CAPÍTULO 5

"Muito bem. Vamos recapitular. Você acordou hoje cedo e já não lembrava de coisa alguma" disse Lois, enquanto caminhavam apressados pela calçada.

"Estamos indo a algum lugar?" perguntou Clark, curioso.

"Se você não me disser exatamente como tudo aconteceu, não vamos conseguir descobrir um meio de fazê-lo voltar ao normal!" exclamou ela.

"Voltar ao normal? Lois, não acho que eu simplesmente tenha ficado com amnésia, se é o que está sugerindo" disse ele. "Afinal, são dez anos! Dez anos de vida não desaparecem da noite para o dia!"

"Então o quê você sugere?" indagou Lois, parando e encarando-o nos olhos.

Aquilo pegou Clark de surpresa. Ele estava vivendo aquilo tudo há menos de uma hora, e não fazia idéia do que podia ter acontedido. Não tinha o que sugerir.

"Lois, eu estava estudando no loft, em Smallville, devo ter adormecido, e acordei ao seu lado... na cama" explicou ele.

"Ok, pode me poupar dos detalhes" disse ela, então, puxando-o para um canto da calçada, onde não havia movimento. "Acredite em mim. Isso não é um sonho!" exclamou ela. E Clark começava a acreditar que não era mesmo.

"Deixa eu dizer o que eu acho que realmente aconteceu" continuou ela, e Clark a ouvia atentamente. "O Superman enfrentou a gangue dos manhunters há algumas semanas atrás -"

"Manhunters? Os mesmos do artigo que o Perry cobrou?"

"Isso mesmo"

"Quem são eles?"

"Nem queira saber" respondeu Lois. "Bom, o fato é que eles são capazes de fazer lavagem cerebral nas pessoas. Achávamos que eles não poderiam atingir o Superman, até que isso aconteceu -"

"Isso o quê?"

"Como assim 'isso o quê?', Smallville?" indagou ela. "Essa sua súbita perda de memória!"

Clark enrugou a testa.

"Lois, isso não faz muito sentido" disse ele. "Não sei como são as coisas por aqui em 2015, mas mesmo em Smallville, em 2005, onde coisas bizarras aconteciam por causa da chuva de meteoros -"

"Não existe outra explicação" interrompeu ela, cruzando os braços.

Clark a encarou. Ela falava sério, e estava certa de que aquilo realmente estava acontecendo.

"Ok. Então digamos que você tenha razão. Que tal esclarecermos algumas coisas, então?" perguntou ele.

"Muito bem" disse ela, encarado-o com os braços cruzados. "O quê quer saber?"

Ele sabia exatamente o que perguntar. Mas achou que devia começar devagar. Afinal, era Lois.

"Bom, em primeiro lugar... que estória é essa da Chloe se casar? E com quem?"

Lois sorriu.

"Engraçado ouvir isso vindo da pessoa que justamente os apresentou"

"Vai me dizer então quem é ele?"

"Bruce Wayne" respondeu ela, com um pequeno sorriso no canto dos lábios.

"Bruce Wayne?"

"Buce Wayne" repetiu ela.

E Clark lembrava de um pequeno comentário que certa vez ouviu entre Lois e Chloe a respeito do jovem multi-bilionário e filantropo de Gotham City.

"Seu ex-namorado?"

"Que coisa, não é mesmo?" indagou ela, sorrindo. "Vamos logo, Smallville. O quê mais você quer saber? Aproveite enquanto estou achando isso tudo muito engraçado -"

"Pode me explicar uma outra coisa?" interrompeu ele.

E Lois arqueva as sobrancelhas enquanto o ouvia com atenção.

"Como é que eu faço isso - Quero dizer... essa coisa... de Superman" disse ele, que até então não entendia o que aquilo significava, embora desconfiasse.

"Clark Kent é o que você é. Superman é o que você pode fazer" explicou Lois, da forma mais sucinta.

"Uau!" exclamou Clark, atordoado. E algo lhe ocorreu. "Quer dizer que... aquele uniforme... vemelho e azul...?" perguntou ele, tentando não imaginar como era usar aquela roupa em lycra que tinha visto no armário.

"Não me olhe desse jeito" respondeu ela. "Isso foi antes de eu conhecer o Superman"

Então ele tinha uma dupla identidade? Fazia sentido. Só assim ele podia usar seus poderes sem se expor como Clark Kent e colocar as pessoas que amava em perigo, pensou ele.

De repente Clark a encarou. Até então não havia percebido a grandiosidade da coisa. Lois não apenas era sua esposa, a mulher da sua vida, era também sua cúmplice, sabia do seu segredo, e o ajudava. E achava que nunca precisaria de ajuda, embora até mesmo ele, ou o tal do Superman, pudesse um dia vir a precisar. Só não imaginava que esse tipo de ajuda e de conforto pudesse um dia vir justamente de Lois Lane!

"E você... sempre... soube?" perguntou ele, ainda na tentativa de entender sua união com Lois. "Quero dizer, dos meus... er, bem -"

Lois sorriu.

"Digamos que eu sempre desconfiei, e quando você me pediu em casamento, a verdade veio à tona"

Ele a pediu em casamento, pensou Clark. Bom, isso era óbvio. Ele devia amá-la muito.

Clark olhou novamente o bracelete com inscrições kryptonianas no pulso de Lois, e sorriu. Se a amava tanto, por óbvio que seu segredo deveria ser revelado a ela.

Como gostaria de saber como foi, pensou ele.

"Quando foi que aconteceu... essa coisa... entre nós?" indagou ele, então, cada vez mais curioso, porém, cauteloso, afinal, embora fosse Lois, a mulher forte e impetuosa que conhecia, não queria ferir seus sentimentos levantando assuntos dos quais ele devia se lembrar.

Mas por mais bizarra que fosse a situação, Lois estava calma, e solícita. E ele não lembrava dela desse modo. Ela era a mesma pessoa, com algo a mais. Talvez ela sempre tivesse sido daquele modo. Aliás, Clark começava a se dar conta de que nunca havia reparado muito bem nela até então. Talvez os tempos de cegueira pensando em coisas menos importantes o impedissem de enxergar o melhor em Lois Lane. A mulher da sua vida.

"Nós crescemos, Clark" respondeu ela. E vendo que ele não se deu por satisfeito, continuou: "O tempo passou. E descobrimos que as coisas que não suportávamos um no outro eram justamente as coisas sem as quais não podíamos viver"

E Clark sorriu enquanto a observava. Como gostaria de tocar sua face, segurar suas mãos, abraçá-la. Não desejou estar em outro lugar.

De repente, uma música ecoou pela rua. Era algo bastante familiar:

Mr. Sandman, bring me a dream
Make him the cutest that I've ever seen
Give him two lips like roses and clover
Then tell him that his lonesome nights are over

Clark se virou e, do outro lado da rua, viu o mesmo sujeito que tinha visto mais cedo naquela manhã. Cabelos escuros, casaco preto. Desta vez, ele lhe sorria.

"Lois, acho que aquele sujeito tem alguma coisa a ver com tudo isso -" disse ele.

"Que sujeito?" perguntou ela, sem ver coisa alguma.

Mas Clark não tirava os olhos dele, para não perdê-lo novamente de vista.

"Fique aqui, que eu já volto!"

E Clark atravessou a rua, apressado. Lois apenas o observava, confusa.

"Quem é você?" perguntou, ao se aproximar do sujeito.

Seus olhos eram escuros, e não tinham brilho, o que perturbou Clark.

"Morpheus" respondeu ele, com sua voz suave. "Mas pode me chamar de Sandman"

"O quê você quer?"

"O quê você acha?"

"Isso tudo... tem alguma a coisa com você?"

Morpheus sorriu.

"Por que está fazendo isso comigo?"

"É apenas uma inspiração, Clark"

"Como sabe meu nome?" indagou Clark, confuso e preocupado.

"Eu sei de tudo, Clark Kent. Kal-El. Superman. Smallville"

"Não pode ser!" exclamou Clark olhando para trás para ver Lois, que o observava de longe, confusa.

"Ela é maravilhosa, não é mesmo?"

"Fique longe dela" disse Clark, encarando-o com firmeza.

"Não se preocupe. Ela está bem. Veja"

Clark se virou, e algo estarrecedor aconteceu. Viu alguém se aproximar dela. Era ele mesmo! Mas estava diferente. Era uma outra versão de si mesmo. Cabelos curtos, óculos de grau, terno. Exatamente como ele estava quando acordou naquela realidade. E como se Lois tivesse despertado de algo, ela simplesmente se virou e o abraçou. Aquele seu outro eu a ergueu do chão durante o abraço. Jamais Clark viu um abraço tão intenso e apaixonado. E os dois se beijaram.

"Lois..." disse Clark. Não sabia o que sentir naquele momento. Era um misto de coisas que se passavam pela sua mente e coração. A única coisa que ele tinha certeza, é que não queria perdê-la. "Lois!" gritou, enquanto olhava para os dois lados da rua a fim de atravessá-la. Mas ela não o ouviu. E abraçada a um Clark Kent dez anos mais velho, que aparentava muito mais seguro de si, e bem mais feliz, seguiu rua acima, ignorando-o completamente.

"Ela não pode vê-lo ou ouvi-lo" disse Morpheus.

"O quê você fez?" perguntou Clark, furioso, segurando-o pela gola.

"Apenas lhe dei um presente, herói"

Clark o soltou e o encarou. Ainda estava furioso. Vivia os melhores momentos de sua vida ao lado de quem menos esperava, e aquele ser mágico havia tirado isso dele.

"Eu mostrei o futuro. Ou como ele pode ser"

"Meu futuro?"

"Seu... e dela"

Clark se virou novamente para ver Lois, que ia embora com o seu eu do futuro. E um vazio tomou conta do seu coração.

"Então isso é mesmo um sonho" disse ele, tristemente. "Não vou lembrar de nada quando acordar, não é mesmo?" perguntou, encarando Morpheus, que nada disse.

Clark suspirou.

"Se isso é mesmo um sonho -" disse ele, olhando novamente para Lois. "Posso fazer o que eu quiser -" Clark se virou então para encarar o Mestre dos Sonhos: "Certo?"

Morpheus sorriu, e assentiu com a cabeça.

Clark sorriu, e quando se virou, viu que Lois agora estava sozinha, do outro lado da rua, como a havia deixado antes, esperando-o.

"Lois!" exclamou ele, atravessando a rua.

"Clark!" exclamou ela, sorrindo, como se ele estivesse de volta. "Por onde andou?"

Mas ele a ignorou. Aproximou-se, segurou-a pelos braços, e enquanto ela o encarava com surpresa, inclinou-se e beijou-a apaixonadamente. Por um momento, Lois estava surpresa demais com o gesto, mas logo o abraçou, e retribuiu o beijo. E por mais que Clark soubesse que aquilo era um sonho, foi a melhor coisa que lhe aconteceu. Sentiu os dedos de Lois entre seus cabelos, a maciez de seus lábios, e o calor do corpo dela contra o seu. Abraçou-a, e ergueu-a do chão. Um riso de Lois, provavelmente surpresa com o gesto do marido, interrompeu brevemente o beijo, que logo retomou de onde havia parado.

De repente, algo aconteceu. Enquanto estava mergulhado no beijo de Lois, Clark sentiu que agora estava deitado. Ainda era beijado, mas agora era diferente. Ao abrir os olhos, viu que não era Lois.

"Lana!" exclamou ele, levantando em sobressalto.

Ela o encarou, chocada com sua reação. Clark notou então que estava no sofá do loft.

"O quê aconteceu?" perguntou ele, confuso.

"Tínhamos combinado de estudar" respondeu Lana. "Quando cheguei, você estava dormindo. Eu quis fazer uma surpresa" disse, então, sorrindo.

Clark enrugou a testa, atordoado. Olhou ao redor, na tentativa de lembrar o que havia acontecido. Não sabia o que era. Sabia, porém, que era algo bom, e que algo melhor ainda estava para acontecer. Olhou então para Lana, que estava visivelmente confusa.

"Acho que... não estou muito bem para estudar hoje" disse ele, então.

"Você está bem?" perguntou ela, preocupada.

Clark nada disse.

Frustrada, Lana sorriu um sorriso amargo, imaginando que aquele devia ser mais um dos seus segredos, pegou suas coisas e foi embora. Clark pensou em impedi-la de sair daquele modo, afinal, ela havia dirigido de Metrópolis até ali para vê-lo, mas o que ele mais queria naquele momento, era ficar sozinho, e tentar lembrar o que havia acontecido.

Mais tarde, Clark admirava o pôr-do-sol com os cotovelos apoiados no cercado que circundava a fazenda. Em suas mãos, o bracelete turquesa com inscrições kryptonianas.

Desejou poder lembrar o que havia sonhado. De certa forma, acreditava que era algo revelador, e que dizia respeito ao coração. Talvez um dia, pensou ele, olhando para o bracelete. Imaginou então se algum dia encontraria a pessoa certa para usá-lo. Alguém com quem pudesse compartilhar seus segredos, sua vida. Talvez aquilo tudo não passasse de uma grande bobagem. Ou um sonho impossível. Segurou-o com apenas uma das mãos, e certo de que seu destino era mesmo ficar sozinho, com um simples gesto, lançou-o para longe.

Pouco depois, não muito longe dali, a caminho de Metrópolis...

"Droga!" exclamou Lois, trocando o pneu do carro, e olhando para os dois lados da estrada, na esperança que alguém aparecesse para ajudá-la, muito embora estivesse bem por sua própria conta. "De todos os lugares, tinha que acontecer justo aqui! No meio desse fim de mundo, cercada por milharais!"

Quando finalmente terminou de trocar o pneu, e guardava a chave e o macaco no porta-malas, Lois viu algo brilhar em meio ao milharal. Curiosa, foi ver o que era. Ao se aproximar, pegou o objeto do chão. Era um bracelete muito bonito, com uns símbolos estranhos.

"Hum. Esquisito" disse ela, imaginando de onde poderia ter vindo.

Lois então o colocou no pulso, e caminhou de volta em direção ao carro.

"Seja lá quem for a dona, a partir de agora é meu"

FIM