Olá. Decididamente descobri que detesto escrever últimos capítulos. É como se, ao me conscientizar de que a história termina, um estranho desespero viesse do nada, inúmeros detalhes, idéias que ficaram para trás... então, subitamente o texto soa incompleto, falho, incoerente, impreciso.
Sei o que vão dizer, que é culpa do meu "jeito Legolas de ser". Talvez tenham razão. Mas acho que a maior falha talvez, acreditem se quiser, foi na minha pressa em terminar, em retomar um trabalho deixado de lado. NOTA: nunca mais deixar um texto para escrever outro. Nunquinha...
Então, para amenizar o problema de todas as cenas que vieram me assombrar, escrevi um capítulo "misturado" que espero ser apenas "misturado" e não "confuso", no qual procurei dar espaço à pelo menos uma parte de todas as cenas que resolveram querer fazer parte desse final.
Adianto-lhes algumas informações importantes: primeiro: o nome fictício dado a Gilraen, mãe de Estel, é criação minha. Segundo: as crenças silvestres e os detalhes sobre as aranhas da Floresta Escura também são invenção minha, em nada me baseei para tal. Ah, sim. As partes em itálico continuam sendo rememorações.
Bem, fica aqui o último capítulo de O TEMPO NÃO APAGA, junto com meus mais sinceros agradecimentos a todas os leitores e amigos que me acompanharam e apoiaram. Em especial, às meninas que me ajudaram, em uma movimentadíssima reunião no MSN, a ver passado presente e futuro com um encaixe perfeito (assim espero) ao qual eu nunca chegaria sem os esclarecimentos delas.
Dedico então esse capítulo a essas numenorianas, elfas e hobbits experts. Supertalentosas amigas e conselheiras.
Também dedico esse às elfinhas vestibulandas, que estão seguindo para a segunda fase de sua difícil jornada. Boa sorte meninas!
Meu obrigado de sempre à:
Nimrodel,
Lali, Kiannah, Larwen, Cauinha, Priscila, Kika, Chell, Nininha,
Phoenix (Layla), Lele, Carol, Giby, Lene, Gio, Bê, Dani, Ju,
Nanda, Leka, Crika, Greyhawk, Paulinho, Veleth, Annie, Stephanie,
Denise (Tenira), Karina, Lika, Isa, Juju.
Mire
o horizonte além de outras ilhas
e além dos limites
das jaulas e das celas.
Já desvendamos os possíveis
enigmas
E nossa vida para sempre será terna.
Por certo
terá sido longa, mas como medi-la
Se não podemos
contar o tempo das esperas?
Alexandre Marino
VII
– TEMPO DE ESPERA
Legolas apoiou a cabeça na parede fria atrás dele. Já perdera a conta do tempo que passara ali naquela cadeira. Olhou mais uma vez para a parede branca que tinha diante de si e ergueu os olhos, seguindo uma pequena e fina rachadura que corria até o teto. Suspirou. Baixou novamente o olhar, agora acompanhando os traços do ladrilho de pedra, escurecido pela fraca luz do lugar. Voltou a suspirar. De fato, a paciência que tentava usar como couraça, contra o desespero de ter que enfrentar mais aquele desafio, parecia estar querendo deixá-lo. Respirou fundo então e forçou os pulmões a esvaziarem-se na esperança de que a aflição que lhe crescia no peito se dispersasse com aquele ar velho.
Mas não se dispersara. Continuava lá a derrubar-lhe a guarda.
Voltou-se enfim em direção à porta principal, e encontrou o olhar preocupado do soldado que estava de guarda ao lado desta. O jovem elfo lhe ofereceu um sorriso tímido, ao qual o príncipe retribuiu com um outro e um pequeno aceno de cabeça.
"Já anoiteceu, Eglerion?" Ele indagou, inclinando-se um pouco à frente para que pudesse ver melhor o amigo. Eglerion era um dos membros da patrulha de Alagos, um franzino e calado elfo silvestre, capaz de ficar horas inteiras no mais completo silêncio sem que isso parecesse perturbá-lo. Por essas e outras razões, era sempre convocado a cumprir o papel de sentinela no palácio em tempos de recesso.
"Já sim, alteza." A resposta veio em um sopro de voz. "Há alguns cantares."
O príncipe suspirou resignado, voltando a apoiar a cabeça na parede atrás dele e a fechar os olhos. O cansaço finalmente começou a querer tomar-lhe o corpo. O cansaço dos dias passados e das últimas horas que pareciam ser uma eternidade. Desde que chegara estava ali e ainda não conseguira ver o pai. Era inacreditável como o rei encontrava sempre um modo de surpreendê-lo com os piores castigos imaginados. Nem pudera trocar as roupas de viagem, se banhar, conversar com as famílias de seus soldados mortos. Havia tanto pelo que ansiava fazer e a recepção de Thranduil fora apenas um recado frio, vindo da boca de um dos membros da guarda real.
"Sua majestade determina que o príncipe aguarde imediatamente diante do gabinete, até que seja chamado."
Ele cumprira a ordem. O que mais faria? O que fizera toda a sua vida? Cumprir ou ao menos tentar cumprir as ordens do pai. Ele sabia o quão prudente era obedecer e não estava disposto a somar, à lista de infrações que tinha a esclarecer, mais essa falta. Jogara-se cansado em uma das cadeiras de espera e ali ficara por tempo demais. Neste ínterim muitos estiveram no escritório do rei, entre eles um assustado Thavanian, que saíra de lá ainda mais pálido do que entrara e lançara-lhe um indecifrável olhar de desculpas. Pobre Thavanian, ele não o culpara e jamais culparia por ceder às pressões do rei. Sabia que, diante deste, o bom amigo jamais conseguiria cumprir a promessa que fizera no caminho de volta.
"Vejo que está feliz." O guarda-costas rompeu finalmente o silêncio da cavalgada de horas. Já haviam cruzado a ponte, se despedido da patrulha dos noldors e encontrado alguns elfos silvestres que estavam há três luas a espera deles.
Legolas não respondeu, desconhecia as intenções daquele comentário e não se sentia disposto às ironias do amigo sindar.
"Perdoe-me." Ele ouviu porém, em um sussurro quase inaudível. A seu lado, sobre um cavalo pardo cujo passo era lento, seu amigo detinha uma expressão que comprovava a veracidade de seu pedido. Thavanian apertou levemente os pêlos da crina do animal por entre os dedos, quando teve o olhar quase inexpressivo do príncipe sobre ele. "Eu... eu me excedi Legolas... fui além do que me era de direito dizer ou julgar... Peço... Peço que me perdoe."
"Perdoá-lo por ser meu amigo?" O arqueiro respondeu melancólico, baixando ele agora os olhos para as mãos entrelaçadas nos pêlos de seu animal. Em seguida sacudiu a cabeça, franzindo os lábios em autocondenação. "Eu... Eu só o coloco em confusão Thavanian, não posso culpá-lo por desesperar-se... Por fazer as ameaças que me fez..."
"Não direi nada, Las." O outro respondeu prontamente, lendo as linhas aflitivas que se escreviam no pesado coração do amigo. "Eu... nunca pensei em fazê-lo... o que disse... as ameaças que fiz... nunca pensei em cumpri-las... eu..."
"Você o fará, Thavanian, mellon-nin." Legolas respondeu com um sorriso cansado. Em seguida ergueu seus olhos infinitamente azuis e absolutamente tristes. "Verdade alguma pode ser ocultada dentro daquele gabinete... Todos sabemos... Nada se camufla na escuridão diante do rei... Ele sempre sabe... Eu não sei como... Mas... Ele sempre sente quando..."
"Não contarei nada. Dou-lhe minha palavra."
"Não." Legolas ergueu-lhe a palma aberta, o rosto transformado em uma assustadora seriedade. "Não aceitarei sua palavra para que não se veja obrigado a quebrá-la. Ouça o que digo e ouça bem, Thavanian. Responda a tudo o que lhe for perguntado e poupe-se de ser um alvo desnecessário da ira do rei. Deixe essa posição para mim, pois eu a mereço."
"Legolas..."
"Eu. Eu, Thavanian..."
"Nada direi. Nada."
Legolas soltou os ombros então, sacudindo novamente a cabeça e encarando o amigo agora com olhos de afeto.
"Dirá. Dirá tudo o que ele quer saber, assim como eu e qualquer um que ali entre. Não temos escolha... Nunca tivemos... Nunca teremos..."
Legolas suspirou novamente, desencostando-se e apoiando os cotovelos nos joelhos para que pudesse sustentar o rosto nas palmas abertas. Percebia agora que estava muito mais cansado do que jamais estivera e não se sentia realmente preparado para enfrentar o pai. Se ao menos pudesse ter dormido um pouco que fosse. Mas nem em Imladris, nem depois que se esclareceram todas as pendências entre ele e os gêmeos, ele fora capaz de pregar os olhos. A idéia do retorno já o assombrava. Parecia fadado a ter sempre um problema a mais para resolver, um problema inadiável.
Porém, em relação a sua estada em Valfenda, não julgava que tivesse de fato pelo que lamentar. Não dormira na terra de seus amigos também, porque estava feliz lá e queria aproveitar cada momento antes que tudo fosse novamente passado.
Não faltaram pedidos insistentes dos irmãos para que ele descansasse. Mas como fecharia suas pálpebras diante de tanta beleza a ser vista e da consciência do tão escasso tempo que tinha para recuperar anos deixados para trás?
Legolas sorriu. Foi menos de uma lua até Thavanian estar de pé e sua razão de permanência se extinguir com aquela recuperação. Mas foram dias dos quais ele não se esqueceria tão cedo.
Saiu
da sala de banhos trajando um dos robes dos gêmeos, para
encontrar o mais velho deles ainda no quarto a sua espera. O príncipe
sorriu-lhe então timidamente, tornando a sentir aquele
incômodo desejo de mudar um passado irremediável, um
desejo pelo impossível.
"Como estava o banho?" Elladan indagou-lhe também sorrindo, sentado em uma das cadeiras do quarto que compartilhava com o irmão e mantendo um livro aberto por sobre o colo. "Sente-se bem?"
"Sim... Obrigado..." Disse o príncipe em resposta e o elfo moreno ergueu-se, deixando o livro que lia por sobre uma pilha de outros em uma pequena mesa e aproximando-se dele com olhos atentos.
"Aquela chuva estava fria de fato." Ele sorriu-lhe mais uma vez, embora parecesse preocupado. "Não tome por hábito fazer esse tipo de criancice." Completou por fim, em um tom provocativo proposital. Era evidente que tentava disfarçar alguns sentimentos misturados que guardava em seu peito.
Legolas suspirou, parado ali diante do amigo como se ainda se sentisse perdido, sem saber o que dizer ou fazer. Tudo fora muito rápido. Rápido demais para que ele construísse as estratégias que qualquer bom líder saberia construir no lugar dele. Estratégias de defesa, de proteção, estratégias de resgate, de recuperação.
"Dan... eu sinto muito..." Declarou em voz baixa, decidindo-se então por tentar seguir a mais antiga das estratégias, a estratégia dos humildes: a simples verdade, sem enfeites, sem rodeios.
O gêmeo mais velho contorceu o rosto no mesmo instante e Legolas não sentiu coragem de encerrar sua sentença. Queria dizer tanto mas sentia um imenso temor de que suas palavras fossem insuficientes para expressar o que estava em seu peito, haja vista que sequer ele conseguia de fato compreender o que se passava em seu coração.
"Acho que lamentar é a sina dos seres de consciência, Las." Elladan respondeu enfim, a mão apoiada no ombro do amigo e os olhos brilhantes de tristeza.
"Queria que me perdoasse... Era só isso... Você e Elrohir... Não tive a intenção de enganá-los."
Os lábios de Elladan se curvaram em um sorriso gentil, mas seus olhos se fecharam por alguns instantes. Ele então puxou o elfo para si, abraçando-o com carinho e apoiando a mão por sobre a cabeça que se recostava em seu ombro.
"Seu pedido é tão fácil de se atender, Las." Ele disse em voz embargada. "Cumpria uma regra de sua casa... Era apenas o que fazia... Mas e quanto ao meu pedido de perdão Legolas? O quão difícil será consegui-lo?" Indagou por fim o que mais o afligia, puxando o amigo para olhá-lo nos olhos. "O que é preciso para que consigamos cicatrizar a ferida que fizemos em seu coração?"
Legolas empalideceu, sentindo um grande frio correr-lhe a espinha e os traços do belo rosto do primogênito de Elrond voltaram a se contorcer em desenhada angústia, por mais que este tentasse disfarçá-la. Elladan temia o que aquela reação pudesse significar, mas esperou mesmo assim pela resposta, fosse ela qual fosse, pois sabia que o direito do sim e do não era indiscutivelmente do príncipe da Floresta Escura.
"Fui picado por uma silvestre..." O som da voz do arqueiro enfim voltou a soar e Elladan franziu os olhos sem compreender. "Deu-me o antídoto... Não foi Dan?"
"Foi... Foi sim, Las." O gêmeo respondeu sem ainda entender, depois apoiou a mão na testa do amigo. "Porque me pergunta isso? Sente algo? Sente algo ainda?"
"Dan... A receita do antídoto... Do antídoto que me deu... Sabe o que tem nela?"
"Sim. Sei." Elladan apressou-se em responder. Conhecia todas as receitas dos medicamentos que usava. Era uma das garantias na qual estruturava sua coragem e seu desejo de partir para as batalhas, saber que seu conhecimento era imprescindível nelas, o conhecimento que poderia ser a salvação de alguns.
Legolas pressionou os lábios juntos.
"Tem um pouco... da própria substância que a aranha usa... não tem Dan?"
"Sim. Um pouco não, Las. Tem mais de seis partes em dez." O gêmeo respondeu. Ao perder-se no desejo de comentar algo que o agradava, inconscientemente deixou de lado o motivo que iniciara aquela conversa, o que fez Legolas sorrir-lhe mais uma vez. O príncipe lia o brilho nos olhos do amigo, a paixão que ele tinha pelo rumo que traçara para si.
"Quem fez o antídoto que você me deu, Dan?" Ele indagou suavemente.
"Eu. Eu mesmo o fiz. Faço todos os medicamentos dos quais acredito que vá precisar, alguns dias antes da saída da patrulha."
"É um curador eficiente..." Legolas baixou enfim a cabeça, movendo o corpo para afastar-se, mas Elladan segurou-lhe uma das mãos, ganhando de volta seu olhar.
"Mas e a ferida que mencionei?" Ele insistiu com um sorriso triste, resgatando habilmente o assunto que o príncipe julgava esquecido.
Legolas também sorriu, apoiando a mão no peito do amigo, por sobre seu coração.
"Está fazendo o mesmo... o mesmo que fez com o antídoto."
"Como assim, Las?"
"Não sei se de fato criaram a ferida... mas, indiscutivelmente, agora a estão curando..."
Elladan soltou os ombros e fechou momentaneamente os olhos, a sinceridade do amigo, mesmo tentando atenuar o pior, era quase um alívio. Por bem, era sempre imprescindível conhecer o mal que pede combate. O gêmeo suspirou então, em seguida puxou o arqueiro novamente para perto de si, apertando-o com os braços.
"Mesmo assim eu lamento." Ele sussurrou entre os fios do cabelo dourado do amigo. "Espero que esse mal que criei não custe muito ainda a deixar de te incomodar, mellon-nin."
Legolas contraiu os músculos do corpo por alguns instantes e Elladan percebeu que ele buscava se conter, ainda havia muito no peito daquele elfinho que agora era capitão, muito que o gêmeo podia ver, mas muito que ele sequer conseguia imaginar.
"Nós te amamos, pen-neth." Ele disse então, em um sussurro ainda mais fraco. "Nunca vai deixar de ser nosso irmãozinho, nosso principezinho dourado."
Sim. Legolas tinha razão. Quando ele enfim apertou mais os braços em volta do gêmeo e deixou que os soluços lhe rompessem as portas, levando parte da dor com eles, pôde perceber o quão certo estava, e que a cura que os gêmeos lhe proporcionariam seria mais rápida do que ele podia imaginar. Seria mais rápida e mais doce.
A porta se abriu mais uma vez e Legolas sobressaltou-se, voltando-se naquela direção. Do gabinete um alto elfo saia com olhos úmidos. Legolas reconheceu-o. Não o vira entrar. Estaria ali há quanto tempo? Pensou, enquanto procurava rapidamente erguer-se. O súdito de seu pai parou diante dele, apoiando a mão por sobre o peito.
"Meu príncipe." O elfo saudou-o com respeito, mas a voz oscilava, revelando uma angústia cujo motivo, infelizmente, Legolas conhecia bem.
"Lorde Megildur..." O arqueiro respondeu a saudação, curvando ligeiramente o tronco em reverência, enquanto buscava na lista de formalidades que todo membro da realeza é obrigado a aprender, a frase correta para aquela situação. "Eu... lamento por Ainion... Ele foi um dos meus melhores soldados." Declamou então o texto decorado que, apesar de corresponder à verdade, não o fez sentir-se diferente de qualquer dirigente que pouco se importa com o que ocorre a seus elfos.
"Agradeço, vossa alteza." O elfo de cabelos acobreados e porte simples, porém elegante, ofereceu a resposta esperada de qualquer súdito naquela situação, mas que fez Legolas sentir-se ainda pior. Quando este se envergou em uma rápida despedida e mostrou-se intentado a afastar-se, o príncipe ergueu a mão direita, contendo-lhe os movimentos.
"Eu..." Ele tentou dizer algo mais, revirando as páginas da tola diplomacia que lhe haviam ensinado e não encontrando nada que lhe servisse os propósitos, que lhe fizesse sentir-se melhor. Apesar do rosto de Ainion nunca mais ter aparecido a ele depois de revelada a verdade, Legolas ainda carregava uma série de culpas com quais não sabia lidar.
"Eu entendo, vossa alteza." O bom elfo forçou um sorriso gentil no rosto triste, parecendo satisfeito por ver que seu príncipe buscava demonstrava-lhe consideração, mesmo sem saber como. Pobre rapaz, a juventude de fato enfrentava cada vez mais cedo as macabras encruzilhadas da existência.
"Não..." Legolas sacudiu a cabeça, fechando todos os livros que sua mente abrira, consciente de que ali não encontraria o que buscava. "Mestre Megildur... Eu... Peço... Peço seu perdão, meu senhor." As palavras que de fato buscava surgiram em seus lábios enfim e roubaram de vez a pouca cor de seu interlocutor. "Eu... envergonho-me por, além de não ter sido um bom líder... ainda ter feito uso da identidade de seu filho para esconder-me, senhor... Peço... peço, por favor, que me perdoe."
O lorde elfo soltou os lábios e esvaziou vagarosamente os pulmões. O ar incrédulo de seu rosto, porém, não dizia muito do que estava se passando em sua mente. Depois seus olhos levemente azuis seguiram caminhos que apenas seus pensamentos conduziam, até que enfim voltou a encarar o arqueiro a sua frente.
"Vossa alteza..." Ele balbuciou, visivelmente admirado, enquanto erguia uma mão trêmula em um gesto de súplica, seus lábios continuaram descolados como se ele tentasse encontrar as palavras certas. Enfim, segurou o antebraço de Legolas com força e olhou-o nos olhos. "Ainion o tinha em grande estima, meu príncipe. Ele o seguiria até o fim de todas as estrelas." Informou com uma força e convicção que tocaram profundamente o arqueiro. Legolas baixou o rosto no mesmo instante, mas Megildur forçou um pouco mais o aperto que oferecia ao braço do príncipe, recebendo de volta a atenção que parecia buscar. "Meu bom e amado príncipe, tenho certeza e espero que a tenha também, de que não pode haver nos ombros de vossa alteza culpa alguma pelo destino que meu filho teve que seguir..."
"Eu o vi..." O jovem elfo interrompeu-o em uma confissão que pareceu escapar-lhe boca a fora, e aquele pai voltou a empalidecer.
"A quem, meu príncipe?"
Que loucura! Legolas recriminou-se pelo papel bizarro que estava fazendo diante de seu súdito, enquanto voltava a baixar o rosto e seu corpo estremecia sem que pudesse se conter. Por que aquela verdade queria vir à tona dessa forma?
Diante dele porém, os olhos agora escurecidos de Megildur pareciam ler todas as respostas que desejavam.
"Viu... viu meu filho, alteza? Viu-o depois... depois..."
"Mestre Megildur..." Ele tentou explicar. Mas sentia-se narrando o inconcebível. Ilúvatar o que estava fazendo? Rompendo mais uma promessa que fizera ao pai? Propagando os absurdos de sua mente insana? O lorde elfo aproximou-se um pouco mais, voltando a segurar seu braço.
"Por favor, meu príncipe..." Ele pediu, tomando-lhe o outro braço também, e aquela súplica de pai fez com que desmoronassem suas últimas objeções.
"Eu... Sim... Eu o vi... Ele... ele me pedia... me pedia que o libertasse..." Legolas viu-se propalando o acontecido de forma intrincada, como se trilhasse terreno pedregoso e desconhecido, mas sentindo que assim pagava uma dívida com o amigo morto, por mais absurdo que soasse ou parecesse. "Quando... quando deixei... deixei de usar-lhe a identidade... ele se foi..."
Assim terminou sua absurda explicação, sem coragem de olhar o elfo a sua frente outra vez. O que o bom Megildur estaria pensando de seu príncipe? Que outras idéias se propagariam a seu respeito depois dessa narração ensandecida?
Na verdade Legolas nem sequer queria imaginar essa resposta. Ele ficou cabisbaixo, a mão sobre o peito arfante, evitando buscar pela informação que lhe faltava.
Então, a mão de Megildur pousou receosa em seu ombro e Legolas reencontrou o olhar do pai de Ainion. Os traços da face daquele elfo haviam se relaxado novamente e ele voltava a lhe oferecer o mesmo sorriso simples de sua chegada. No entanto, havia uma diferença, o brilho das lágrimas em seu olhar substituía-se por uma intrigante paz.
"Meu príncipe." Ele disse, apertando levemente o ombro do arqueiro. "Seu relato muito me acalma... Saber que meu filho fez seu papel... que não o deixou até quando foi necessário." Ele completou e Legolas sentiu-se novamente perdido, mas sem a menor energia para qualquer questionamento. Ele apenas forçou a mão no peito e baixou os olhos, aliviado em saber que o pai do amigo não lhe queria mal e, além de tudo, não o julgava fora de si.
"Sou-lhe grato, Mestre Megildur."
"Eu é quem o sou, meu líder." O elfo disse em um tom mais sério e Legolas olhou-o surpreso novamente, sentindo o incômodo que só a falta de esclarecimento traz. Dessa vez foi Megildur quem lhe fugiu do olhar, deslizando as órbitas por aquelas paredes sem nada de fato ver. "Eu... Devo dizer-lhe que... admira-me e... lisonjeia-me até que, entre seus soldados, muitos sindars, tenha-lhe vindo à mente o nome de meu filho para servir-lhe de couraça... Um silvestre como eu... como..."
"Como nós." Legolas categorizou, apertando os finos lábios, enquanto a imagem de Ainion estranhamento voltava a povoar-lhe o coração, trazendo o ardor das teimosas lágrimas. Ele respirou fundo, procurando afastar aquelas sensações indesejadas. "Sou um silvestre, Lorde Megildur... Sou um silvestre como seu filho... e sempre compartilhei com ele o mesmo orgulho de sê-lo."
O rosto do lorde elfo endureceu, congelaram-se traços indecifráveis em sua face. Ele então se curvou mais uma vez, em seguida deu um passo à frente, aproximando-se mais do arqueiro.
"Mestiço." Sussurrou com os olhos no chão, em um tom que apenas Legolas ouviu. "É como o chamam, vossa alteza." Então seu olhar encontrou-se com o do pálido príncipe e seus traços se atenuaram em um carinho evidente. "Nosso povo se orgulha do senhor. Sua vinda foi prevista por muitos de nós. Mas deve acautelar-se..." Ele baixou mais ainda o tom de sua voz. "Nem todos vêem na mistura de raças a harmonia que os silvestres vêem... Deve acautelar-se, meu príncipe..."
E sem dizer mais palavra alguma Megildur afastou-se, trocando olhares de cumplicidade com o jovem Eglerion antes de sair pela porta que o sentinela lhe abrira. Legolas permaneceu em pé por mais alguns instantes, olhando para a passagem que o guarda havia fechado atrás do elfo e tentando ler, naquele vazio que ficara, alguma informação. Enfim fechou os olhos novamente, voltando a se sentar, mas não se sentindo nem um pouco melhor, mesmo depois de conversar com um dos familiares das vítimas de sua patrulha.
Não. Na verdade agora ele se sentia até um pouco pior.
"Venha Las. É por aqui." Disse o gêmeo mais novo, puxando-lhe levemente por um dos cotovelos enquanto caminhavam por um dos vários corredores da casa de seu anfitrião. Legolas acompanhou o passo largo dos dois irmãos intrigado, observando as grandes portas trancadas e o silêncio que se fazia ali.
"Onde estamos indo?" Ele indagou, ainda olhando tudo a sua volta com ares de uma criança perdida. "A casa de vocês é muito grande."
"Não é longe." Elladan comentou, apoiando uma mão em seu ombro. "Queremos lhe apresentar alguém."
Legolas apertou os lábios preocupado. Quem seria tal pessoa que despertava a ansiedade que ele via nos olhos dos dois irmãos?"
Chegaram então diante de uma das portas bem trabalhadas de um dos corredores laterais, cujas paredes eram de um tom ocre muito leve. Legolas deslizou as órbitas azuis pelo lugar. Havia pássaros entalhados nos batentes da porta e um vaso com uma bromélia alaranjada ao lado desta. Uma brisa suave passeava pelo corredor, mesmo sem haver janela alguma a vista, e o som dos pássaros de Imladris chegava sutilmente ao lugar, como se trazido por esse vento amigo.
"Têm hóspedes?" Ele indagou sem se conter.
"Não propriamente." Elrohir respondeu com um sorriso ansioso.
"Quem vive aqui então?"
"Alguém muito importante." Elladan comentou desta vez, aproximando-se da porta e batendo compassadamente num ar cauteloso de quem na verdade não deseja fazer muito barulho. Em alguns instantes a porta se abriu e um belo rosto surgiu detrás dela. Legolas olhou-o com admiração Era de uma linda moça com enigmáticos e tristes olhos acinzentados. Os cabelos estavam presos atrás das costas. Eram de um castanho bem escuro, seus olhos também eram de um tom escuro, que lembrava ao príncipe as nuvens que vira na véspera, antes da chuva armar-se sobre sua cabeça. O corpo da jovem perdia-se em um largo vestido cor de terra úmida que lhe escondia as curvas. Era um pouco mais baixa do que os três visitantes, mas o olhar que ofereceu aos gêmeos atribuía-lhe mais poder do que Legolas conseguia compreender.
"Saudações, mellyn-nin." Ela sorriu e o arqueiro surpreendeu-se pelo tom intenso daquela voz feminina. Ele não conseguiu disfarçar a admiração que sentiu. Já vira muitas elfas em seus dias de menino e de adulto, mas nenhuma parecia emanar tanta energia.
"Saudações, minha senhora." Elladan retribuiu e Elrohir envergou o tronco em uma elegante reverência, mas nada disse. "Queríamos que conhecesse um amigo pelo qual temos grande estima."
Legolas recebeu o olhar da enigmática jovem e só então pareceu se lembrar de quem era e da posição que ocupava naquele mundo cada dia mais estranho. Ele endireitou o corpo e, pelo silêncio deixado pelos gêmeos, julgou que preferiam que por si mesmo, se apresentasse.
"Sou Legolas, minha senhora." Ele o fez, estranhamente constrangido porém. O uso do título que detinha diante de seu nome, pareceu-lhe inapropriado.
"Legolas?" Ela deslocou-se então em sua direção e o príncipe sentiu-se com se estivesse diante de uma das imponentes estátuas dos salões do curador de Imladris, as estátuas que representavam os ancestrais daquela casa. Quem seria aquela elfa?
"Sim, senhora." O arqueiro repetiu, tentando disfarçar sua inquietação. "Venho do reino élfico do norte da Floresta."
Um sorriso singelo e leve foi a resposta que recebeu, apenas uma pequena curvatura dos delicados lábios da moça.
"É o filho do Rei Elfo?" Ela indagou, olhando para os gêmeos como se desejasse uma confirmação. Os irmãos lhe sorriram, balançando discretamente suas cabeças.
"Sim, minha senhora." Legolas assentiu timidamente. "O Rei Thranduil é meu pai."
A bela moça sorriu-lhe de forma diversa então, um sorriso carinhoso e compreensivo que ele só lembrava ter recebido de sua mãe, nos momentos em que estava triste e ansiava pela compreensão da boa elfa.
"Mae Govannen, Príncipe Legolas Thranduilion." Ela disse em tom de saudação sincera. "Chamam-me Naerwen, sou estrangeira em Imladris."
Legolas franziu levemente as sobrancelhas. Aquele era um nome muito forte. Por que um pai daria a sua filha o nome cuja tradução era tristeza?
"Lady Naerwen não nasceu aqui, mas é parte de nossa família." Elladan comentou e a moça lhe ofereceu um sorriso gentil. "Essa boa dama era esposa de um de nossos companheiros de patrulha, Legolas. Um corajoso e grande amigo a quem infelizmente perdemos em combate." O gêmeo esclareceu. Um ar saudoso em sua face e voz. "Ela pertence ao povo dos dúnedain."
A surpresa ocupou lugar no peito do príncipe, que deixou o queixo pender levemente aberto. Ele aprendera um pouco da história dos numenorianos, ouvira os mais velhos falarem sobre Elendil, conhecera algo sobre a queda de Isildur e também conseguira roubar algumas poucas informações de seu pai aqui e ali. Mas por que uma adan usava um nome élfico?
"Alguns dúnedain procuram nossas calmas terras como abrigo." Elrohir comentou, vendo que o ar intrigado não abandonava o rosto do príncipe. E Legolas finalmente uniu os lábios, julgando ter compreendido pelo menos o tom daquela intrincada canção.
"É um prazer conhecê-la, Lady Naerwen." O arqueiro enfim lembrou-se de responder a saudação. "Sinto-me honrado por encontrar uma descendente dos valentes edain do oeste."
A bela moça pendeu o rosto para a direita ainda sorrindo. Seus olhos passeavam pelos traços do príncipe, como se estivessem olhando para um antigo conhecido. Legolas engoliu em seco, movendo os olhos em diferentes direções, mas acabando por sentir-se hipnotizado quando aquelas esferas cheias de mistério fixaram-se mais uma vez nele.
"Meus amigos me falaram de vossa alteza certa vez." Ela comentou, olhando rapidamente para os gêmeos. "Mais de uma vez, na verdade."
"Por favor não me trate por tal título, minha senhora." Legolas pediu, incomodado e Naerwen lhe sorriu uma terceira vez e de um terceiro modo ainda mais intrigante.
"É um título ao qual faz jus, meu bom príncipe." Ela docemente esclareceu. "Todos os reinos merecem ter reis e príncipes justos e destes se orgulham. Pelo que sei o mal assombra vossa amada floresta e vosso nobre rei o enfrenta bravamente."
A menção do nome do pai nas sábias palavras daquela estranha encheu-lhe rapidamente o coração de saudades. Era como se todos os caminhos diante dele quisessem guiá-lo de volta para casa, por mais que Imladris o envolvesse como um doce paraíso.
"Sou-lhe grato por tamanha consideração." Ele disse, pensativo.
"Digo a verdade que vejo e que me consola." A jovem respondeu e Legolas tornou a olhá-la um tanto confuso. Os olhos dela tinham o brilho de uma saudade cujo porquê lhe fugia e ele não sabia se de fato seria sensato conhecer. "O povo da floresta tem uma liderança preocupada com algo mais do que pompa e poder. Eu posso ver..." Ela continuou. "São afortunados... E afortunado você também o é, meu bom príncipe, por ter a oportunidade de estar entre os seus e poder ajudar seu pai a guiá-los e protegê-los."
Legolas sentiu o queixo cair novamente, na verdade seu corpo todo pareceu adormecer como se estivesse encantado pelo tom daquelas palavras. Ele voltou a baixar a cabeça, apoiando instintivamente a mão aberta sobre o peito, mas nada respondeu ou comentou.
"Todos os povos merecem líderes que os amem..." A jovem prosseguiu. Entretanto seus olhos não estavam mais no arqueiro diante dela, estavam perdidos em algum pensamento que parecia entristecê-la. "É... é uma lástima que os... os líderes estejam sempre fadados a uma vida de...de sacrifícios..."
Para o jovem príncipe elfo, aquela foi uma das frases mais tristes que já ouvira. Ele voltou a curvar as sobrancelhas, olhando agora para os gêmeos em busca de compreensão, mas Elladan e Elrohir tinham seus lábios contraídos em um estranho pesar, que em muito se assemelhava ao da jovem dúnadan. O arqueiro baixou o rosto devagar, sem saber para onde olhar, o que dizer, ou aonde ir. Sentia-se de repente tentando participar de uma conversa em língua estrangeira.
"Meu príncipe?" Legolas despertou de suas recordações, reabrindo assustado os olhos e encontrando o fiel Eglerion a olhá-lo de perto. "Sente-se bem? Precisa da presença do curador?"
"Não..." O arqueiro apressou-se em responder, soltando os braços e olhando tudo a sua volta. Ainda estava sentado na mesma cadeira, mas seu corpo parecia um tanto dormente. "Acho que adormeci."
"Sim, meu príncipe. Vossa alteza tinha os olhos fechados e o rosto contorcia-se. Sente alguma dor, meu senhor? Posso pedir que chamem por mestre Faernestal."
"Não, Eglerion. Estou bem... Eu... sou grato... Sabe me dizer se me desliguei por muito tempo?"
"Não, senhor. Apenas alguns instantes. Lamento se o despertei de seu sono inutilmente, meu príncipe."
Legolas afastou-se do encosto, cobrindo mais uma vez o rosto com as mãos.
"Meu pai não está aqui, Eglerion. Deixe a formalidade de lado, eu lhe peço."
O elfo silvestre ergueu os cantos dos lábios em um pequeno sorriso, em seguida olhou discretamente para os lados, para então apoiar uma mão no ombro do arqueiro louro.
"Estamos no palácio, meu príncipe." Ele disse, ainda olhando sorrateiramente os arredores. "E pelo que vejo o rei não está no melhor de seus dias."
Legolas suspirou então, voltando a se se encostar àquela cadeira da qual parecia estar condenado a nunca mais sair.
"É o que parece." Ele respondeu com um suspiro. Então segurou o braço do amigo e apertou-o leve e rapidamente em um gesto de camaradagem. "Volte a seu posto então, mellon-nin." Aconselhou por fim com a voz fraca e o guarda franziu a testa em preocupação. "Não quero prejudicá-lo. Meus olhos se fecham apenas pelo cansaço da viagem e nada mais, eu lhe asseguro."
O soldado não respondeu, ficando ainda mais alguns instantes procurando vestígios no rosto do príncipe, que comprovassem a afirmação feita. Enfim ele endireitou-se e caminhou novamente até a grande porta de entrada, posicionando-se ao lado dela em silêncio.
Legolas voltou a fechar os olhos e tranqüilizar o peito. Não pretendia dormir, mas estava cansado demais para manter-se atento e angustiado demais para continuar olhando aquela parede branca diante dele.
"Uma vez eu o vi, meu bom príncipe." Naerwen disse então, desperta de seus pensamentos. "Vestia-se com um longo sobretudo marrom e chegava aqui bastante entristecido."
O arqueiro voltou-se confuso novamente para os irmãos a seu lado. Mas os gêmeos pareciam guardar em seus semblantes a mesma incompreensão do amigo da floresta.
"Legolas nunca esteve em Imladris antes, Lady Naerwen." Elrohir comentou com um tom receoso temperando sua voz.
"Sim. Eu sei." A moça respondeu pacatamente, mas este comentário não trouxe mais compreensão aos três elfos diante dela. "Nós os numenorianos ainda guardamos uma ou outra sina de nossos antepassados... Meus pais certa vez viram o meu destino e eu... às vezes, raras vezes, vejo alguns..."
"Mama?" Uma vozinha interrompeu o que parecia mais ser um devaneio do que uma explicação e a moça sorriu abertamente, empurrando a porta que estava encostada e inclinando o corpo para dentro.
"Aqui pequenino. Mamãe está aqui."
Legolas voltou a se intrigar, mas quando se deu conta ele, assim como os gêmeos, esticava seu pescoço para tentar ver de onde viera tão agradável som. Logo surgiu, andando um tanto cambaleante e esfregando um dos olhinhos, uma pequena criança de cabelos escuros e olhos grandes e azuis. Naerwen segurou-lhe imediatamente a mão e lhe sorriu.
"Estel-nin." Ela disse em um perfeito acento sindarin e ajoelhou-se diante do pequeno, cujos olhos claros brilhavam fixos nos da mãe. Ele parecia feliz por tê-la encontrado. "Veja quem está aqui, quem já regressou de viagem. Seus gwedeir, querido, veja."
Ela então se afastou um pouco e Elrohir e Elladan aproximaram-se e se agacharam diante do pequeno.
"Pelo brilho das estrelas!" Brincou o mais novo. "O que anda dando a ele? Cresce mais rápido do que um elfo!"
E sorriu com uma amabilidade que quase confundiu o arqueiro louro, ainda de pé. Legolas voltou a sentir-se estranhamente perdido ao ver o pequenino se jogar nos braços de Elrohir e segurar-lhe os negros cabelos, enlaçando-lhe o pescoço com os pequenos braços. O gêmeo ergueu-se então, trazendo-o consigo e dando ao irmão tempo de fazer também alguns carinhos no menino.
"Olá, gwador-nín." Disse o mais velho, tendo uma mecha de seus cabelos imediatamente apanhada por uma daquelas mãozinhas. "Ada me disse que sentiu nossa falta. É verdade?"
"Demorou Dan..." A vozinha surgiu novamente e o bracinho se esticou para puxar o gêmeo para mais perto. Elladan riu então, segurando aquela mão tão pequenina e a trazendo para perto dos lábios, beijando-a com carinho e fazendo o menino rir.
Atrás deles Naerwen sorria satisfeita, ambas as mãos sobrepostas sobre o peito e um ar de quem enfim se sentia segura.
"Príncipe Legolas? Príncipe Legolas? Acorde, por favor."
Legolas teve um sobressalto, voltando a erguer as pálpebras com a respiração imprecisa do súbito despertar. Eglerion estava novamente diante dele com olhos consternados e o rosto ligeiramente pálido.
"Sua majestade chama pelo senhor, meu príncipe. Não o ouviu?"
"Por mim?" O arqueiro levantou-se em repentino temor e cambaleou no mesmo instante, sendo amparado pelo amigo da guarda. "Elbereth, Eglerion!" Ele clamou, voltando a se sentar. "Acho que não sou capaz..."
O jovem vigia agachou-se, apoiando a mão no joelho do amigo e procurando ver-lhe o rosto. Legolas esfregava a face com avidez e seus olhos tinham um brilho de agonia que preocupava o fiel súdito.
"Quer que... que eu diga que... que não se sente bem, meu príncipe?"
"Não... eu... eu só preciso..." Só preciso encontrar um pouco de coragem, mas não sei onde procurar. Legolas completou mentalmente sua sentença.
Apoiou então mais uma vez o rosto nas mãos e respirou profundamente.
"Estel, esse aqui é nosso amigo Legolas." Elrohir trouxe o menino para perto e aqueles redondos e brilhantes olhos azuis estavam agora voltados para o príncipe. "Ele era pequenininho assim como você quando o vimos pela primeira vez."
O elfo louro sorriu e aproximou-se também, olhando o menino com atenção. Já vira crianças certa vez, mas nunca de tão perto. Como podiam ser tão pequenas e frágeis e... adoráveis?
Em instantes uma mecha de seu cabelo louro estava naquelas mãozinhas, mais precisamente dentro de uma boca entreaberta.
"Elrohir..." Legolas advertiu franzindo o rosto, entre o preocupado e o surpreso, e os irmãos riram.
"Nada disso pequenino." O gêmeo mais velho impediu-lhe a traquinagem. "Não está grandinho para essas manias?" Ele riu então do olhar inocente que recebeu. "Só fazia isso com o cabelo de Glorfindel, agora parece que encontrou outra vítima."
"Verdade." Elrohir riu então. "O cabelo do Legolas é bem mais fácil de puxar não é Estel? Glorfindel é um pouco menos distraído."
"Leg'las" A vozinha tentou repetir e todos riram ainda mais, incluindo o encantado príncipe da floresta.
"Ele é... é tão pequeno..." Observou o elfo louro, não contendo sua admiração.
"Leg'las..." Voltou a repetir o menino e esticou dessa vez os bracinhos para ele. Legolas empalideceu, dando um passo para trás e erguendo as palmas em sua defesa.
Elrohir olhou para o gêmeo e este lhe sorriu, ambos então se voltaram para Nearwen como se esperassem instruções, ou um consentimento. A jovem adan veio à frente e tomou o filho nos braços, aproximando-se então do jovem arqueiro.
"dar-me-ia a honra de segurá-lo por uns instantes, nobre príncipe?" Ela indagou com uma formalidade incontestável e Legolas contorceu toda a face em um embaraço que fez com que os gêmeos escondessem o rosto, para disfarçar o quanto estavam se divertindo com a situação.
"Minha boa senhora eu... Não creio que seja... conveniente... Eu nunca... nunca segurei..." Ele balbuciou sua justificativa, mas a moça já lhe sorria com mais vontade e colocava o menino em seus braços. Legolas envolveu-o desajeitadamente, mas logo o posicionou de forma um pouco mais confortável. Ilúvatar, ele pesava bem mais que seus três furões juntos!
O sorriso estava próximo agora e a mãozinha levava uma mecha de seu cabelo à boca mais uma vez.
"Leg'las"
Ele teve que rir.
Adorável.
Por isso os elfos não tinham mais filhos. Nada podia torná-los mais vulneráveis.
Lembrou-se então do pai e de quantas vezes ouvira sua frase mais freqüente: 'Você há de ser a minha ruína, elfo tolo.'. Sim, infelizmente ou não, o rei tinha suas razões para considerá-lo um de seus maiores problemas, uma de suas maiores fraquezas.
"Não escuta seu rei nem quando este está no cômodo ao lado, capitão?"
Legolas ergueu-se em um sobressalto ao som forte daquela voz. Eglerion afastou-se rapidamente, retomando seu lugar ilustrativo ao lado da porta.
Lá estava ele. A austeridade e força em roupas da cor de sua terra. Os cabelos bem trançados e as sobrancelhas curvadas, adornando olhos verdíssimos agora.
"Não me ouviu chamá-lo, capitão? Ou quer ficar alguns dias em um lugar ainda menos confortável do que esta cadeira? Um lugar onde talvez não me ouça de fato chamá-lo?"
E estava zangado.
Ilúvatar, poucas vezes o vira tão zangado
Mas, apesar de tudo o que passou, das descobertas e perdas e das descobertas de perdas, ele se sentiu ainda mais feliz do que esperava sentir-se ao ver o pai ali a poucos passos dele. Era bom demais tê-lo ali, nem que fosse apenas para direcionar-lhe um austero e insatisfeito olhar.
Um barulho forte então pareceu despertá-lo de vez. Thranduil empurrara a porta e esta batera na parede, completamente aberta agora. A figura do pai desaparecera de volta no gabinete e aquela passagem, que deixara livre para ele, não era tão convidativa quanto deveria ser.
"É pena que não possa ficar mais." A voz de Elrohir emanava uma tristeza que não lhe era característica e o abraço prolongado que lhe dera também não era peculiar. "Por favor, volte a nos visitar, esquilo. Não deixe que o tempo nos separe novamente."
Encostado firmemente no ombro do amigo Legolas não conseguia responder, na verdade sentia que sequer conseguiria se mover dali, as lágrimas corriam por seu rosto e tudo o que ele fez foi apertar o amigo um pouco mais. Logo os braços de Elladan envolviam a ambos e o gêmeo mais velho beijava-lhe a têmpora com quando ele era pequeno.
"Não chore, Las." Ele disse carinhosamente a seu ouvido, abraçando a ambos com vigor. "Não vamos mais nos separar, tem minha palavra. Se não puder vir, iremos até o palácio."
Legolas desprendeu-se gentilmente dos braços de Elrohir e ganhou lugar nos braços de Elladan que apoiou a mão em sua cabeça, quando o teve apoiado em seu ombro, mantendo-o ali por um tempo, como se quisesse sentir como estava, se estava de fato bem. Seu lado curador ainda falando mais alto do que tudo.
"Voltarei..." Legolas comprometeu-se em uma voz embargada, camuflada no robe do amigo. Ele sabia o quão difícil seria para os irmãos cumprirem a promessa e visitar o pedaço de floresta do pai. "Eu encontrarei um meio..."
"Assim que se fala." Elrohir bagunçou-lhe levemente os cabelos e recebeu um olhar reprovador do irmão. Sabia que não era correto incentivar o príncipe a provocar a ira do pai, não com um pai como o elfo louro tinha, mas não conseguia se conter.
Legolas enfim afastou-se dos irmãos, enxugando o rosto como podia com as palmas, mas não conseguindo conter as lágrimas que ainda corriam por ele. A alguns metros Thavanian já o esperava sobre seu cavalo. Um grupo de elfos de Imladris também prontos e em suas montarias estavam a sua volta.
"Perdoe-nos por não o acompanharmos até as bordas. Temos outro rumo urgente a tomar daqui a alguns dias." Esclareceu Elladan com tristeza. Era evidente em sua voz que desejava fazer o contrário, mas não tinha opção."
"Eu entendo..." Legolas sorriu-lhes com uma ponta de pesar. "Adiar a despedida nem sempre é muito sensato também."
"Será um breve período de separação. Assim espero e desejo." Legolas ouviu uma voz conhecida sua e voltou-se para encontrar o sorriso paciente de Elrond. Desta vez o curador não vinha só, ele trazia vagarosamente o pequeno Estel por uma das mãos. O arqueiro aproximou-se devagar e logo os bracinhos do menino se esticaram em sua direção. Legolas ergueu-o nos braços e riu ao vê-lo enlaçar-lhe rapidamente uma mecha dos cabelos entre os dedos e levá-la a boca.
"Leg'las"
"Legolas tem gosto bom, Estel?" Elrohir não se conteve e Elladan empurrou-o com pouca força, apenas para provocá-lo e afastou a mão do menino da boca. O príncipe riu com gosto dessa vez e o gêmeo mais novo sentiu-se satisfeito.
"Veja só Dan. Las foi esperto. Ele nunca riu assim quando estava tentando nos enganar. Nós o teríamos reconhecido pelas covas do rosto." Provocou um pouco mais o gêmeo, abraçando novamente o amigo e a criança que carregava e beijando ruidosamente o rosto de Estel para fazer o pequeno rir nos braços do elfo louro.
E foi atendido. Quando não seria? Quando Elrohir não seria capaz de fazer o que deseja, de despertar nos demais a emoção que intenta?
Legolas então beijou também o rostinho de Estel e sentiu uma tristeza ainda maior por deixar aquele lugar. Sabia que agora que tinha conhecido o pequeno adan o tempo havia ganhado outro significado. Não podia passar desaparecido tantos anos se quisesse de fato fazer parte da vida daquele ser especial.
"Queria que não crescesse tão cedo." Ele brincou e sorriu mais abertamente ao sentir as mãozinhas de Estel em seu rosto como se o menino quisesse que o elfo olhasse para ele.
"Leg'las faz a viagem igual Dan e Ro e Leg'las volta logo." Ele disse, provavelmente repetindo uma desculpa aceitável que lhe haviam dado.
O príncipe sorriu, assentindo com a cabeça, mas uma lágrima escorreu por seu rosto e o pequeno fez um beicinho preocupado e passou a mãozinha desajeitadamente para enxugá-la.
"Leg'las... não chora, não chora, Leg'las'
O príncipe sorriu novamente, balançando enfático a cabeça em concordância para que o menino não se assustasse com as outras lágrimas que escorriam por seu rosto. Elladan suspirou, engolindo sua tristeza. Então se aproximou e tomou o pequeno Estel dos braços do amigo.
"Estel é o mais sábio de nós, não acha, Las?" Ele brincou, beijando o rosto do menino e Legolas sorriu mais uma vez, assentindo com a cabeça.
O príncipe então se voltou para Elrond e baixou o rosto, apoiando a mão no peito. Não tinha mais conversado com o lorde de Imladris depois do modo inapropriado com que tratara seu anfitrião na biblioteca e ainda buscava uma boa justificativa para seu comportamento, mas não a encontrara.
"Sou-lhe grato, meu senhor." Legolas disse em um tom quase inaudível e Elrond aproximou-se, erguendo-lhe o rosto para que olhasse para ele.
"Não há o que agradecer, Príncipe Legolas."
"Sim, senhor. Há pelo que agradecer e pelo que lhe pedir desculpas. Só não encontro as palavras apropriadas para tal, como nunca encontrei as palavras apropriadas para nada em minha vida senhor. Só posso pedir-lhe desculpas e agradecer-lhe dessa forma simples que o faço agora e para a qual a educação que tive não me é de serventia alguma."
Elrond sorriu-lhe enigmaticamente.
"Engana-se por sua humildade, meu rapaz. Mas todo o engano é prejudicial, até os mais nobres. Com o tempo verá que, entre todos, é o que menos precisa desculpar-se ou agradecer."
Legolas respirou fundo, sem saber o que responder. Mas Elrond se afastou, não parecendo de fato esperar por resposta alguma. O príncipe, vendo Erestor e Glorfindel no topo da escadaria, aproveitou a oportunidade para despedir-se com uma reverência e um breve aceno. Os dois elfos lhe retribuíram de forma cortês e Elrond regressou trazendo um embrulho que um de seus elfos segurava até então.
"Espero que aceite e aprecie." O anfitrião estendeu-o para o príncipe.
"O que é isso, senhor?"
"São duas coisas que quero que leve. A de cima é sua, a outra é apenas um empréstimo."
Legolas franziu o rosto, desfazendo os laços do embrulho com curiosidade. Logo que o tecido desfez suas pontas ele reconheceu as letras dourados do nome de seu avô.
"Meu senhor! Não... Não posso aceitar... é..."
"Sim. É uma raridade, mas uma raridade que se encontra nas mãos erradas. Leve-o e estará onde sempre deveria ter estado."
Legolas sorriu então e seus olhos voltaram a brilhar, mas era um brilho diverso dessa vez, um brilho que o lorde elfo de Imladris ficou muito satisfeito em conseguir despertar. Legolas tomou o primeiro livro nas mãos e olhou o outro que havia embaixo deste e cujo título despertou-lhe curiosidade e surpresa.
IMLADRIS
"Pelos Valar". Ergueu olhos arredondados ao anfitrião que ainda lhe sorria.
"Traz a história dessa terra que criamos e protegemos, a qual gostaria que conhecesse."
"Mas Lorde Elrond..."
"Sim... É um livro muito precioso para mim. Nunca o deixei sair daqui."
"Não... não posso senhor..."
"Digamos que é seu compromisso de retorno. Eu só o aceito de volta pelas suas mãos, meu amigo príncipe, e pelas de mais ninguém." Elrond completou sorrindo e Legolas estremeceu quando ele o envolveu paternalmente em um dos braços, aproximando-se mais dele.
"Seja feliz, Legolas." Disse o lorde em um tom que apenas ele ouviu. "Quando está feliz consegue trazer a felicidade para todos a sua volta. Não se esqueça disso."
"Vai me fazer ir até aí novamente?" A voz do pai reverberou agora e Legolas despertou novamente de sua recordações. Não havia mais como usá-las para conter seus sentimentos. Tinha que enfrentar o rei.
Enfim se ergueu de sua cadeira e apoiou-se na parede para pegar a mochila de viagens que deixara no chão, depois seguiu caminhando devagar até a grande porta, que poucas vezes estava aberta daquele forma. Ele parou a um passo desta então e o que estava para acontecer lhe tomou a razão.
Não. Tudo o que mais desejava era não precisar desentender-se com o pai. Não depois de tudo o que passara, não depois de saber a força que uma simples palavra tem, a força de uma expressão mal compreendida ou um pensamento propagado em momentos de angústia. Elbereth porque o pai tinha que querer falar-lhe justamente agora que ele estava tão sem forças para tal? Por que não podia ser amanhã? Não podia ser um outro dia qualquer, um outro momento?
A angústia daquelas dúvidas o fizeram cerrar os olhos e quando os abriu o rosto do pai estava novamente diante dele. Legolas deu um passo para trás, e o pânico, aliado a sua extrema exaustão fez com que o mundo todo escurecesse e ele se visse obrigado a apoiar-se no duro batente daquela entrada.
"Ada... por... por favor..."
Thranduil franziu as sobrancelhas e encheu o peito, suas pupilas subiram e desceram pelo corpo do filho, analisando o que tinha diante dele, colhendo as informações que precisava. Por fim, deu novamente as costas e entrou ordenando:
"Vá para seus aposentos e não saia mais de lá."
Legolas apertou os olhos fechados diante da repetição da frase mais costumeira de sua vida. Entretanto, estranhamente, a sensação de alívio por ver-se ao menos livre do conflito do pai, não o agraciou. Sentia que aquele distanciamento precipitado, de alguma forma, poderia ser ainda pior.
Ergueu o rosto e seu olhar direcionou-se para onde sempre se dirigia, quase involuntariamente, todas as vezes que entrava naquela gabinete. De onde estava podia ver bem o pai sentar-se diante de sua mesa.
"E feche a porta antes de ir." Thranduil ordenou, parecendo sentir o olhar do filho sobre ele.
Legolas respirou fundo, olhando novamente para a bagagem que havia trazido. Ele colocou a mochila no chão e retirou dela o livro que ganhara, caminhando em seguida em direção ao pai. Thranduil não se moveu, decerto sentia a presença do filho mas estava começando sua sentença por conta própria, ignorando-o como sempre fazia quando estava zangado com ele. Ele sabia bem o quão eficaz era esse castigo em particular. Legolas achegou-se mesmo assim e depositou o livro por sobre a mesa, diante do pai.
Houve um momento de silêncio.
Então a mão trêmula de Thranduil se ergueu e, para a surpresa do filho, ele não abriu o livro, apenas tocou levemente nas douradas letras da capa com as pontas dos longos dedos, foram segundos apenas, depois afastou o volume para um canto da mesa e continuou olhando o mapa que tinha diante dele. Legolas suspirou, agachando-se ao lado do pai.
"Ada..."
"Hoje está parecendo desconhecer o som de minhas ordens. Chamo-o e não comparece, digo que vá e ignora."
"Ada... Não queria que se zangasse..."
"Não está sendo muito feliz em suas tentativas de preservar meu bom humor, menino."
"Eu..."
"Quer uma lista?" Thranduil voltou os olhos para o filho ajoelhado ao lado dele.
"Ada..."
"Primeiro: Fez o caminho pelas bordas."
"Era mais seguro."
"Deixe de me iludir. Sei que o faz para que possa apreciar o outro lado do rio. Nunca se contenta com o lugar onde está, não é Legolas? Está na caverna, quer sair, está na floresta, quer cruzar o rio. Não sabe o que são limites? Ainda não aprendeu o que acontece quando os ultrapassa sem pensar?"
Legolas empalideceu e Thranduil franziu o rosto, segurando-o por um dos ombros com força.
"Quantos eram seus elfos?" Ele indagou em um tom forte, tentando trazê-lo de volta a realidade que viviam, já que a repreenda que usara despertara no rapaz uma lembrança que não era a que o pai desejava. "Quantos Legolas?"
"Doze senhor..."
"Além de você e Thavanian?"
"Sim... sim senhor. Mas fomos atacados na última clareira, uma região que sempre foi mais segura do que a trilha principal pelo meio da mata... por isso eu..."
Legolas silenciou-se então, sentindo o olhar de acusação do pai pesar mais do que o murro de um Troll. Ele sentou-se em seus calcanhares e Thranduil voltou a olhar o mapa que tinha diante dele, fazendo algumas observações na região a qual o filho mencionava.
"Eles morreram... porque... porque eu falhei... não foi ada?"
"Foi." Thranduil respondeu com amargura. "Porque tomou o caminho que eu proibira."
"Alagos me disse que sempre toma esse caminho quando está na região..."
"Alagos se chama Alagos e não Legolas. Não foram para Alagos as minhas instruções, foram para Legolas."
"A equipe dele é tão inexperiente quanto a minha e ele me garantiu que não havia perigo, quando nossas patrulhas se cruzaram na grande árvore do norte."
"E o conselho dele pesa-lhe mais do que minhas instruções?"
"Não ada. Mas ele me disse que o caminho pela trilha central estava infestado de aranhas. O tempo desequilibrado que estamos vivendo acabou favorecendo uma desova prematura e..."
"Thavanian relatou-me que você foi picado por uma silvestre. Vejo que o caminho que escolheu não diferiu em muito deste por mim ditado."
Legolas suspirou.
"Era apenas uma."
"Uma silvestre."
"Uma apenas."
"A qual você decidiu poupar. Para que houvesse mais naquele caminho também. Não se satisfez em encontrar apenas uma."
O príncipe fechou os olhos e seu queixo endureceu de ira e desgosto. Era um animal e sua cria, ele conhecia bem as silvestres, elas não ficam em emboscadas nos atalhos, vivem nas cavernas, aquela havia saído para a desova, incomum naquela época do ano, depois regressaria e não haveria mais sinal dela.
"As silvestres não são como as marrons... não se alimentam de carne... aquela que me atingiu visava apenas proteger a cria."
"Elfo estúpido!" Thranduil bateu ambas as mãos na mesa. "Não reconhece uma ameaça futura quando vê uma?"
"Destruir um animal porque ele pode vir a se tornar uma ameaça futura, ada?"
"Mas é claro, criatura tola! Como pretende liderar se não consegue ver os anos que estão a sua frente? Como pretender ser um bom líder se não consegue prever os fatos?"
O rosto do príncipe enrijeceu e sua pele avermelhou-se devagar.
"Isso vindo do senhor, adar-nin? Do senhor que nunca considerou de valor qualquer tentativa de ler o futuro..."
Thranduil voltou-se para ele e Legolas passou a se arrepender do que dissera, mesmo com a verdade a sustentar suas palavras.
"Não transforme em armas minhas próprias palavras elfo, não tem maturidade para conhecer nem o que está diante de seus olhos, quem dirá o que sua mente infantil julga ver."
"Nada julgo ver..." Legolas ergueu levemente o tom em sua defesa.
"Chega disso!" Thranduil encheu o peito, os olhos mais verdes do que nunca. "Ou além de cumprir seu castigo ainda vai sentir o peso de minha mão."
Legolas engoliu em seco, deixando as pontas dos pés deslizarem por sobre ele e ajoelhando-se completamente no chão frio no mais completo silêncio. Era incrível como uma ordem rude do pai parecia ter o poder de esvaziar-lhe o peito.
"Depois enterrou seus mortos com a ajuda dos elfos do grupo dos Peredhil." Thranduil continuou sua lista, parecendo ignorar o estado de exaustão que o filho demonstrava estar.
Um silêncio ficou encobrindo qualquer resposta e em pouco tempo o rei estufou novamente o peito irado, voltando a olhar para o filho.
"Enterrou seus mortos com a ajuda dos Peredhil." Ele repetiu a afirmação.
"Sim senhor." Legolas respondeu sem sequer olhá-lo. O rosto sério parecia tentar ao máximo não demonstrar mais emoção alguma.
"Não foi capaz sequer de enterrar seus irmãos? Deixou-os aos modos e crenças daqueles meio-elfos?"
"Claro que não." Legolas enervou-se, apertando o maxilar. "Eram muitos... Eu... fiz as devidas honras... entoei os cânticos... mas estava só... se os El não tivessem aparecido..."
"Os Peredhil." Thranduil corrigiu-o.
"Elladan e Elrohir." Legolas esclareceu. "Não são conhecidos como meio-elfos, ada. Apenas Lorde Elrond detém esse título pelo que sei."
O rei moveu o rosto, cujo semblante diferenciava-se de um modo que o filho não compreendia.
"Conheceu-o?"
"Quem?"
"O Peredhel?"
"Sim... este volume me foi presenteado por ele, ada."
Thranduil levantou-se de imediato, apanhando o livro e aproximando-se a passos largos e decididos da lareira, quando Legolas percebeu o que o pai intentava fazer ele ergueu-se como pode e correu, tomando a frente do pai.
"Saia do caminho, menino!"
"Ada não, por misericórdia... é apenas um livro e tem... tem tão belas ilustrações... o senhor sequer o leu."
"Vindo daquele meio-elfo deve estar repleto de mentiras."
"Não está... se estivesse ele não me teria dado, teria, ada?"
"Claro que teria, apenas para me provocar. O que faz um livro sobre meu pai nas estantes de Imladris?"
"Por isso mesmo Lorde Elrond fez dele um presente. Disse que viria a estar no lugar certo."
"Maldito seja. Vou mostrar a ele onde é o lugar certo de qualquer um que queira falar sobre meu pai." Thranduil irritou-se ainda mais, empurrando o filho que caiu no chão e atirando o volume na lareira. Legolas arregalou os olhos então e foi tomado por um acesso de loucura, avançando por sobre o fogo para resgatá-lo. Por sorte o rei percebeu a intenção do filho e segurou-o com todas as forças para que não conseguisse efetivá-la. Os dois foram imediatamente ao chão.
"Não! Não! Ada, por favor..." Ele gritou tentando se soltar do pai que o prendia em um abraço forte e firme. Por fim, quando as folhas estavam completamente tomadas pelas chamas, Thranduil diminuiu a força com a qual segurava o filho, mas não o soltou, ouvindo seus soluços de tristeza. O rapaz havia parado de se debater e agora se agarrava instintivamente nas vestes do pai, chorando desolado. Thranduil suspirou, seus olhos também úmidos observavam o passado ser consumido pelo fogo. Ele pensou em erguer algum protesto pela atitude do filho, mas então percebeu que as lágrimas que o rapaz derramava iam muito além daquelas páginas queimadas, elas trilhavam caminhos antigos, caminhos que se estreitavam cada dia mais para ele e que agora pareciam o estar sufocando.
Quando o filho finalmente se aquietou em seus braços. Thranduil suspirou mais uma vez.
"Já lhe disse que não pode ter apegos. Nada de seu em sua vida... nada além de suas armas, principalmente nada que narre seu passado. É uma das poucas particularidades que aprendemos e aprendemos bem com o povo silvestre."
Legolas ficou em silêncio, relembrando que tivera que esconder os quadros que fizera e o que ganhara de Elrohir pelo mesmo motivo. Ele tivera que esvaziar seu passado e seu presente, como dizia o pai, para preservar seu futuro. Mas, na verdade nunca entendera tal idéia e, até aquele dia, ela jamais lhe doera tanto, tão profundamente.
Thranduil então o afastou dele, para analisar seu semblante. O rapaz estava pálido, os membros soltos agora e o rosto baixo de quem finalmente percebera a extensão da luta que perdera. E não era apenas uma batalha, era uma infinidade delas.
"Nossos pertences falam de nós." Esclareceu o rei. "Ninguém deve saber de nós, não precisam saber de nossas forças ou falhas. Não precisam saber nossos nomes, nossos feitos. Apenas na hora em que nossas armas estiverem em seus pescoços... e só naquele instante."
Legolas baixou mais a cabeça. Ele queria dizer que o povo de Imladris não era inimigo, por isso baixara a guarda, por isso revelara seu nome. Mas sabia que o pai não entenderia, a vida difícil e solitária que levara o tornara um elfo deveras precavido.
"A única coisa que lhe é autorizado a guardar para si, elfo tolo." Thranduil lhe disse, voltando instintivamente a trazê-lo para perto de si ao ver o quão cansado o rapaz estava. "É o que leva aqui." Ele pousou a mão aberta no peito do filho. "O que você leva aqui e aqui." Apoiou a mão por sobre a testa do rapaz então. "Isso ninguém lhe rouba, ou usa contra você. Desde que também esteja bem guardado."
Legolas olhou então para o pai, os olhos dele não estavam mais daquele verde intenso de ira, eram um calmo riacho no centro da floresta. Sua ira se fora e restava nele aquele amargor que lhe era característica do dia a dia. Mas, aquilo não importava, estranhamente não, e ele procurou achegar-se como pôde ao peito do pai, buscando sentir-lhe o coração bater como fazia quando era elfinho. Thranduil sentiu um frio correr-lhe a espinha, lendo aquelas sensações, ele tentou afastar o rapaz, mas Legolas enlaçou os braços em sua cintura.
"Ada..." Ele disse em uma voz trêmula e Thranduil não respondeu, apenas inclinou o rosto para olhá-lo e esperar o restante. Poucas eram as palavras que saiam de seus lábios em momentos como aquele. Legolas sabia bem disso. "Ada... eu vi a chuva... eu vi chover."
O lorde elfo contraiu as sobrancelhas ligeiramente e virou o rosto, olhando o filho com o canto dos olhos. Por fim seus lábios se curvaram em um quase imperceptível sorriso.
"Viu?"
"Sim, ada... A chuva caiu sobre mim..."
"E o que sentiu?"
"Não sei explicar..." O rapaz voltou a apoiar a cabeça no peito do pai e fechou os olhos sem perceber.
Thranduil silenciou-se por alguns instantes, depois pousou a mão novamente no peito do filho.
"É disso que falo... algo que não poderá ser tirado de você. Entende?"
"Sim... sim, ada..." A voz cansada do rapaz respondeu. "Ada... me perdoe por... por tê-lo decepcionado na floresta... Me perdoe pelos caminhos errados que tracei e trilhei..."
Thranduil suspirou em silêncio, mantendo a mão ainda apoiada no peito do filho, sentindo a respiração do rapaz mudar seu ritmo vagarosamente. Ele devia estar mesmo muito cansado para ainda estar disposto a deixar-se levar pelo sono ali mesmo onde estava, nos braços do pai e depois da discussão que tiveram.
"Não vai me perdoar... não é ada?"
"Não." Thranduil respondeu e sentiu o filho estremecer novamente em seus braços. Como era difícil ser pai. Se soubesse, nunca teria cedido aos desejos de Elvéwen. "Não o estarei ajudando se o fizer." Ele completou e sentiu Legolas assentir com a cabeça encostada novamente em seu peito, porém duvidava que o menino houvesse de fato compreendido. "Legolas." Ele puxou-o novamente para olhá-lo, mas ao ver-lhe os olhos avermelhados e as bolsas escuras que os adornavam quase mudou de idéia.
"Eu compreendo, ada... O que fiz... não... não tem perdão."
"Tolo. Não se trata de um simples julgamento. Quem é culpado, quem não é. Se perdoá-lo você vai se esquecer e é isso que me aflige. Vai se esquecer dos que pereceram, vai se esquecer do caminho mal trilhado, das decisões erradas, das ordens ignoradas. Eu não vou perdoá-lo Legolas, porque outros caminhos virão, outros serão ameaçados e dessa vez, eu quero que siga estritamente o que eu lhe incumbi. Eu quero ver feito, realizado o que determinei... Está claro?"
"Si... Sim... ada..." Legolas baixou os olhos para que seu pai não visse as lágrimas se formarem neles, mas foi inútil.
"E não quero que chore, entendeu?" O rei sacudiu-o um pouco. "Não quero que sofra como uma criança que não sabe o que faz. Quero que pense em seus erros como o adulto que é. Compreende?"
"Sim senhor."
"Por isso sabe que vou castigá-lo."
"Si.. sim... senhor."
"Para que passe a estação em seu quarto e pense em me ouvir melhor na próxima vez."
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"Após a queda de Ost-in-Edhil, em 1697 da Segunda Era., Elrond Peredhel levou os elfos de Eregion para o norte e fundou o refúgio de Imladris – Também conhecido como Valfenda..."
Legolas releu em voz baixa e soltou os ombros, olhando distraidamente para as páginas que já lera tantas vezes desde que estava em seu quarto que perdera as contas. Sorte a sua que seu pai não havia visto este outro livro que trouxera em sua bagagem. Já o inquietava pensar em como contaria ao Lorde de Imladris o que ocorrera com o volume que este lhe dera, nem sequer estava certo se de fato o faria, nem imaginava o que diria se o precioso volume de Imladris tivesse tido o mesmo fim.
O príncipe balançou os ombros, sacudido pelo tremor do que teria acontecido se os olhos do rei tivessem encontrado o empréstimo do Lorde de Imladris. Ilúvatar, ele tivera mesmo sorte.
Sim. Tivera ao menos sorte no que dizia respeito àquele assunto, pensou, baixando os olhos em um suspiro e empurrando o livro para debaixo do grande travesseiro para deitar-se sobre este. Já fazia seis longas luas que estava ali, sem ver o dia, sem tocar o verde, sem conversar com ninguém a não ser a boa Nildiele que lhe trazia as refeições, mas era proibida de ficar por muito tempo.
Estava acostumado à solidão... entretanto já conseguia ver seus limites se aproximando, o desespero querendo bater-lhe à porta.
Fechou os olhos com força, lembrando-se de quantos castigos como esse já havia cumprido pelas mais diversas situações e motivos, desde os mais banais até os mais sérios. No fundo sentia que lhe dar tal punição era quase um alívio para o rei, uma garantia que o pai dava a si mesmo de que não teria o filho por perto, que teria alguma paz.
Ergueu-se então em um gemido abafado, caminhando pelo quarto até o grande armário lateral onde ficavam suas coisas. Outro hábito que desenvolvera e cujas vezes repetidas que fizera já lhe fugiam das contas também.
Abriu-o, apenas para reencenar a estranha rotina. Matar a saudades.
Lá dentro, escondido atrás dos cabides que agora ele puxava, estava o quadro que Elrohir pintara, ele pequenino entre Arwen e Elladan. Olhou-os com carinho, tentado procurar traços de Elrohir no rosto do irmão, tentando se lembrar daquele dia, tentando pintar o restante daquela paisagem ali enquadrada.
Mas por fim, se viu relembrando-se de uma experiência mais recente, como vinha fazendo há dias. Viu-se novamente envolto por recordações da Última Casa Amiga, do inacreditável reino do senhor de Imladris. E embora lamentasse não ter encontrado a amiga Undomiel, julgava aquela a experiência mais significativa que tivera desde sempre e, pela primeira vez, sentia que o castigo valera a pena. Sim, sem dúvida. Enfrentaria mais outros muitos se fosse o único modo de rever seus amigos.
Legolas suspirou, sentando-se dentro do armário agora e puxando para si um feixe de papéis cuidadosamente envolvidos em um tecido macio. Outro pacote que passara desapercebido pelo pai e que o príncipe já abrira e fechara incontáveis vezes desde que fora ali confinado.
"Aqui elfinho." Elrohir ditou, jogado agora na cama repleta de papéis e batendo a palma em um canto vazio que reservara a seu lado. "Tenho umas coisas para lhe mostrar."
Legolas deu a volta na cama vazia que o separava de onde Elrohir estava, provavelmente a cama de Elladan, e sentou-se onde lhe fora determinado. Elrohir abraçou-o no mesmo instante, fazendo-o encostar-se em seu ombro, como quando ele era um elfinho e se deitava com o elfo moreno para ouvir suas empolgantes histórias.
"O que são esses papéis, Ro?" Indagou enfim, acomodando as pernas esticadas por sobre a cama e mantendo a cabeça apoiada no ombro do amigo.
"São uma promessa que fiz a você. Lembra-se?"
Legolas estranhou a pergunta. Promessa? Que promessa seria aquela da qual não se lembrava? Ele puxou então um dos papéis que Elrohir agora empilhava com uma única mão, já que a outra continuava envolvendo o amigo.
"Que perfeição!" Exclamou assim que colocou seus olhos no trabalho. Era a grande casa vista da praça, detalhada em traços sutis e diferentes tons de cinza apenas. Olhando atentamente porém, viu que Elrohir fizera mais do que trabalhar na arquitetura e nos detalhes do lugar, ele desenhara pessoas nas janelas, vultos que o arqueiro não conseguia reconhecer, mas que acrescentavam mais mistério e magia ao trabalho final.
"Gostou?" Elladan aproximou-se então, jogando-se na cama ao lado, de onde não podia ver os desenhos. Ele provavelmente os conhecia de cor e parecia mais interessado em ler as sensações que despertavam no rosto do amigo reencontrado, do que em compartilhar a visão que os dois elfos tinham.
"Gostar é pouco." Legolas respondeu erguendo-se para olhar melhor os outros trabalhos. Em sua face surgiu um sorriso largo e brilhante que tornou as pequenas covas do rosto ainda mais visíveis. Elladan prendeu o ar no peito por alguns instantes antes de soltá-lo, estava feliz por perceber que, apesar de toda tristeza e dor que vira dentro da alma do amigo, o jovem e valente arqueiro ainda era capaz sentir a felicidade dos pequenos momentos da vida.
"Acho bom que goste mesmo." Elrohir comentou, sentando-se também para terminar de agrupar todos aqueles papéis em uma grande pilha. "Pois estou louco para me livrar dessa papelada toda que só faz ocupar espaço aqui no quarto. Só estava esperando que a visse e..."
"Como assim?" Legolas despertou assustado de sua concentração "O que vai fazer com eles?"
"Eu não vou fazer nada." O guerreiro moreno deu de ombros, fingindo desinteresse. "E você pode atear fogo neles se quiser, afinal são seus, sempre foram, só que nunca os pude dar a você como era minha intenção quando os fiz."
O príncipe emudeceu de surpresa, parecendo desligar-se do mundo enquanto repetia mentalmente as palavras que ouvira e desvendava-lhes as intenções. Depois sentiu o peso dos papéis por sobre seu colo e viu Elrohir apenas jogar-se de volta no travesseiro, fechando displicentemente os olhos. Um felicidade tomou o rosto do arqueiro, observando a sombra de sorriso que se desenhava nos lábios do gêmeo agora, a satisfação e paz da promessa finalmente cumprida.
Legolas suspirou, deslizando os dedos pelo último desenho do feixe, após revê-los todos. Ilúvatar, sabia que a saudade doía, já a enfrentara várias vezes e ainda lhe era uma inimiga cruel, mas naquele momento estava se sentindo mais vulnerável do que nunca às suas amargas garras.
Ele então reembrulhou as valiosas folhas e trouxe-as para perto do peito, fechando os olhos e tentando esquecer ao menos por alguns instantes onde estava, porque estava ali e que provavelmente ainda amargaria aquela solidão por muito tempo.
Elbereth seu pai devia odiá-lo. Só podia ser isso. Ele devia odiá-lo profundamente.
O som de um toque suave na porta se fez ouvir e Legolas escondeu rapidamente o embrulho, saltando para fora do armário, ajeitando novamente as roupas no lugar e trancando a porta, para depois esconder a chave em um dos vasos sobre a camiseira. Ele sabia quem era. A boa Nieldiele lhe trazendo o jantar. Valar, ele já desistira de dizer que estava sem fome, apenas aceitava a comida com um sorriso agradecido e a jogava na lareira assim que a amiga deixava o cômodo. Sentia um imenso remorso por isso, mas não conseguia comer e sentia-se indisposto a tentar convencer a boa elfa de que isso se dava apenas pelo fato de que não gastava energia o suficiente ali naquela clausura para que precisasse repô-la.
"Entre, por favor." Ele autorizou, sentando-se com um suspiro de cansaço na cama e baixando o rosto.
A porta se abriu lentamente e Legolas puxou os pés para cima da cama, cruzando as pernas embaixo de si, sequer olhou para a entrada, talvez, se não dissesse nada, Nildiele o poupasse das perguntas que sempre fazia, o poupasse das mentiras que era obrigado a oferecer como resposta a elas.
"Esse quarto continua muito sem graça." Ele ouviu uma voz dizer e ergueu dois grandes olhos ao reconhecê-la, mesmo recebendo de sua mente todos os avisos de que, com certeza, estava sendo vítima de algum sonho estranho.
Mas se fosse um sonho. Era o melhor sonho que já se lembrava ter tido.
"Não tem um quadro sequer? Onde estão seus desenhos, elfinho?" Ele ouviu a voz indagar, vinda da porta semi-aberta, diante da qual duas figuras idênticas lhe sorriam.
"Ro... Dan..." Ele balbuciou, os lábios trêmulos de ansiedade e temor, o rosto contorcido em uma expressão de desespero que fez morrer a alegria presente no rosto dos amigos. "Digam... digam que... que são vocês... que eu... eu não... Eu... estou aqui há tanto tempo... digam que não estou... não estou sonhando..."
Elrohir fechou os olhos e apertou sem perceber os punhos, contendo emoções que só o gêmeo conhecia. Ao seu lado o rosto triste de Elladan sacudia a cabeça em um ar paciente e afetivo. Legolas soltou as pernas devagar, erguendo-se com dificuldades, sem saber se realmente conseguiria ficar de pé. Ele se lembrou da promessa do gêmeo mais velho "Se não puder vir, iremos até o palácio." Mas mesmo assim não conseguiu sentir-se desperto, sentir-se convencido de que sua mente não o iludia, como o iludira tantas vezes durante todos os anos, em que ansiara por ver os dois irmãos cruzarem aquela porta. Então Elrohir reabriu os olhos e suspirou longa e forçadamente, para enfim erguer os braços para ele.
"Se não me der um abraço agora, elfinho, nesse exato instante, nunca mais vai receber uma visita minha."
Mas o rosto de Legolas empalideceu. Ele sabia que aquela era apenas mais uma das brincadeiras do travesso gêmeo mais novo. Mas a idéia do 'nunca mais' semeava-lhe pesadelos terríveis. Seus lábios desprenderam-se e o peito começou um doloroso arfar que ele não pôde conter e a idéia de que tudo era um estranho sonho continuou a lhe atormentar.
Elrohir leu-lhe os pensamentos de imediato, compreendendo mais do que queria em cada um deles, enquanto buscava a chave que rompesse aquele mal, uma raiz semeada inconscientemente há tantos anos. Finalmente pôde vê-la, oferecendo-lhe uma pequena brecha por sobre a terra, um galho fino e frio o qual os irmãos não poderiam perder de vista, o qual deveriam arrancar sem hesitações e principalmente sem demora.
O gêmeo então deu os passos que faltavam, aproximando-se do amigo ao invés de esperar que este conseguisse fazê-lo, parou diante do príncipe apenas um passo e voltou a abrir os braços, sorrindo-lhe agora com sua convicção inabalável.
"Nah." Ele brincou. "Pensando bem... não vai se livrar de nós. Nunca mais."
Legolas apertou os lábios fechados e seus olhos se inundaram, ele então se atirou nos braços do amigo, estendendo uma das mãos para que Elladan também se aproximasse. O gêmeo mais velho não hesitou, enlaçando os dois outros elfos em seu forte abraço.
Desenhava-se assim, como em um passe de mágica, uma cena de um passado que até então Legolas apenas fizera de conta que acontecera, mas que, a partir daquela estação, converter-se-ia em belo quadro, em uma daquelas imagens que o pai sempre citava, aquelas que não precisam ser trancadas em armários, aquelas que mal algum pode tomar. A imagem de um momento de reencontro e de libertação. Uma imagem que o tempo não apaga.
Pela fresta da porta entreaberta, dois olhos verdes observavam a cena cautelosamente. Um sorriso discreto e conformado delineou aqueles fortes lábios, pouco antes do corpo virar-se silencioso, retomando o longo corredor, voltando à clausura de sua própria existência.