Capitulo 5
Wind of Change
Roy afagava o cabelo de Riza, retirando os fios dourados da face ligeiramente inchada pelo sono dela. Sorria encantado, vendo-a adormecida.
Havia acordado há pouco, sem saber que horas eram, se seus pais já haviam chegado, e não se importava muito com isso. Tudo que lhe importava, naquele momento, era a mulher adormecida em seus braços.
Tocou de leve seu rosto, tomando maior cuidado possível pra não despertá-la. Sua pele lembrava uma fina porcelana de Xing, e tinha uma textura aveludada, era irresistível a ele não tocá-la. Pensava no quão estranho e, ao mesmo tempo, fascinante, era vê-la adormecida, com o cabelo espalhado, o rosto inchado. Ela parecia tão bela, tão doce, tão suave. Desejava vê-la assim mais vezes.
Olhando-a, ali adormecida placidamente em seus braços, lembrava-se de três dias antes, de suas estúpidas e irreais palavras diante da lápide de seu amigo.
Eu não tenho ninguém me esperando, ninguém que vá sentir minha falta.
Sorriu ao imaginar que Maes poderia ter surgido em sua frente, somente para reaprendê-lo por tanta estupidez. Era um pensamento tolo, ninguém pode voltar à vida, mas alegrava-se ao pensar assim no amigo.
Eu já vi muita gente jovem como o senhor, pai de família, como seu amigo, morrer. Não é agradável, mas a vida é assim. O senhor deveria continuar com a sua. Tenho certeza que é isso que seu amigo faria, se fosse o contrario. É isso que ele desejaria que fizesse, como seu amigo.
As palavras ditas pelo zelador no dia seguinte, o haviam despertado para a realidade. Como pode esquecer quantas pessoas sentiriam a sua falta. Seus pais, mesmo que não os visse há anos; seus subordinados, que eram mais que meros subordinados, eram seus amigos; e, principalmente, Riza.
A envolveu com o braço esquerdo, enquanto beijava delicadamente sua testa. Em sua mente, o dia em que enfrentaram Lust era retornava. A imagem dela, desesperada com a sua possível morte, surgia. Nunca mais queria vê-la daquela maneira. Não permitiria que ela passasse por aquilo novamente.
-"Nunca mais vai se desesperar por minha causa. Nunca mais vai se sentir fraca. Eu não vou permitir. Eu prometo."
Falou, em um sussurro, mais para si mesmo. Ela permanecia adormecida, a cabeça recostada em seu peito.
Aos poucos, sua mente foi se acalmando, enquanto continuava a afagar o cabelo de Riza com a mão direita, e sentia a respiração dela, o aconchego do contato. Somados a penumbra do ambiente, era um convite irresistível ao sono, que aos poucos voltava a dominá-lo.
Adormecendo aos poucos, foi desperto ao sentir Riza se mexer ao seu lado. Ela espreguiçava, fazendo pequenos e engraçados sons. Ela levantou a cabeça, abrindo os olhos vagarosamente, deparando-se com Roy exibindo um meio sorriso, sonolento.
-"Oi", disse, sussurrando para ela.
-"oi". Respondeu, com voz também sonolenta, sorrindo, enquanto aconchegava-se melhor nele, abraçando-o e voltando a fechar os olhos. Passados alguns minutos, abriu os olhos, meio assustada. Já era manhã, precisavam levantar.
-"Roy?"
-"humm" murmurou, adormecido.
-"Acho melhor levantarmos, já é manhã."
Riza fez menção de levantar-se, mas Roy a abraçou mais forte, trazendo-a novamente para junto de si.
-"não...estamos de folga...quero ficar assim com você mais um pouco."
Riza o olhou, ele estava de olhos fechados, sua voz era sonolenta e um pouco manhosa, respirava suavemente e tinha um ar tranqüilo, como se nada pudesse vir a preocupá-lo.
Sorriu, acariciando o cabelo e o rosto, beijando levemente os lábios dele. Desejava que ele sempre pudesse estar assim, adormecido calmamente, sem ser atormentado pelos pesadelos e preocupações. Desejava que ele não precisasse se preocupar com o futuro de Ametris, que não tivesse uma responsabilidade tão grande, que ele não tivesse feito o juramento de buscar a paz para Ametris. Mas, em seu intimo, sabia que era essa preocupação, essa responsabilidade que ele tomou para si, que o tornava quem ele era, que o tornava o homem que ela amava.
-"Tem razão."
Sussurrou, recostando a cabeça no peito dele, repousando a mão em seu ombro, pretendendo ficar ali com ele um pouco e depois levantar-se. Ouvindo o bater do coração dele e mover de sua respiração, Riza foi tomada pelo sono, só voltando a acordar poucas horas depois.
Despertando completamente, retirou o braço de Roy que a envolvia, tomando cuidado para não despertá-lo, levantando-se e vestindo-se rapidamente, ao mesmo tempo em que organizava as roupas dele sob a cadeira da escrivaninha.
O contemplou adormecido por alguns instantes, antes de sair, encostando a porta atrás de si. Enquanto caminhava na direção da cozinha, agradecia pelo fato dos pais de Roy não terem chegado ainda. Seria embaraçoso se vissem a camisa do pijama dele largada pelo corredor.
A sala estava escura, as janelas ainda fechadas. As abriu, permitindo que a claridade da manhã iluminasse a casa. Uma leve e doce briza matutina refrescou o ambiente e o morno sol da manhã acariciava sua face. Ficou por instantes parada, os olhos cerrados, aproveitando o raro momento. Em seu apartamento, na Cidade Central, nunca havia sentido tão agradável sensação. A cidade não propiciava esses prazeres.
Chegando a cozinha, colocou a camisa de Roy por sobre uma das cadeiras da mesa, indo preparar o café. Quando subisse para chamá-lo, a levaria.
Os tons claros da cozinha dispensavam a iluminação artificial, tornando o ambiente extremamente agradável.
Abrindo a segunda gaveta do pequeno armário perto da pia, pegou uma faca e, e, dirigindo-se a cesta de frutas, pegou três maçãs e as descascava por sobre o balcão anexo a pia.
Concentrada na preparação do café da manhã, ela não percebeu quando Roy aproximou-se, silenciosamente, minutos depois dela ter descido. Ele a envolveu pela cintura, em um abraço.
-"Roy! " Riza falou largando a faca e a maçã que descascava, rindo.
-"Por que me deixou sozinho?...senti sua falta." sussurrou sedutoramente ao ouvido dela, afastando o cabelo com o rosto, beijando-a no pescoço.
Ela não respondeu de imediato, deixando-se envolver pelo contato, levando sua mão até a nuca dele, acariciando-o também.
-"Hum...Você estava dormindo tão tranquilamente, que eu não tive como acordá-lo." Falou, virando-se para ele, arrumou o cabelo, retirando uma mecha que teimava em cair por sobre seus olhos. Ele segurou a mão dela e beijou-a na parte interna, no momento em que Riza acariciou seu rosto.
Beijaram-se levemente e Riza deu-lhes as costas novamente, voltando a cortar as maçãs.
-"O que está preparando?" ele perguntou, erguendo a cabeça por sobre o ombro dela, curioso.
-"Maçãs assadas com canela, gosta?"
-"Hunn, parece ótimo."
-"Coloca a mesa para mim, enquanto eu termino aqui?"
Ele assentiu com a cabeça, beijando sua face e caminhou até a mesa, pegando sua camisa sob o encosto de uma das cadeiras, vestindo-se.
-"Minha camisa! Me perguntava onde ela poderia estar..." Falou com uma voz de falsa inocência, enquanto sorria maliciosamente para Riza, abotoando vagarosamente os botões. Ela limitou-se a voltar rapidamente ao que estava fazendo.
Roy organizou a mesa, pegando o chá na geladeira, pratos, pães e o bolo de frutas que seu pai havia feito, enquanto Riza colocava as maçãs para assar. Logo ambos estavam sentido o delicioso aroma de canela impregnar o ambiente.
-"Acho que está pronto." Riza falou enquanto desligava o forno, retirando a forma com as maçãs.
Colocou a forma sobre a mesa, e sentou-se próxima a Roy, que já estava sentado, apenas esperando por ela.
-"Honnn... Riza,... isso está delicioso. Tão bom quanto às tortas da Glasia."
A expressão de Roy lembrava a de uma criança que comia seu doce favorito, o que fez Riza sorrir. Assim como na manhã anterior, o café da manhã foi acompanhado por troca de olhares e pequenos sorrisos, mas agora ambos podiam se dar ao luxo de trocarem afagos, beijos, entre outros carinhos.
-"O que quer fazer hoje?" Roy perguntou, terminando de comer outra maçã.
-"Bem, eu não sei..."
-"O que acha de caminharmos pelas montanhas? Há um platô que dá uma vista impressionante da região."
-"Parece ótimo. Só o tempo de organizarmos aqui e tomarmos banho, e já podemos sair." Riza levantou-se, começando a retirar a mesa.
Roy sorriu maliciosamente, levantando-se, segurando-a pelo braço, puxando-a a para si.
-"A idéia do banho me parece ótima." Sussurrou sedutoramente, acariciando as costas e nuca de Riza. Ela apenas o olhou seria, soltando-se dele.
-"O que foi?" Roy fez uma cara de incompreendido, enquanto Riza fingia que não era com ela.
-"Humm, por que você não vai tomar o seu banho, relaxar um pouquinho, e eu cuido de tudo por aqui?"
Roy falou com voz mansa, arrumando os cabelos para trás com uma das mãos e exibindo seu sorriso charmoso. Ela balançou a cabeça e o deixou cuidando da limpeza da cozinha. Havia um meio sorriso em sua face. Mesmo que não admitisse, ela adorava quando ele fazia isso. Ser sedutor fazia parte da personalidade dele.
Riza terminou de se arrumar, encontrando Roy terminando de arrumar a cozinha. A louça estava lavada e guardada e ele terminava de limpar a mesa, colocando a toalha e a cesta de frutas no meio desta. Ele não pode deixar de sorrir ao vê-la, vestindo uma calça preta capri, o tênnis branco e uma blusinha de algodão, bem leve e soltinha, em um tom amarelado. O cabelo estava preso, mas não da forma habitual. Era possível ver os fios dourados balançando quando ela se movimentava.
-"Estou estranha?" Perguntou a ele, olhando para si mesma, procurando algo errado.
-"De modo algum. Gosto do seu cabelo assim. Me lembra quando começou a deixar ele crescer. Você o usava em um estilo meio channel, com uma franja. Lhe dava um ar delicado."
Riza ficou surpresa com o comentário. Não por ele elogiar, pois ele era o mestre nessa arte, mas sim pelo fato de lembrar-se disso, após mais de cinco anos.
-"Acha que eu fico melhor com o cabelo curto?"
-"Na verdade, eu gosto de qualquer um dos modos. Seu rosto ficava mais evidente quando o usava curtinho quando eu a conheci. Agora comprido, ele a deixa com um ar sério, que impõe respeito, enquanto preso, e bastante feminino quando solto. Você que deve decidir com qual se sente melhor. De fato, não entendi até hoje por que o deixou crescer após conhecermos os Elric." Respondeu, enquanto posicionava perfeitamente ao centro da mesa o cesto de frutas. Ele era um pouco obsessivo com objetos sobre mesas, sempre os deixando perfeitamente simétricos.
-"Eu vi o cabelo da Winry e decidi deixar crescer, só isso." Riza respondeu naturalmente.
-"Só por isso?"
-"Sim, por quê?"
-"Hum, nada. Você está linda. Vou me arrumar." Roy a levava até a sala, encerrado o assunto. Subiu apressadamente as escadas e, do mesmo modo, tomou um banho e arrumou-se, em um tempo recorde na opinião de Riza. Aparentemente ele estava ansioso para o passeio nas montanhas.
Ela estava sentada no sofá, observando os pássaros e o tempo pela janela. Roy sentou-se ao seu lado, vestindo uma calça caqui, uma camisa creme e um tênnis, roupas bem leves como as de Riza. Ela parecia um pouco distante, e Roy não pode deixar de notar.
-"Algo a incomoda?"
-"Hum?..Não, só estava pensando em como está Black Hayate e Fuery. Ele vai sair amanhã, e eu fico pensando no Hayate ficar muito tempo sozinho."
Riza fez uma pausa, olhando para Roy, sentindo a fragrância de seu perfume dominando o ambiente.
-"Já está pronto?"
-"É, já estou pronto sim. Não se preocupe, Fuery adora Hayate e eu prometo que voltaremos cedo amanhã. Se pegarmos o trem das oito da manhã, chegaremos lá às três." Roy falou, abrindo a porta e indicando para que Riza saísse primeiro.
-"Perfeito para mim."
Desceram os degraus da casa e dando a volta por trás desta, começaram a caminhada em direção as montanhas. Passaram por bosques, repletos de pinheiros e trilhas íngremes, que tornavam a caminhada longa e cansativa. O acesso ao platô era um pouco complicado também, cheio de barrancos, subidas, pedras. Mas, uma vez que já haviam enfrentado situações mais adversas nos treinamentos militares, não pareceu a eles tão difícil.
Ao finalmente chegarem ao platô, Riza teve uma das visões mais deslumbrantes de sua vida. Este era recoberto por flores silvestres de diversas cores: púrpuras, amarelas, azuis, brancas, lavandas, e ao longe podia-se ver o lago em quase toda a sua extensão, e as demais montanhas que cercavam a cidade. O cume de algumas estava coberto por neve, e mais a baixo, os vales eram recobertos pela vegetação de um verde claro, pontilhado por discretas flores. O céu azul e nuvens espaçadas completavam o cenário.
Roy a envolveu pela cintura, recostando a cabeça em seu ombro, observando a mesma paisagem.
-"Está gostando meu amor?" A voz dele era suave e cheia de ternura.
-"É um dos lugares mais lindo que já vi. Obrigada por me trazer aqui."
-"Eu vim aqui apenas umas duas vezes antes. Cada vez parece que está mais bonito. Acho que hoje é ainda mais especial, por que eu estou com você."
Riza riu.
-"Obrigada. Mas não precisa ficar com galanteios para mim Roy. Pode ser espontâneo comigo."
-"Eu não estou de galanteios. Você é muito especial para mim, e poder passar esses momentos com você, fora do quartel, longe do serviço, faz com que eu me sinta muito bem. Eu nunca fui tão espontâneo como quando estou com você, e eu gosto dessa sensação."
-"Eu também. Desculpe-me, acho que ainda não me acostumei à idéia de estarmos assim." O sorriso estampado no rosto de Riza era alegre, ao mesmo tempo, ligeiramente constrangido. Roy agradecia por ter tido a oportunidade de vê-la sorrir tantas vezes desde que chegaram à cidade.
Havia a visto sorrir tão poucas vezes antes, nos vários anos que trabalham juntos, e na maioria das vezes haviam sido risos irônicos, debochados. Agora não. Nestes dois dias ela havia exibido sorrisos que demonstravam uma alegria real. Ela estava feliz. Ele a estava fazendo feliz, assim como ela a ele.
Ficaram observando a bela paisagem por algum tempo, antes de sentarem-se no gramado. Recostaram-se em uma rocha, e Roy apoiou a cabeça no ombro dela. Ficaram observando a paisagem, os pássaros revoando. Era um cenário onírico. O momento foi quebrado quando Roy retirou o a cabeça do ombro dela e a fitou por alguns instantes.
-"O que houve?"
-"Se importa?" Roy deu as costas para ela e sentou-se um pouco mais afastado.
-"O que planeja fazer?"
-"Deitar, recostando minha cabeça no seu colo." Disse, já deitando, e ajeitando-se, de modo a ficar confortável.
Riza o encarou atônita por instantes. Ele estava mesmo fazendo isso? Riza se dava conta, que nunca havia imaginado estar daquela forma com ele. O dever sempre esteve acima dos sentimentos de ambos. Pelo menos os objetivos de Roy em ajudar Ametris, evitar novas guerras, estavam. Nunca havia se deixado levar por devaneios românticos, não queria se iludir, se machucar. No entanto, o que antes era improvável, estava acontecendo.
-"O que foi? Estou te machucando?" Roy fez menção de levantar-se, erguendo a cabeça, mas Riza o impediu.
-"Não. Está tudo bem." Respondeu em tom suave, acariciando o rosto e cabelos dele. Decidiu esquecer, pelo menos temporariamente, as dúvidas, e aproveitar o momento.
Roy fechou os olhos, como que para sentir melhor a sensação do toque de Riza em seu rosto. O sol aquecia seu rosto e o vento espalhava seus lisos fios negros, que eram ajeitados cuidadosamente pelos dedos delicados de dela, a cada nova rajada. Era uma sensação extraordinária, que há muito não sentia. Estava praticamente em paz, na cidade onde cresceu, nos braços da mulher que amava. Os fantasmas de seu passado não pareciam mais ter o mesmo poder de atormentá-lo. Sentia-se mais forte, ainda mais confiante. Sua paz só não era total por ainda haver um assunto que precisava resolver, mas este já não lhe parecia tão difícil como antes. Segurou a mão dela por entre a sua, sob seu peito, respirando fundo, deixando a sua mente se acalmar, ouvindo o som dos pássaros, do vento nas montanhas.
Riza acariciava o cabelo de Roy, olhando o horizonte. A paisagem lhe trazia lembranças agradáveis.
-"Em que está pensando?" Roy perguntou, levando a mão ao rosto dela, em uma caricia terna.
Ela o encarou, ligeiramente surpresa.
-"Não estava de olhos fechados?"
-"Abri há alguns minutos e percebi seu olhar perdido"
Roy levantou-se, sentando-se a frente dela, encarando-a, procurando identificar o que se passava em sua mente.
-"Estava me lembrando que quando criança, meu avô me levava para passear em uma fazenda da família. Eu não via a hora de chegar a época de férias para viajar com o ele. Meus pais sempre tentavam me acalmar, por que vovô poderia estar ocupado com assuntos militares e não vir. Mas ele sempre vinha. Era tão agradável. "
-"Ele gosta muito de você, os olhos brilham sempre que fala sobre sua neta."
-"Nós nos distanciamos quando eu cresci, mas ainda temos muito afeto um pelo outro. E agora estamos novamente próximos."
Roy a beijou apaixonadamente, em um movimento que a pegou, momentaneamente, de surpresa. Apesar de ser uma lembrança agradável, sentia um pouco de melancolia na voz dela. Decidiu que era hora de encerrar o assunto. Beijaram-se por vários instantes. Roy soltou o cabelo dela, guardando a presilha em seu bolso, para então, fazê-la recostar a cabeça em seu colo.
A olhava com ternura, afagando seu cabelo. Riza percorria os dedos pela fase dele, por cada linha, cada curva. Observando a linha dos olhos notou algo que nunca havia lhe chamado a atenção antes.
-"Estranho. Seus olhos são parecidos com os da Han Fan."
Roy riu, fechando os olhos por instantes e para depois responder.
-"Você não havia percebido antes?"
-"Que eles eram ligeiramente puxados, sim, mas..."
-"Apesar de as relações entre Ametris e Xing serem um pouco melhores antes da ascensão do Fuhrer Bradley, nunca foi realmente fácil ir para lá estudar medicina. As coisas são mais simples quando se tem descendência."
-"Compreendo.Você é meio xingnês?"
-"Minha avó é Xingnesa. Ela era lingüista em Xing, especialista em nossa língua. Meu avô a conheceu em um congresso médico, quando eles ainda eram estudantes. Ela foi interprete. Conseguiram manter contato e..bem, aqui estou eu."
-"Isso explica muitas coisas, inclusive o fato de você saber falar xingnês."
-"Minha avó me ensinava quando criança e eu pratiquei com minha mãe. Ela gostava de me ensinar alquimia em xingnês. Até alguns livros de alquimia que tenho são nessa língua."
-"Interessante como o fato de ter descendência estrangeira não lhe causou problemas no exército."
-"Hum, na verdade, causaram um pouco. Mas não tanto quanto ser originário de uma cidadezinha na região leste. E eu sempre busquei chamar atenção para coisas menos práticas ao meu respeito, como bem sabe..."
-"Ah sim, senhor solteirão irresponsável." Ela falou em um falso tom ríspido.
-"Ah Riza, você sabe que isso não passa de fachada, eu não sou assim. Além do mais, com a quantidade de trabalho que eu tinha e ainda tenho naquele quartel, era impossível eu sair com tantas mulheres assim."
Roy falou, em um tom que mixava certo contentamento pela fama, e certo pesar pelo excesso de trabalho. Riza levantou uma das sobrancelhas, meneando a cabeça.
-"É a verdade e você sabe muito bem disso."
-"Claro que sei. Hum, estou com fome."
-"Agora que comentou...acho que também estou. Sabia que deveria ter trazido uma cesta de piquenique. Como eu posso levá-la para fazer coisas tradicionais da cidade e esquecer da famosa cesta com toalhas quadriculadas?"
Roy falou ironicamente, enquanto ele e Riza se levantavam para ir embora. Nenhum dos dois queria abandonar aquela paisagem quase que onírica, mas precisavam almoçar. Saíram das montanhas e decidiram almoçar em um pequeno, mas aconchegante restaurante no centro de Sussey.
O restaurante estava um pouco cheio, mas, felizmente, foi fácil encontrar mesas para dois, uma vez que era tradição na cidade que as famílias se reunissem aos sábados para almoçarem todos juntos. As mesas com dois lugares estavam vazias.
-"Até meu pai fazia a exceção de não ser o responsável pelo almoço, para vir aqui alguns sábados e desfrutar da boa comida, apesar dele sempre dizer que a dele é melhor...e ver quase todas as demais pessoas da cidade."
-"Às vezes fazíamos grande almoços de família. Era bastante caótico tantas pessoas juntas." Riza olhava o cardápio, sem saber exatamente o que pedir.
-"Imagino. Eu sugiro que peça o prato especial da casa. Juntamente com vinho rosê, é praticamente perfeito."
-"Hum..."
-"Não se preocupe, apenas uma garrafa, para nós dois, e o que eu vou pedir é bem suave. Eu não pretendo ficar bêbado."
-"Está bem, vou confiar no seu bom gosto."
Fizeram o pedido e quando este chegou, Riza pode confirmar que Roy realmente tinha muito bom gosto. Como ele havia dito, o vinho era bastante suave, e o degustaram calmamente, enquanto conversavam sobre nada especificamente. Apenas estavam aproveitando a companhia um do outro.
Ao saírem do restaurante, tencionavam caminhar um pouco, havia outros locais que Roy desejava mostrar a ela. Mas ao sentirem o vento forte e úmido, sabiam que teriam de deixar o passeio para outro dia.
Caminharam em passos apresados, e quando faltava muito pouco para chegarem à casa dos pais de Roy, o céu, antes intensamente azulado, tornou-se cinza escuro e o vento mais forte. Grossos pingos de chuva caiam, praticamente acertando eles, devido à força do vento.
Correram até chegarem a entrada da casa, onde pararam, já abrigados, observando a chuva.
-"Pensei que conseguiríamos chegar antes." A voz de Roy era apressada, sem fôlego, e o tom tinha um quê de divertimento.
-"Até que foi divertido." Riza respondeu no mesmo tom.
Sorriam ante seu estado. Ambos estavam encharcados, as roupas grudadas em seus corpos. O cabelo de Riza estava escorrido para trás e o de Roy caia por sua face, com os pingos escorrendo. Olhavam um para o outro, e um estranho desejo percorreu suas mentes, que pareciam estar em sintonia. Aproximaram-se, Roy a envolveu pela cintura com o braço esquerdo, enquanto a outra mão a segurava pela nuca. Riza o abraçou, apoiando um braço em seu ombro. Beijaram-se, esquecendo da chuva, das roupas molhadas, um beijo longo, repleto de afeto, como se pudessem expressar por meio dele tudo o que sentiam um pelo outro. A chuva apenas tornava o momento mais romântico. Voltaram à realidade com o som da porta se abrindo, e Lillian estendendo toalhas para eles.
-"Oi mãe." Roy disse, rindo discretamente, encabulado talvez.
-"Oi filho, Riza. Por que não entram, se secam e bebem um chá quente?" Lillian tentava ser o mais discreta possível e agir normalmente. Apesar de Roy ter quase trinta anos, sabia que ele deveria estar um pouco constrangido. Ninguém gosta de ser interrompido pelos pais em um momento romântico.
-"Obrigada Lillian." Riza pegou a toalha, e entrou para a cozinha, sem olhar diretamente nos olhos da mãe de Roy.
Roy fez o mesmo, entrando atrás de sua mãe. Christian já havia colocado a água para prepara o chá, e estava sentado a mesa, com um ar curioso.
-"Olá Roy, Riza. A chuva estragou o passeio de vocês?"
-"Não. Estávamos voltando quando a chuva nos alcançou."
-"Que bom. Agora tirem essas roupas, e tomem um banho quente e depois desçam para tomar um bom chá."
-"Vamos fazer isso sim. Há muito trabalho aguardando o General na segunda. Ele não pode ficar doente. Por sinal, você toma banho primeiro, é mais suscetível à friagem do que eu." Seu tom de voz era natural, o que causava terror a Roy. Ela nunca esquecia das obrigações, e ainda precisava comentar que ele sempre parecia sentir mais frio que os demais.
Quando terminou seu banho, que foi rápido, mesmo que a contra gosto, já que ele não podia deixar Riza esperando encharcada, Roy adentrou em seu quarto, encontrando Lillian a sua espera. Ele sentou-se ao lado dela na cama, e ela pegou a toalha que ele trazia e começou a enxugar o cabelo dele, como fazia quando ele era criança.
-"Então?" Lillian perguntou, em tom confidente
-"Então o que?"
-"Oras Roy, não se faça de bobo. Você sabe exatamente sobre o que eu estou falando. Você e Riza. Falou com ela?"
-"Eu sabia que a saída romântica de vocês era proposital."
-"Oh sim... vocês precisavam conversar. Nós apenas oferecemos a oportunidade. Mas não desconverse."
-"Certo. Sim, nós conversamos e vamos ver o que vai acontecer daqui para frente."
-"Riza é uma pessoa muito especial Roy. Eu percebi no momento em que conversei com ela. O que ela sente por você é profundo."
-"Eu sei. E eu sinto o mesmo."
-"Bem, eu e seu pai não precisamos mais nos preocupar com você. Está em boas mãos. Tem sorte de ela ter gostado de você!" Lilliam comentou rindo, terminando de enxugar o cabelo dele.
-"Ou será que a sorte foi dela?" Roy sorriu cinicamente. Lillian fez um ar de duvida, divertindo-se.
-"Certo. Foi sorte minha e dela."
-"Você é tão convencido quanto o seu pai."
-"Meu pai apenas, mãe?" Roy falou irônico e Lillian fingiu que não era com ela.
-"Está pronto. Agora é só arrumar. Isso você faz sozinho, aaah!" Lillian levantou-se, beijando a testa de Roy.
Sorriram de forma cúmplice um para o outro e Lillian retirou-se, deixando Roy terminar de se arrumar.
Riza também tomou um banho rápido, desejava vestir roupas secas e tomar o chá quente, preparado por Christian o mais rápido possível. Encontrou Roy a esperando e desceram para a cozinha, onde Lillian e Christian bebericavam chá com biscoitos.
-"Então Riza, o que achou da feira?" Christian sempre sorridente, perguntava.
-"Muito aprazível. Eu gosto de feiras, mas há muito que não ia a uma. Nas cidades aqui do leste, elas são bem tradicionais, mas na região central quase não há."
-"Isso é verdade. A Cidade Central tem toda aquela agitação, chega ser estressante, não há opções mais tranqüilas de lazer." Lillian comentava, enquanto Riza e Roy tomavam seus lugares à mesa, participando também do lanche.
-"Mas bem que você gostava. Sempre estava em uma casa de Jazz, que eu lembro bem."
-Bem...eu não disse que não gostava, apenas disse que era estressante as vezes. E você gostava também. Sempre ia com uma...uma...loira oxigenada diferente."
-"Acho que você está me confundindo Lillian. Eu ia com alguma namorada, portanto, ia com a mesma loira, natural, mais de uma vez. Você que gostava de variar, morenos, loiros, ruivos."
-"O que você está insinuando senhor Christian Mustang? Que eu namorava a cada dia com um homem diferente?" Lillian ergueu o tom de voz, e parecia aborrecida. Christian levantou as sobrancelhas, a encarou, e depois voltou a comer um biscoito, antes de responder.
Riza observava, pensando se deveria intervir, mudando o assunto, antes que aquilo se tornasse uma discussão grave. Roy, por sua vez, divertia-se, observando tudo, já acostumado com as pequenas discussões entre seus pais.
-"Não se preocupe Riza, apenas observe. Agora ele vai chamá-la de meu bem e vai gabar-se." Roy disse discretamente a ela.
-"De modo algum, meu bem. Apenas disse que você nunca encontrava bons parceiros de dança, precisava mudar constantemente. Até me conhecer. Admita, eu sou um grande cozinheiro e dançarino. "
A expressão facial de Lillian era terrível, parecia que ela ia voar no pescoço de Christian. No entanto, ela agiu de forma diferente.
-"Ah Chris, querido. Claro, é um perfeito dançarino e cozinheiro." Disse cinicamente, exibindo um sorriso debochado, dando ênfase ao querido, pronunciado falsamente, voltando a beber o chá a sua frente.
Christian exibiu um sorriso satisfeito, triunfando por causa do elogio recebido de sua esposa.
-"Ele acha que a colocou em xeque, mas agora é que ela vai revidar." Roy novamente falou a Riza, ambos analisando o comportamento do casal, como se fosse um estudo muito importante. Viram quando Lillian exibiu um sorriso maligno. Riza prontamente reconheceu o sorriso como sendo aqueles que Roy exibia quando pegava Edward de jeito. Pensava que, definitivamente, ele era muito parecido com a mãe.
-"Ainda bem que eu surgi para salvá-lo!"
-"Salvar-me? Do que Lil?" Christian perguntou, confuso.
-"Daquelas acéfalas que namorava. Cada fútil...Como você tinha mal gosto. Mas foi só me ver, que você criou um pouco de senso. Graças a isso, nosso filho está com a Riza. Não quero nem imaginar o que seria dele, se tivesse herdado o seu gosto anterior. Hurrr." Lillian sorriu triunfantemente, disfarçando-o ao colocar o cabelo por trás da orelha. Riza ficou um pouco surpresa por ser considerada namorada de Roy. Isso ainda era um pouco novo, precisaria de tempo para se acostumar.
-"Xeque-mate." Roy exclamou alto, esquecendo-se que estava comentando, discretamente, com Riza, o que atraiu um olhar reprovativo de seu pai. Lillian, ao invés de sorrir para o filho, fez um ar de enojada.
-"Não me fale em xeque-mate. Estou farta de xadrez."
-"Por que Lillian? Meu avô e ele passam horas jogando." Riza comentou, interessada, apontando para Roy.
-"Justamente, ele é outro. Tudo por culpa do Christian que ensinou esse jogo a ele."
-"Mas é claro Lillian. Xadrez desenvolve o raciocínio, tanto lógico quanto abstrato. Isso ajudou em muito nos estudos dele."
-"Eu aprendi tudo o que sei sem precisar ser uma viciada." Lillian parecia bem chateada.
-"Espera um pouco. Pai, não me diga que vocês ficaram jogando xadrez?"
Christian fez um ar de culpado, e depois de inocente.
-"A noite toda...Três longas rodadas. A maior chatice." Lillian parecia que iria esganar o marido.
-"Acho que eu preciso lhe dar algumas lições pai." Roy levou a mão ao queixo, fazendo uma expressão seriíssima.
-"Olha como fala comigo rapaz. Tudo o que sabe aprendeu comigo." Christian parecia, pela primeira vez, furioso. Riza estava achando tudo aquilo muito engraçado, a lembrava das reuniões de família, sempre saiam discussões. Tentava disfarçar, ao máximo que podia o riso, mas estava ficando difícil.
-"Não se esqueça da minha contribuição." Lillian respondeu, comendo uma bolachinha, aparentemente esquecendo toda a discussão anterior.
-"Sim, sim, e eu já agradeci. Mas agora...o que aconteceu para vocês passarem a noite toda jogando xadrez?"
-"A bem, uma serie de esquecimentos. Eu me esqueci do champangne, e seu pai esqueceu de fazer compras e levar para lá. Nosso jantar romântico foi a base de biscoitos velhos com café solúvel e leite em pó. Eu odeio admitir, mas acho que a idade está nos afetando." Lillian respondeu, com pesar. Christian concordava com ela.
-"Ahn. Bem... Esqueceram das flores também?" Roy fugiu do assunto de idades.
Lillian e Christian confirmaram com a cabeça.
-"Hum..certo. Quantas partidas perdeu mãe?"
-"Todas." Lillian olhou malignamente para seu marido, fazendo desaparecer com o sorriso triunfante do rosto.
-"Hum, esses biscoitinhos estão uma delicia." Riza disse, mudando o assunto e olhando mortalmente para Roy para que ele parasse também.
-"Que bom que gostou, querida." Christian respondeu, com ares mais animados.
Assim, eles mudaram o tom da conversa para qualquer outra trivialidade, e logo a confusão havia sido esquecida. Após o lanche, passaram o resto da tarde conversando na sala, cada casal em um sofá; os pais de Roy contando histórias sobre sua infância e mostrando fotos a Riza, que se divertia, enquanto Roy ficava constrangido e ligeiramente irritado, mas no fim acabava se divertindo também, relembrando.
À noite, após o café, antes de recolher-se, Riza decidiu ir à biblioteca, lugar que ficaria em sua imaginação por muito tempo. Na noite anterior, havia observado uma porta em vidro fumê que parecia dar a varanda que havia visto no primeiro dia. Passou pelas estantes, pelos móveis, pelo sofá, chegando à porta de correr que dava a varanda. Abriu-a, deparando-se com o céu complemente estrelado. Apesar da forte chuva da tarde, agora não havia sinal de nuvens, possibilitando a visão de inúmeros pontos brilhantes. Recostou-se no parapeito, observando o lago, as montanhas, escuras pelo anoitecer, mas não menos interessantes.
Sussey era um lugar encantador, tranqüilo. Parecia ser tão distante da Cidade Central. Tinha a impressão que os acontecimentos do ano anterior não haviam afetado em nada aquele lugar. Amanhã, pensava ela, estariam de volta a agitação, a rotina da vida militar.
Despertou de seu estado contemplativo quando Roy entrou, caminhando até ela, ficando ao seu lado, os braços cruzados, apoiados no parapeito, observando as estrelas também.
-"Depois daquela chuva, o céu está limpo. Essa paisagem é fascinante. Algumas noites ficava olhando o céu estrelado como o de hoje."
-"Vou sentir falta. Aqui é tão tranqüilo. Mas, pensando bem, se vivesse aqui, sentiria a falta da ação."
-"Eu sinto isso também." Roy respondeu com um sorriso.
Ficaram observando a paisagem por instantes.
-"Roy." Riza o chamou, percebendo o olhar dele, perdido no horizonte estrelado, após minutos de silencio.
-"Sim?" respondeu distraidamente.
-"Algo o preocupa, não é mesmo?"
-"Você me conhece muito bem. Não é exatamente uma preocupação. Eu estava refletindo."
-"Sobre o tempo que poderia ter vindo aqui?"
-"Também. Mas refletia sobre esses anos no exército. Sobre tudo o que aconteceu. Passei anos tendo de parecer ser uma pessoa que não sou, para chamar tanta atenção a mim que fizesse que não prestassem atenção no que eu estava fazendo de verdade, que chegou um momento que eu já não conseguia me reconhecer. Precisou acontecer tudo aquilo para eu recuperar o meu caminho. E agora, aqui, eu sei exatamente quem eu sou. Acho que não há necessidade para mais preocupações." O tom da voz de Roy era confiante e sereno, como Riza sempre ouvia ele falar a ela e aos demais.
-"Certamente." Ela lhe deu o mais belo sorriso confiante que ele já havia visto.
-"Obrigado." Ele a envolveu em um abraço terno, depositando um leve beijo em seus lábios.
-"Por que me agradece?"Ela quebrou o beijo, com um sorriso.
-"Por confiar em mim, por me conhecer tão bem e por estar aqui. Você sempre esteve me apoiando, como Maes."
-"Quer mesmo entrar nesse assunto?"
-"Eu preciso enfrentar isso. Mas agora não me parece mais tão difícil. Acho que estou aceitando melhor, não sei."
-"É difícil, mas acabamos aceitando."
-"É... na verdade, eu planejo visitar Glasia e Elisya amanhã, quando regressarmos. Não conseguia antes. Ainda não sei como encará-las, mas tenho de descobrir."
-"Ficará tudo bem. Você mesmo disse que não há mais motivos para preocupações."
Roy concordou sorrindo a ela. Ainda abraçados, ele novamente a beijou. Permaneceram aos beijos por um longo momento, até o que o vento noturno os obrigou a entrar.
Saíram da varanda, encontrando o aconchegante calor da residência. Saíram da biblioteca, caminhando em direção a seus quartos. Param próximos a porta do quarto de Roy.
-"Bem, boa noite Roy." Riza caminhava em direção a sua porta, abrindo-a, mas olhando para ele, enquanto falava.
-"Boa noite Riza. Até amanhã."
Ela entrou, e exibia um sorriso enquanto fechava a porta e acendia a luz. Roy ficou olhando-a desaparecer por trás da porta, antes de entrar em seu quarto também.
Riza organizava suas roupas na mala que Lillian havia lhe emprestado mais cedo. Apesar de ter relutado em aceitar, Lillian havia feito questão, dizendo que assim ela teria um motivo para voltar.
Após arrumar a mala, retirando dos criados mudos e do armário seus objetos pessoais, Riza vestiu pela ultima vez o pijama de seda lilás que Lillian havia lhe emprestado, e caminhou até a janela, para fechar a veneziana. Deteve-se por um tempo, observando as estrelas, pensando sobre tudo o que havia acontecido naquela casa, naquela cidade. No dia seguinte estaria de volta à realidade, a vida normal. Veria Hayate pular alegremente ao vê-la, enche-la de carinho. Ele era sua alegria naquela cidade impessoal. Na cidade Leste, parecia ter tido mais tempo para os amigos; na Central, apenas os via no horário de trabalho. Esperava que agora, estando a situação do país mais calma, pudesse passar mais tempo com eles, não apenas trabalhando.
Fechou a veneziana, e caminhou até próximo a porta, apagando a luz. Deitou-se, fechando os olhos, decidindo não se preocupar sobre o que viria a seguir naquele momento.
Ao mesmo tempo, em seu quarto, Roy procedia da mesma forma. Retirava suas camisas dos cabides, dobrando-as e as colocava na mala. No dia seguinte enfrentaria seu próprio medo, finalmente encararia Glasia, após um ano sem vê-la. Era doloroso, especialmente olhar para Elisya, vê-la falar do pai, perguntar por que ele não voltava.
Agora, sentia que tinha forças para fazer isso, após a conversa com o zelador, após tudo o que havia acontecido ali em Sussey. Estava em divida com o amigo. Este sempre havia zelado por ele, agora era sua vez de zelar por sua família.
Terminou de arrumar a mala, colocando-a próxima à escrivaninha. Apenas seu pijama e os objetos pessoais que ainda seriam usados não estavam nela.
Enquanto trocava-se, lembrou-se do que Hughes sempre lhe dizia:
Certifique-se de ter, ao menos, mais uma pessoa que o compreenda e o apóie.
-"bem meu amigo, eu já tinha, e vou mantê-la ao meu lado. Descanse em paz."
Roy dizia, exibindo um sorriso. Desligou a luz e deitou-se na confortável cama, adormecendo rapidamente.
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Roy despertou sentindo a claridade da manhã adentrar pelas frestas da veneziana. Piscou diversas vezes, respirando fundo, enquanto tentava acordar completamente. Cobriu o rosto com as mãos e tentava se concentrar no ato de acordar, quando ouviu leves batidas em sua porta.
-"Entre" respondeu sonolento, imaginando ser um de seus pais.
Viu Riza surgir enquanto a porta se abria. Ela não entrou, ficou parada, com a porta meio aberta.
-"Bom dia. Vim me certificar que acordaria no horário." Ela falou em seu tom usual, como sempre se dirigia a ele no quartel.
-"Onde está aquela mulher doce e amorosa que preparou café da manhã para mim ontem?" Roy levantou-se, sentando na cama, observando-a, agora completamente acordado.
Riza exibiu um sorriso debochado, como no quartel.
-"Ela foi substituída. Terá de contentar-se comigo." Foi sua resposta, rápida e curta.
Roy levou a mão ao cabelo, arrumando-o.
-"Está bem, eu posso ficar com as duas. Isso não é um problema para mim." Exibiu seu sorriso charmoso, falando confiantemente e de modo extremamente sedutor.
Riza balançou a cabeça. Ele podia ser muito convencido quando queria.
-"Vou me arrumar e logo desço." Levantou-se, abrindo o armário, pegando as roupas que vestiria.
-"Seus pais já se levantaram também, estaremos esperando para o café." Ela disse, enquanto fechava a porta.
Roy arrumou-se, vestindo uma camisa vermelha escuro, calça e casaco preto. Não vestiria a farda, por dois motivos. Primeiro por que era domingo, já usava a farda a semana inteira, não havia razão para vesti-la aos finais de semana também. E segundo, a calça deste estava manchada de chá. Fez uma nota mental de levar a farda à lavanderia 24h próxima ao seu apartamento assim que chegasse.
Chegou à cozinha já encontrando seus pais e Riza sentados a mesa, apenas o aguardando para tomar café. Caminhou até sua mãe, segurando sua mão e beijando-a na testa, a que ela retribuiu.
-"Bom dia pai." Seu pai estava sentado ao lado dela. Falou, colocando a mão sobre o ombro dele, e antes que retirasse, caminhando junto a Riza, seu pai colocou sua mão sobre a dele, batendo de leve.
-"Bom dia filho."
Roy sentou-se ao lado de Riza, e, por baixo da mesa, tocou de leve sua mão, tocando seus finos dedos, entrelaçando-os aos seus.
O café foi silencioso. Roy e Riza precisavam se apresar, para não perder o trem das oito, e Christian e Lillian já começavam a sentir falta deles. Lillian olhava para Roy, havia tanto dela nele. Os mesmo cabelos negros sedosos, os olhos ônix brilhantes, o gosto e habilidade com alquimia. Havia também a elegância e refinamento de Christian, o humor irônico seu. Roy havia crescido muito, tornado-se um homem, amadurecera muito nos anos no exército, por mais que ele fingisse ser um playboy. Sorriu. Sentia muito orgulho dele, ao mesmo tempo em que sentia pesar por não ter estado ao lado dele, nos momentos mais difíceis de seu amadurecimento.
Christian também o observava, mas já o havia estudado com relação a seu amadurecimento, desde os seus 18 anos quando saiu de casa, até aquele momento. Observava em relação a Riza, e ela em relação a ele. Podiam até chamá-lo de tolo romântico, talvez fosse culpa da idade, ele não sabia. Apenas sentia-se feliz pro ver seu filho ao lado de alguém que considerava mais do que ideal para ele. Vendo-os, lembrava de si próprio e Lillian. Era uma doce lembrança, que permanecia. É, seu filho seria muito feliz, assim como ele era ao lado de Lillian.
Assim que terminaram o café, Roy e Riza subiram rapidamente, arrumando o resto de suas coisas e terminando de se arrumar. Desceram, encontrando Lillian e Christian a sua espera na sala. Era um momento chato, a despedida após aqueles agradáveis dias juntos. Os quatro caminharam até a porta.
-"Obrigada por me receberem tão bem. Foi um grande prazer conhecê-los.Me senti em casa. " Riza disse, abraçando Lillian e depois Christian.
-"O prazer foi nosso querida. Venha mais vezes." Lillian disse a ela, antes de despedir-se do filho.
-"Você sempre será bem vinda. Cuide bem dele, e não hesite em colocá-lo na linha. Às vezes ele precisa." Christian sorriu a ela, abraçando-a como a uma filha.
-"Farei isso."
Lillian aproximou-se de Roy, olhando-o, sorrindo.
-"Não vai esperar mais de dez anos para voltar, não é?"
-"Não mãe. Na minha próxima folga, eu venho vê-los." Ele a abraçou, percebendo os olhos úmidos dela. Ela fingia-se de durona, mas era uma mãe carinhosa, ele sabia muito bem.
-"Hun, me fez chorar. Vou ficar cheia de rugas. Arf." Ela enxugava as lagrimas, sorrindo a ele. Logo, recuperou a postura.
-"Roy Mustang, se a perder, eu não vou perdoá-lo. Darei umas boas palmadas para aprender, e não duvide que eu seja capaz, rapaz."
Roy riu.
-"Não duvido mãe, mas não será necessário. Não pretendo deixá-la escapar."
-"Ótimo, agora fale com seu pai e vão logo, antes que percam o trem." Lillian fingiu certa rigorosidade, tentando esconder as lagrimas que queriam surgir.
-"Boa viagem filho. Cuide-se, e eu digo o mesmo que sua mãe, não deixe Riza escapar, vocês dois merecem ser felizes."
-"Obrigada pai. Vocês também se cuidem. Eu deixei meu endereço e telefone no caderno sob a mesa de telefone. Eu ligo quando chegar."
Terminaram as despedidas, e enquanto Roy e Riza caminhavam, Christian, repousava o braço sobre o ombro de Lillian, trazendo-a mais próximo de si, buscando conforto e reconfortá-la, ao mesmo tempo, observando eles desaparecerem no caminho em direção a estação de trem.
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O trem parou na luxuosa estação da Cidade Central. Diferentemente do dia em que embarcaram, a viagem foi tranqüila, com o trem praticamente vazio. Desta vez, não houve pesadelo, bem como preocupações, atormentando a mente de Roy.
Saíram de estação, caminhando lado a lado, em direção a seus respectivos apartamentos.
-"Seus pais são fantásticos. Nunca me senti tão bem na casa de outras pessoas, como me senti lá."
-"Isso é por que eles gostaram de você. É uma pessoa cativante Riza. Eles perceberam isso no momento que conversaram com você."
-"Não é isso que dizem ao meu respeito no quartel, mas vou acreditar em você." Ela disse sorrindo, parando em frente a seu prédio.
-"Vamos ver se Fuery deixou a chave..." Ela deu a mala para Roy segurar, e subindo os degraus da entrada do prédio, esticou-se até a jardineira da janela do apartamento à direita, mexendo em um vaso de flores.
-"Aqui está. Eu sei que não deveria fazer isso, mas em casos de emergência é o único modo." Ela respondeu, destrancando a porta de entrada, antes de voltar até ele.Roy colocou as malas no chão, para poder abraçá-la. A envolveu com o braço esquerdo, colocando a mão nas costas dela, e com a direita acariciava seu rosto.
-"Vou fazer isso agora, por que amanhã terei de passar o dia chamando-a de Capitã." Ele falou, olhando nos olhos dela. Havia um leve sorriso nos lábios de ambos. Ele reclinou a cabeça, e tocou os lábios dela com os seus, levemente, antes de beijarem-se apaixonadamente.
Separaram-se ao ouvir Hayate latir na janela. Riza sorriu.
-"Preciso entrar. Tem alguém me esperando."Ela disse revirando os olhos.
-"Tudo bem, eu o compreendo bem." Roy olhava Hayate, que parecia impaciente na janela.
-"Esses dias com você e sua família foram ótimos. Queria que não tivesse acabado, mas precisamos voltar à realidade, voltar como tudo era antes."
-"É, mas não será exatamente como antes, eu lhe asseguro, Elizabeth."
-"Isso foi estranho."
-"Não gosta?"
-"Não é que não goste, só não estou acostumada a ser chamada assim. Mas agora eu vou entrar e você vai para sua casa e depois vai ver Glasia e Elisya."
Riza deu-lhe um curto beijo e pegou sua mala.
-"Está bem. Nos falamos depois. Até amanhã Riza."
-"Até amanhã Roy."
Ela subiu os degraus, desaparecendo atrás da enorme porta de madeira. Roy esperou e minutos depois, ela apareceu na janela, segurando Hayate, que lambia sua face. Ela sorriu, e acenou momentaneamente.
Roy deu-se por satisfeito ao vê-la na janela e começou a caminhar, levantando o braço direito, acenando a ela, sem virar-se. Dizia a si mesmo, que definitivamente, nada seria exatamente como antes.
Ultimo capitulo...
Gostaria de agradecer imensamente a todos que leram, a todos que leram e comentaram, a todos que me ajudaram na elaboração de cenas, me deram sugestões de diálogos, corrigiram pequenos erros. Muito obrigada.
Gostaria de pedir desculpas pela demora na postagem deste ultimo, mas foi bem difícil escrevê-lo. Espero que a gostem dele.
1. a referencia sobre o cabelo da Riza encontra-se no Red Gaiden, "Simple People"
2. Com realção ao fato de Roy ter uma descendência Xingnesa...isso, até onde eu saiba, é pura loucura minha. Eu acho que ele tem os olhos ligeiramente puxados e poderia ser descendente. Mas nunca via nada disso em algum gaiden e não há referencias no mangá. A única coisa que eu vi foi um fanart, no site DEVIANART, com uma imagem dele enquanto criança, e sua mãe parecia um pouco com a Han Fan e usava um vestido em estilo oriental.
3.Não tenho nenhum tipo de preconceito contra loiras. Tenho amaigas loiras e minha personagem favorita, Riza, é loira. Na parte que Lillian chama as ex. de Christian de loiras oxigenadas, ela estava tentando diminui-las perante si...e se eram oxigenadas, não eram loiras. Qunato a parte das acefalas, não necessariamente eram as namoradas loiras dele. Ela estava se referindo perjorativamente a todas as namoradas dele. Ciúmes. XD
4.O titulo não tem exatamente uma relação direta com a história. É o titulo de uma musica do grupo alemão, SCORPIONS. No entanto, a canção tem certa relação com o espirito dos personagens do Roy e Riza nesta fic. Após todo o horror que viram ao longo de suas vidas militares, um vento de mudança pairava sobre Ametris, possibilitando felicidade e futuro. Por isso que eu a utilizei.
5. Gostaria de avisar a todos que acompanham minhas fics, que está foi a última publicada no ff. Net. As demais serão publicadas no Pandora's Box. Quem se interessar, pode acessar o site: www. panbox. com. br (não esqueça de tirar os espaços).
6.Agradecimentos especiais a Dani Katsu, Alana e Thaty de leão. Me ajudaram muito na criação e descrição de cenas. Muito obrigada Grande abraço a todos, tudo de bom
Fabi Washu.