Título: The Scientist
Autora: Dana Norram
Shipper: Sirius/Remus
Classificação: PG-13/Slash
Gênero: Drama/Romance
Spoilers: Harry Potter and Half Blood Prince
Parte: 02 de 02
Aviso: Cada nova inserção de um trecho da música indica mudança de tempo/cena na história.
"So, what difference does it make?
So, what difference does it make?
It makes none
But now you have gone
And you must be looking very old tonight."
(What Difference Does It Make? — The Smiths)
The Scientist — Parte Dois — POV. R. J. Lupin
Fanfic por Dana Norram
Canção por Coldplay
Pegar as malas. Passar pela porta. Aparatar.
Desaparecer.
Não era exatamente uma seqüência muito difícil de seguir, você diria.
Eu só tinha de caminhar... ir de cabeça erguida até a saída...
Escutei o ruído das malas batendo contra o soalho antes mesmo de perceber que eu as soltara. Meu coração se acelerou, batendo como se estivesse a ponto de explodir. Levei uma das mãos até o peito, tentando, inutilmente, acalmá-lo.
Com passos lentos e incertos, alcancei a poltrona próxima à mesa. Usando as mãos de apoio, sentei como se tivesse corrido quilômetros e quilômetros em questão de segundos, minhas pernas bambas. Há muito tempo eu não era tomado por uma sensação de pânico tão grande quanto aquela.
Enfiei o rosto nas mãos e senti o suor gelado e úmido contra a pele de meus dedos.
A verdade é que sou orgulhoso demais mesmo para ir atrás dele e explicar tudo. De alguma forma, eu tinha certeza de que ele compreenderia e provavelmente até pediria desculpas pelo modo como gritara comigo dias atrás. Eu podia antecipar cada uma de suas ações e reações, mas ainda assim...
Ainda assim eu não tinha coragem de falar, de mandar uma coruja... de tentar qualquer forma ínfima de contato, de reconciliação.
A verdade é que eu só queria fugir. Fugir e retornar somente quando tudo estivesse tranqüilo e esquecido. Acabado.
Às vezes eu me perguntava por que o chapéu seletor me pusera na Grifinória, afinal de contas. Aquela era casa dos honrados e corajosos. E eu não era exatamente nenhuma das duas coisas.
Não tivera, afinal, coragem de contar aos meus três únicos amigos sobremeu segredo e deixei que eles descobrissem por si mesmos. Nunca passara pela minha cabeça que, enquanto investigavam, eu poderia tê-los matado, um a um?
Não.
Eu só pensava em ficar quieto e satisfeito com a pouca felicidade que a companhia deles me proporcionava. Seriam apenas por sete anos, afinal. Eu tinha... eu precisava aproveitar aquele curto tempo que me fora dado...
E então temos Sirius.
Sirius Black, que, a despeito de seu sobrenome, era uma das pessoas mais doces e íntegras do mundo. Sirius Black, que sempre tivera honra e coragem de admitir que cometera um erro — ainda que não o fizesse em voz alta. Ele, de todas as pessoas, tivera a coragem de me dizer... aquilo.
E, em contrapartida, onde eu enfiara minha honra na hora de admitir que sentia o mesmo? Porque não, eu não podia me dar ao luxo de usufruir de uma alegria como aquela. Eu não podia correr o risco de que uma hora ele simplesmente se cansasse e dissesse "foi bom enquanto durou". Eu queria me resguardar e assim aproveitar em silêncio cada um daqueles segundos felizes...
... sem me envolver de verdade.
Orgulhoso, covarde e egoísta. Definitivamente, alguém com esse conjunto de defeitos não merecia carregar o distintivo do Leão.
Ninguém assim merecia o amor de Sirius Black.
E eu já estive tão perto de dizê-las. Tão próximo de confessar cada uma daquelas três palavras. Elas tinham chego tão perto de meus lábios que precisei forçar e engoli-las junto do medo, junto do arrependimento, acompanhadas por uma fria sensação de segurança.
Porque todas aquelas vezes... todas em que eu olhara naqueles olhos, eu sabia... sabia que seu dono estava muito melhor sem ouvi-las. Não fora ele mesmo que, anos antes, me desarmara com palavras idênticas? Que me deixara a sua mercê, sem a menor chance ou poder de resposta ou decisão?
O ato mais belo e mais cruel que alguém poderia ter feito por mim.
E ele fez.
Impetuoso, ousado...
Sem pensar.
Mas eu jamais poderia agir daquela forma, poderia? Agüentaria conviver com um desapego igual àquele? Entender aquela incontrolável vontade de abraçar o mundo. E conseguir fazê-lo.
Mas não fora isso, nele, que me encantara, para começo de conversa? O fato de ele conseguir ser tão adorável em sua euforia e total falta de responsabilidade? Mesmo diante da perspectiva de que era praticamente impossível ficar zangado com ele por muito tempo?
E como tentei. Juro que tentei.
Tantas vezes dirigindo toda minha força de vontade na tentativa de ignorá-lo por completo... de fechar meus olhos para aquele ato cujo do qual Sirius Black era seu personagem principal.
E é óbvio que eu falhei.
Eu nunca entendi, sabe? Como você conseguia ser daquele jeito e ainda assim conquistar todos ao nosso redor. Porque enquanto eu tentava ser prático e sistemático, você chegava como um furacão e transformava meu simétrico castelo de cartas num amontoado de problemas sem soluções. Aí quando eu queria arrancar os cabelos, você segurava minhas mãos com força e sorria, me fazendo prometer que não me preocuparia tanto com coisas tão pequenas...
Minha insegurança. Suas espontaneidade. Nossas vidas. Coisas tão pequenas.
Para você tudo poderia ser resolvido, esquecido... enterrado.
Mas não para mim.
E era agora que pela milésima vez eu me via numa luta contra a vontade de ir te encontrar para nos dar uma outra chance. E pela milésima vez eu era vencido pelo orgulho, pela covardia e pelo egoísmo. Não necessariamente nesta ordem.
A verdade é que eu fiquei muito tempo sentado aqui nesta poltrona, pensando em você. E por mais que me doa admitir, eu adormeci sussurrando aquelas três palavras. Aquelas palavras que você tanto queria ouvir...
As palavras que você nunca irá ouvir.
Nunca porque eu fui acordado naquela madrugada pelo barulho insistente de uma coruja batendo em minha janela. Uma coruja que trazia uma carta. De Dumbledore. Uma carta que me fez sentir a pior pessoa do mundo...
A pior de todas as pessoas sim, Sirius Black... porque mesmo depois de lê-la vinte, trinta vezes, eu ainda era incapaz de te odiar.
I was just guessing
At numbers and figures
Pulling your puzzles apart
(Eu só estava pensando
Em números e figuras,
Rejeitando seus quebra-cabeças)
"Senhor Lupin... o senhor era mesmo um amigo íntimo de Sirius Black?"
Apertei o passo e desviei os olhos, buscando a saída do cemitério. Eu só queria me despedir de James e Lily em paz. Nunca quis me tornar o alvo de um bando de repórteres sem o menor escrúpulo. Eu não queria pensar mais em nada de tudo daquilo.
"Senhor Lupin, o que pode nos dizer a respeito de Black? Fontes seguras nos informaram que vocês não se falavam mais com tanta freqüência. O senhor desconfiava da traição dele?"
Mas eu deveria ter previsto algo assim, era claro. Voldemort derrotado ao custo da vida de meus amigos, cujo único filho, um bebê, escapara vivo do atentando apenas com uma cicatriz. E Sirius... fora Sirius que o levara até eles...
"Senhor Lupin, o senhor notou alguma mudança na maneira de agir de Sirius Black?"
Sirius Black, o melhor amigo. Sirius Black, o fiel do segredo. Sirius Black, o traidor. Sirius... o único que podia. Sim, era o único. E ele fizera. Não havia outra explicação. Não, não. Ponto final e sem mais lamúrias. Era aquilo que todos diziam e era a verdade. No final, você demonstrara que era somente mais um Black. Um Black como todos aqueles que você dizia odiar e isso me doía mais do que tudo. Saber que eu tinha fechado meus olhos e fingido não perceber que, por trás daquele seu sorriso largo, havia uma máscara ocultando uma caveira grotesca.
"Senhor Lupin, e o que pode nos dizer a respeito de Peter Pettigrew? Ele também era seu amigo, não estou certo?"
E você ainda matou... matou Peter. Você, que durante sete anos o protegera de sonserinos grandalhões e que junto dele roubara montes de doces das cozinhas da escola. Como você tivera a coragem de levantar a varinha e reduzi-lo a um dedo largado no chão? No jornal daquela manhã eu vira sua foto e nela você ria e ria. Como um louco. Você não é mais o Sirius que eu conheci...
"Senhor Lupin, como o senhor se sente agora momento? Perdido? Traído? O que você diria a Sirius Black se pudesse vê-lo agora?"
Como um sonho que aos poucos vai se desvanecendo, eu me lembro vagamente de ter parado junto à entrada do cemitério. Lembro de que somente naquele instante eu tomara plena consciência de que estava cercado por uma dúzia de repórteres e fotógrafos. Todos eles, que, sem um pingo de sensibilidade, tinham ido até lá fazer seu trabalho sujo, aviltando e exigindo tanto daqueles que já tinham sofrido tudo que podiam sofrer. Querendo mais e mais. Querendo arrancar até a última palavra e transformá-la no tablóide da manhã seguinte. Abutres. James e Lily não mereciam isso. Peter não merecia. Harry não merecia. Eu não merecia.
Sirius merecia?
Mas foi somente um mudo olhar de censura e um profundo suspiro que aqueles repórteres conseguiram arrancar deste atormentado Remus John Lupin naquela manhã cinzenta.
E até hoje.
Como sempre, eu me escondera atrás da minha eficiente máscara de calma e seriedade. Nunca eu perdera o controle sem estar sob a forma de um Lobo, e não teria sido naquele instante que eu poria tudo a perder. Não quando tudo poderia ser gravado e impresso. Não quando minhas palavras tivessem o poder de ultrapassar as grades de Azkaban e de alguma forma deturpada chegar até você.
E só eu sei o quanto eu quis gritar. Gritar que no fundo eu não conseguia sentir a menor sombra de ódio e raiva do traidor. Que eu não fora capaz de perceber que ele tinha tomado a caminho errado, que dera as mãos para as trevas. Eu não disse nada porque sabia que, se eu começasse, teria gritado tão alto a ponto de meus pensamentos serem abafados por minhas palavras. E eu sabia que, em meio aos berros, acabaria dizendo o quanto lamentava por tudo...
Principalmente por Sirius Black não ter me matado também.
Questions of science
Science and progress
Do not speak as loud as my heart
(Questões da ciência,
Ciência e progresso
Não falam tão alto quanto meu coração)
As letras se embaralharam ganhando contornos difusos na frente dos meus olhos, mas sei que não se trata de sono. Me ajeito melhor na cadeira dura, apoiando os braços sobre a mesa. O silêncio que emana de todos os cantos é palpável e reconfortante.
Por um segundo, me perguntei o que fazia sozinho naquele lugar, àquela hora da noite. Eu podia ver a escuridão reinando soberana através dos janelões, escondidos atrás das enormes estantes abarrotadas de livros.
A compressão não demorou muito para me alcançar. No dia seguinte eu estaria fazendo um dos mais importantes exames finais e simplesmente não conseguia dormir, de ansiedade e preocupação. Nós não tínhamos mais o mapa do maroto, mas eu sempre podia contar com a capa de invisibilidade de Prongs para chegar discretamente à biblioteca e estudar até que me desse por satisfeito. Um feitiço cuidadosamente lançado me avisaria caso alguém estivesse se aproximando do corredor. Eu estava completamente seguro.
Balancei a cabeça, tentando voltar às palavras do grosso volume seguro em minhas mãos. O cheiro das folhas velhas alcançou minhas narinas e eu inspirei fundo e demoradamente.
A próxima coisa do qual me dei conta era de tinha sido abraçado por trás e que uma mão forte tapara minha boca para me impedir de gritar. Meu coração começou a bater desenfreado e só não comecei a lutar para me libertar porque ouvi a voz rouca e sussurrada junto ao meu ouvido. Uma voz que eu conhecia muito bem...
"Nem o distintivo de monitor vai salvar a sua pele se te pegarem fora da cama uma hora dessas".
Ainda com o corpo preso e a boca tapada eu tentei rir. Quem era ele para vir me falar sobre regras e horários?
Senti os braços mais fortes me soltarem e a mão sobre minha boca fazer um carinho em meu pescoço antes de se afastar. Voltei o corpo, ainda sentado, para encarar o responsável por eu estar ali, agora.
"Eu queria estudar e sei que você não me deixaria em paz no dormitório, nem no salão comunal".
Vi-o abrir um sorriso grande e indecente, como se eu tivesse acabado de elogiá-lo e não de lhe dar um puxão de orelha.
"Pensou que não te acharia aqui?"
Soltei um suspiro e levantei da cadeira, desviando meu olhar do dele, tentando parecer que a sua presença ali em nada mudaria minha intenção inicial. Meus olhos caíram sobre a estante atrás de nós, fixada numa das paredes. Peguei uma pequena escada de cinco degraus, a posicionei onde havia uma série de livros sobre Defesa Contra Artes das Trevas e subi, tentando ignorar o sorriso ainda grande e agora mais indecente que me era dirigido.
Estendi o braço a fim de pegar um livro que me parecia promissor e que estava um pouco mais afastado, enquanto me segurava com a outra mão para não cair. Segundos depois meus dedos tocaram no encadernado em couro marrom, mas, quando me preparava para descer, senti meus pés pisando em falso e só não me estatelei no chão porque ele me segurou.
Seus olhos acinzentados piscaram um segundo ou dois, preocupados. Sorri em resposta, para garantir que tudo estava bem. Eu ainda sustentava o enorme livro, separando o espaço nulo entre nós. Ele se aproveitara da queda para passar os braços ao meu redor e, quando dei por mim, já estava prensado contra a estante. Podia sentir a madeira contra minhas costas e seu hálito quente próximo do meu pescoço.
"Não ganho nada por ter salvado sua vida?"
A voz era brincalhona e maliciosa. Ri com vontade em resposta, um pouco mais alto que a prudência recomendaria. Meus braços ainda seguravam o livro com força. Ele então olhou para o volume como se olharia para um adulto que não deixa as crianças se divertirem, dizendo que já passou da hora de dormir. Com um rápido e preciso movimento, ele afastou o corpo e puxou o livro de mim, jogando-o no chão da mesma forma que espantaria um inseto indesejado. O barulho ecoou, subindo pelas paredes altas e desaparecendo logo em seguida. Encarei-o, ligeiramente assustado, apurando os ouvidos para ter certeza de que não havia ninguém correndo para nos descobrir ali. O silêncio que se seguiu, porém, era absoluto. Por um segundo tardio, me lembrei do feitiço e me perguntei porque ele não detectara a chegada dele...
Os pensamentos práticos foram varridos de minha mente quando percebi quanto sua boca estava próxima da minha. Imediatamente, senti um arrepio subir pela coluna, e ele deu um passo à frente, os braços outra vez ao redor de minha cintura — agora, nada além de duas finas camadas de tecido nos separando. Meio hesitante, ergui meus braços e passei-os em volta de seu pescoço, tentando de alguma forma também ter controle da situação.
Quando ele enfiou uma das pernas entre as minhas e eu deixei um gemido raso escapar, seus lábios cobriram os meus para abafar o som e uma de suas mãos se enfiou por dentro da camisa do meu pijama para me apoiar enquanto nós deixávamos que aquele beijo crescesse a ponto de se tornar a mais perfeita forma de expressar o que sentíamos um pelo outro...
Mas, quando abri os olhos, eu estava sozinho.
Estava sozinho naquela mesma biblioteca. Era noite como fora naquela ocasião e havia um toco vela iluminando o espaço ao redor da mesa de carvalho que eu ocupava. Uma pilha de livros com páginas marcadas esperando para uma segunda conferida. Um outro volume aberto na minha frente, cujas páginas tinham me servido como apoio nas últimas horas.
Quando finalmente consegui organizar meus pensamentos para entender o que acontecera, me senti tão patético que enfiei o rosto entre as mãos, vermelho de raiva. Eu tinha passado boa parte daquela noite corrigindo as redações dos meus alunos quando fui tomado pelo sono. A lua cheia tinha sido dois dias atrás e eu estava cansado, mas queria recuperar o tempo perdido. Não havia uma só pessoa ali para presenciar tal cena, mas a vergonha que me assaltava naquele instante era tão grande que precisei fazer um esforço enorme para não gritar de raiva e autopiedade.
Quando abaixei as mãos de volta para o livro, reparei que elas estavam brilhando, úmidas. E reparei, pela primeira vez, o quanto elas eram diferentes das mesmas mãos que estiveram segurando aqueles mesmos livros, naquele mesmo lugar, anos e anos atrás. Agora elas eram mãos velhas. Mãos velhas com cicatrizes visíveis e invisíveis. Mãos que estavam manchadas com o sangue de seus amigos... mãos que tiveram em seu poder a vida de Sirius Black e ainda assim...
Era lógico que eu sabia como ele invadira o castelo duas vezes. E era óbvio que eu deveria ter contado tudo a Dumbledore. Tudo. Dos animagos. Das passagens secretas. Do mapa. Tudo. E por que eu não fizera? Era o correto. Era o melhor a ser feito. Na próxima vez poderia não ser "uma tentativa" de matar Harry. Ele conseguiria e seria minha culpa. E será que eu agüentaria conviver com mais uma culpa?
O rosto dele se formou na minha frente assim que fechei os olhos. Mas não era o rosto deformado e transtornado pela loucura, aquele mesmo rosto que ilustrava os cartazes de "Procurado" espalhados por todos os lugares. A imagem que se formou para mim era a de um adolescente atrevido e cheio de vontade de viver. A mesma sensação que me assaltara durante aquele sonho voltou, mais forte e avassaladora. Mas, agora, acordado e consciente, eu sabia como deveria reagir àquilo.
Fechei as mãos em punho, afundando as unhas na carne e abaixando a cabeça, tentando ignorar todas as imagens e lembranças. Todas aquelas peças que a mente me pregava, querendo que eu o tropeçasse e cedesse a um sorriso que nunca mais será o mesmo. Abaixei a cabeça contra o livro e silenciosamente chorei. Chorei por ser o elo mais fraco. Por ser o único que restara.
Tell me you love me
Come back and haunt me
(Diga-me que me ama,
Volte e me assombre)
Se eu tivesse sido completamente sincero, admitiria que já sabia. Teria me confessado que, de alguma forma, sabia que um dia o veria mais uma vez. Mas eu estaria sendo absolutamente franco caso dissesse que nunca, jamais teria imaginado um encontro assim.
Só eu sei o quanto desejei que o mapa estivesse registrando errado. Só eu sei o quanto quis que tudo não passasse de um grande mal-entendido. Um equívoco, uma brincadeira sem graça. Mas, como sempre, a idéia de você estar por perto fez com que minha força vontade se esvaísse tão rápido quanto sugira, como que por encanto. E enquanto eu corria, desabalado, ignorando os olhares curiosos de alunos e professores, me perguntava se estava pronto para aquilo. Pronto para vê-lo novamente. Para olhar dentro de seus olhos. Para fazer o que eu deveria ter feito 12 anos atrás.
Mas havia Peter. O nome marcado no mapa. A clausula minúscula num contrato que altera todos os planos no último segundo. Por anos e anos eu ensaiei como agiria quando o momento chegasse. E eu prometera a mim mesmo que te encararia como se você fosse a pessoa mais desprezível do mundo e não significasse absolutamente nada para mim. Por noites e noites, sozinho e perdido em meus pensamentos, jurei que, quando a hora chegasse, você não veria nada além de frieza em meus olhos. Mas ver o nome dele ali tão próximo do seu fez com que todas as minhas crenças fossem abaladas e caíssem desmoronadas por terra, sem qualquer chance de conserto. Talvez no fundo eu nunca tivesse acreditado na sua traição.
E eu me lembro. Lembro de ter procurado respostas para perguntas que não existiam — porque eram absurdas demais para serem formuladas. Lembro de cada madrugada que despertei assustado e confuso com algum sonho louco onde você aparecia e me abraçava dizendo que tudo não passava de um terrível engano, que James, Lily e Peter estavam vivos. Falando de Harry como se ele já fosse um menino crescido, ansioso para me conhecer. Você estava ali para me buscar e irmos embora juntos.
Mas todas as vezes que eu estendi a mão para tocá-lo você desapareceu. Sumiu entre fagulhas de sonho e realidade. E só restara o ruído da minha própria respiração, acelerada e ofegante. O bater desenfreado do coração querendo escapar do peito, querendo explodir e acabar com tudo. E eu repetia o ritual de tomar um copo d' água numa vã tentativa de me acalmar e daí enfiava o rosto nas mãos e esfregava os olhos até que todos os vestígios da sua face desaparecessem dos meus pensamentos. Então levantava e ia até a janela, porque, de alguma maneira, o vento sempre conseguia abri-la. E sem olhar para fora — para as trevas da noite — a fechava com força. Porque eu não podia suportar o barulho da cortina batendo contra a madeira, oscilando como se fosse um mau presságio qualquer...
E eu lembrei de tudo. Lembrei de cada promessa vazia que já fizera a mim mesmo e em pensamentos me censurei, repetindo que não deveria acreditar em você. Minha consciência dizia que deveria estar preparado para encontrar seus olhos e poder resistir a eles, porque você tentaria me enganar outra vez. E o que foi que eu fiz?
Eu corri mais do que minhas pernas podiam suportar. Corri tão rápido quanto a velocidade dos meus pensamentos.
Dizem que a vida passa como um filme diante de nossos olhos quando a morte espreita. E, naqueles poucos minutos que separaram Hogwarts da Casa dos Gritos, eu me lembrei de tudo. Tudo. Talvez porque a hora da morte estivesse chegando. Talvez porque eu fosse morrer. E eu me lembro de uma vez ter desejado que você me matasse como fez com os outros.
E, quando pus meus olhos em você, descobri que a morte não importava mais. Enquanto o encarava, tentando arrancar uma explicação, um pedido de desculpas, uma risada, qualquer coisa... Eu juro que pensei em acabar com tudo. Em acabar com você. Em acabar comigo. Era apenas a distância de um braço e duas palavras simples. O mundo não lamentaria a nossa falta. Eu queria tanto aquelas respostas, mas não sabia se era capaz de lidar com elas. Era tão mais fácil morrer e fugir, mas o que eu fiz?
Eu perguntei por ele. E você confirmou. Mas eu não deveria acreditar em você. Não. Eu devia era atacá-lo e puni-lo por todos estes 12 anos.
Mas tudo que eu pude fazer foi baixar a varinha e puxá-lo para um abraço desesperado.
E, com o coração batendo mais forte do que já batera em toda minha vida, eu senti o seu corpo magro e ferido pelo cárcere contra o meu. Senti que tinha sua vida em minhas mãos outra vez e que você não moveria um dedo caso eu tentasse tomá-la. Com o rosto afundando contra o mar de cabelos negros e desgrenhados, eu sorri em alívio. Sorri porque pensei que você, esquelético e maltrapilho, me lembrava a própria figura morte.
E eu o abracei com mais força, esperando que você me levasse dali.
Oh, and I rush to the start
(Oh, e eu corro para o começo)
Eu não sei se poderia, de alguma forma coerente e compreensível, descrever o que se passou naquela noite. É o tipo de experiência íntima da qual não se pode falar a respeito, pois não existem palavras suficientemente precisas para explicar. Não existe meio de fazer outros compreenderem que não há absolutamente nada de belo ou agradável em ser transformado numa besta descontrolada. Em estar literalmente debaixo da pele de um animal assassino e não poder fazer nada que possa pará-lo, a não ser esperar que o dia chegue e se lamentar pelo rastro de sangue e morte deixado para trás.
Quantas vezes já não acordei sem saber como fora parar no meio de uma floresta ou de um bosque qualquer. Desesperado, assistindo à compreensão me alcançar através do tremor que subia pelos pés até chegar a pontas dos dedos. Jamais poderia explicar a qualquer um o medo que era olhar por cima do ombro e imaginar que talvez eu encontrasse os restos de uma refeição humana espalhados pela relva. Quem compreenderia que não havia nada de forte ou misterioso em ter o poder de tirar a vida tão facilmente quanto se arranca o braço de uma boneca?
O medo das pessoas não as impedia de se perguntarem alguma vez, ao menos uma vez — "Como será?". Eu teria a resposta. Pediria que acreditassem em mim quando eu dissesse que você realmente não quer saber como é. Que você nunca sentiria falta do medo e da sensação de impotência diante de algo que de repente se apossa do seu corpo, pegando cada fragmento daquilo que conhecemos como 'vontade' e aprisionando dentro de uma camisa de força fechada no fundo de sua consciência, que só estará livre depois de horas. Livre para lamentar os próprios feitos.
Durante alguns poucos meses, eu quase que me esqueci dessas sensações, graças à poção, ocupada em manter a mente dona do corpo, mesmo sob a forma do Lobo. Como uma criança curiosa, que aos poucos vai descobrindo o mundo ao seu redor, eu descobri como era ver com os olhos do Lobo. Durante noites observei os contornos dos móveis, senti o cheiro dos livros e escutei os sons que ecoavam pelo castelo sem ter vontade de matar, dilacerar a carne e sentir o gosto do sangue. E teria me sentido em paz dentro da minha forma bestial se você não existisse.
Porque, mesmo preso àquele corpo, eu não conseguia esquecer que você estava em algum lugar lá fora, escondido dos olhos alheios sob a forma daquele cão negro. Eu podia senti-lo. O Lobo podia senti-lo. Mesmo acorrentado pelos efeitos da poção, o instinto manifestava cada lembrança através de pequenos flashes de memória. O primeiro encontro da besta e da fera. A primeira luta. O dia que você finalmente pode me controlar. O Lobo não se esquecera de nada. Debaixo do pêlo e no fundo da minha mente eu o ouvia ganir diante da perspectiva de reencontrar o único ser mais próximo do que ele poderia considerar um companheiro.
E o dia finalmente chegou. Não que eu quisesse ou mesmo tivesse imaginado, mas lá estávamos nós outra vez e o Lobo, não eu, estava como que mergulhado num caldeirão de euforia e sede pelos velhos tempos. Eu lutei contra ele, mas sabia que era uma batalha perdida. E a dor que rasgou minha carne e alargou os ossos não era nada comparada à perspectiva do que aconteceria quando a consciência me abandonasse por completo e o deixasse tomar conta de tudo. Mas e se me perguntassem "qual a última coisa que você lembra?", talvez a minha resposta fosse um sorriso.
Um sorriso tímido e no fundo satisfeito, porque antes de me entregar às garras do Lobo eu me lembrava de ter escutado os seus gritos. Lembrava de sua voz dizendo que podia me controlar. Que cuidaria de mim.
Running in circles
Chasing tales
Coming back as we are
(Correndo em círculos,
Perseguindo nossas caudas
Voltamos a ser o que éramos)
"Você não deveria estar dormindo?"
Em silêncio eu o assisti erguer os olhos da mesa e me encarar com um misto de raiva e divertimento. Os cabelos caídos por cima dos ombros, os olhos cinzas faiscando com a perspectiva de aprontar alguma coisa.
"Você não acha que pode me dar ordens na minha própria casa, acha?"
Logo atrás dele o fogo da lareira estava nas últimas. Então, sem lhe dar a menor atenção, contornei a mesa comprida e abaixei o corpo para reavivar as chamas com a ajuda do atiçador. Perdi alguns segundos naquela tarefa, assistindo as fagulhas de luz se baterem contra a pedra escura.
"Onde você esteve?"
A voz dele tinha um quê de censura impregnado da qual a princípio eu não tomei consciência. Afinal, não havia razão para ele me censurar de forma alguma. Ele sabia perfeitamente bem que eu estava fora em missão para a Ordem. Num primeiro momento eu supus que todo aquele mau humor fosse motivado pela mesma razão de sempre. Pela vontade de querer fazer algo e não poder. Pela idéia de estar com as mãos amarradas no meio de uma luta importante — mais ou mesmo como acontecia agora. Eu não tive a capacidade de entender que a razão era muito mais pessoal e complicada.
"Tonks estava com você?"
Minha mão que sustentava o atiçador amoleceu de repente e eu senti o instrumento escapar por dentre os dedos e cair com um estrépito próximo das brasas no chão da lareira. Abaixei rapidamente para recolhê-lo e tentei disfarçar um gemido de dor quando sem querer esbarrei numa lasca de madeira enegrecida que acabara de escapar do fogo.
Largando o atiçador de qualquer jeito, levantei depressa e logo já estava junto à pia, abrindo a torneira e despejando um jato de água fria sobre minha mão. O alívio que me dominou durou pouco. No instante seguinte, senti o corpo dele próximo ao meu, enquanto ele fechava a água, trazia minha mão para próximo da luz e avaliava o estrago. Escutei-o soltar um resmungo baixo e puxar a varinha distraidamente, murmurando um feitiço qualquer.
A dor cessou no mesmo instante em que ele soltou minha mão. Eu sorri sem graça e agradeci num tom de quem se desculpa.
"Você não respondeu minha pergunta". Disse ele, voltando a me encarar com aqueles olhos cinzas, como se estivesse tentando arrancar alguma coisa de dentro dos meus.
Com as sobrancelhas erguidas, hesitei antes de responder. Algo ali não se encaixava e eu não tinha certeza se queria saber o que era.
"Sim ela... digo, Nymphadora só cumpriu metade da ronda porque não estava se sentindo bem. Então eu a levei para casa. Por quê?"
Foi a vez de Sirius parecer que estava escondendo alguma coisa. Ele soltou um outro resmungo e voltou a sentar, enchendo um cálice com vinho e bebendo em silêncio logo em seguida. E repetiu o movimento mais duas vezes antes que eu perdesse a paciência e arrancasse o cálice pela metade de suas mãos. Seus olhos ligeiramente arregalados, a expressão soturna dividida entre o riso e a exasperação completa.
Eu o encarei sem piscar. Há algumas semanas que ele vinha agindo daquela forma estranha e eu sempre botara a culpa nas condições que Dumbledore estabelecera para sua segurança. Ele odiava aquele lugar e estava trancafiado nele. E eu compreendia. Tentava passar com ele o maior tempo possível, procurava distraí-lo com qualquer bobagem. Nós dois tínhamos estabelecido uma espécie de relação outra vez e eu achei que ele estava contente com ela. Pelo visto estava enganado. Mas isso não lhe dava o direito de me deixar no escuro e ficar resmungando sobre uma piada interna que só ele podia compreender.
"Você é muito inocente, Moony".
Quê? — A afirmação dele me fez corar de raiva, não só pelo tom de voz sarcástico e pela risadinha que soltou depois da frase. Bati o cálice sobre a mesa e um pouco de vinho caiu em sobre meus dedos.
"Ah, você é. Não é possível que ainda não tenha percebido".
Senti a garganta seca repentinamente. Era como se algo que eu captara num pensamento fugaz e tivesse deixado de lado, começasse a fazer sentido agora. Mas não fazia. O que diabos ele estava tentando me dizer? Por que ele não podia ser mais claro? Ergui o cálice novamente e bebi o que restara do vinho num só gole.
Escutei-o soltar uma risada e senti uma de suas mãos segurando meu braço e me puxando para a cadeira ao lado da dele. A contragosto, sentei e deixei que ele pusesse mais vinho no cálice. Esperei que a garrafa estivesse de volta à mesa para encará-lo.
Ele sorriu e balançou a cabeça da mesma forma que já fizera muitas vezes antes, quando eu não conseguia entender por que ele e James estavam rindo de alguma brincadeira estúpida.
"Então a Tonks não estava se sentindo bem?"
Ele estava sorrindo como um gato que comeu um passarinho quando disse aquilo. Senti um calafrio, mas sabia que não ia ter respostas a não ser que entrasse no jogo dele.
"Não, bem, ela disse que não estava. Eu nunca vi Tonks ter sequer uma tontura, você sabe... ela é uma auror e até onde eu sei, é uma garota forte..."
"E você não achou nem um pouco estranho ela passar mal, assim, tão repente? No meio de uma ronda?"
Eu bebi um pouco de vinho. Um pouco rápido demais. Engasguei e em seguida senti tapinhas contra minhas costas.
"Não é óbvio, Remus?" A voz dele agora era séria, quase piedosa. Mas não era de mim que ele estava com pena.
Eu o encarei e vi que seus olhos estavam ligeiramente úmidos, brilhantes como duas estrelas. Hesitante, estendi a mão para tirar a mecha de cabelo negro que caía na frente de seu rosto impassível.
E nós dois ficamos vários e vários minutos em completo silêncio, apenas nos encarando. Eu tentei não piscar, procurando compreender o que era tão óbvio afinal e quando o olhar fixo dele sobre mim finalmente começou a pesar eu tentei virar o rosto. Mas ele não deixou. Como uma força imposta, senti seus dedos segurarem meu queixo com firmeza. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, nossos lábios estavam juntos e não havia mais o que pensar.
O espaço diminuiu sensivelmente entre nós enquanto os braços dele circundavam minha cintura, me puxando para mais perto. Enquanto eu enfiava os dedos entre os fios de cabelo negro e grosso e sentia ambos os nossos corações batendo juntos. Quando os lábios se separaram em busca de ar, as mãos dele subiram de volta para o meu rosto. Ele fez com o que eu encarasse e eu estremeci.
"Ela gosta de você".
Senti uma pancada violenta nalgum lugar atrás da cabeça e tentei sair dali, me esconder dos olhos dele, mas suas mãos não deixaram e eu me vi refletido naqueles olhos cinzas, me culpando por algo que eu não tinha como evitar.
"Eu também gosto dela," disse tentando parecer indiferente a sua afirmação. "Nymphadora é uma boa garota. Um pouco atrapalhada, mas ainda assim..."
Sirius soltou meu rosto para segurar os braços e me sacudir como se tentasse me acordar de algum sonho ruim. Sua voz era impaciente. "Você entendeu perfeitamente bem, Moony. Ela gosta de você".
O absurdo de toda a idéia me fez tremer e corar.
"Não seja ridículo, Sirius". Eu disse tentando convencer mais a mim do que a ele. "Eu quase que poderia ser o pai dela".
Ele soltou uma risada alta que se parecia um latido. E eu não achei que fosse o momento para risos. Tentei levantar e desta vez ele não me impediu. Mas, quando me vi livre de seus braços, senti o estranho sabor da liberdade e decidi que não gostava nem um pouco dele.
"Então outro Black está apaixonado por você, como se sente?"
Havia algo de duro e quase cruel em sua voz. Senti meu rosto mais quente ainda.
"Eu não gosto dela. Não deste jeito".
"Você também não costumava gostar de mim deste jeito". O sorriso dele era largo, mas vazio. "Amor nem sempre nasce como amor. O meu nasceu numa amizade e chegou até aqui... um pouco machucado, eu admito. Eu lhe disse uma vez que você podia não acreditar, mas eu..."
Minha voz saiu entrecortada quando murmurei: "Eu acredito".
"Ela gosta de você. Realmente gosta. É jovem e está disposta a lutar por aquilo em que acredita. Eu sou passado, Remus. Eu deixei muito do que era por este longo caminho e ele está chegando ao fim".
Ele se aproximou de onde eu estava parado, estático próximo à porta, e me deu um beijo delicado no rosto, sem encostar um só dedo em mim. Eu achei que tivesse perdido a voz, mas quando escutei o ruído da tranca se abrindo as palavras começaram sair sem qualquer controle e eu demorei em perceber que estava chorando.
"Você não tem o direito de decidir isso por mim. Ninguém tem. Durante doze anos eu me arrependi de ter te aceitado, sem poder retribuí-lo a altura. E agora que você voltou e tudo estava voltando a ser como era... você me pede isso? Acha que eu tenho que aproveitar a oportunidade? Acha que eu não posso viver sozinho, sem você? Eu vivi, Sirius Black. Vivi sozinho por doze anos, achando que você não passava de um traidor sujo e durante todo esse tempo eu não consegui te esquecer. E você acha que agora... com você aqui... eu... você não pode querer decidir isso por mim..."
Os contornos da cozinha se tornaram difusos por trás de um véu formado pelas minhas lágrimas. E foi por trás deste véu que eu vi você balançar a cabeça, como se estivesse indo contra sua própria vontade, como se pela primeira vez em tantos anos você tivesse pensado antes de tomar uma decisão. E o som da porta batendo foi a última e a única coisa que eu ouvi, pois as lágrimas já tinham me cegado por completo.
Nobody said it was easy
Oh, it's such a shame for us to part
(Ninguém disse que era fácil,
É uma pena que tenhamos de nos separar)
Na noite passada eu acordei outra vez no meio de um sonho. Assustado e confuso.
Desnecessário dizer que você estava nele. Mas este foi um sonho diferente dos outros. Nele, você não aparecia como um príncipe para me salvar e dizer que tudo ia ficar bem. Que nós iríamos embora juntos.
No sonho da noite passada, você simplesmente me olhava por detrás de uma vidraça e sorria. Aquele sorriso de quem sabe das coisas, o típico sorriso que você guardava para todas as ocasiões em que eu te colocava contra a parede e exigia saber quem diabos aprontara aquilo no salão comunal da sonserina. Era um sorriso cheio de más intenções. Pretensioso. Era o meu sorriso favorito.
Era.
Porque eu não vou mais vê-lo. Nunca. Nunca mais. Porque você não está mais aqui. Em lugar nenhum. É isso é o que eles chamam de morte. É isso que significa 'fim'.
Todas as vezes que eu paro e fico pensando nisso por um tempo, acabo me pergunto se você sabia. Se você sabia que a hora tinha chegado. Dizem que nós sempre sabemos quando é a nossa vez de partir. Mas, de alguma forma, eu não consigo esquecer o seu ar de surpresa e incredulidade. Talvez fosse apenas a surpresa por ter sido atingido. Talvez você não achasse que era o fim.
A princípio nem eu quis acreditar. Nem quando disse aquelas coisas ao Harry. Eu estava simplesmente tentando passar a imagem do professor inabalável que eu sempre fora. Quis convencê-lo de que não adiantava lutar, ao mesmo tempo em que me forçava a acreditar naquelas palavras vazias.
"Não há nada que você possa fazer..."
E não havia.
Mas, assim como ele, como o seu bravo afilhado, eu não consegui desviar meus olhos do véu. Eu quis que você voltasse e dissesse rindo que estava apenas brincando. Eu até mesmo cheguei a imaginar a cena. Todos nós ficaríamos zangados e aliviados e eu irei lhe passar um sermão para que você aprendesse a não brincar com algo sério como aquilo.
Sério. Muito sério. Era sério porque você estava morto.
Eu nunca imaginei que isso fosse possível e senti uma revolta enorme quando finalmente entendi o que acontecera. Quando finalmente entendi que não adiantaria esperar, que nunca, nunca mais eu ia te ver. Não havia nada de similar nesta sensação. Ela era nova e totalmente aterradora. Era algo com a qual eu não queria lidar. Era mais do que tristeza. Era uma vívida sensação de abandono.
E eu não me esqueci do que você fez. Eu não esqueci que dias antes da batalha, virara para mim e dissera: "eu sou passado".
Você estava certo.
Agora você se escondeu atrás de uma vidraça suja e fica sorrindo para mim, de algum lugar do passado. Sorrindo o tempo todo como se soubesse de algo que eu não sei. Algo que talvez me deixasse envergonhado ou constrangido. Mas eu lhe pergunto, um dia, você irá me contar o que é? E pergunto a mim: Será que eu vou querer saber?
Mesmo agora, você não deixa de me surpreender. Mesmo quando acho que estou em paz e sozinho, você aparece e volta para me perturbar. Mesmo nos sonhos, calado com esse seu sorriso pretensioso, você me obrigada a perguntar: "O que mais você quer?"
Talvez você queira pedir desculpas por algo que fez. Mas a verdade é você já fez tantas coisas que merecem um pedido de desculpas. Tantas coisas que eu não sei se seria capaz de perdoar todas elas. Para ser sincero, eu sei de algo que não posso perdoar.
Você se foi. Eu não sei se você queria ter ido, mas você se foi. Você realmente se tornou parte do passado e isso eu não posso perdoar. Você também não tinha esse direito.
Você, Sirius Black, me fez enxergar uma verdade que eu não queria enxergar. E agora o que quer que eu faça com ela?
Nobody said it was easy
No one ever said it would be so hard
(Ninguém disse que era fácil,
Ninguém jamais disse que seria tão difícil assim)
O que é traição?
Eu tenho me feito esse pergunta todos os dias agora.
Em teoria, a traição acontece quando se alimenta a confiança de alguém e se usa essa confiança contra esse alguém. Na prática, entretanto, acho que traição engloba mais do que uma série de termos e palavras.
Traição é aquele ato que você pratica quando não tem a coragem de dizer que gosta de alguém. E você gosta. Traição é quando alguém deposita suas últimas esperanças em você. E você falha. É quando tudo está dando errado. E você sorri. Quando você promete que sempre estará por perto. E você se vai. É quando você não acredita. Quando você mente. Quando você omite. Traição não envolve enganar somente o próximo, mas enganar a si mesmo.
Eu traí Sirius Black. Traí quando não lhe confiei meu segredo. Quando o repreendi por uma brincadeira infantil. Traí quando o perdoei. Quando ele disse que me amava e eu não disse nada em troca. Traí quando não fui atrás dele. Quando acreditei que ele era um traidor e assassino. Traí por sequer ter tentado escutar sua versão. Traí no instante em que o abracei e fingi que tudo estava bem. Quando o aceitei de volta. Quando fingi que não via os olhares dela. Quando não tentei entender o lado dele. Traí quando não chorei por sua morte porque estava ocupado demais sentindo raiva e remorso. Quando deixei que ela dissesse todas aquelas coisas e não a odiei por isso. Traí quando permiti que ela tivesse esperança. E quando fiz isso, traí Tonks também.
E eu também já fui traído. Também não confiaram em mim. Me disseram verdades que eu não queria ouvir e me jogaram em situações de onde não havia saída. Já me deixaram sozinho em lugares onde eu não queria ficar. Você já me deixou sozinho por tanto tempo...
Eu não quero isso. Não aceito essa situação. Não é questão de gostar ou não gostar. Eu simplesmente não quero. Como não queria que você tivesse morrido. Como não queria que ninguém tivesse morrido. Eu sequer queria assistir a este funeral e sinto que estou traindo alguém por isso também.
Eu não quero porque é errado. E por que é errado? Porque é injusto. Injusto com ela. Injusto comigo. Eu traí você quando não fui firme o bastante... quando fui vencido pelos mesmos argumentos...
"Eu não me importo!"
Mas eu me importo.
Eu me importo com cada um dos detalhes aparentemente bobos que compõem cada parte da minha vida e mal ou bem, ela também faz parte deles. Mas, se aceitá-la, eu estarei traindo tudo aquilo que acredito. Como traí quando aceitei você. E, se eu não aceitar, o que vai acontecer?
Serei chamado de tolo. De covarde. De egoísta? Serei obrigado a conviver com a idéia de que talvez… talvez pudesse dar certo? Se eu tivesse a coragem de dizer sim...
Mas eu não tenho. Não tenho porque sei que não posso fechar os olhos e esquecer o passado. Aquele mesmo passado que me pediu para seguir em frente. Há vários anos, quando você foi preso, e, meus amigos, mortos, eu achei que mais nada poderia me afetar. Achei que já tinha atingido o fundo do poço e que nada mais seria forte o bastante para me derrubar novamente.
Mas eu estava errado.
Errado porque você voltou e eu traí a mim mesmo quando quis acreditar que as coisas iriam melhorar. E eu paguei por essa traição quando perdi você pela segunda vez.
Eu estou pagando por ela até hoje...
Não pude deixar de sentir quando ela apertou minha mão. Eu tinha a opção de virar e dizer a ela que estava tudo errado e que não ia dar certo. Mas quando eu abaixei o rosto o que foi que eu vi? Eu vi uma sombra pálida daquilo que você me ensinara a amar.
O brilho dos olhos cruelmente idêntico. Indignado. Decidido.
Inconseqüente.
"Não importa".
Aquelas eram palavras suas.
"Eu quero tentar".
I'm going back to the start...
(Eu estou voltando para o começo...)
— Fim —
Dedicado à Flora Fairfield
(1983 — 2006)
AVISO: Este fanfic foi escrito para o V Challenge Sirius/Remus do fórum Aliança 3 Vassouras.
E aí? Vocês ainda estão com raiva do Remus? xD Viram como o sexto livro NÃO anula Sirius/Remus? Tá dá/o/
N.A.: Bem, eu queria agradecer a todos que comentaram e me incentivaram para que eu terminasse esta fanfic logo de uma vez e também gostaria de pedir desculpas pela demora e por não conseguir fazer nenhum comentário muito inteligente, mas essa foi uma semana complicada para muita gente. Ontem, dia 19, o fandom brasileiro de Harry Potter perdeu uma grande autora e eu perdi uma amiga. Flora, nós vamos sentir sua falta. Fique bem, onde você estiver.
Ps. Se você for deixar uma review (e eu vou ficar muito, muito feliz se você deixar) tente fazê-la logado para que eu possa lhe responder pelo sistema de "replay" do site, ou ao menos, coloquem um e-mail de contato, ok?
Ps2. Obrigada a Calíope pela betagem em tempo record, valeu garota! o/
©20 de Janeiro de 2006