Obsessão Assassina

Prólogo

A jovem levantou-se da cama no meio da madrugada. Não conseguia dormir, e não sabia o que estava causando tamanha insônia. Calçou os chinelos e pisou no macio tapete róseo, ao lado da cama. Não demorou a chegar até a porta, esquecendo-se de vestir o robe.

Desceu as escadas com pressa, o coração batendo acelerado sob o fino tecido da camisola branca, e os longos cachos castanhos tocando-lhe as costas e os ombros nus.

Por fim, tropeçou no último degrau, caindo com um baque surdo sobre o chão de madeira bem encerada. Um filete de sangue escorreu por seus lábios rubros, fazendo-os ainda mais vermelhos. Os olhos claros brilharam com a réstia de luar que entrava pela janela, antes de ser coberto por uma nuvem cinzenta, deixando-a no mais escuro breu.

Tentou tatear à procura de uma vela fácil, porém conseguiu apenas pisar em falso em mais um degrau, dessa vez tendo a impressão de que sua cabeça rachara ao meio, em contato com a quina de uma escrivaninha. Um líquido quente escorreu pela bochecha pálida.

A nuvem finalmente se dissipou, fazendo novamente com que a febril luz do luar diferenciasse os contornos à volta da moça. Ela alcançou a cozinha, em passos rápidos, sentindo o gosto amargo do sangue dentro de sua boca.

Acendeu uma vela, e apanhou um copo de barro. Encheu-o com a água de uma jarra sobre a mesa, e sorveu o líquido em longos goles. Vez por outra, a água escorria pelos cantos de sua boca, misturada ao sangue, manchando a imaculada camisola de vermelho.

Suas mãos tremiam. Logo, o copo espatifara-se ao chão.

A jovem, varrida pelo medo que a noite lhe trazia, encolheu-se e voltou o mais rápido que pôde até o pé da escada. Fechando os olhos por impulso, subiu os degraus às cegas, tropeçando na maioria deles. No último, deixou-se cair, desta vez cuspindo sangue pelo carpete.

Engatinhou desajeitada até a porta de seu aposento, sentindo que algo a perseguia. Uma sensação de medo apossando-se de cada centímetro de sua pele alva. A cada segundo, via-se a olhar por cima dos ombros, à espera do predador que a atacaria a qualquer instante.

Jamais vira predador algum.

Alcançou a segurança de sua cama, ofegante, e tocou a superfície da mesma com os dedos finos e trêmulos. Estava molhada.

Aproximou, temerosa, a mão úmida do rosto. O aroma que sentiu não lhe era estranho, metálico e adocicado. Sangue.

Os lençóis brancos estavam negros de sangue, observou ela, assim que encontrou uma vela e a acendeu. Porém não era seu sangue.

O cheiro enjoativo de morte invadia cada vez mais seus pensamentos, não a deixando pensar em mais nada, a não ser no motivo pelo qual havia todo aquele sangue em sua cama.

A resposta veio a seguir, quando notou um amontoado de pêlos outrora alaranjados, próximo ao seu travesseiro. Os olhos dela arregalaram-se. Era o gato que sua mãe lhe dera antes de morrer.

Algo caiu sobre ela. Um vulto de vestes negras, que estava dependurado no dossel de sua cama. A jovem debateu-se e tentou gritar, mas o ser que a atacara tampou seu nariz e boca com uma das mãos. Ela tentou defender-se, mas suas forças eram insignificantes contra as de seu atacante, que era consideravelmente mais forte e mais corpulento que a jovem.

Numa última tentativa, lutando para respirar, ela mordeu os dedos que tampavam sua boca, e por um momento o atacante a soltou. Ela tentou escapar, mas ele agarrou-a pela camisola, rasgando-a. Os contornos joviais tornaram-se visíveis, e a moça viu os olhos dourados de seu atacante brilharem satisfeitos. Ela tentou soltar um grito desesperado, mas por seu descuido, os dedos envoltos na luva negra novamente tornaram sua respiração impossível.

Sentia que não iria agüentar muito mais tempo. Seus gritos não passavam de sussurros, e não tinha forças para sequer tocar seu atacante. Ela sentiu um puxão em seus cabelos castanhos, e em seguida sua cabeça estava pendurada pelos fios, que se enroscavam nos dedos dele, agora descobertos pela luva negra.

Seu corpo estava solto, como o de uma boneca de pano. Sua visão embaçara-se, e ela sentia os últimos fiapos de vida se esvaindo. Quando novamente os dedos descobriram seus lábios e ela pôde sorver o ar, ofegante.

Antes que recuperasse o fôlego, o homem que a atacava tirou a máscara igualmente negra, e fitou os olhos castanhos dela. As batidas de seu coração se restabilizavam, e a visão tornava-se cada vez menos turva. Fez a cabeça afundar um pouco no travesseiro, quando o rosto dele aproximava-se do seu. Os olhos dourados e brilhantes cada vez mais próximos dos seus.

Num movimento desesperado, o homem uniu seus lábios aos dela, deixando cair seus longos cabelos sobre o corpo delicado. O gosto adocicado que ela sentia a fez ficar fora de si. Deixou que seu atacante provasse de seus lábios, não o temendo mais. Os braços passaram por volta de seu pescoço, enquanto ele acariciava devagar a nuca encaracolada dela.

Afastando-se, ele olhou pela última vez o castanho dos olhos da moça, brilhantes de vida. Um filete de sangue ainda escorria por sua bochecha.

Aproximou-se mais uma vez, e somente encostou-se aos lábios dela.

No momento seguinte, ela sentiu algo frio cortando sua pele. O dono dos olhos dourados enterrara uma adaga em seu estômago, retirando-a após ter ido o mais fundo possível. Mais uma vez, a jovem sentia-se incapaz de produzir qualquer som ou mover-se.

Ele se levantou, e lambeu prazeroso a adaga ensangüentada. Lançando um último olhar à figura da linda moça, agora estirada sem vida em sua cama, pulou pela janela aberta.

Pelo canto do olho dela, escorreu uma única lágrima, o último sinal de vida que possuíra.

oooooooo

Dias depois, a jovem viúva fora dada como desaparecida. Não foram encontrados sequer registros ou simples pistas do que poderia ter acontecido com ela.

Quando os investigadores exploraram seu quarto, não havia uma única gota de sangue para comprovar que fora morta, portanto, imaginou-se que ela fugiu desesperada depois de saber que o marido havia morrido.

Em uma outra casa, na moradia do governante local, várias jovens sentavam-se em círculo conversando preocupadas. No centro desta, a moça mais nova permanecia em pé. O kimono azulado caía-lhe pelos ombros, deixando partes da pele branca à mostra. Os cabelos negros como a noite emolduravam seu belo rosto, ligeiramente corado. Ela retorcia os dedos das mãos, como que temendo algo.

"Já disse a você, filha" Uma voz de homem prorrompeu pelo aposento fracamente iluminado. "Aquela moça fugiu, não há porque temer" Disse, passando os dedos grossos pelo bigode.

A jovem sentou-se de frente para as muitas amigas, e suspirou aliviada. Logo em seguida, já estavam absortas em qualquer outro assunto agradável.

Mais tarde naquele mesmo dia, seria comemorado o aniversário de Kagome, a jovem que se sentava em frente às outras. Iria completar quinze anos, idade com a qual sua mãe já estava casada, e a esperando.

Junto com os primeiros raios de luz prateada da lua, chegaram também alguns convidados para a comemoração. Não eram muitos, a pedido de Kagome. Mesmo sendo filha de um governador, ela nunca teve muitos amigos para compartilhar festas e grandes comemorações, o que estava na moda na época. Podia-se chamar mais de reunião, com apenas as pessoas próximas à jovem.

Sua melhor amiga, Sango, já com dezesseis anos, iria dormir em sua casa logo após todos os convidados se retirarem. Ela já estava pronta, ao lado da anfitriã, quando os convidados começaram a chegar.

Usava um kimono róseo com alguns bordados em branco, feito por sua mãe antes de morrer, contou ela.

Foi servido um jantar para todos, e Kagome estava sempre muito sorridente.

Sua mãe permaneceu toda a reunião junto com o filho mais novo, Souta, que costumava ficar entediado nesse tipo de coisa. Ele dizia que não havia nada mais chato nesse mundo do que ter de ficar em um mesmo aposento com várias garotas falando sobre garotos. A mãe sorria, ao pensar que um dia Souta teria sua namorada, e não pensaria mais essas coisas.

Logo, todos se retiraram, mas Sango permaneceu e ajudou Kagome e seus pais com os preparativos para a noite. As duas subiram as escadas para o quarto de Kagome, e lá encontraram todos os presentes ganhos por ela.

A jovem ganhara de tudo: kimonos, pentes e até lindos prendedores de cabelo.

Depois de guardar carinhosamente cada peça e objeto, Kagome encaminhou-se para sua janela de cortinas brancas que flutuavam com a brisa, e as afastou para fitar a lua minguante. Seu rosto tornara-se pálido graças ao brilho cristalino de tal astro, e seus olhos ganharam nova luz em contato com a escura noite.

Quando virou-se para ir até a cama, Sango já havia adormecido em seu futon. Pisando devagar, sem produzir ruído algum, Kagome aproximou-se de sua cama e se deitou, puxando a colcha rósea para cima de si.

Logo havia adormecido. Um sono leve, sem sonhos, no qual ela apenas repousava em seu travesseiro. De vez em quando, despertava ao ouvir Sango virar-se no futon, os cabelos castanhos espalhando-se por toda parte. Mas esse estado não durou muito tempo, já que Kagome estava realmente cansada. Caíra no sono, finalmente.

Caminhava por uma colina, a brisa fustigava seus cabelos, e o sol corava suas bochechas. Aquela sensação morna percorria todo o seu corpo, e podia sentir o perfume das flores aos seus pés. Decidiu-se por se sentar sob uma cerejeira, sua árvore favorita. O aroma inebriante que descia de suas folhagens e pequenas flores fazia com que Kagome tivesse leves momentos de sonolência. A sombra lhe era confortável, e ela recostou-se ao tronco da árvore. Sem perceber, adormecera.

Fora acordada pelo som de trovões, que logo foram seguidos por uma forte chuva. Ela estava descalça, e ao correr colina abaixo procurando um abrigo, sentia a lama sob seus pés. O cheiro de terra molhada invadia o ar a cada instante. O som de mais um trovão fez com que a jovem soltasse uma exclamação, apavorada.

Kagome acordou assustada, em sua cama. Ofegava, e seu coração estava acelerado. Ao olhar para seu lado, não encontrou Sango adormecida. A colcha que cobria a amiga estava jogada a um lado do futon, mas não havia sinal dela no aposento. Kagome se levantou, mas não calçou os chinelos. Acendeu a única vela que havia no quarto, e o deixou, ainda preocupada.

Talvez Sango tivesse apenas descido para tomar um copo de água, mas se assim fosse, estaria ouvindo a amiga nesse momento. A casa estava tão silenciosa como se estivesse vazia.

Desceu as escadas cuidadosamente, pois a luz da vela não lhe garantia muita visibilidade. Ao pisar em um dos últimos degraus, sentiu-o úmido. Levantou o pé, para que pudesse visualizar sua sola, e viu que pisara em um líquido negro. O mesmo líquido escorria pelos degraus seguintes, e os olhos de Kagome arderam quando ela soube de onde vinha.

O corpo de seu pai estendia-se ao pé da escada, o pescoço havia sido partido. Um grande corte abria-se em seu abdômen, de onde o sangue ainda jorrava. Ele estava pálido, e seus olhos entreabertos não mostravam as pupilas.

Os joelhos de Kagome se dobraram em desespero, e ela chamou por sua mãe, mas não houve resposta. Ela permaneceu chorando sobre o corpo do falecido pai, até que ouviu passos arrastando-se sobre os degraus acima deles. Sua mãe descia as escadas, segurando outra vela, Souta encolhido ao seu lado.

A mulher cobriu a boca com uma das mãos quando viu o marido morto, e seus olhos sequer piscavam. Deles, jorravam lágrimas continuamente.

"Oh não...." Foram as últimas palavras que ela pronunciara, antes de ajoelhar em frente ao cadáver e chorar ainda mais. Kagome passou os braços por seus joelhos, os olhos abertos e vidrados. Souta abraçou-se a ela, chorando.

As duas velas acesas que agora estavam em um dos degraus da escada, iluminavam melhor o hall de entrada da casa. E Kagome identificou algo que a aterrorizou totalmente na porta que levava à cozinha. Um braço estendia-se no chão, e o resto do corpo era oculto pela sombra que o batente da porta produzia no piso de pedra. Não foi necessário um grande esforço da mente cansada da jovem para saber que se tratava da mão de Sango, sua melhor amiga, que provavelmente jazia morta no piso da cozinha.

Encolheu-se ainda mais, abraçando o irmão com toda a força que conseguia colocar em tal ato. Sua dor era tanta, que parecia que todo o seu mundo desabaria se não tivesse a mãe e Souta. Seu pai sempre fora a figura que mais admirava dentro daquela casa, e agora estava morto, diante de seus olhos castanhos.

Havia momentaneamente fechado os olhos para tentar impedir as lágrimas de saírem, sem sucesso, quando um som a fez ficar novamente alerta. Sem dúvida alguma o assassino ainda se encontrava na casa. O som que ouvira provavelmente era o de seu descuido: esbarrara em algum vaso, partindo-o em vários pedaços no chão.

Os três permaneceram imóveis, até que viram um vulto negro saindo da cozinha a passos sorrateiros, sem produzir som algum. Pela fenda na máscara igualmente negra, Kagome encontrou um par de olhos dourados fitando-a com um certo interesse.

Ela sentiu-se mais corajosa do que de costume, e levantou-se, fitando o assassino com uma expressão de profundo desprezo tomando conta de sua face. Ele surpreendeu-se, mas não se moveu para trás, como ela pensou que faria. Apenas apalpou algo dentro das vestes, como que se assegurando de que algo permanecia lá. Kagome não podia ver seu rosto, mas sentiu que ele sorrira maliciosamente ao ver sua ação tão inconseqüente, mas ela não se importava.

Seu corpo todo tremia de raiva, como se pudesse matar o assassino de seu pai e sua amiga com as próprias mãos. O que ele fizera não tinha perdão.

A mãe tentou impedi-la, segurando seu braço com as mãos frias. Mas quando Kagome olhou-a, os olhos cheios de lágrimas, ela soltou a filha.

A jovem desceu os degraus que a separava do homem e permaneceu olhando fixamente para seus olhos claros e assustadores, mas não viu quando ele apanhara uma adaga dentro de suas vestes.

Sua mãe se apressou e empurrou Kagome para o lado, fazendo a filha cair ruidosamente no chão de pedra. Tinha ainda os mesmos olhos vidrados e a face manchada de lágrimas que continuavam a cair.

"Não machuque minha filha!!" Gritou, ofegante. Os pés descalços em contato com a pedra fria.

O homem nada disse, como se fosse desprovido da capacidade de produzir sons. E, num rápido movimento da adaga, cortou a garganta da mulher a sua frente. Ela, jorrando sangue, caiu aos seus pés, sem produzir som algum.

"Mamãe!!!!" Kagome adiantou-se e rastejou até o corpo sem vida de sua mãe, o chão alagando-se de sangue. O grito agudo de Souta fez-se ouvir, e, se Kagome não estivesse demasiado chocada com o que acabara de presenciar, teria impedido o irmão de se aproximar.

Ambos estavam agora debruçados sobre o corpo, chorando compulsivamente. O vulto negro permanecia em pé, como que entediado com tal cena. Distraiu o olhar por um instante, fitando um imenso vaso que parecia ser de ouro, imaginando que não seria nada mal surrupiá-lo depois de matar as duas crianças, quando sentiu duas pequenas mãos em volta de seu pescoço.

Kagome saltara sobre ele assim que percebeu sua distração, e tentava estrangular o atacante com todas as suas forças, infelizmente insignificantes se comparadas às dele. Facilmente se livrara das mãos da jovem, atirando-a de encontro ao último degrau da escada, fazendo-a bater a cabeça e perder os sentidos por uns instantes.

Sua visão, ainda embaçada, não a impediu de levantar-se e ir mais uma vez ao encontro do homem, que agora observava hipnotizado o choro de Souta. A adaga brilhou em sua mão. Sua intenção estava clara, ele agora aproximava-se do garotinho a passos lentos, sem que o mesmo percebesse. Kagome, porém, sabia o que o atacante iria fazer.

Ela jogou-se até Souta, a fim de empurrá-lo para longe e, se fosse necessário, receber o golpe em seu lugar. Mas não houve tempo para tanto. O homem já havia enterrado sua adaga prateada na lateral do corpo do menino. O sangue negro escorria pelo pijama, enquanto ele chorava de dor. Kagome o apanhou em seus braços, tingindo sua própria roupa de vermelho.

Estava agora sozinha, toda a sua família cruelmente assassinada dentro de sua própria casa, na noite de seu aniversário. As lágrimas escorriam por seu rosto, agora pálido, quando pensava que até sua melhor amiga não poderia mais ampará-la nesse momento. O corpo ensangüentado e sem vida de seu irmão jazia em seus braços, ela abraçando-o como se pudesse segurar a vida dentro dele.

O atacante sorrindo, satisfeito, com a cena que presenciava. A jovem abraçada ao corpo do irmão e ao seu lado os corpos de sua mãe, pai e melhor amiga. Patético, pensou ele, coçando levemente o queixo com o punho da adaga ensangüentada. Nenhuma vez naquela noite havia fitado diretamente os olhos da moça, como se os estivesse evitando.

Sentiu uma mão gélida tocar a sua, e acordou do transe momentâneo. Ela fitava-o com uma imensa dor expressa nos olhos castanhos e fundos. Como se ele tivesse acabado de tirar-lhes a luz. As lágrimas escorriam-lhe pelas bochechas brancas, e morriam na ponta de seu queixo.

"Por... quê...?" Balbuciou Kagome, contendo os soluços que a acometiam. O olhar que tanta dor expressava, passou a ganhar um novo brilho: fúria.

Ela levantou-se e ficou frente a frente com o assassino de sua família, apesar de ele ser bem mais alto. Em nenhum momento sentira-se intimidada pelo brilho da adaga prateada presa em seus dedos, ou mesmo pela luz febrilmente perversa de seus olhos dourados, vistos apenas pelas fendas da máscara negra.

Por um instante, ela pensou que vira os olhos percorrendo-a famintos. Porém tal sensação morreu, quando com um simples toque se suas mãos derrubou-a no chão de pedra. Ela rolou para o lado, antes que ele lhe desferisse um golpe da adaga, mas a mesma lhe prendera ao chão pela camisola.

Kagome puxou a peça de roupa com violência, deixando-a rasgada no ponto em que estava presa. O brilho nos olhos do atacante se intensificou ao notar a agonia da jovem, que lutava incansavelmente por sua vida. 'Inútil... Isso só a fará morrer de uma forma mais lenta e dolorosa... Pensando bem... é perfeito' Pensou ele, um sorriso aparecendo em seus lábios ocultos pela mesma máscara negra. Ela o fitava ofegante, aguardando o momento em que não conseguiria mais se desvencilhar dos golpes. Já possuía um corte na lateral da cabeça, causado pela queda anterior, e o sangue escorria por seu pescoço nu.

A mão do atacante, envolta em uma luva negra como a noite, apanhou-a pelos cabelos igualmente negros e puxou-a para baixo, fazendo-a encontrar o chão novamente, e gemer de dor. Kagome ergueu as pernas no ar, e derrubou-o ruidosamente. Engatinhou desajeitada até ficar fora do alcance de seu atacante, e ergueu-se, mancando. A adaga jazia aos seus pés.

Ele levantou-se sem expressar sua fúria em seus atos, e antes que ela percebesse, apanhou a adaga e empurrou a jovem ao encontro da coluna que sustentava o teto da casa. Kagome soltou um grito de dor, abafado pelos dedos não mais envoltos em luvas. Ela mordeu-os longamente, mas suas forças e esforços pareciam insignificantes para o homem, que aproximava-se cada vez mais dela.

Finalmente os olhos castanhos e os dourados cruzaram-se, fazendo o homem cambalear por um instante, mas ainda sem permitir que a jovem se desvencilhasse. Os mesmos olhos, a mesma maneira de fitá-lo com fúria, a mesma pele branca. Era como se olhasse para uma pessoa que já conhecia, porém nunca havia visto aquela jovem senão acompanhada do pai, enquanto espionava a família. Algo nela parecia impedi-lo de acabar com sua vida.

Tentou uma reaproximação, chegando a roçar a ponta da adaga no pescoço dela, fazendo escorrer pelo mesmo um filete de sangue rubro. A luz amarelada da vela que os iluminava tornava mais difícil para que ele a matasse, mesmo que já tivesse cometido inúmeros outros assassinatos sem luz alguma. Algo naqueles olhos despertava uma sensação confusa e desafiadora no homem, fazendo-o diversas vezes encostar-lhe a adaga na pele branca, sem enterrá-la em sua carne. Desviou de seus olhos por um momento, e quando voltou a olhá-los, encontrou lágrimas.

As pequenas e frias mãos da jovem mantinham, trêmulas, a ponta da adaga em seu próprio pescoço. Ele percebeu que estava fazendo força para que a perfurasse, mas ele estava puxando a adaga para si, impedindo que a ferisse.

"Vamos... c... continue..." Murmurou ela, entre soluços. As lágrimas cada vez mais jorravam de seus olhos, molhando a arma sob seu rosto palidamente iluminado. O homem puxou a adaga para si de uma vez, libertando-a dos dedos de Kagome.

Num gesto impensado, ele removeu devagar a máscara negra de seu rosto. O baque metálico que se seguiu significou que ele havia soltado a arma, e a mesma havia caído aos seus pés.

Os cabelos prateados cobriram as costas do homem, que não parecia muito mais velho que Kagome, provavelmente tinha menos de vinte anos. O brilho tão assassino que pairava sobre os olhos dourados se desfez, e um sorriso discreto apareceu em seus lábios. Ela observava o rosto de seu atacante inexpressiva, sem notar que ele não mais a segurava contra a coluna.

Ele deu alguns passos para frente, cruzando o pouco espaço que os separavam. Ela tentou afundar-se contra a solidez da coluna, ao perceber que ele se aproximava aparentemente sem a menor intenção de matá-la, como tivera antes. O jovem posicionou uma mão encostada de cada lado do rosto de Kagome, na coluna onde ela estava fixada, e mirou-a incansavelmente. Os seus olhos encontraram e desencontraram com os castanhos dela, como se dançassem uma música silenciosa, cujos passos somente eles sabiam, inconscientemente.

O pescoço dela ainda sangrava no local onde ele quase a perfurara com a adaga, instantes antes, e seu rosto começava a ganhar uma tonalidade rósea. Novamente levado pelo instinto, ele aproximou seus lábios do pescoço da jovem, e sorveu o sangue que escorria. Uma das alças de sua camisola escorregou de seu ombro, deixando a pele branca e nua exposta àqueles olhos dourados. Quase deixara que um sorriso se formasse em seu rosto, quando sentiu os dedos frios de seu atacante recolocarem a alça sobre seu ombro aquecido. Logo, sentiu os lábios quentes dele novamente em seu pescoço, mesmo que o mesmo houvesse parado de sangrar. Kagome levou uma das mãos ao rosto dele, e o tocou. O jovem removeu os lábios do pescoço dela e recomeçou a fitá-la, como havia feito antes. A adaga reluzia aos seus pés.

Quando ela percebeu, ele já havia colocado uma das mãos em sua nuca, e a puxado para si, unindo-os em um beijo. Ela sentiu algo queimar dentro dela, a luta entre razão e paixão. Aquele homem derramara o sangue de todos que amava, mas privou-a da morte. Despiu-se de seu disfarce, como se confiasse nela de alguma forma. Mas algo chamou-a mais forte, a voz da razão. Ela era jovem, e era uma mulher. Não era de se admirar que o que aquele homem queria era se aproveitar dela, porém, não conseguia sequer acreditar em seus próprios pensamentos, quando estava envolta naquele abraço morno. Separaram-se.

Kagome abriu os olhos, mesmo que não se lembrasse de tê-los fechado, e encontrou-se sozinha. Não havia nenhum sinal de que outra pessoa senão a família estivera naquela casa, durante a noite.

Ela, então, foi escorregando pela coluna, seus joelhos dobrando-se involuntariamente. Quando atingiu o piso de pedra, sentiu uma brisa passar por seus braços nus, e ergueu-se em tempo de notar uma janela entreaberta, a cortina de seda esvoaçando ao sabor da brisa noturna.

Nota da Autora:

Olá! Antes de atirarem pedras em mim por começar um fic sem ao menos terminar o outro, esse prólogo NÃO foi escrito por mim. Esse fanfic foi dado de presente pela autora original, Kagome-chan FOFA ou a kagome-LilyE porque ela desistiu desse fanfic e então me propus a escreve-lo. A história terá o mesmo rumo que ela planejou, já que ela será a beta reader e então, não estranhem ou dêem abuse report porque eu SEI que essa história não é totalmente minha. (Eu ajudei apenas na idéia principal). Na semana que vem terá o primeiro capítulo, totalmente escrito por mim e editado por ela.

Saudações,

Kikyou Priestess