Disclaimer: Não, Saint Seiya infelizmente não me pertence. Não, mais infelizmente ainda não lucro um tostão furado com ela.
Resumo: U. A. Camus é um jovem oficial da Marinha da França que é convidado a participar de um treinamento secreto da OTAN. Dentre os companheiros de treinamento, está o sempre arrogante oficial do Exército da Inglaterra, o jovem Milo. Irão os dois jovens resistir às tentações proibidas da vida na caserna? Yaoi-lemon CamusXMilo.
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Cap. 1 – Os melhores dentre os melhores
Desceu do helicóptero verde-oliva meio ressabiado, abaixando-se para desviar das pás que giravam fazendo um barulho ensurdecedor. Correu abaixado até juntar-se ao resto do grupo que voara com ele e que conversava animadamente, esticando-se todos a fim de relaxar as juntas doídas pela viagem longa e desconfortável. Com um leve aceno de cabeça para os outros, deixou cair a pesada mochila no chão e começou a se esticar também.
Olhava a sua volta num misto de medo e curiosidade. Muitos rapazes mais ou menos de sua idade, trajando uniformes mais ou menos iguais ao seu, corriam de um lado para o outro, entretidos em algum tipo de treinamento. Gritos de ordem, músicas ritmadas, helicópteros que pousavam e decolavam, ecos de tiros por todos os lados.
Camus estava acostumado a essa vida. Aos oito anos de idade o pai o havia mandado para o colégio militar, entristecido e perdido demais após a morte de sua mãe para continuar a criá-lo sozinho. O garoto no início odiou a idéia, mas aos poucos foi se acostumando àquela dura vida de treinamentos e restrições de todos os tipos: hora para acordar, para almoçar, para estudar, para treinar, para jantar, para tomar banho, toque de recolher... era essa a única vida que o garoto conhecia, e após um tempo acostumou-se a ela.
Aos dez anos, veio a notícia do falecimento de seu pai. Após toda aquela agonia de velório, enterro e documentos, percebeu-se sozinho no mundo. Mas não se desesperou. Mesmo as lágrimas pela morte prematura do pai foram um ato mecânico. Como seu tutor legal, foi designado o Tenente-Coronel do exército da França, Monsieur Aiolos du Sagittaire. O Tenente-Coronel era um homem severo e impunha disciplina rígida, mas o amava como a um filho.
Tornou-se um adolescente frio e compenetrado, sempre preocupado em cumprir suas obrigações. Aos poucos, foi se tornando cada vez mais reservado, fechando-se em si mesmo. Era como se tivesse construído uma barreira de gelo eterno em volta de si.
Aos dezoito anos já tinha experiência e capacidade o suficiente para juntar-se à Escola de Oficiais da Marinha da França, em que se graduou como melhor da turma. Assim, aos vinte anos de idade, impressionantemente jovem, tornara-se o Segundo Tenente Camus L'Aquaire, um dos grandes orgulhos das forças armadas francesas.
Dois anos depois, foi pedido à França para enviar o melhor de seus jovens para um treinamento novo e extremamente confidencial da OTAN (1). Camus foi a escolha óbvia, pelo currículo invejável não só intelectualmente – estava se graduando engenheiro aeronáutico na Faculdade das Forças Armadas – como também físico – havia se saído incrivelmente bem em todas as missões-treinamento para as quais fora mandado.
Assim, aos vinte e dois anos de idade, o belo jovem francês aguardava no pátio da base militar, junto a um grupo de garotos que, ao contrário de si, pareciam extremamente excitados e empolgados com aquela oportunidade única. Fechou os olhos pedindo aos céus para que nenhum deles lhe dirigisse a palavra. Não que não simpatizasse com os outros: o problema era que ele mesmo não era nada simpático.
– Olá, sou o Subtenente Shura Capricón, Exército da Espanha! – disse um jovem moreno num inglês com um sotaque pra lá de carregado, estendendo-lhe a mão direita.
– Segundo Tenente Camus L'Aquaire, Marinha da França! – apresentou-se o rapaz apertando a mão do outro sem esconder o desdém pela patente inferior do espanhol.
– Bonita base, não? – perguntou o espanhol, disfarçando seu constrangimento.
– Uma base como todas as outras... – limitou-se a falar o francês.
– Bom, não é todo dia que ficamos numa base em Atenas, suponho... – riu um moreno grandalhão atrás de dos dois. – A propósito, sou Aldebaran Taurus, Segundo-Tenente e fuzileiro naval da marinha dos Estados Unidos da América – encheu a boca para falar, principalmente quando disse ser um fuzileiro naval, pois havia percebido o desdém com que Camus tratara o outro e, além de ter patente igual ao francês, era ainda um mariner, parte do temido grupo de elite norte-americano.
Camus sentiu uma ponta de inveja mas seus olhos demonstraram a mesma frieza de sempre. Olhou para trás e encarou o enorme rapaz que sorria cumprimentando o espanhol. – Bem, você não me parece americano... – disse sem demonstrar a menor mudança em seu timbre de voz.
– Talvez seja pelo fato de eu ser brasileiro... minha família imigrou para os Estados Unidos quando eu ainda era criança. Acabei me naturalizando e agora cá estou! – continuou Aldebaran, sempre sorrindo. Shura agradeceu internamente por aquele grandão sorridente, intuindo que seriam grandes amigos ao longo do duro tempo de treinamento.
– Humpf – bufou Camus – Quel patriotisme! (2)
Shura e Aldebaran se olharam e riram da cara zangada do francês. Apesar de serem todos militares, acostumados à dura vida na caserna, eram também jovens e queriam fazer amizade. Muito diferentemente de Camus, que não parecia nem um pouco interessado na conversa animada que os outros dois vinham tendo a respeito de quantas folgas teriam por semana e se as mulheres gregas eram mesmo tão bonitas quanto ouviram falar. Em pouco tempo, os jovens de várias nações diferentes, já devidamente apresentados uns aos outros, brincavam e contavam vantagens sobre seus postos, suas missões, seus países e até sobre suas fardas, discutindo qual era a mais bonita.
Um homem aparentando ser um pouco mais velho que os outros, mas ainda assim jovem, vestindo uma bela farda, foi se chegando aos poucos. Parou ao lado do grupo, circundando-os, fitando-os dos pés a cabeça, como que estudando. "Os melhores dentre os melhores! E ainda assim parece que eu vou ter um trabalhão!", pensou o homem e suspirou, fechando os olhos e tomando coragem. "E onde está aquela uma quando a gente precisa dela? Preciso dar um jeito naquela menina!"
– Seeeeeeeeeeeeeeeeeeeentido! – gritou e os jovens colocaram-se em posição, todos duros com uma mão à testa. – Muito bem, sou o Major Saga Gemini, da Força Aérea grega, designado comandante do Primeiro Batalhão Alfa da OTAN: ou seja, os Senhores. Antes de começarmos o treinamento que, garanto, será o mais difícil que os Senhores já enfrentaram, gostaria que se apresentassem. – começou, caminhando pelos soldados perfilados. – O grandão aí primeiro!
– Segundo-Tenente Aldebaran Taurus e fuzileiro naval dos Estados Unidos, Senhor! – berrou o brasileiro com toda a força de seus pulmões. Saga teve uma vontade indescritível de rir mas se segurou. Continuou andando e parou diante de um outro rapaz.
– Subtenente Shura Capricón, Exército da Espanha, Senhor!
– Segundo-Tenente Másquera Morte Cancerini, Aeronáutica da Itália, Senhor!
– Nossa, que nome horrível! – disse Saga desgostoso. – Credo! – murmurou balançando a cabeça. – Vamos, continuem!
– Subtenente Aiolia Lyons, Força Aérea da Grécia, Senhor!
– Segundo Tenente Camus L'Aquaire, Marinha da França, Senhor!
– Ah, sim, Sr. L'Aquaire, muito bem recomendado... – disse Saga olhando seu caderno de notas. Camus tentou continuar com aquela pose impassível de sempre, mas não conseguiu disfarçar o orgulho que o comentário do Major lhe causou. – Huuuum, mas está faltando um... pelas minhas contas, o Batalhão Alfa seria formado por seis oficiais... onde estará o sexto? – disse, pensativo.
– Subtenente Milo Scorpio se apresentando, Senhor! Senhor, desculpe o atraso, Senhor! Senhor, minha mochila prendeu na hélice do helicóptero, Senhor! Senhor! – disse o jovem esbaforido, as faces vermelhas como se fossem explodir.
– Que tanto senhor é esse, Senhor? – perguntou Saga fazendo um esforço sobre-humano para não rir da cara do jovem loiro espevitado. – E de onde é o Senhor? – perguntou.
– Ah, claro, Senhor! Desculpa Senhor! Exército da Inglaterra, Senhor! – completou o jovem Milo.
"Af, sujeitinho insuportável...", pensou Camus olhando meio de soslaio para o jovem loiro e de olhos claros a seu lado.
Saga suspirou profundamente. "E ainda me disseram que eram os melhores dentre os melhores...Acho que eu vou ter mais trabalho do que imaginei", pensou para si mesmo. – Bom, senhores... o treinamento começará amanhã pela manhã. Por ora, quero que passem pela triagem, onde conseguirão duas fardas e farão alguns ajustes, como por exemplo cortar os cabelos, não é mesmo, Sr. Scorpio? – disse virando-se para Milo, cujas madeixas longas contrastavam com a farda cinza-chumbo. – Tenham em mente que aqui não há hierarquia entre os senhores, são todos recrutas que devem obediência a mim e aos outros. E principalmente que não será nada fácil cumprirem o treinamento. É só por enquanto. Deeeescaaaaaansaaaar! – ordenou. "Onde está a Shina quando a gente precisa dela?", pensou e saiu pisando duro, deixando os jovens com cara de ponto de interrogação.
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– Ai, que merda! – disse Milo batendo com a palma da mão na testa assim que Saga se afastou do grupo. – Consegui causar a pior impressão possível com o comandante logo nos dois primeiros minutos de Grécia! Eu mereço!
– Que nada, Milo, foi uma entrada triunfal, eu diria... – riu Aldebaran e abraçou o companheiro.
– Sei sim... e como se não bastasse isso e minha mochila destroçada pelo helicóptero, ainda por cima vou ter de cortar o cabelo que com tanto custo consegui cultivar lutando contra deus e o mundo nas Forças Armadas de Sua Majestade! – disse cabisbaixo, arrancando risadas dos companheiros, menos de Camus, lógico.
Camus olhou para o grupo e suspirou. "Mon Dieu, e eu achando que estaria dentre os melhores...", pensou. Pegou sua mochila do chão colocando-a nas costas e pôs-se a caminhar.
– Oh, ruivo, onde é que cê vai? – perguntou Milo correndo atrás do outro.
O francês fez uso de todas as suas forças para não mandar o jovem loiro para a Inglaterra que o pariu. – Para a triagem, onde mais? Bando de imbecis! – disse com a voz gelada de sempre.
– Nossa, esse aí sabe fazer amizade, pelo jeito... – riu Milo.
Os seis rapazes se dirigiram à triagem, que consistia em um grande galpão de concreto cinza subdividido em várias pequenas salas. Enfrentaram uma pequena fila até encontrarem, sentada numa pequena mesinha de madeira, uma jovem de cabelos ruivos e olhos castanhos.
– Olá, rapazes. Eu sou a Sargento Marin D'Aguias! – apresentou-se a jovem, saindo detrás da mesa e cumprimentando os garotos, que quase não acreditaram ao encontrar uma mulher – e bonita – naquele lugar. – E os Senhores devem ser os recrutas do Projeto Batalhão Alfa, correto?
– Sim, senhora! – disse Camus, apresentando-se a si e aos demais.
– Ah, mas é um líder nato... tinha que ser francês mesmo! – disse Milo ironicamente. Tomou uma das mãos de Marin nas suas e a beijou docemente. – Não esperava encontrar uma flor tão bela neste jardim de concreto... – completou olhando a moça no fundo dos olhos.
Camus deu uma bufada, já estava perdendo a paciência. – Senhora? – disse, encarando Marin, que por sua vez ostentava uma feição zangada.
– Oh sim! Somente para lembrá-los, Senhores, de que aqui e para nós os Senhores são recrutas e nada mais... – disse encarando Milo. – E portanto sujeitos a todas as leis marciais, inclusive aquelas que dizem respeito a desacato a autoridade... – completou, fazendo Milo engolir em seco. – Enfim, tomem aqui... – disse a moça entregando a cada um uma mochila grande e verde-oliva (a indefectível cor militar) com o nome de cada um na etiqueta. – Aí dentro está todo o material de que vão precisar, desde fardas a material de higiene e sobrevivência. Agora, por favor, dirijam-se à sala 54, irão fazer o exame médico. De lá, por favor vão até a sala 47 para cortarem os cabelos...
Os seis recrutas foram caminhando a passos largos até a sala indicada pela Sargento Marin. A porta estava fechada e de quando em quando alguns gritos podiam ser ouvidos vindos de lá. Havia dois bancos, um de frente para o outro, cada um encostado em uma parede do corredor estreito. Sentaram-se Camus, Aldebaran e Shura em um e Aiolia, Másquera e Milo no outro. Os companheiros se olharam meio ressabiados e assustados, até que a porta se abriu e um rapaz saiu de lá meio mancando, ajudado por um outro cujo braço estava tão inchado que parecia que ia explodir.
– Mais dois! – gritou uma voz de dentro da sala.
– Aldebaran, vamos nós dois! – disse Shura com uma voz meio tremida. O brasileiro-americano concordou com a cabeça e foram os dois para a sala.
Enquanto isso, Aiolia, Milo e Másquera conversavam amigavelmente.
– Milo, você já conhecia o Aldebaran? Vocês pareceram muito amigos... – perguntou Aiolia.
– Oh, sim, o Deba e eu somos companheiros de longa data... lutamos juntos no Iraque... – contou o jovem inglês.
– Iraque? – virou-se Camus para encarar o loiro. – Você esteve no Iraque? – perguntou tentando em vão disfarçar sua admiração.
– Por que a surpresa, oh Napoleão Bonaparte? Estive sim, ué! Até estilhaço de bomba eu tomei... – pontuou o outro. – Você em compensação duvido que tenha estado em alguma missão de verdade... deve ser daqueles almofadinhas que cresceram em colégio militar e por isso alçaram patente logo cedo, se saindo bem nas missões-treino mas nunca se envolvendo num conflito de verdade, acertei? – perguntou sorrindo um sorriso irônico.
– Ora, seu... – murmurou Camus entre os dentes fitando aquele sorrisinho meio de lado do loiro.
– Mais dois! – berrou a voz lá de dentro enquanto saíam de lá Aldebaran e Shura meio atordoados.
– Másquera e Aiolia, vão vocês. Eu quero ir com o francês, ele é tão simpático! – disse Milo fazendo um sinal para os dois colegas, que se levantaram e foram ao médico.
– Ora, seu... – continuou Camus sem saber muito bem o que dizer. "Que sujeitinho mais insuportável!", pensou novamente.
– Ah, vamos, Yves Saint-Laurant, não faz essa carinha não... seremos bons amigos, você vai ver! – disse Milo tirando o quepe e jogando os longos cabelos loiros para trás. – Ai, não queria ter de cortar o cabelo... – murmurou pesaroso.
– Bem, mas acho que não vai ter muito jeito não... E nossa, que Sargento gata, não? – disse Shura já mais recomposto.
– Ficou doidinha por mim! – gabou-se Milo.
– Ah, com certeza, agora o inglês é o Casanova da caserna... – afirmou Camus fazendo um gesto com as mãos, meio enfadado.
– Nossa, gente, tirei a Brigitte Bardot do sério! – riu-se Milo e Camus fechou a cara, corando um pouco. – Mas pra sua informação, meu caro, e pra te fazer ter uma melhor imagem de mim... sim, eu me preocupo com o que você acha de mim... – disse, dobrando o corpo pra frente, aproximando-se do francês. – eu sou só meio inglês, então tenhamos só meia rivalidade, ok? Minha mãe era grega...
– Quer dizer então que além de tudo estou em desvantagem, afinal, você joga em casa... – bufou Camus, cruzando os braços. – Ingleses são sempre ingleses...metidos!
– Nossa, o Picolé Humano fez uma piada! – brincou Milo. – Segurem-se todos que vai chover canivete...
– Mon Dieu! – exclamou o francês. – Não faz nem meia hora que nos conhecemos e você já está a me aporrinhar deste jeito, sacré bleu! – completou, por sua vez também tirando seu quepe e coçando com o indicador direito a cabeça ruiva.
– Se controla, Uxo! – disse Aldebaran. – Eu te conheço de longa data, mas acho que o Sr. L'Aquaire não está gostando nada nada de suas gracinhas...
– Até que enfim alguém falou algo que preste nesse lugar, credo! – desabafou Camus. – Que espécie de apelido ridículo é Uxo?
– Vem de Miluxo! – explicou o inglês. – E é um apelido super carinhoso, viu, Sophie Neveau?
– Ora, seu... – exclamou Camus ficando em pé de frente para o outro. Pegou Milo pela gola da farda. – Quer morrer, é?
– De repente é uma boa idéia... – disse o inglês. Camus o largou com tudo no banco e se sentou novamente, bufando. "Credo, agi por impulso agora... acho que nunca na minha vida eu agi por impulso... sujeitinho mais insuportável!", pensou e olhou para o outro lado, a fim de não encarar o loiro.
– Mais dois! – aquela voz temerosa chamou, enquanto Aiolia e Másquera saíam da sala.
Relutantemente, Camus se levantou e caminhou até ao médico, acompanhado pelo loiro sorridente.
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Entraram os dois meio ressabiados na sala fria de concreto. Havia uma maca meio rasgada encostada na parede, e ao lado um velho apoio de soros que de tão enferrujado transmitia tétano só de chegar perto. Do lado oposto, um armário branco pequeno com portas de vidro pelas quais se enxergavam algumas ampolas: penicilina, xilocaína e sufa. Ao lado esquerdo do armário, uma pequena mesa de madeira igual àquela da Sargento D'Aguias. Atrás da mesa, um sujeito careca com cara de pouquíssimos amigos. Em cima da mesa, lia-se numa velha placa: Dr. Tokumaro Tatsumi. Incoscientemente, Milo deu um passo em direção a Camus.
– Muito bem, nus os dois! – disse o médico, levantando-se e batendo o pó do velho avental branco.
– O quê? – perguntou Camus com os olhos arregalados.
– Ah, vai me dizer que você nunca fez exame médico no exército, Moet Chandon? – perguntou Milo rindo de canto de boca. Tirou o quepe, pousando-o sobre a maca e o ventilador de teto espalhou os fios loiros pelo rosto moreno de sol. Tirou o jaleco da farda calmamente, depositando-o com cuidado ao lado de seu quepe. Abaixou-se para desamarrar os coturnos altos e pretos, que saíram de seus pés não sem alguma dificuldade. Livrou-se das meias pouco depois, seguido pela cueca.
Não havia a menor dúvida de que aquela mistura anglo-grega tinha dado pra lá de certo. O jovem, aos vinte um anos, era simplesmente estonteante. Os longos cabelos loiros desciam como uma cascata pelas costas proporcionalmente trabalhadas. Os braços fortes emolduravam um tórax perfeito, marcado pelo peitoral definido e pela barriga semi tanquinho. As pernas eram firmes e bem torneadas, e nelas se apoiavam glúteos no mínimo suculentos. Milo terminou de se despir e voltou para encarar o francês que, meio ruborizado, nem se mexia.
– Oh doutor, acho que a Maria Antonieta aí está sem graça... – disse Milo apoiando um braço no ombro do francês. Mas não conseguia disfarçar um leve rubor nas faces.
Camus ficou uns dois segundos sem saber o que dizer. Até que levantou o ombro em que o inglês se apoiava, fazendo o outro se afastar de si. Foi então sua vez de, resmungando mil coisas em francês, despir-se devagar, da mesma maneira quase ritualística com que fizera o outro.Ficou completamente nu, revelando um corpo sedutoramente másculo. Também tinha as faces rubras, mas como era mais claro que o grego sua vergonha aparecia mais.
"Paciência é uma virtude...", pensou o Dr. Tatsumi encarando os dois. "Ver homem pelado todo dia é castigo, só pode ser!", tornou a pensar, colocando o estetoscópio gelado na pele de um e depois do outro. Fez os dois correrem, pularem, mediu pulsação, pressão, tirou sangue, fez tudo quanto foi exame que podia.
Em determinado momento, Camus pôde perceber a tatuagem entre o ombro e as costas do inglês: um grande escorpião cuja cauda terminava quase na junção do ombro com o pescoço. Ao lado, no dorso do grego, algumas cicatrizes que reconheceu terem sido causadas por estilhaços de bomba. Mordeu o lábio inferior de inveja, pois sempre quisera uma dessas cicatrizes para si.
– Vistam-se os dois agora antes que eu vomite aqui! – berrou Tatsumi. Os dois se vestiram muito rapidamente e iam saindo da sala quando a voz gritou novamente. – Mais dois!
– Oh Milo, vem cá, desde quando pode tatuagem nas forças armadas, posso saber? – perguntou Camus assim que os dois puseram os pés para fora da sala do Dr. Tatsumi.
– Desde quando o melhor dos melhores tem uma, ué! – respondeu o outro recolocando o quepe.
– Sempre modesto, né, Miluxo? – perguntou Deba rindo, enquanto Camus cruzou os braços, emburrado.
– Ah, Deba, você me conhece! – riu o inglês.
– Vamos cortar o cabelo! – disse Camus meio que empurrando o loiro, feliz por estarem indo pra um lugar em que Milo definitivamente não iria fazer piadinha.
Foram andando até a sala 47, mas nessa, surpreendentemente, não havia fila. Entraram os seis juntos em outra das muitas salas frias de concreto daquele galpão horroroso. Essa era mais simples ainda que a outra, havendo três cadeiras dessas de barbeiro perfiladas e um sujeito meio asqueroso e incrivelmente grande com uma máquina de raspar cabelo nas mãos. O sujeito caminhou até eles, examinando um a um minuciosamente. Parou ao lado de Milo e sorriu, mostrando os dentes tortos.
– Você fica! Os outros cinco podem dar o fora daqui... Cássius vai se divertir raspando o cabelo da pequena Barbie aqui... – riu o grandalhão.
– Credo em cruz, não me deixem aqui sozinho com esse monstro! – gritou Milo encarando os outros cinco que saíam de fininho dando graças a Deus por manterem seus cabelos muito bem aparados.
– Ué, você não é lo mejor de los mejores? – sorriu Shura já sob o batente da porta. – Te vira malandro! – completou o espanhol e saiu dali a passos apressados, sendo seguido de perto por Aldebaran, Aiolia e Másquera.
– Eu fico com você! – afirmou Camus sentando-se em uma das cadeiras, tirando o quepe e colocando sobre uma das coxas que parecia que ia saltar de dentro da calça apertada.
– Nossa, que deu em você? Resolveu ser meu amigo? – perguntou Milo se sentando na cadeira ao lado, tentando ao máximo controlar seus nervos. Mal podia acreditar que seu precioso cabelo ia ser furiosamente estragado por um homem que pra carrasco só faltava o capuz preto.
– Franceses nunca são amigos de ingleses, mon chèr (3). Estou aqui somente para observar sua derrota! – disse Camus sorrindo pela primeira vez.
– Ora seu... – murmurou Milo.
Cássius ligou a máquina e o barulhinho irritante foi entrando zumbindo pela orelha de Milo, que se mexeu na cadeira, apertando com força o encosto. Apertou os olhos ao sentir primeiro suas madeixas serem cortadas por uma tesoura meio torta e depois a nuca ser raspada por aquela máquina que, para ele, era um grande instrumento de tortura nas mãos de um carrasco medieval.
– Gostei da tatuagem – disse Camus para tentar desviar a atenção do inglês de seu suplício.
– Jura? Coisas de adolescente rebelde... – pontuou o outro, suspirando como que se lembrando de algo saudoso.
– E as cicatrizes? Bomba, granada...? – perguntou o francês.
– Ih, você nem imagina, Brigitte Bardot... estava eu em pleno campo de batalha quando de repente... – começou a contar Milo, e quando terminou a história, sem perceber, Cássius havia lhe cortado todo o cabelo.
Saíram os dois de lá, e pela primeira vez naquelas poucas horas em que se conheceram era Milo quem estava embaraçado, e não Camus.
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– Bom, muito bom... – observou o Major Saga rodeando Milo. – Agora está até parecendo um homem... – continuou.
Estavam todos no pátio da base militar da OTAN na Grécia, e um sol forte queimava a pele dos jovens recrutas que, com suas fardas pesadas, suavam em bicas; Camus muito mais que os outros. Nisso, uma jovem de cabelos e olhos castanhos, fardada como todos ali, veio correndo meio esbaforida com um caderno nas mãos. O Major Saga foi ao encontro da menina, afastando-se um pouco do grupo, e os dois pareciam discutir.
– Gente, alguém abana o francês antes que ele derreta... – comentou Milo baixinho sem sair da incômoda posição de sentido. Os companheiros soltaram risadas abafadas.
– Pelo menos não fui eu quem foi chamado de Barbie pelo barbeiro... ora francamente! – murmurou Camus. Os outros riram um pouco mais alto agora.
Milo ficou vermelho de raiva, e Camus comemorou internamente o fato de estar começando a dar voltas naquele inglês empertigado, embora mantivesse a expressão impassível de sempre.
– Bom, rapazes, quero lhes apresentar a Sargento Shina Ofidiuus, minha assistente pessoal. Ela nos acompanhará nos treinamentos e monitorará o desempenho de cada um de vocês. – afirmou o Major Saga.
– Muito bem, muito bem... – foi dizendo a jovem. – Como hoje não há treinamento, vou somente distribuir e lhes mostrar seus alojamentos... venham comigo... – disse a garota, e saiu andando muito apressada. Os seis companheiros se olhavam sem entender muito bem o que se passava, afinal, o que uma mulher poderia acrescentar ao treinamento deles, que eram os melhores dentre os melhores? Mas resolveram obedecer, afinal eram soldados e soldados obedecem.
Após uma longa caminhada, chegaram todos a um galpão de madeira que ficava a uns cinco quilômetros daquele pátio principal. O galpão era bem rústico e ficava na parte de baixo de uma colina verde, em cujo topo se encontrava justamente o pátio do qual vieram. A construção era enorme e cabiam muitas camas ali; entretanto, havia somente três beliches: um à extrema esquerda, outro no centro, e outro à extrema direita, perto do banheiro, se é que se pode chamar um cano e um buraco no chão de banheiro. Cada beliche era separado do outro por um biombo.
– Bem, vocês podem escolher suas camas... – disse a Sargento Shina fazendo um gesto de "vão, vão" com a mão esquerda, enquanto tomava notas.
Mais que depressa, Aldebaran e Shura se jogaram no beliche da extrema direita, perto da porta, e Másquera e Aiolia no do centro. Milo e Camus demoraram e ficaram justamente com o beliche próximo ao banheiro.
– Aaaaaah, não... – murmurou Camus meio desolado.
– Calma, não deve feder tanto assim... – disse Milo jogando a pesada mochila na cama de cima.
– E quem está pensando em fedor? Eu não queria era ter de dividir o beliche justo com você! – argumentou Camus deixando-se cair sentado na cama de baixo.
Milo mostrou-lhe a língua e escalou a cama de cima, notando que sua bunda sentia o estrado da cama de tão molenga que era o colchão.
Shina avisou-lhes que no dia seguinte de manhã o treinamento seria explicado e iniciado. Desejou boa sorte aos rapazes, olhou para o galpão, fez uma careta de nojo, cuspiu no chão e saiu correndo. Os seis companheiros passaram o resto daquele dia tranqüilos, arrumando suas coisas e conversando sobre as expectativas que tinham com relação àquilo tudo. "O que será o Primeiro Batalhão Alfa, afinal?", perguntavam-se. Camus era o único a ficar calado, pensativo, como que mergulhado num oceano interno e instransponível.
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Todos dormiam tranqüilamente, mas Milo virava de um lado para o outro. Abriu os olhos e encarou o teto. "Merda!", pensou. Sorrateiramente se sentou na cama e fez o maior esforço do mundo para descer da parte de cima do beliche sem acordar o companheiro de baixo. Como um gato, se esgueirou pelo galpão até encontrar a saída. Correu morro acima, vencendo os cinco quilômetros entre o alojamento e o pátio principal rapidamente. Dirigiu-se até a sede da base e pediu licença à Sargento D'Aguias, que estava de plantão e gentilmente lhe cedeu um computador.
Sentando em frente ao aparelho, digitou: Estralou os dedos e digitou o mais rápido que pôde.
Dite, meu irmão,
Como queria que você estivesse aqui. Você não faz idéia do que me aconteceu... esse lugar é horrível como o são todos os lugares em que já estive desde que me meti no exército, mas você bem sabe que eu gosto dessa vida. Não faço a menor idéia de como vai ser esse treinamento ou do por que raios estamos todos aqui, afinal. Somos um grupo heterogêneo: um espanhol, um italiano, um grego, um brasileiro que representa os EUA (o Deba, lembra, aquele moreno que te apresentei no meu aniversário?), eu e um francês pra lá de metido a besta. Aliás, acredita você que eu quase me ferro por causa da Brigitte Bardot? (esse é o apelido carinhoso que eu inventei pro Monsieur Camus L'Aquaire, bah!) Pois bem, estava eu descendo do helicóptero quando desviei minha atenção pra ele, um ruivão de olhos azuis gelados e corpo de soldado, vestindo a farda branca da marinha, a mais linda de todas, confesso. Fiquei tão besta olhando pra ele, tão exótico, que fui levantando bem debaixo do helicóptero e as asas rasgaram minha mochila em duas, quase rasgando minha cabeça... É mole? Mas peguei no pé dele de um jeito que ele vai desistir desse treinamento só pra não ter de conviver comigo, hehe. Dite, olhei pra ele e lembrei de nossas loucuras de adolescente, quando íamos praquelas boates em Londres e bem, você bem sabe o que fazíamos lá... pensei que desses tempos tinha trazido só a tatuagem. Amigo, acho que tô ficando louco... a vida na caserna é realmente um troço estranho. Vou tentar te ligar, tenho saudades. Por favor, manda notícias e tenta me convencer de que eu não estou ficando doido.
Abraços,
Miluxo
PS – Tive de cortar o cabelo, dá pra acreditar?
Enviar. Sua mensagem foi enviada com sucesso. Alívio. Desligou a máquina e correu de volta ao alojamento, pedindo aos céus para que a Sargento Marin não comentasse com ninguém sobre sua ida ali. Tal qual um ninja, sem fazer o menor barulho, se esgueirou pelo galpão de madeira, atravessando os biombos e chegando à sua cama. Lentamente e sem fazer o menor barulho escalou o beliche e pôde finalmente dormir.
"Onde será que esse insuportável foi?", pensou o francês, fingindo que dormia.
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(1) OTAN: Organização do Tratado do Atlântico Norte: aliança militar formada pelas potências ocidentais à época da Guerra Fria para combater o Pacto de Varsóvia, isto é, o bloco socialista. Ainda atua hoje em dia, capitaneada principalmente pelos EUA.
(2) Que patriotismo!
(3) Meu caro (e não meu querido)
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A/N: Taí meu primeiro U.A. Acho que só eu vou gostar mesmo... mas confesso que sempre me peguei pensando em como seria um relacionamento entre dois mocinhos em meio a todo esse ambiente militar... vamos ver o que sai. Confesso que não tenho a mínima idéia de onde quero chegar com essa fic, mas resolvi fazê-la mesmo assim. Tenho algumas cenas mais pesadas em mente, acho que só os primeiros capítulos vão ser mais levinhos. Vamos ver no que dá!
Não resisti à idéia de fazer de Milo um jovem inglês petulante. É conhecidíssima a rivalidade entre França e Inglaterra, e acho que nesse campo essa velha rivalidade vai dar o que falar. Quanto ao Deba como americano, bem, como o Brasil não faz parte da OTAN foi a maneira que encontrei de colocá-lo na história.
Comentários são muito mais do que bem vindos!
Obrigada.