macio, parcialmente gastos pelo uso.
Aproximou-se da segunda casa, encarando a porta que lhe travava o caminho.
Cada templo, percebeu a medida que atravessava a casa de Touro ainda imersa em silêncio, tinha as suas particularidades, por vezes diferentes da origens do cavaleiro que o regia. Era como se cada casa zodiacal possuísse vida própria, e se regesse por si só, alheia às leis impostas ao longo dos anos aos seus habitantes. Era bem mais fácil de perceber esse detalhe enquanto os seus sentidos se aguçavam pela falta da visão, mas continuava um atributo bem presente depois do seu acordar. As energias que prevaleciam em cada parede, cada coluna ou pedra, cada degrau daquelas casas, tinha vincado a história daqueles que outrora tinham passado por ali. Tal qual as armaduras sagradas que pareciam ter vida própria e irradiar as suas próprias energias.
Mu continuou a subida que o levaria à sexta casa. Atravessou Gémeos nas mesmas condições de silêncio, presenciando no entanto um espectáculo de abandono desconcertante. Tinha ouvido rumores sobre o desaparecimento brusco de Saga e de todo o mistério que o envolvia. Segundo as palavras de Sahîr, ele tinha sido designado para uma missão de grande importância enquanto espião infiltrado. Não deixava de ser estranha a atribuição desse género de tarefa a um cavaleiro da elite, mas, para ele, todas as acções de Shion tinham um propósito nobre, apesar de nem sempre claras.
Quando chegou ao templo seguinte e infiltrou-se na escuridão da casa, Mu foi invadido por um estranho odor cimentado e húmido. Mergulhou no longo corredor aberto em arco, vasto e elegante, iluminado fracamente pela claridade amarelada das lamparinas de azeite.
Estagnou repentinamente quando percebeu um vulto materializar-se ao seu lado na sombra. Algo aparentava querer sair da parede… como um baixo relevo que embelezava as pedras austeras de Câncer. Aproximou-se uns passos, e estendeu a mão numa tentativa de definir a imagem que se mantinha na penumbra. Os dedos tocaram num objecto duro e frio, que numa fase inicial não reconheceu. Delineou os seus contornos como fazia antes de recuperar a visão, mas rapidamente se arrependeu da sua curiosidade. Arregalou os olhos de estupefacção e incredibilidade quando percebeu o que as suas mãos tocavam.
Um crânio humano.
Num movimento rápido afastou-se do muro de pedra, agarrou na primeira lâmpada a óleo que aproximou da parede, hesitante. A projecção da chama revelou o conteúdo macabro que revestia em parte as paredes, como se fosse um quadro inacabado. Colados graças a uma argamassa de mistura argilosa e de pedra moída, crânios humanos tinham sido dispostos em linha.
A imagem terrível daquilo que pareciam troféus de caça fez com que Mu sentisse um arrepio na espinha, ainda mais quando percebeu que a obra estava inacabada.
"Quem está aí? Quem é você?"
Apanhado de surpresa pela voz incisiva mas de suavidade feminina, Mu arregalou os olhos com um sobressalto e virou-se na sua direcção.
Não muito longe de onde se encontrava, uma mulher de olhos achocolatados encarava-o com uma mirada prolongada e inquisitiva. Usava um quiton branco, a túnica de lã usada pelos servos das doze casas, e um lenço himation que lhe cobria os braços e a cabeça protegendo do frio. Através da chama trémula da lamparina pendurada na mão, a luz amarelada concedia-lhe um ar etéreo.
"Ah… o meu nome é Mu" respondeu finalmente num grego correcto com um estranho sotaque sino-tibetano "…aprendiz de Áries…eu…"
"Oh!" a mulher balbuciou, contraindo o rosto aflita "Mestre Mu! Perdão! Não o reconheci! Não sabia que estava de volta ao Santuário."
Mu respirou fundo, aproximando-se lentamente e conseguiu ver melhor quem o encarava. Tinha um olhar doce, uma face abolachada e bonita, o cabelo castanho ondulado preso por baixo do lenço. O cansaço visível nas marcas de olheiras indicavam que tinha acordado cedo, provavelmente destacada para iniciar os preparativos do dia.
"Se há alguém que deva pedir desculpa sou eu… como ainda era demasiado cedo e não é comum avistar alguém…"
"Mestre Mu, enquanto futuro cavaleiro de Áries, tem todo o direito de atravessar as doze casas quando quiser." Ofereceu-lhe um sorriso doce. "Apenas me assustei pois, como disse, é demasiado cedo para avistar alguém"
Mu anuiu, e caminhou em direcção à saída acompanhado pela serva. Apesar de fraca, a luz que emanava da lamparina era bem-vinda.
"O que era aquilo lá atrás?" perguntou baixo, olhando de soslaio para a reacção da sua companhia.
"É… enfim… o que mestre Mephisto chama de parede dos troféus…" a morena suspirou longamente, a fadiga tomando conta do rosto. "Tudo começou quando regressou de uma missão há uns anos, na qual viveu um momento de epifania. A partir desse dia dedicou-se a coleccionar os rostos dos traidores de quem é encarregue…"
Mu não queria acreditar. Arregalou os olhos surpreendido com aquela revelação. "Mestre Shion consentia a esse tipo de aberração?"
"Não! Claro que não… as informações sobre o comportamento de mestre Mephisto chegaram aos ouvidos do Patriarca, que rapidamente proibiu essa conduta macabra." - suspirou - "Infelizmente o dia da grande tragédia veio mais cedo do que todos esperávamos…"
Mu sentiu o coração apertar com as últimas palavras. O dia da grande tragédia, o dia da morte do seu mestre. Apesar da idade avançada do Patriarca, ninguém achava possível presenciar o dia da sua morte. "Então… este cheiro a cimento…"
"Sim. Foi a primeira alteração que o mestre fez quando soube da morte do Patriarca. Uma vez que a entidade que proibia a sua diversão já não fazia parte deste mundo, nada o impedia de agir consoante as suas determinações…" respirou fundo e puxou a maçaneta com alguma força, abrindo uma das grandes portas "Os servos acabaram a colagem esta noite, o cimento ainda está fresco."
Mu sussurrou algumas palavras incompreensíveis e saiu, preparando-se para mergulhar na sombra da noite. Aquele sentimento desagradável de mudança que nascia no seu peito começava a pesar. Olhava o Santuário com novos olhos, e o quadro que via assemelhava-se a uma distorção viciosa dos tempos de criança.
"Mestre Mu?"
O tibetano virou-se e fitou de novo a mulher à porta – "Sim?"
"Sinto muito pela morte de mestre Shion… ele era como um pai para todos nós."
Mu suspirou pesadamente e ofereceu um último sorriso amistoso, antes de continuar o caminho pela escadaria íngreme. Não devia alimentar temas sobre os quais nada devia revelar. As palavras que esperava poder dizer morriam-lhe na boca em silêncios forçados, apesar da sua vontade crescente em gritá-las pelos sete ventos.
"Mestre Shion não morreu naturalmente! Ele foi assassinado!"
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Quando ouvia pela voz de Shaka as descrições sobre o que o rodeava no Santuário, Mu nunca tinha imaginado a grandeza e majestosidade dos templos zodiacais.
Quando abriu as portas do sexto templo, o sol ainda não tinha nascido, e esperava encontrá-lo no mesmo silêncio com o qual se tinha deparado nas casas anteriores. Estranhamente o ar apresentava-se impregnado com o odor forte a incenso, como se o tivessem acabado de acender. O átrium sombrio, iluminado por frágeis lâmpadas douradas penduradas no tecto, as pesadas cortinas decaíam no andar inferior entre as colunatas. Aquela sala parecia ocultar um tesouro perdido, de que uma ínfima parte se vislumbrava na enorme estátua de Buda em pedra.
Mu avançou alguns passos, encontrando uma figura loira sentada em meditação, o corpo voltado para a estátua. Tinha vestido um tasen escarlate, uma figura luminosa naquela manhã de escuridão.
Mu ainda não se tinha habituado à imagem do amigo de infância, demorando alguns segundos a ganhar confiança para se aproximar. Foi então que, respirando fundo, descobriu a solução para evitar os constrangimentos que a sua visão lhe impunha: fechou os olhos, obrigando os seus outros sentidos a ganhar estímulo, e percorreu os últimos metros que o separavam do indiano.
Sabendo que este o tinha sentido a chegar e estava consciente da sua presença, Mu sentou-se atrás dele, o corpo virado para a porta de onde viera, as costas ganhando apoio nas do indiano. Sentiu o calor do seu corpo, e durante um curto espaço de tempo o odor do incenso foi substituído pelo aroma perfumado de alecrim que emanava dos fios loiros. Reconheceu ali o seu lugar de partida, e para o qual estava destinado a voltar.
"Parece atormentado" a voz suave de Shaka entoou ligeiramente rouca devido à ausência de uso.
"Considere uma noite mal dormida, a subida de seis casas zodiacais e um valente susto em Câncer…" o tibetano respondeu demoradamente, esfregando o rosto com as mãos "…ah, e a expectativa de um dia complicado pela frente…"
"Um susto em Câncer?" – Shaka mantinha-se em posição meditativa apesar do diálogo.
"Com uma decoração fora do normal…"
O rosto de Shaka clareou-se "Ah sim! Ouvi boatos a esse respeito. 'O julgamento de Mefistófeles', que rendeu ao cavaleiro de Câncer o estatuto de encarnação do demónio. Há quem lhe tenha dado a alcunha de Máscara da Morte, por causa disso."
Mu remexeu-se "Mefistófeles? O Mefistófeles que captura as almas e é conhecido como um dos demónios mais cruéis?" esboçou um trejeito com a boca e encolheu os ombros "quanta imaginação…"
Shaka sorriu "O próprio nome Mephisto é uma abreviação de Mefistófeles. Não foi preciso muita imaginação…"
"Não acredito que um cavaleiro que baseie a sua reputação na crueldade e no medo fosse escolhido para protector de qualquer armadura dourada…"
"A reputação precede sempre o encontro directo. Uma reputação de assassino sangrento tem um efeito bastante forte na mente de futuros adversários… o cavaleiro de Câncer escolheu suscitar o medo antes de qualquer confronto…"
"Humm", murmurou o ariano espantado e de certa forma divertido pela neutralidade das palavras de Shaka "Parece mestre Sahîr a falar…"
"A habilidade dos discípulos são o espelho da sabedoria dos mestres" o indiano abanou a cabeça com uma expressão entretida, para logo voltar à seriedade "O Santuário é constituído por centenas de pessoas, uma mais diferente da outra. Cada um de nós forma um riacho que compõe o grande rio que é o Santuário. É nele que tudo se mistura, correndo numa única direcção: a salvaguarda do planeta e a protecção da Deusa. Mefisto, como você e eu, faz parte desse rio…"
"Mesmo sendo um assassino?"
"E não nos tornamos todos assassinos, Mu? Pela causa…"
Fez-se um curto silêncio no qual ambos pareciam imersos nos próprios pensamentos. Mu sabia que o loiro não tinha consciência da força que aquelas últimas palavras tinham, considerando os últimos acontecimentos. Lembrou-se do que tinha acontecido ao mestre que amava como um pai, o momento de clarividência que tinha desencadeado um medo constante, sabendo que a qualquer momento aquelas imagens podiam acontecer.
O choque quando soube da morte de Shion tinha-se revelado brutal. Tinha vivido meses numa preparação mental para aquela inevitabilidade, acalentando sempre a esperança de que a premonição não passasse de um momento de cansaço e medos confinados no seu subconsciente. Mas uns dias antes, essa mesma esperança tinha-se desfeito como um castelo de cartas sujeito a uma brisa mais forte. Sozinho em Jamiel, apenas tinha restado incredulidade, a sensação de injustiça; negação e um turbilhão incontrolável de revolta. Depois veio a sensação de perda, uma profunda dor e um insuperável sentimento de culpa. Se ao menos tivesse falado naquele fatídico dia em que tinha previsto a morte do mestre… se pelo menos tivesse tido a coragem de, para um bem maior, opor-se a Shion no seu pedido e tivesse falado…
"Mu"
O tibetano fez um gesto nervoso, saindo do vórtice de sentimentos no qual tinha mergulhado.
"O seu espírito está atormentado"
Mu assentiu, os olhos verdes intensos presos na porta por onde tinha entrado. "Mestre Shion não morreu de morte natural…" sentiu o corpo de Shaka estremecer com a afirmação "Mestre Shion foi assassinado por alguém do Santuário"
Fez-se um silêncio profundo no atrium.
"Está falando da premonição do oráculo de Delfos?", perguntou Shaka, numa voz suave.
Mu remexeu-se negando com a cabeça. A lembrança do oráculo de Delfos apenas tinha confirmado as suas suspeitas. "Tive uma precognição… em Jamiel descobri que tenho a capacidade de receber informação acerca do futuro"
"Previu a morte de Shion…" Shaka analisou a hipótese e, após alguma consideração, voltou a clarear a voz "Mu, há uma grande probabilidade da causa da morte de mestre Shion tenha sido natural."
Mu franziu o cenho, não convencido com aquelas palavras. Conhecia Shaka e sabia que este apenas tentava prepará-lo para essa hipótese.
"Veremos esta tarde…" murmurou, fazendo uma pausa "…mas quando mestre Arles confirmar o que acabei de lhe dizer, vou precisar da sua ajuda…"
Shaka desfez a posição meditativa baixando os braços e abriu os olhos expressivos de um azul líquido, contrariados.
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A aldeia de Rodorio formigava de gente, em espera da chegada do novo Patriarca. Procuravam-se lugares, trocavam-se saudações, olhares. Todo o caminho principal que levava às doze casas transbordava de nervosa actividade. As janelas, até àquele dia cobertas com pesados tecidos negros em sinal de luto, encontravam-se agora abertas de par em par, deixando a luz esbranquiçada do Outono mergulhar nas casas.
Mas o que enchia a aldeia era um sentimento dicotómico de falsa felicidade. A chegada do novo Patriarca era um evento de sentimentos divergentes, pois a felicidade de recebê-lo reflectia a dor de uma grande perda.
Uma fase complicada na vida do Santuário que nenhum dos seus habitantes esperava passar.
Aldebaran subiu os degraus dois a dois, apressando-se para chegar ao topo da torre do relógio. Mais uma vez tinha-se atrasado, a sua estatura revelava-se uma desvantagem quando se deparava com grandes multidões. Respirou fundo quando se viu num patamar diante da porta de madeira. Deu uma rápida vista d' olhos para cima, reparando na espiral de degraus que continuava a subir de forma vertiginosa.
Suspirou pesadamente, antes de abrir a porta que o separava de uma pequena varanda. Deu de caras com um Aioria, sentado sobre o corrimão, as pernas balançando no vazio.
"Já chegou" perguntou, recebendo um sinal negativo como resposta "Bom… tive alguns problemas para chegar até aqui."
"Como sempre!" os olhos atentos de Aioria percorriam sorrateiramente as ruas da aldeia em busca de movimento, sem dispensar atenção ao companheiro que acabava de chegar.
A torre do relógio tinha sido estrategicamente construída entre Rodorio e as doze casas, permitindo uma visão ampla de ambos os lados. O brasileiro instalou-se ao lado do amigo, e observou a vista durante alguns segundos.
O silêncio era retemperador.
Àquela altura apenas se escutava o sopro o vento que batia de norte e um murmurinho silencioso da multidão lá em baixo. O céu esbranquiçado pelas nuvens adornava a paisagem de uma aura estranha. Ao longe estendiam-se as muralhas de pedra milenar que envolviam o recinto e separavam o Santuário do Vale dos mortos.
"Ah!" Aldebaran sobressaltou, com a exclamação do grego "Ali!"
Olhou na direcção indicada, tentando visualizar alguma coisa àquela distância. Os portões das doze casas encontravam-se abertos, e os dois cavaleiros dourados que permaneciam à espera tinham acabado de colocar um joelho no solo, o punho direito fechado sobre o coração.
Um homem bastante alto tinha emergido da multidão, destacando-se à medida que subia os primeiros degraus até chegar a eles. Possuía longos cabelos grisalhos, que se soltavam do manto escuro. Aldebaran semicerrou os olhos, numa tentativa de melhorar o seu foco de visão, mas não conseguiu saber muito mais sobre aquele novo Patriarca. Estava demasiado longe.
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" Mestre Arles… Bem-vindo de volta ao Santuário."
O homem de longo cabelo grisalho e rosto oculto por uma máscara branca, aproximou-se dos dois cavaleiros, e colocou as mãos nas cabeças baixas em sinal de respeito. As mudanças físicas que tinha conseguido implementar no seu corpo graças a um intenso treino mental e de auto-sugestão surtiam agora os seus frutos. Estava irreconhecível, mesmo para Aioros, seu grande amigo de infância.
" Epharistó Aioros …" respondeu, a voz soando rouca e cansada "mediante as circunstâncias, confesso que preferia não ter de regressar."
Aioros baixou o rosto, num sinal de veneração à imagem do antigo Patriarca.
O vento levantou uma súbita nuvem de poeira no momento em que os três homens começaram a subida das doze casas. Agora acompanhado de Aioros à sua esquerda, e Sahîr à direita, a sensação de supremacia era extasiante. Sahîr era conhecido pela sua grande sabedoria, e Aioros era uma das pessoas mais próximas do antigo cavaleiro de gémeos. Mesmo assim, nenhum dos dois tinha sido capaz de detectar a sua fraude.
" Mestre Arles" a voz de Sahîr interrompeu-lhe o fio condutor de pensamento "todos os cavaleiros de ouro que se encontram ausentes foram convocados ao Santuário. Chiaro de Escorpião chegará ainda antes do início da tarde, mas Raziel de Aquário já tinha partido para Bluegard com o seu pupilo quando a convocatória chegou a Magadan. O cavaleiro de Libra e Saga de Gémeos não foram convocados."
"Muito bem Sahîr… muito obrigado."
Escutaram barulhos e vozes a seres trocadas à medida que passavam pelas diversas casas, os servos apressavam-se a inclinar-se e ceder passagem. Escalavam os degraus a um passo arrastado, permitindo a Sahîr relatar o contexto da instituição naquele momento. Não seriam precisos grandes contextos já que o veterano estava a par de tudo até ao momento em que tinha partido para se juntar a Saga.
"Tomei a liberdade de convocar a Ekklesia, devido às circunstâncias singulares. Os restantes cavaleiros de ouro assim como os magistrados esperam-nos no Hekatompedon."
"E teve toda a autoridade para o fazer…" Saga devolveu ao indiano, vislumbrando a sexta casa no cimo do lance de escadas "Fico tranquilo por saber o Santuário em boas mãos durante este tormento. Shion tinha total confiança nas suas capaci…"
As palavras esvaeceram quando, por trás da máscara, o seu olhar descobriu o vulto de um adolescente que o esperava à porta do sexto templo.
A face pálida e graciosamente reservada, emoldurada pelo cabelo cor de alfazema que caía sobre os olhos esmeralda... aqueles mesmo olhos que o encaravam com uma expressão esperançosa de fé rejuvenescida. Os ensinamentos que lhe tinham sido reservados estavam bem presentes no comportamento respeitoso que lhe fazia frente.
Saga sentiu-se vacilar. A esperança contida naquele olhar ingenuamente jovem e a clara confiança cega que o aprendiz de Áries lhe demonstrava, alimentavam a sua personalidade original que começava a aflorar.
Estava diante do primeiro imprevisto daquela encenação: o regresso adiantado do aprendiz prodígio, futuro cavaleiro de Áries.
Crispou a mão direita numa tentativa de atenuar o desagrado, antes de voltar ao normal a poucos passos do tibetano.
"Aprendiz de Áries" disse com toda a calma e serenidade que conseguiu juntar, evitando aproximar-se demasiado. Conhecia bem as habilidades extraordinárias dos guardiões da primeira casa "…sinto muito pelo seu mestre. Shion era um grande amigo e confidente, mas para si era família…"
Mu baixou o rosto, desviando os olhos brilhantes para o chão. Devia diligência àquele homem enquanto novo líder do Santuário, ainda por mais escolhido pelo próprio mestre… o que o deixava bem mais receptivo à ideia.
Mas havia um toque amargo naquela situação que o impedia de estar plenamente confortável diante aquele homem.
"Obrigado mestre Arles" murmurou em resposta.
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Caixa de Pandora às costas, Chiaro sentiu uma brisa gelada à medida que subia as escadarias. O italiano mantinha a expressão de garoto traquinas que sempre lhe bailara nos olhos escuros, o cabelo rebelde tinha ganho uma tonalidade aloirada queimado pelo sol. A pele morena e a barba rala sugeriam o estilo de vida selvático que tinha mantido com o pupilo.
Era meio da tarde quando o italiano atravessou as portas do primeiro templo. Encontrou a casa com vida, muito diferente do que tinha deixado antes de partir com Milo. Estava calor no interior, e os servos divagavam pela casa absorvidos nas tarefas diárias de tal forma que demorou uns segundos a darem com a sua presença.
Sorriu, os olhos divertidos a bailarem entre os rostos expectantes e confusos que o observavam. Não demorou muito para que fosse interpelado por uma voz masculina, vinda do seu lado direito.
"Mestre Chiaro…" apesar de calculada, o italiano percebeu que havia alguma reticência naquela voz "posso ajudá-lo?"
O italiano olhou na sua direcção e afastou a franja dos olhos atentos. Reconheceu Alexandros, ao qual respondeu naturalmente "Solicito passagem na casa de Áries."
O homem ficou tão surpreso, que longos segundos passaram sem que nada conseguisse dizer - "Como?" - murmurou finalmente, as peças tentando encaixar-se no seu pensamento - "Enquanto cavaleiro de ouro tem passagem directa pelas doze casas…"
"Si, mas o código de conduta exige que, diante o protector da casa em questão, seja solicitada passagem antes de entrar" o italiano continuou, indicando o átrio de entrada à sua volta - e este alvoroço só pode indicar uma coisa: o aprendiz de Aries regressou ao Santuário.
Ainda meio atónito e confuso, o servo murmurou um pedido de desculpa e desapareceu pelo corredor, deixando Chiaro sozinho. O italiano sentia-se extenuado, aquela confusão, treinos intensos e pressa de regressar, assim como o caos no qual tinha encontrado o Santuário não ajudava. E ainda teria de enfrentar um concelho dos vinte e quatro antes de poder finalmente descansar um pouco o corpo dorido. Fechou os olhos durante alguns segundos, aproveitando para descansar um pouco enquanto estava sozinho. Sentia os olhares confusos das pessoas que passavam perto, mas não se importava com eles. Afinal de contas estava ali com um propósito…
Alguns minutos tinham passado quando voltou a ouviu passos que se aproximavam. Abriu os olhos, vendo Alexandros reaparecer, acompanhado de perto por outra pessoa. Chiaro encarou o jovem acompanhante durante longos segundos, reconhecendo a criança que tinha desaparecido uma noite do Santuário para um treino especial. Estava agora mais velho, o cabelo longo encontrava-se preso frouxamente, os olhos esmeralda antes embaçados tinham ganho um brilho intenso e encaravam-no perplexos.
"Aha! O que temos aqui! Recuperou a visão pelo que estou a perceber!"
Mu aproximou-se do recém chegado e dispensou o servo com um gesto da cabeça. Apesar das diversas tentativas, não conseguiu encarar os olhos do seu interlocutor durante muito tempo, mas percebeu que nunca tinha visto aquela pessoa no Santuário. A voz não lhe era estranha, mas depois de alguns anos isolado em Jamiel, não conseguiu definir a quem pertencia. Sentia-se observado insistentemente, e incomodado devido ao sorriso que aflorou nos lábios do moreno à sua frente. O silêncio era incómodo ao extremo. Foi então que os seus olhos captaram um brilho conhecido por entre a capa branca que cobria a caixa de pandora.
Era dourada.
"Mestre… Chiaro?" perguntou estupefacto pela aparência desleixada do homem à sua frente.
"Mu de Aries."
Mu suspirou aliviado por ter acertado na identidade, e forçou-se a manter o contacto visual "Em que posso ajudá-lo?"
"Mu de Áries… você é um livro aberto e não consegue esconder a intimidação que sente pela minha presença… demonstrar medo é uma fraqueza para qualquer cavaleiro" Chiaro esboçou um sorriso antes de falar "Solicito passagem na casa de Áries."
Às ultimas palavras, Mu ficou paralisado sem entender o que acontecia. A expressão vidrada no que lhe pareceu uma revelação, tinha entendido as palavras mas não queria acreditar no que havia escutado. "Passagem…" ouviu a sua voz murmurar enquanto não conseguia tirar os olhos do cavaleiro de ouro. Fixava-o com um fascínio incrédulo. Não queria ver, mas não podia deixar de ver, como se estivesse hipnotizado, subjugado à tremenda força simbólica daquele olhar intenso.
Tentou se mexer, mas percebeu com estupefacção que o seu corpo não respondia. Paralisado, deu conta que o entorpecimento inicial começava a desaparecer, para dar lugar ao medo, como se diante dele se desenrolasse o pior de todos os cenários, o maior de todos os pesadelos.
Mas era apenas Chiaro que permanecia ali… então de onde surgia aquele sentimento de pânico que lhe crescia nas entranhas e que o impedia de se mexer?
Tinha de reagir de alguma forma… não podia ser atacado na sua própria casa e não revidar. Era o único protector do templo de Áries, apesar de não ser portador de armadura de ouro ainda. O homem que se encontrava ali era um cavaleiro de ouro, e ele um mero aprendiz, mas não podia deixar-se afundar daquela forma.
De repente, um vestígio de um recordação irrompeu por entre a confusão de pensamentos. Era Chiaro, cavaleiro de Escorpião que o estava a atacar. Um cavaleiro da elite dourada, um dos doze cavaleiros mais próximos do Patriarca.
E se fosse ele o traidor e o assassino de Shion?
Foi o simples pensamento que necessitou para conseguir reagir, sentindo um ódio crescente apoderar-se da sua alma. O emergir do rancor alastrou-se pela sua alma, consumindo qualquer vestígio de medo que pudesse ter sentido. Era flagrante na sua cabeça que o italiano tinha morto o mestre e agora esperava acabar o trabalho com o discípulo…
"Chega!"
A voz de Chiaro surgiu num tom de comando, acordando-o das profundezas da exaltação. Sem se aperceber, Mu tinha-se deixado cegar pelas emoções fortes, e elevava o cosmo num sinal de violência contra um cavaleiro de ouro, superior não apenas em comando mas igualmente em poder. Respirava pesadamente, como se aquele último momento lhe tivesse consumido as forças que tinha reunido durante a noite mal dormida.
Chiaro suspirou, numa mistura de alívio e frustração. De alguma forma, Mu tinha escapado à sua Restriction, coisa que Milo não tinha conseguido até aquele momento. Podia ter sido um golpe de sorte, fruto do seu cansaço ou qualquer outra condicionante… por outro lado, Shion tinha-se encarregado pessoalmente do seu treino, o que o levava a crer que aquela criança era especial.
"Ah! O seu treino deu frutos!" comentou fazendo um sinal com a mão "Confesso que tinha as minhas dúvidas… mas vejo que mestre Shion tinha boas razões para cuidar de si."
Acedendo ao pedido silencioso do mais velho, Mu controlou a respiração forçando-se a inspirar grandes lufadas de ar. Quando se viu mais calmo e ciente da conversa, permaneceu estático durante um longo instante, os olhos congelados no seu interlocutor. Considerando a incoerência dos últimos acontecimentos na sua casa, não tinha mais a certeza das verdadeiras intenções do italiano.
"Mu de Aries, enquanto pupilo da primeira casa cabe-lhe agora a si a sua protecção" Chiaro respondeu ao perceber a incerteza estampada no rosto do mais novo "Ainda não é um cavaleiro de ouro, tive portanto as minhas duvidas sobre as suas capacidades…" esboçou um sorriso "Sabe… tenho uma grande tendência para duvidar das palavras de Sahîr quando estas não me agradam… o que acontece na grande maioria dos casos" murmurou as ultimas palavras por entre um longo suspiro "Portanto, Mu de Aries, sente-se pronto para defender a primeira casa contra futuros invasores, mesmo que isso culmine na sua morte?"
"Bem… uh…", o tibetano balbuciou ao fim de longos segundos em silêncio.
"Bene!" Chiaro aproximou-se do mais novo, dando-lhe duas palmadinhas no ombro "Seja bem-vindo de volta ao Santuário! Agora se me permite, tenho uma assembleia à qual comparecer."
Caixa de Pandora às costas, o italiano desapareceu pelo átrio do primeiro templo, deixando para trás um aprendiz perplexo, sem entender o que tinha acabado de acontecer.
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O sol deitava-se devagar no horizonte, pintando o ocidente de um violeta luminoso quando as portas do Hecatompedon voltaram a abrir-se.
Sentado no degrau próximo da porta, Mu despertou do estado de letargia em que tinha mergulhado durante a espera. O som arrastado e gutural dos sinos ecoaram pelo Santuário, marcando o final da assembleia.
Os olhos atentos esquadrinharam a multidão que saía do templo, tentando alcançar o rosto conhecido de Sahîr e surpreender movimentos denunciadores da verdade. Reconheceu-o conferenciando com um estranho, e optou por esperar pela sua aproximação.
À medida que analisava o aglomerado de gente que se tinha formado à frente do 13º templo, a sua expectativa e ânsia rugiam.
Começou por estranhar o comportamento demasiado natural de todos, como se aquela reunião tivesse sido uma simples confirmação do que todos já sabiam.
A insegurança crescia-lhe no peito. Havia algo de muito errado naquela cena.
Era impossível que aqueles homens, tão próximos do seu mestre, se mantivessem impassíveis perante o seu assassinato.
"Mu!"
Ouvindo-se interpelado, o tibetano virou-se na direcção do interlocutor, e deparou-se com o rosto impassível de Sahîr, que lhe fez sinal para descer.
O pouco discernimento que tinha não o ajudava a perceber o que estava para além daquela expressão. Sentiu a mão coberta pela armadura dourada pousar-se no seu ombro, e o seu instinto de telepata falou mais alto, vendo ali uma oportunidade de antever o que tinha realmente acontecido para lá das duas portas.
Por segundos deixou-se levar pela necessidade de conhecimento e naquela doce corrente espiritual, tentando alcançar os pensamentos do indiano. Sabia que era Sahîr com quem estava a lidar, e que o mais provável seria uma rejeição directa e violenta do indiano. Mas a aflição ditava novas regras, ainda assim tentou a sua sorte.
"- É com grande pesar que anuncio a morte de um grande amigo e companheiro de tantos anos... Shion, anterior cavaleiro de Áries, faleceu de uma paragem cardíaca devido à idade avançada."
Ao ouvir aquelas palavras, o aprendiz suspendeu a respiração.
"Não. Não é possível..." pensou, a simples ideia de morte natural constituindo uma punhalada no coração.
Nada daquilo podia estar a acontecer. A voz de mestre Arles parecia ecoar na sua mente como se a cena se estivesse a desenrolar à frente dos seus olhos. Sentiu o coração acelerar de ansiedade, e o ar à sua volta pesava-lhe nos pulmões.
Era um erro... sim, tudo aquilo só podia ser um erro; uma partida irónica do Universo, uma provação cósmica.
Levantou os olhos embargados de incompreensão para o mestre que seguia ao seu lado, esperando uma resposta mais real. No fundo esperava que ele o tranquilizasse, que tinha sido o castigo pela tentativa de lhe invadir o espírito e que aquela cena não passava de uma invenção sua.
Mas o silêncio que recebeu em resposta foi como uma bofetada na alma.
Caminhando ao seu lado, Sahîr apenas tinha deixado ver o essencial, parte do que tinha acontecido naquela Ekklesia. A resposta à grande questão que atormentava o espírito do pupilo.
Tinha sim havido alguns momentos mais conflituosos ao longo daquelas duas horas, mas no final todos tinham concordado que a vontade do falecido Patriarca tinha de ser adoptada, e Arles reconhecido no seu lugar.
Observou o tibetano que descia a escada ao seu lado, visivelmente em estado de choque, a cabeça baixa e os ombros descaídos.
Percebia a confusão que se tinha engendrado na cabeça do tibetano, mas pouco havia a fazer para o ajudar. O grande dilema que surgia agora tinha de ser respondido por ele: acreditar nas suas capacidades, ou nas palavras de um novo Patriarca, amigo de confiança do seu antigo mestre.
"Não tente resistir às mudanças que a vida lhe impõe"
Durante breves segundos deixou-se embalar pelas lembranças de infância... lembranças do tempo em que Jahtara era seu pai e mentor, as palavras sábias do mestre com quem tinha permanecido até ser levado para o Santuário. Tinham sido essas as palavras que o pai lhe dissera no momento da partida e que o tinham acompanhado durante todo o trajecto até à sexta casa.
"Não tente resistir às mudanças que a sua vida lhe impõe. Ao contrário, deixe a vida continuar em si. E não se preocupe se ela fique do avesso! Como sabe se o sentido a que está habituado é melhor do que está para vir? Tenha fé!"
Fé... Jahtara era um homem de fé. Fé na deusa, no novo Patriarca, no Universo...
"O problema na 'fé' é que, absorto na árvore, torna-se impossível ver a floresta..."
O indiano sobressaltou quando percebeu que aquela voz sussurrada não vinha das suas memórias, mas sim dos lábios do pupilo ao seu lado. Aquele simples comentário fê-lo tomar consciência de que tinha baixado a guarda demasiado; Mu continuava a esquadrinhar os seus pensamentos de forma lúcida, apesar do abalo inicial.
Consciente das suas capacidades, afastou a mão do ombro do mais novo mesmo antes de entrar na sexta casa. Aquela resposta do tibetano ecoava-lhe nos recantos da memória como se a reconhecesse de algum lugar. Não lhe era estranha... tinha a sensação de a ter ouvido várias vezes antes.
"Cuidado com a árvore, Sahîr; não lhe impeça ela de ver a floresta..."
Deixou o tibetano entrar, e permaneceu à porta alguns segundos, os olhos detidos no arranjo de templos que subia até ao Hecatompedon. Eram doutrinas que tinha ouvido antes...
De repente sentiu um rasgo de lucidez, voltando a desviar a atenção para Mu que o encarava do interior do templo com uma expressão vazia na face.
Aquelas eram palavras que tanto ouvira do antigo grande mestre, Shion de Áries.