Capítulo 1 – O Enorme Gambá

Era uma noite fresca de verão e tudo estava certo.

Sua querida esposa Edith acabara de fazer um delicioso pavê para o jantar. Sua filha mais velha pintava as unhas dos pés distraidamente em um canto da sala. A mais nova estava sentada embaixo dele, com a cabeça em seus joelhos, e lia um complicado livro de runas. O cachorro, Minhoca, reinava soberano sobre o jardim bem cuidado dos Evans.

Como tinha dito, tudo estava em paz. E era verão.

Ele estava em casa, com as três mulheres de sua vida. Nenhum homem poderia reclamar. O sr. Evans sorriu para si mesmo por detrás do jornal que fingia ler. Era o homem da casa e nada – nem mesmo aquele panaca do Valter Dursley - poderia mudar isso.

- John, querido, preciso de uma ajuda aqui, sim? – Pediu da cozinha a sra. Evans.

Ele levantou devagar, aproveitando aquela doce rotina familiar, e foi ao encontro da esposa. A cozinha era domínio exclusivo de Edith e ela não admitia nenhuma interferência ali, a não ser para lavar a louça e trocar o gás, logo era improvável que ela tivesse alguma tarefa agradável para ele ali. Provar o pavê, por exemplo.

- Não seja bobo. – Disse ela quando ele lhe revelou suas esperanças a respeito do pavê. – Minhoca está latindo feito um louco lá fora. Deve ter pegado algum animal, outra vez. Dá uma olhada para mim?

O sr. Evans adentrou o grande jardim de sua propriedade. Pretendia fumar seu cachimbo com a calma merecida, ciente que qualquer animal pego pelo enorme Rottweiler da família não teria salvação.

De fato, Minhoca latia ruidosamente contra uma grande faia a qual tentava escalar. A conhecida expressão assassina do cachorro o fez questionar o apelido de "Docinho" que o animal ganhara das filhas. Ele deu uma baforada satisfeita, poderia ficar tranqüilo – as chances de sobrar algo eram mínimas. Edith nunca desconfiaria que algum dia aquele gambá cruzara o jard-!

Deus do Céu! Que Gambá Enorme!

Esse foi o único pensamento do sr. Evans antes de correr até a faia e se certificar que, definitivamente, não existiam gambás desse tamanho. Pelo menos na Inglaterra.

Gambás não sacudiam os braços freneticamente.

Gambás não tinham braços longos.

E, definitivamente, gambás não gritavam:

- Cãozinho! Ô, que cãozinho! Mas-que-cãozinho-lindo! Lindo! Lindinho! Maravilho-!

A vítima de Minhoca era, na verdade, um rapaz magro de cabelos negros e bagunçados e que estava de cabeça para baixo, preso pelos galhos da árvore. Parecia ter colidido contra a mesma, tamanha era a dificuldade que tinha para se desvencilhar das investidas do animal.

Claro que o sr. Evans o conhecia. Talvez não esperasse que ele aparecesse novamente, não depois do último natal e das últimas férias, e do natal antes delas. Não depois de tudo o que sua querida filha fizera com ele. Não depois dos trezentos foras que levara. Não depois que Lily soltara Minhoca em cima dele depois de "esquecer" de alimentar o cão.

Tiago Potter. Esse era um garoto de coragem!

Ou extremamente estúpido, não saberia dizer.

O sr. Evans segurou minhoca com certa dificuldade, prendendo-o pela a coleira em seguida. Voltou-se para o rapaz. A expressão cômica de alívio fez um pequeno sorriso brotar no rosto do homem. Mas, de alguma maneira estranha o rapaz parecia diferente.

- Sr.Evans? É um prazer reencontrá-lo. – O cumprimento formal veio acompanhado de um sorriso. O garoto estendeu a mão e ele a apertou, percebendo que o outro ainda se encontrava de cabeça para baixo.

Tiago Potter. Sempre ele. O garoto das cartas insistentes, das visitas inconvenientes, aquele que sempre procurava um jeito de falar com eles. Aquele que sofria de uma "paixonite aguda", como diria. Edith o adorava. Lily o odiava. O sr. Evans? Bem... ele se divertia.

O menino Potter com suas maluquices e extravagâncias no início despertara ciúme no pai zeloso, mas o bom humor do homem sempre prevalecia. Como não se encantar com a determinação do rapaz? Como não suspeitar dos ataques histéricos de Lily? Como não agradecê-lo por aproximar o novo mundo em que sua filha vivia do antigo, no qual ele estava?

Como, de certa forma, poderia não torcer por ele?

- Vamos, filho. Eu te ajudo a descer daí. – Disse ele, com uma risada. – Você está bem?

- Tudo inteiro. – Tiago respondeu já livre da árvore. – Bem, quase tudo. Não posso enxergar quase nada. Perdi meus óculos.

Era isso. Ele estava diferente por causa dos óculos.

- De qualquer forma, devo desculpas ao senhor. Não era minha intenção ser pego... digo, cair na sua árvore.

- Entendo. – Disse o sr. Evans, com um olhar suspeito. Pairou um estranho silêncio entre os dois. – Então o que você fazia antes de cair na minha árvore?

- Voava.

- Bom.

- Bem, mais uma vez me desculpe. O senhor se importa de não comentar isso com a Lily?

- Sem problemas.

- Certo. Então eu já vou indo. Obrigada.

O garoto se virou para a árvore e tateou entre os galhos puxando um longo cabo. Voltou-se para o homem, novamente:

- Pelo negócio do cachorro também.

- De nada.

O sr. Evans esperou em silêncio que Tiago concluísse que a vassoura puxada estava quebrada no meio:

- &¨$#$$&!

A série de palavrões que se seguiu não merece ser registrada. Entretanto, sendo Tiago um aficcionado por Quadribol, ele até reagiu com bastante maturidade. Extremamente frustrado, ele girou em torno de si mesmo, bagunçando os cabelos e falando consigo mesmo coisas como: "Minha Shooting Star novinha!" e "Merlin!".

- Ok, sr. Evans! – Tiago fez um gesto de rendição. - Eu admito! Eu vim ver a Lily, mesmo sem ser convidado, mesmo que ela tenha me dito para nunca mais falar com ela, ou encostar nela, ou pensar nela, ou qualquer coisa. E está tudo dando errado. Seu cachorro me perseguiu, tentou me comer, de novo! Eu acabei batendo nessa maldita árvore, meus óculos estão em algum lugar desconhecido e eu tenho oito graus de miopia. Minha vassoura quebrou, os sapos de chocolate devem estar espalhados pelo jardim e eu não sei o que fazer! Eu só quero saber que raio de azaração a Lily colocou nessa casa! Será que é crime querer espionar a garota que se gosta e importuná-la um bocado, droga?

O rapaz estava ofegante. O sr. Evans o olhou muito seriamente.

- Bem, Tiago, é crime sim. Tem uma lei trouxa sobre invasão de privacidade, sabe. Nós conversamos sobre isso há uns quatro meses, se lembra?

- Ah.

O homem deu alguns tapinhas nas costas do garoto.

- Você está muito nervoso. Quer jantar conosco?

Tiago recuperou o fôlego e conseguiu se acalmar. Deveria parecer ridículo para o sr. Evans. Fez menção de se explicar, de arrumar qualquer desculpa para seu comportamento bizarro, mas estava cansado demais para isso.

- Sim, senhor.

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Continua...