Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador
Se a ti me confiou a piedade divina
Sempre me rege, me guarde, me governe, me ilumina.
Amém.

Oi, mãe!

Como vão as coisas aí em cima? Bem, eu imagino que o plano em que a senhora se encontra no momento seja superior – literalmente – ao que os seres humanos ainda vivos se encontram. Espero que esteja bem, eu li a respeito de 'helsinks' que perturbam as almas do Limbo. Se um deles chegar perto, é só proferir aquela oração que me ensinou, quando eu era criança. É uma oração trouxa, mas muito eficiente, além de reconfortante, devo dizer.

Espero que logo seja promovida para anjo da guarda oficial – e não mais ajudante – e se mude para o Campos Elíseos definitivamente, deve ser muito melhor do que ficar pairando em lugar nenhum. Quem sabe assim, quando a senhora estiver em um lugar fixo, possa responder a algumas de minhas cartas.

Hoje eu senti uma saudade muito grande da senhora, eu acho que era saudade. Não sei, só sei que foi uma tristeza muito repentina e uma necessidade muito forte de falar com a senhora, então resolvi escrever de novo, espero não incomodar. As coisas aqui na Terra continuam as mesmas, a inflação está aumentando, o efeito estufa está piorando e entramos mais uma vez em guerra contra bruxos das trevas.

A senhora já deve saber que estamos em guerra, afinal, quando se mudou para o outro lado, deve ter notado que Você-Sabe-Quem não estava entre vocês. Por falar nisso, não tenho medo de escrever o nome dele, então, para facilitar, vou me referir a ele como Voldemort mesmo, dá menos trabalho para escrever.

Uma pena que ele tenha conseguido matar mais bruxos, desde que voltou. Antes, Harry Potter conseguiu evitar algumas tragédias, mas desde o meu terceiro ano, não foi muito bom. Com certeza a senhora conheceu Cedric Diggory e Toquinho Boardman (que todos ainda insistem em chamar de Sirius Black) e principalmente, deve ter visto o professor Dumbledore. A morte de Dumbledore realmente foi um choque, acredito que agora a sociedade bruxa está bem mais frágil, mesmo tentando se apoiar em Harry Potter, que é apontado como O Escolhido.

Aliás, por falar nele, mande lembranças ao Sr e Sra Potter. Eles devem estar preocupados, mas posso garantir que o Harry está se empenhando e fazendo o seu melhor. No momento, ele parece conformado com a morte de Dumbledore, mas muito revoltado com o professor Snape – que eu sempre suspeitei que fosse um vampiro, como Rufus Scrimgeour, o Ministro da Magia atual – mas devo ter me enganado, porque ele não se transformou em morcego para fugir. Apesar de que ele estava levando o Malfoy com ele, então talvez por isso não pudesse se transformar.

Fico pensando como Snape conseguiu enganar a todos; hoje ele é considerado um traidor da Ordem da Fênix – aquela organização que Dumbledore fundou, que eu lhe contei na última carta, lembra? – mas no fundo, eu suspeito que a verdade seja outra. Talvez tudo não passasse de um grande plano de Dumbledore, porém alguma coisa saiu errada, com certeza foi falta de comunicação, porque ele acabou morrendo e o Snape teve que fugir com Draco Malfoy de volta para Voldemort, provavelmente.

Talvez o professor Snape não tenha ido direto falar com Voldemort, talvez tenha ido esconder Draco Malfoy, porque Harry contou que era Malfoy quem teria que matar o professor Dumbledore, mas falhou. Nunca gostei de Draco Malfoy, ele sempre zombava de mim quando podia – não que qualquer outro não o faça também, mas ele costumava ser o mais desagradável (acho que ele zomba dos outros porque não gosta da própria aparência de 'veela' anêmica, então faz isso para tentar se sentir melhor) – mas sinto pena do que o destino reserva para ele, caso Voldemort consiga pegá-lo.

Fora isso, minha vida continua normal. Tão normal que chega a ser tediosa. A boa notícia é que fui convidada para o casamento de Gui Weasley com Fleur Delacour. Ela pelo menos é uma meia veela autêntica e o Gui acabou se tornando um meio lobisomem também. Claro que ninguém se deu conta ainda, mas ele vai sentir sérias dores na noite de lua cheia e uma transformação bizarra. A senhora sabe, há teorias sobre pessoas que sofrem uma metamorfose pela metade...

Agora, imagine os filhos que terão. Nunca pensei no cruzamento de uma veela e um lobisomem. Mas e uma meia veela e um meio lobisomem? Seria um meio lobisomem com pêlo loiro e poderes de sedução? Não sei porque, mas me lembrei do professor Lockhart... A visão não foi nem um pouco agradável; espero que não seja nenhuma sensação premonitória, para o bem da família.

Mas fiquei muito feliz em receber o convite dos Weasley. Afinal, isso prova que não estou mais sozinha, tenho amigos. Não me sentia assim há muito tempo. Aliás, não lembro de ter me sentido assim. Mesmo porque, só comecei a fazer amigos mesmo depois que entrei para a A.D. Pena que esse ano o Harry não deu aulas, eu gostava muito das reuniões.

Em todo o caso, mesmo sem as reuniões, continuo com amigos. São poucos, mas acredito que sejam os melhores, não é preciso muitas pessoas para se ter bons amigos. Claro que muitas pessoas ainda me acham excêntrica. Aliás, eles preferem usar a palavra "Di-Lua" e sinceramente, é um apelido muito mal feito, elaboraram sem o mínimo planejamento.

Se tivessem se esforçado com mais afinco, saberiam que "Lunática" era mais apropriado. Combina muito mais com meu nome e é bem mais sonoro!

A melhor parte é que ao invés de apenas aturar os apelidos, eu vejo meus amigos me defendendo. A Gina Weasley sempre faz alguém parar de me chamar Di-Lua, quando pode. Ela foi namorada do Harry, mas parece que ele rompeu com ela. Espero que voltem, a Gina combina muito mais com ele do que a Cho Chang.

Falei da Cho para a senhora? Ela é da Corvinal, era namorada de Cedric, até que ele morreu. Então, no ano seguinte, ela namorou o Harry, mas por pouco tempo. Imagino que ele não gostou muito de namorá-la, até onde sei, os beijos deles eram todos melados, porque ela sempre ficava chorando, ou quando não chorava, reclamava de alguma coisa que ele fazia, ou deixava de fazer.

Fora que a amiga dela, a Marieta, é muito chata, além de fofoqueira. Foi ela quem delatou a A.D. para a Umbridge, diretora na época. Ainda bem que Umbridge logo saiu de Hogwarts, não agüentava mais o cheiro de coisa velha dela. Outro dia, lendo O Pasquim, eu vi uma foto de um 'ortocrôndico', um bicho que tem uma boca enorme e quatro olhos; parece um sapo, mas tem rabo e é todo roxo. Achei muito parecido com a Umbridge e fiquei imaginando se esses seres, que estão em estudo, não podem se transformar em humanos para atrapalhar nossas vidas.

Enfim, apesar de algumas pessoas, mesmo não sendo minhas amigas, pararem de me chamar de Di-Lua, as minhas coisas continuam sumindo do meu baú. Ano passado quase não devolvem o meu caleidoscópio astrológico, só porque ele fazia um barulho estranho quando eu manuseava, algo como um estampido seco e alto e brilhava também. Mas elas ignoravam que é um objeto muito útil para entender a influência dos astros no nosso dia a dia. Por falar nisso, acho que Plutão não deveria ser chamado de planeta, é muito pequeno! Mas talvez seja melhor que continue assim, senão as pessoas sob o signo de Escorpião poderiam sofrer algum tipo de crise de identidade astrológica e não temos mais planetas para suprir a necessidade delas.

Em todo o caso, no ano anterior, foi muito gentil da parte do Harry Potter se oferecer para me ajudar a procurar minhas coisas, embora esse ano ele não tenha feito o mesmo, mas não o culpo, devido às circunstâncias. Pelo menos ele também não me chama de Di-Lua e incentivou o amigo dele a não me chamar também.

O amigo de Harry Potter é Ronald Weasley, irmão da Gina. Ele é bem engraçado, mas sabe ser rude às vezes, principalmente quando se trata de Hermione Granger. Ela também é outra amiga de Harry Potter e apesar de ser metida à sabe-tudo de mente fechada e sem querer ampliar seus horizontes, é uma pessoa legal. Posso dizer que os dois ainda acabam se casando, de tanto que ficam se provocando. Bem, eu disse que são amigos do Harry, mas posso considerá-los meus amigos também, nunca me trataram mal, apesar do tom rude da Hermione e às vezes do mau humor de Rony.

Outra pessoa com quem tenho muita afinidade é o Neville Longbottom. A senhora deve imaginar por que a avó dele ainda não foi lhe fazer companhia, eu também não sei, mas se a hora dela não chegou, então só o que se pode fazer é viver cada dia como se fosse o último.

O Neville é legal, antes eu achava que ele tinha medo de mim, como muitos ainda têm, mas pelo menos ele quebrou essa barreira que as pessoas insistem em impor às outras e agora finalmente conseguimos nos conhecer melhor e ser amigos, apesar de achar que ele ainda tem um pouco de medo de mim. E eu nem sou tão assustadora assim, apesar de não me achar bonita.

Às vezes acho que ele é tão solitário quanto eu, de certo modo, somos parecidos, muitos o acham muito desastrado – e ele é – e por isso não gostam dele. Não entendo como as pessoas agem dessa forma, tirando sarro de tudo e de todos, ao invés de ajudar, ou de se esforçar em conhecer os outros melhor. O Neville é uma pessoa muito boa, atenciosa e corajosa, é um absurdo que isso passe desapercebido pelos outros.

Melhor eu ir agora. Logo papai chegará do trabalho e quero saber se ele trouxe o fóssil que disse que encontraram, de uma fênix pré-histórica – algo muito raro, já que elas sempre entram em combustão completa quando morrem – se é que morrem.

Papai sente muito a sua falta, eu o vejo quase sempre olhando a sua foto no escritório. Ele está bem, muito ocupado com o trabalho, como sempre. Acho que o trabalho preenche a saudade que ele tem da senhora.

Eu também sinto sua falta, alguns dias mais do que outros, porque existem assuntos que só as mães entendem. Muitas vezes já lamentei que a senhora não fosse um fantasma, mas foi melhor assim, provou que estava preparada para o que quer que aconteça. Também não quero ser um fantasma. Além do mais, prefiro a senhora como um anjo. É muito mais consolador pensar dessa forma.

Olhe por nós daí onde a senhora está. Sei que os anjos velam por nós, só avise ao meu e ao de papai para prestar atenção quanto aos alimentos, outro dia quase fomos parar no St. Mungos, por causa de uma caixa de cereal vencido.

De sua filha que te ama e admira,

Luna.

Luna dobrou o pergaminho cuidadosamente, o lacrando com um fitilho e a cera de uma vela. Ao invés de pegar a coruja da família, pegou uma pomba, que segurou a carta pelo bico e saiu imediatamente, voando alto até desaparecer de vista.

Naquela noite, o pai de Luna poderia jurar que via uma aura, talvez um anjo, velando o sono da filha.