Disclaimer:
- Saint Seiya não me pertence, eu sei que você também fica triste ao ler isso.
- Fic Yaoi. Não curte, cai fora.
- A música 'Take A Bow' é da Madonna. Ou não, ela escreve livros infantis. Vai saber.
Diga Adeus
Havia acabado de fechar as cortinas.
A luz precária da sala estar lhe encobria entre os tecidos leves e pastéis.
Havia jurado que nunca mais faria aquilo.
Mas era difícil não olhar pela janela, quando Miro descia as escadas, saindo de mais uma festa, sujo, bêbado.
Kamus apertou as cortinas entre as mãos, respirando fundo.
Houve um tempo em que ele abriria a porta. Que deixaria Miro entrar. Que deixaria Miro se curar de sua bebedeira, de suas alegrias incontidas, de suas tristezas mal guardadas.
Que existiria um Miro ali, que só ele podia ver.
Até amanhecer.
--- oOo ---
take a bow,
the night is over
this masquerade is getting older
lights are low, the curtains are down
There's no one here
(There's no one here, there's no one in the crowd)
faça uma reverência
a noite acabou
essa máscara está ficando velha
as luzes estão fracas, as cortinas estão abaixadas
não há ninguém aqui
(não há ninguém aqui, não há ninguém na platéia)
--- oOo ---
-Você é o único em quem confio, Kamus
Kamus chacoalhou o gelo em seu copo, olhando para o rapaz jogado em seu sofá.
-Eu sei, Miro.
Escorpião riu, desajeitado. A camisa meio-aberta e amarrotada brigava contra o calor e a umidade do corpo do grego, escorregando em seus ombros.
Kamus não queria perceber aquelas coisas. Coisas como o jeito com que o cabelo do escorpiano lhe descia molhado pela nuca, ou como ele estalava os dedos nas palmas das mãos, ou como aquele cheiro de bebida barata não conseguia encobrir o perfume agridoce dele...
Mas ele era um cavaleiro de Gelo, não uma muralha de ferro.
-Você não sabe de nada, Kamus! – riu mais alto, se levantando em direção do aquariano.
O cavaleiro engoliu em seco quando percebeu a intenção do amigo.
Era clara como água e perigosa como vinho.
-Creio que pretende então me fazer saber, não é mesmo, Miro?
Escorpião se aproximou dele, tocando seu rosto.
Aquário sabia que deveria ter tido alguma reação melhor do que simplesmente encarar com bruta seriedade os olhos dele.
Infelizmente não encontrou nenhuma.
Miro deu um sorriso no canto dos lábios, e respondeu:
-Na verdade, Kamus, você é bem mais saudável quando não sabe de nada.
--- oOo ---
say your lines
but do you feel them
do you mean what you say
when there's no one around (no one around)
watching you, watching me
one lonely star
(one lonely star you don't know who you are)
diga suas falas
mas você as sente?
você quer dizer o que diz
quando não há ninguém por perto? (ninguém por perto)
assistindo a você, assistindo a mim
uma solitária estrela
(única solitária estrela, você não sabe quem você é)
--- oOo ---
Na manhã seguinte, Kamus acordou nu em seu sofá.
Sozinho.
Passou as duas primeiras horas do dia se martirizando pelos cinco minutos de desapontamento que sentira. Ele era Kamus de Aquário! O cavaleiro de Gelo e não havia espaço dentro dele para manhãs depressivas só porque um amante havia lhe deixado no meio da madrugada!
Nu em sua sala de estar!
Atordoado.
Não deveria se importar.
Era até fácil de compreender. Havia sido Miro com mais uma de suas noitadas, qual o problema? Ele mesmo sabia de cada uma delas, diretamente ditas da boca do outro.
Miro nunca dormia com ninguém.
Ele vinha e partia, porque era isso que ele sabia fazer. Onde estava a surpresa nisso?
-Você é a única pessoa que eu confio.
Ele era Kamus.
O porto seguro de cada fim de noite.
Aquele que lhe abria as portas de sua casa, seu templo, sua vida todas as noites.
E Miro era o único a quem Kamus já havia aberto todas elas.
--- oOo ---
I've always been in love with you
I guess you've always known it's true
you took my love for granted
why oh why
the show is over - say good-bye
say good-bye, say good-bye
eu sempre estive apaixonado por você
eu acho que sempre soube que é verdade
você tocou o meu amor para ter certeza
porquê? oh porquê?
o show acabou - diga adeus
diga adeus, diga adeus
--- oOo ---
Naquela tarde ele foi assistir ao treino dos cavaleiros de prata, e não tardou que cruzasse com o cavaleiro de escorpião. Alegre, rindo com os amigos numa roda perto das escadarias.
Kamus passou por longe, determinado a ignorá-lo até que o outro se desculpasse.
-Ei, Aquário! Venha ver o que Aldebaran trouxe dessa vez!
Arregalou os olhos, sentindo-se empalidecer por um segundo.
A mão de Miro ainda balançou no ar por um segundo, até voltar a brincar com um objeto qualquer que parecia lhe roubar toda a atenção.
Era o mesmo tom de voz da tarde anterior.
O mesmo olhar vazio da tarde anterior.
O mesmo Miro que ele jamais conhecera.
As risadas doíam em seus ouvidos, e Kamus se permitiu não participar daquilo. Ele não queria saber da merda de brinquedo nenhum! Ele queria entender porque diabos o escorpiano havia estragado tudo!
Porque ele podia ter ficado lá, todas as noites, quietinho, ouvindo as perícias amorosas de Miro sem nunca perceber nada.
Sem nunca saber que o amava.
Sem nunca ter que acordar e admitir isso.
Sem nunca descobrir que Miro preferia simplesmente ignorar aquilo.
-Ei, Kamus!
Aquário atravessou o pátio, sem olhar pra trás.
Não queria ouvir aquelas risadas de novo.
E ele sequer percebeu o gelo que começava a embranquecer as pedras do pátio, quando ele passou.
--- oOo ---
make them laugh, it comes so easy
when you get to the part
where you're breaking my heart
hide behind your smile
all the world loves a clown
(Just make 'em smile - the whole world loves a clown)
faça-os rir
isso vem tão fácil
quando você chega na parte
em que você está quebrando o meu coração
se esconda por trás do seu sorriso
o mundo inteiro ama um palhaço
(apenas os faça sorrir – todo o mundo ama um palhaço)
--- oOo ---
-Acharam que você ia congelar todo mundo!
Como ele havia deixado ele entrar de novo em sua casa!
Por que ele havia aberto aquela porta mais uma vez?
-Kamus, sou seu amigo, você pode me dizer se tem alguma coisa te incomodando.
Miro se sentou no sofá, olhando fixamente para um Kamus paralisado em frente à sua porta.
-Não é nada. – se limitou a dizer, balançando a cabeça.
Foi até a janela, constatando que as luzes das outras casas já estavam apagadas. Como a dele deveria estar. Como de qualquer ser humano em sã consciência estaria naquela situação.
Pegou um copo de whiskey e se serviu.
-Kamus, senta aqui. – ouviu Miro quebrar o silêncio.
Era tão difícil assim? Simplesmente fingir que ele não estava ali?
Sentou-se ao seu lado no sofá.
-O que você quer que eu escute agora, Miro?
O escorpiano sorriu, como se estivesse aliviado com o fato do aquariano finalmente falar com ele.
-Nada, Kamus. Você nunca me escuta, mesmo.
E na manhã seguinte, Kamus acordou nu em sua cama.
Sozinho, mais uma vez.
--- oOo ---
wish you well I cannot stay
you deserve an award
for the role that you played
no more masquerade
you're one lonely star
(one lonely star - you dont know who you are)
não consigo dizer que te desejo coisas boas
você merece um prêmio
pelo papel que você desempenhou
sem mais máscaras
você é a única estrela solitária
(única estrela solitária – você não sabe quem você é)
--- oOo ---
Ele perdeu a conta de quantas noites ele passou com Miro.
E todas as manhãs em que acordou sozinho.
Já não se falavam entre os corredores do Santuário. Havia uma troca amistosa de cumprimentos, alguns sorrisos amigáveis, todo cinismo e hipocrisia que mantinham a sanidade daqueles dois homens perante o papel que desempenhavam.
Eram indiferentes às noites que passavam.
Cada um com seu papel.
Com seu motivo.
Kamus acreditava que aquilo era passageiro. Que ele e Miro talvez apenas precisassem da companhia um do outro por algumas horas.
Uma necessidade tola dos seres humanos; tola e insuperável.
E ele estava certo, ele precisava do veneno do Escorpião todas as noites.
E todas as manhãs.
Miro era um vício do qual ele sabia que não poderia manter.
Porque, simplesmente, o próprio Miro também se cansaria daquela brincadeira de esconde-esconde na décima-primeira casa.
Apertou o tecido da cortina mais uma vez, ordenando que mãos não tremessem.
Em vão.
Do lado de fora, um Miro sujo, bêbado e trôpego alcançava sua porta, como todas as noites.
Depois da tempestade, Kamus sempre era o porto seguro.
Mas daquela vez, ele não abriria a porta.
--- oOo ---
all the world is a stage
and everyone has their part
how was I to know
which way the story goes
but how was I to know you'd break
you'd break, you'd break, you'd break
you'd break my heart
o mundo todo é um palco
e todo mundo tem seu papel
como eu ia saber
aonde essa estória ia parar?
mas como eu poderia saber que você
quebraria o meu coração?
--- oOo ---
Do lado de fora, a escuridão da noite sem lua encobria o rosto do cavaleiro de Escorpião, que murmurou alguma coisa contra a porta de pedra.
Olhou uma última vez para a janela encoberta pelas cortinas de cor pálida e cinzenta, e desceu pelas escadarias até sua casa.
Kamus encostou-se contra o vidro, sem ligar para o frio que emanava de si.
-Espero que tenha dito adeus, Miro.
E apagou a luz da sala.
--- oOo ---
I've always been in love with you
I guess you've always known it's true
you took my love for granted
why oh why
the show is over - say good-bye
say good-bye, say good-bye
eu sempre estive apaixonado por você
eu acho que sempre soube que é verdade
você tocou o meu amor para ter certeza
porquê? oh porquê?
o show acabou - diga adeus
diga adeus, diga adeus
--- oOo ---
O que Kamus nunca lera nos lábios do cavaleiro de Escorpião, era uma frase rouca que se repetia no quarto escuro da oitava casa, onde um cavaleiro olhava para sua cama ainda arrumada.
Imaculada.
E ele pensou, num momento frustrante, que talvez nunca mais soubesse como dormir nela.
-Abra essas cortinas, Kamus... abra essas cortinas para nós dois.
--- oOo ---
OWARI
--- oOo ---