HELL 75016
Arashi Kaminari

XIII – Sofrimento Profano

A humanidade sofre. O mundo é uma imensa planície após uma carnificina, amontoada de moribundos que gemem e se contorcem.

A felicidade... O homem só percebe as aparências. Mas não fique com raiva da felicidade do vizinho. Ele é pedófilo, heroinômano e esquizofrênico. E fica fora de si com a imagem de absoluta harmonia que você e a sua família oferecem sempre para ele. Ele ignora que a sua mulher bate em você e que os seus filhos são de outro.

A felicidade é uma ilusão de ótica. Não diga que a felicidade é efêmera. Ela não é. Ela é apenas uma liberdade condicional antes de você conhecer a pena. Isso não te faz infeliz, apenas consciente. A felicidade não acaba, ela apenas se retifica.

Nós inventamos a luz para negar a escuridão. Apague as estrelas e contemple o céu. O que você vê? Nada. Você está diante do infinito que o seu espírito limitado é incapaz de conceber.

Apague a luz e arregale bem os olhos ao máximo. Você nada verá. A escuridão não está fora de você. Ela está em você.

Apesar de estar destinado aos terrores do pessimismo, aos abismos da verdade, eu vivia.

Ainda vivo.

Por quê? Não sei. Todas as manhãs, eu me solto dos braços encantatórios de Morfeu e passo horas intermináveis antes de mergulhar no esquecimento benéfico de um novo sono.

A superficialidade é a única panacéia de minha latente depressão. Fiz dela uma arte de viver. Tenho dezoito anos e uso sapatos Prada. Arrasto minha carcaça amorfa de café da moda em café da moda. Janto num desses restaurantes na última moda que pululam na rue Marbeuf e adjacências. A world food me faz vomitar.

Quando saio, eu vou para a vida mundana. Parar de sair... é como parar de fumar.

Entrei aos catorze numa boate para nunca mais sair. Fui mordido pela engrenagem infernal da Noite.

Sem possibilidade de condicional.

Sou um toxicômano total. Cheirado por natureza e viado.

Pirado de mundanismos. Doentio ao extremo. Alcoólatra e cocainômano.

Afoguei minhas ilusões em rios de champanhe, eu as sepultei debaixo de montanhas de pó, minha virtude se deslocou de mão em mão, de cama em cama...

Não vou parar de sair. O que iria fazer do meu guarda-roupa Gucci?

Dos meus vinte pares de sapatos Prada, dos meus vinte pares de botas Sergio Rossi? Das minhas roupas de puto? Não contem comigo para doá-las em benefício de uma obra de caridade. Elton John não tem nada a ver com as minhas coisas. Não preciso fabricar nenhuma boa consciência, não sofro disso.

Fico o dia inteiro de roupão, metido na atmosfera viciada pelas montanhas de cigarros que fumo. Não abro as janelas. Prefiro morrer asfixiado do que de frio. Para me sustentar, tomo Di-Antalvic. As minhas ressacas cessaram. Cheiro pó para acordar. Faz três meses que os dias têm sido assim.

Gosto do jeito que está a minha cara agora; minhas faces macilentas, meus olhos que não brilham mais e são devorados pelas olheiras, meus lábios são incolores e não sabem mais sorrir. Apenas meus cabelos continuam os mesmos. Magníficos. Como se houvessem absorvido toda a vida que havia em mim. Estou magro e pálido debaixo do sol... Mas gosto dessa aparência ectoplásmica. Encarnação do desleixo e do desespero.

oOo

Minha família voltou-se contra mim após a morte de Asterion. Meu pai, o mais sentido, disse que a dor que sentia era igual a da perda de um filho, porque Asterion era mais do que um para ele. Nem eu, nem meus irmãos nos irritamos com a afirmação. Eu, por estar imerso em dor, e meus irmãos, por estarem revoltados comigo.

Louis gritou na minha cara que eu era um demônio e que esperava que eu morresse logo, porque nem poupar o Asterion eu havia conseguido. Aimeé não gritou, não me acusou. Simplesmente me fitou com aqueles olhos penetrantes, tirou Louis da sala e me deu as costas como punição. No dia seguinte viajaram para a Holanda. Louis disse que se continuassem a olhar para a minha cara verteriam vômito até a morte.

Minha mãe não quis falar do assunto. Só quando viajou para o Canadá, uma semana depois da morte de Asterion, é que ela soltou uma infeliz piadinha antes de embarcar. "Não faça me mandarem más notícias, enquanto eu não voltar, ouviu?"

Eu não suportava mais Paris, minha casa, meus amigos, mais nada. Nem mesmo o Caroussel, que se tornou um lugar insuportável ao meu ver. Arrumei minhas malas e no mesmo dia que minha mãe partiu em viagem, tomei um avião para a Dinamarca.

O pai do Asterion, a pedido da filha, ajudou Gabrielle a convencer a mãe que a França não era mais um bom lugar para se viver, apenas para se visitar. Voltaram para a Dinamarca e pelo o que o povo dizia, nunca haviam visto Gabrielle falar com tanto entusiasmo do retorno a sua terra natal como naquele momento. Mas eles não estavam fugindo da França. Eles estavam fugindo de mim e de todos que rodearam Asterion a partir do momento que ele começou a cair.

E perdido em pensamentos, percebi que estava perante a casa onde ele havia crescido, quando Gabrielle apareceu na porta, vindo em minha direção, com um semblante inexpressivo.

– O que está fazendo aqui?

Por um instante eu pensei em não responder. Virar as costas e ir embora, mas eu estava cansado de fugir dos fatos.

– Eu queria ver a casa que Asterion cresceu. O lugar. Ele me contou muito sobre a infância dele.

Gabrielle suspirou e deu uma olhada para o céu, como se para me dizer que o dia ainda nem havia começado direito para revirar os fatos recém ocorridos.

– Halpern, ele se foi. Isso não vai mudar.

– Me conte uma novidade. – eu rebati, assim que percebi que por um instante ela vacilou em sua dureza e amoleceu. Consegui meu intento. Sua feição fechou. Mas ela continuou a falar com a voz calma e baixa:

– Eu só te avisei porque achei que ele gostaria que você soubesse antes de todo mundo, afinal, alguém iria te contar de qualquer forma. Tenha em mente que eu fiz esse enorme esforço por ele, não por você.

– Eu sei–

– Não, não sabe. – ela me interrompeu de chofre, sobrepondo a minha voz com a sua, num tom acima – Se soubesse não teria feito o que fez. Se soubesse não estaria aqui agora, correndo o risco da minha mãe te ver. Ela teria um ataque antes mesmo de poder voltar-se em ira.

– Gabrielle, eu amava o seu irmão.

Eu sei. – ela me disse irônica – Assim como ele sabia. Você o amou por seis meses, mas o trocou pela sua consorte, cocaine. Ele te amava... E o que você fez? O estraçalhou. Acabou com ele. – ela inspirou fundo antes de acrescentar – Você não tem idéia de como Asterion era bom debaixo de toda aquela arrogância e de todas as besteiras que ele fez com meia Paris. – e me deu as costas, voltando para casa. Mas como se alguma coisa acendesse na sua mente, ela se virou e cobriu a nossa distância com poucos passos – Não. Você tem sim. Afinal, ele resolveu mostrar para você. Mas você não foi digno. Cagou e andou.

– Não fale do que você não sabe.

– Do que eu não sei? – o sarcasmo impregnando suas palavras – Eu vi Asterion definhar aos meus olhos. Por um momento eu pensei que ele iria se salvar com o Valentine, mas percebi que tudo era apenas uma armação quando o vi voltar com lágrimas da sua casa. Depois de você escorraça-lo. Sim, ele chorou por você. E eu ainda acho que mesmo assim, ele ainda estava disposto a falar com você mais uma vez, a se humilhar de novo. – ela me contou com lágrimas não vertidas brilhando nos olhos – Mas não chegou de fato a falar contigo. A única coisa boa que ele fez depois que te conheceu.

– Gabrielle, não teste a minha paciência. – eu disse por entre dentes com toda a minha força. Minha cabeça parecia que iria explodir e eu estava me segurando para não chorar na frente dela.

– Não teste VOCÊ a minha paciência. Esqueça meu nome, esqueça minha família, esqueça que meu irmão um dia existiu. E se o amou como disse, não volte nunca mais. Deixe-nos chorar nossa dor e procure um buraco pra entupir seu nariz de remorso. Passar bem.

O que eu esperava? Um convite para um café?

Gabrielle fez o que Louis queria ter feito.

O que alguém já devia ter feito.

oOo

Faz três meses que está morto o homem que eu amava.

Antes, mal ou bem, eu amava a vida, porque a tínhamos em comum. Porque eu sabia que mesmo na imensidão do vazio, ele estaria sorrindo.

Hoje, meu querido é um fantasma, uma lembrança. Penso nele a cada minuto. Constância absurda. Posso viver, transar, sair o quanto quiser... Eu ainda estarei pensando nele.

Eu o conhecia melhor do que ninguém. Tínhamos o mesmo estado de espírito, desprezávamos a banalidade e a mediocridade. Éramos prisioneiros da grana e isso nos deixava pirados. A gente ficava sem saber a razão de existir. Agora que ele não está mais aqui, sei que eu existia para ele.

Estou fraco e tenho a impressão que meu corpo fernece lentamente. Prefiro repisar meu passado feliz a me contentar com este presente de merda.

Não esquecerei seu rosto, nem sua voz.

Definho na minha dor.

Babaca, você não podia andar mais devagar?

oOo

Estou no banheiro e pinto meu rosto com as cores da vida. Manipulo mecanicamente o meu rímel Chanel e meu pó-de-arroz Guerlain. Vou sair como ontem e como amanhã. Cabaret, Queen e Bains. Encontro dos neuróticos. Em grupo a gente se entende.

Eu me visto. De negro, couro, de alta-costura. Bolsa Dior roubada da minha mãe. Pinta de puto. Puto de luto. Transpiro grana e vulgaridade por todos os poros. Tenho nojo de mim.

Um flashback ao parar no grande espelho da entrada: três meses atrás, saindo para me confessar a ele, sem saber que ele nunca terminaria aquela noite.

Eu peço um táxi na G7, que sempre me manda Mercedões. Afogo meu fastio nos bancos de couro. Atravesso Paris. Um sinal vermelho no Trocadero. Escória para todos os lados. Pobres coitados que só podem conhecer as ruas e as construções por fora. Que vêm de longe para conhecer um pouco dessa opulência.

Chego no Cabaret. Engreno o piloto automático para ir dizer boa noite. Danço de olhos fechados. Deixo-me levar pela música e pelos vapores de álcool. Vodca. Vodca. Vodca. Tentam me embebedar. Mas lido com o álcool como um velho conhecedor de cinqüenta anos. Nunca perco a noção do que estou fazendo, mesmo estando de quatro vomitando. Tentaram me dar uma presença de pó, mas o meu é melhor do que o deles. E isso já acontece a dois anos.

Três horas, hora de ir para o Queen. Meu lugar preferido. O álcool corre à solta, as garrafas, as fileiras de pó.

Caindo bêbado, danço em cima de um tamborete. Mãos insidiosas sobem ao longo das minhas pernas e escorregam pelas minhas nádegas, tentam vencer o tecido. Isso não me incomoda mais.

Meu projeto: sacanear as putas. Eu as encharco de champanhe, pisoteio as coisas delas, queimo seus vestidos com cigarro, as empurro, acotovelo e insulto. Elas me detestam, mas nada podem fazer contra. Quando se queixam, abro meus grandes olhos inocentes e protesto indignado. Elas são expulsas por ousarem me acusar. Não conseguem uma vitoriazinha...

Acendo um cigarro, sem notar que já estava com um na mão. Desço para a pista. Quero um homem. Não importa qual. Um desconhecido, um estrangeiro. Aquele. Ele não é tão mau assim. Espero que não seja viadão. Já basta eu. Quero um para me comer hoje e não estou a fim de voltar para casa com mãos abanando. Como ele tem um ar cafajeste com seu jeans moldado no corpo e o torso nu, não ouso sequer olhar para os sapatos dele. Que se dane. Os amigos dele dão risadinhas. Estou pouco me lixando. Minha boca se curva num sorriso diabólico.

Meus olhos não sorriem. Fico na ponta dos pés, ele se curva. Dou um chupão de língua neste rosto desconhecido. Ele pergunta o meu nome. Diz o dele. Não escuto. Pego-o pela mão e ele me segue sem entender. Recupero minha bolsa Dior largada em cima de um banco e conduzo o desconhecido. Os seguranças piscam o olho para mim. Eles se divertem ao me verem partir com um cafajeste assim. No táxi a coisa esquenta... e fica horrível. Começo a tocar uma punheta nele. Só quero que ele ejacule nos bancos de couro. A priori, ele precisa de algo mais. Até que não foi uma escolha tão má.

Sou eu quem paga o táxi. Sinto uma alegria doentia. Eu o dispo no elevador. Rasgo a camisa dele torcendo para que seja a sua preferida. Ele está surpreso demais para ensejar qualquer protesto. Crispa os dedos na minha carne dolorida. Não visto nada debaixo da calça.

Introduzo a chave na fechadura. Não tem ninguém em casa. Minha mãe está viajando, enquanto meus irmãos andam por becos imundos. Posso fazer o que quiser. Levo-o para a biblioteca. É o meu aposento predileto.

Empurro-o para cima de uma poltrona de couro. Arranco minhas roupas. Completamente nu, me concentro no jeans dele, que voa imediatamente para dentro da lareira. Ele está de pau duro. Imbecil. Eu o monto de uma só vez, as pernas abertas em cima de cada braço da poltrona, quero dominá-lo.

Apanho a sua camisa que jaz no chão, faço de conta que quero brincar com ela e a enfio na cabeça dele. Não quero suportar a visão apocalíptica desses ríctus lamentável de gozo, desses olhos esbugalhados, dessa boca aberta. Subo e desço. Sou eu quem faz todo o serviço. Afasto suas mãos do meu corpo e as mantenho nas costas da poltrona. Só quero o pau dele.

Para traumatizá-lo completamente, pego o controle remoto e coloco um CD de La Traviata para tocar. Ponho o som no máximo. Não tenho vontade de escutar os gemidos dele. Ainda não é degradante o bastante. Preciso emporcalhar-me, machucar-me, ferir-me de forma irreversível. Quero tornar-me incapaz de voltar a me olhar num espelho. Digo a ele para trepar comigo como ele faz com os amiguinhos dele no Queen. Ele tem medo de mim. Então se submete.

Ele me dá um tapa na cara e me joga no chão. Faz peso em minhas costas, enquanto prende minhas mãos atrás delas. Meu cabelo é puxado com a outra mão dele. E ele puxa e solta sem aviso, fazendo minha cabeça bater contra o solo sucessivas vezes. Meus rins estão encharcados de suor, enquanto ele me come brutalmente, tirando-me sangue. Ele me bate, me morde, puxa meus cabelos e vai bem fundo dentro de mim. Sinto o orgasmo crescer em ondas sucessivas. Meu ser se banha inteiro neste sofrimento gozoso, é um orgasmo triste. Uma máscara de dor se fixou para sempre no meu rosto.

Eu, finalmente, consigo o empurrar. Ele ejacula para todo lado. Em cima do tapete, na mesa de centro, sobretudo em cima dele mesmo. A sua nudez lamentável maculada pelo jato da sua própria imundície me dá vontade de urrar de nojo.

Pego um cigarro e o acendo com um Dupont de ouro. Ele me olha sem entender. Mas não se demora muito. Logo volta seu olhar para o cômodo a sua volta. Menos mal. Se não lhe agrada olhar para mim, olhe para as paredes! Ignoro a presença dele. Isso nem é provocação, não dou a mínima. Ele tenta puxar conversa.

– É a casa dos seus pais aqui?

– Minha mãe.

– Onde é que ela está?

– Normandia. Você poderia, por favor, parar de fazer perguntas? Não está aqui para conversa de salão.

– A gente vai dormir, então?

O grosseirão achou que ia descansar a cabeça no meu travesseiro e se enroscar nos meus lençóis.

– Vou chamar um táxi. Aonde você mora?

Ele fica sem fala e eu me divirto. Acrescento?

– Não tem importância se você mora muito longe. É a firma do meu pai quem vai pagar.

Ele engole o insulto. Deve ser alguém muito gentil, uma vez que parece estar mais magoado do que com raiva.

– Por que você me trouxe aqui?

Acendo outro cigarro e sem dizer palavra, pego um saquinho de pó de um lugar qualquer. Estico uma fileira e cheiro em duas fungadas. Quero estar em plena forma para pôr esse maluco no lugar.

– Escute, eu não preciso explicar minha vida a você. Quantos anos têm? Vinte e cinco, vinte e cinco anos? Está surpreso? Já deve estar saindo há alguns anos para saber como funciona. Eu o apanhei na pista do Queen e você acha que eu te trouxe aqui para inventar um escândalo? Estupro? Nós não somos do mesmo mundo, queridinho. Esta noite me deu vontade de ser enrabado como um puto. Você fez o seu serviço. E não vai ser porque você me comeu, que viramos amigos. Não sei como se chama e nem quero saber. Agora, você vai se vestir, pegar suas coisas e cair fora. Você ganhou uma boa dose de pernas abertas e o seu táxi. O que quer mais? Cigarros, pó, grana? Pega o que quiser e se manda. Quero ficar sozinho. Entende? Sozinho.

Ele me encara, incrédulo.

Enquanto isso, eu pego o telefone. Meu pai tem uma conta na agência G7. Esse babaca pode dormir na Bretanha se quiser. Só quero que ele suma.

– Você tem sete minutos. Não faz essa cara. Esta é a ópera mais bonita do mundo. A Traviata. Isso lhe diz algo? Verdi? Não? Inspirada em A dama das camélias. Quer que eu conte a história? Vai aprender alguma coisa e se sentir menos babaca quando for dormir daqui a pouco.

Ele não rebate.

– A coisa toda é simples. Alfredo ama Violeta. Violeta ama Alfredo. Amor, paixão. Mas Violeta é cortesã e isso quer dizer puta de luxo e como uma, ela sabe que Alfredo não tem meios para sustentá-la. Ela não quer arruiná-lo. Tenta sair da vida. Briga, reconciliação e a decisão de não se separar mais. Só que o pai do Alfredo apronta. Ele exige que Violeta se afaste do amado porque está manchando a reputação da família dele. Então ela faz de tudo para afastá-lo. E ela consegue tão bem que, este, transtornado como só ele, faz tantas maldades que ela acaba morrendo. No meio de tudo também pinta a tuberculose. Toda boa heroína romântica fica tuberculosa. Pronto. Bela história de amor destruída pela morte. É triste, não?

– Sim, é triste.

– A continuação ninguém sabe. A gente não sabe o fim de Alfredo. Não sabe se ele esqueceu Violeta. Como ele faz para agüentar a vida quando a pessoa que ele ama já morreu. Talvez ele já esteja casado, pai de família, com uma ligeira calvície e, quando o nome de Violeta emerge de suas lembranças, ele o associe a uma das suas farras de juventude, há muito devidamente expiada. E se ele enlouqueceu? E se ele morreu de tristeza?

Não. Eu conheço a continuação. Alfredo vai ao Queen toda noite. Se afoga na vodca. E pensa naquela que perdeu. Descobriu a cocaína e enche o nariz de pó vinte e quatro horas por dia. Ele não sabe mais chorar. Violeta está perdida para sempre e Alfredo se vinga nas putinhas e nos babacas desinteressantes. Ele pervete, transa e faz sofrer. Ele gostaria de estourar os próprios miolos, mas não tem coragem. Um covarde miserável.

Alfredo é alcoólatra, drogado e suicida. Mas não se preocupe. Ele não vai durar muito. Vai morrer logo. De uma overdose, de um acidente de carro, de uma facada num beco, de uma doença incurável... Ele reencontrará de novo o sorriso apenas para dizer adeus. Agora, se manda, seu táxi já deve estar esperando lá embaixo.

Eu o acompanho até a porta. Ele murmura duas ou três palavras. Sua compaixão me provoca horror. Bato a porta na cara dele.

Calma e solidão. Enfio um roupão e volto para a biblioteca me arriando no canapé profanado.

Não esperem que esta história termine em tragédia, não há nenhuma. Ele morreu e mais nada faz sentido para mim. Encaro o futuro como uma eternidade de provocações e fastio. Minha covardia me impede de pôr fim aos meus dias. Vou continuar a sair, a cheirar, a beber e a perseguir os babacas.

Até que eu morra.

A humanidade sofre. E eu sofro com ela.

Arashi Kaminari, 30 de setembro de 2006.

Notas da autora:

Eba! Consegui finalizar mais uma fanfic. Agradeço o apoio da Bela Patty, Shakinha e Pisces Luna. Obrigada também a todos que comentaram nos outros capítulos e também para quem somente leu.

Ah! Desculpem-me por ter esquecido de avisar que este seria o último no capítulo anterior.