I want to live,
I want to give
I've been a miner for a heart of gold.
It's these expressions I never give
That keep me searching for a heart of gold
AAnd I'm getting old.
Keeps me searching for a heart of gold
AAnd I'm getting old.
I've been to Hollywood
I've been to Redwood
I crossed the ocean for a heart of gold
I've been in my mind, it's such a fine line
That keeps me searching for a heart of gold
AAnd I'm getting old.
Keeps me searching for a heart of gold
AAnd I'm getting old.
Keep me searching for a heart of gold
You keep me searching for a heart of gold
AAnd I'm getting old.
I've been a miner for a heart of gold.


V – Heart of Gold



27 de junho de 1955.

Geneviéve Black não suportou toda aquela dor e desmaiou. Não foi um parto tão difícil, mas garotas como Genné não suportam bem a dor. Ela tinha 16 anos e não falava uma palavra de inglês. Talvez por isso não tenha obedecido quando a enfermeira berrou pela 45ª vez: "Empurre, sua estúpida!" . Ela só berrava. É justo dizer que Sirius Black veio ao mundo por seus próprios méritos, naquela noite de congelar os ossos. A mãe só acordou de seu anestésico desmaio ao ouvi-lo berrar. O menino teve sorte de não ter herdado da francesinha aquelas orelhas horríveis. Era um bebê grande e bonito. "Forte como um touro", gabou-se o pai enquanto a mocinha ainda não falava inglês ainda. Porque depois que ela aprendeu o Sr Black não teve muitas outras oportunidades de falar.

Sirius aprendeu a andar mais cedo que todos os seus primos e era a sensação das reuniões de família quando dizia todas as palavras corriqueiras que ficam adoráveis na boca das crianças pequenas. Ele não ficou muito alto, seu irmão mais novo o ultrapassou antes de entrarem na adolescência. Eles nunca se deram muito bem. Só quando eram jovens demais para se lembrar, dividiam pedaços de bolo de amoras selvagens. Mas depois não. Sabe-se lá porque... Andrômeda dizia que era coisa de outras vidas. O fato é que Sirius deixou de ser engraçadinho assim que Regulus nasceu, gordinho e claro como a mãe. Delicado, saúde frágil como a da mãe e vontade fraca como a do pai. Ele tinha todos os cuidados, porque precisava deles. Sirius não se importava, preferia o anonimato que permitia que ele se livrasse das aulas de xadrez bruxo e piano.

Sirius se tornou depressa um menino problema, tão perfeito no papel que o garotinho adorável logo foi esquecido por todos – incluindo ele mesmo. Regulus nunca quebrava pratos, nunca brincava com a varinha dentro de casa, nunca insultava as visitas. O que era insultar? Bellinha tinha olhos de sapo boi, a titia fedia a perfume barato e titio era mais chato que livros. Não eram 'insultos', eram verdades. Ele não entendia porque tinha que mentir. Não entendia qual era o laço que o ligava a aquelas pessoas. O tempo passava e ele entendia cada vez menos. Ele entrou em Hogwarts e ainda não entendia o conceito de família. Ele não era daquela família. Não amava aquelas pessoas. Seus irmão era a pessoa mais insuportável do mundo. Irmão… Tiago, Remo e Pedro eram seus irmãos. Os Marotos eram seus irmãos, sua família. Odiava os verões, embora eles fizessem muito bem para sua pele.

As chaves dos cofres de Gringotes e a inutilidade dos trouxas não eram assuntos de seu interesse. Não entendia o que era ser rico. Demorou a entender porque Remo não comprava umas roupas novas nunca. Sabia ligeiramente, como se lhe ouvissem soprado nos ouvidos, que tinha muito dinheiro e as outras pessoas não, mas isso não era coisa que prendesse sua atenção por muito tempo. Andrômeda foi quem lhe deu a dica de comprar para os amigos as coisas que eles não podiam ter. Ela dizia que era assim que se aliviava da culpa de fazer parte da elite de 15 detentora de 88 da riqueza do mundo bruxo. Ela era tão politizada! Enquanto ele só podia pensar em jogos de Quadribol. Ele tinha 11 anos, ela quase 12 quando eles deram seu primeiro beijo. Encostaram as bocas, como fazem as crianças. Um beijo bobo. Assustado e tímido. Foi tudo entre eles porque entenderam, depois, que eram irmãos. Ela foi a primeira pessoa que ele amou conscientemente. Sirius não amou muitas pessoas na vida.

Andrômeda foi uma boa amiga a vida toda. Narcissa era uma pintura de tão linda, mas tão fria e desagradável que a simples menção de encostar nela o aborrecia. Bellatrix era candidata a pior pessoa do mundo, concorrendo diretamente com a mamãe de Sirius. Mas foi a segunda a encostar a boca na de Sirius. Um mês depois de Andrômeda. Ele levou um grande susto quando sentiu que ela punha a língua na sua boca. Ela era mais velha, sabia um bocado de coisas. Ele se acostumou com a língua das moças rapidamente. Mas nunca contou a ninguém sobre seu pequeno affair com sua prima mais velha. Ela ganhava de longe num concurso de 'pior pessoa do mundo'...

Foi tão feliz em Hogwarts que chegava a doer. Hogwarts era como uma piscina gelada no ápice de verão caribenho. Ele queria que a casa do Caribe fosse só dele, pra que ele pudesse levar seus novos irmãos. Tiago, Remo, Pedro. Ele gostava tanto deles que seu coração doía. Uma vez ele estava chegando em Hogwarts, após um Natal forçado em casa e pensou que seu coração doía muito facilmente. Nunca contou a ninguém sobre isso. Podiam pensar que ele era maricas como Regulus. Nunca falava com Regulus quando o via nos corredores do colégio. Não se conheciam. Tiago só descobriu que Sirius tinha um irmão no terceiro ano.

Foi por essa época que descobriu que Remo tinha um problema grande. "E peludo!" Sirius odiava-se por fazer piadinhas nas horas mais impróprias. Os dias se tornaram mais estranhos depois que Remo 'virou' um lobisomem entre eles. Mas já eram irmãos o que podiam fazer além de arrumar um modo de amenizar sua dor? Sirius teve a idéia da animagia, Tiago arrumou um modo de executar. Eram um grande time, o melhor!

Aquela estrela azul. Sua mãe tinha lhe dito a razão do seu nome quando ele era criança. Nunca tinha dito a ninguém. Tinha vergonha. Não chamava Geneviéve de mãe. Se perguntava porque passava tanto tempo pensando nessas coisas. Aí ele quebrava coisas e ia procurar Snape pra virá-lo de ponta cabeça. Era um idiota. Dizia coisas estúpidas, achava que Bellatrix ia lhe dar alguma chance algum dia. Snape devia ser um Black, merecia isso. Snape merecia os Black. Sirius não. Regulus vivia de cochichos com Snape pelos corredores. Odiava-os. Odiava sua mãe e sua casa. Queria trocar de lugar com Snape. Ele era filho de pais mortos. Não havia nada nesse mundo que Sirius invejasse mais do que isso. Os livros de Snape pelo chão, sua capa suja de lama e seu olho roxo. Queria tanto trocar de lugar com ele que dava vontade de sumir. Chegava uma carta de casa todos os meses: para Regulus, é claro.

Snape também não recebia cartas.

Houve um verão em que Bellatrix viu Sirius sentado longe de todo mundo. Eles falaram de alguma coisa que não o interessava ate que ela comentou que ele era tão deprimente quanto Snape. Ele nunca tinha batido em uma menina antes... Sentiu-se podre. Trancou-se no quarto, escreveu uma longa carta para Aluado e jurou diante do espelho do banheiro que nunca mais ia fazer isso. Era sua prima. Uma mulher. Eram pessoas. Ele não podia fazer isso. Ela ficaria bem. Seus tios nunca mais olharam na cara dele e Andrômeda escreveu dizendo que estava proibida pela família de lhe dirigir a palavra.

Sexto ano de Sirius. Regulus morreu na segunda semana de aulas.

Sumiu. Sem corpo, sem motivo, sem evidência. Tinham sobrado uns pedaços do caçula dos Comensais, disse o jornal sensacionalista.

Ele achou que Dumbledore estava brincando. Ele riu. Ele gargalhou. Mas o olhar piedoso do Diretor era a garantia da seriedade da noticia. Tiago tinha ido com ele, porque a professora Minerva disse que ele ia precisar de apoio. Morto? Ele achou que devia ficar feliz, já que não gostava mesmo de Reggy. Reggy! Ele se lembrou daquilo. Do bolo de chocolate no cercado de bebês. Era uma lembrança vaga, quase fictícia. Doce como bolo. Ele não se importou que o Diretor e seu melhor amigo estivessem olhando pra ele. Chorou como uma criança. Chorou no enterro de mentira. Chorou na frente de todos e os jornais tiraram fotos. Sua mãe não disse nada, nem derramou lágrima. Seu pai continha-se, como um homem deve fazer. Ele não entendia porque deveria se conter. Aquele que nem tinha corpo para ser enterrado havia sido seu irmão. Mil facas cortaram seu coração quando ele constatou isso. Teve certeza que tinha um coração realmente muito frágil.

Foi nesse dia que Bellatrix lhe contou sobre Voldemort e os Comensais e lhe deu outro beijo na boca. Ele não quis bater nela. Quis correr e se esconder. Teve tanto nojo que podia ter vomitado. Nojo. De tudo aquilo. Lord das Treva e Comensais da Morte. Nojo. Aquela língua pérfida. Nojo. Aquela casa, aquele dinheiro, aquela gente. Ele. Nojo. Sem escândalo ele se despediu da mamãe prometendo pensar na sugestão de ocupar o lugar de Regulus nos Comensais. Foi sua primeira mentira de gente grande. "Tchau, mãe".

A casa dos Potter era um lar. Não o seu, mas era um lar e ele ficava feliz quando eles eram felizes. Ganhou uma moto quando completou 17 anos. Era um rapaz muito bonito. As garotas se jogavam. Um garoto bonito e rebelde, com uma moto. As boas garotas sonhavam com ele e as garotas más o cobiçavam. Quando ele dispensou um convite da mulher mais atraente que ele já vira na vida (e cujo nome esqueceu depressa) para jogar damas com um Aluado doente, ele achou que tinha algo muito errado dentro dele.

Remo tinha cabelos cor de caramelo. E olhos também. Olhos e cabelos rigorosamente, da mesma cor. Aluado punha uma mecha teimosa do cabelo atrás da orelha quanto abaixava o rosto para mover as peças no tabuleiro. Ele tinha cheiro de lembrança boa. Cheiro de grama molhada, depois da chuva de verão. Sorriu enquanto o amigo fazia uma dama. Ele tinha tentado definir por anos que cheiro era aquele e agora ele sabia. Sirius riu alto e Remo sorriu apenas, sem entender. Tinha dentes pequenos e bem alinhados. Lábios muito finos. E a ponta do nariz arredondada.

Sirius teve ímpetos de sair correndo pela porta do apartamento. Tinham 19 anos e ele ficou assustado quando entendeu. Remo ainda sorria e piscava esperando explicações silenciosas. - Dama Almofadinhas! Acorda! Alô? Sirius tinha uma explicação e ela o fazia querer correr pra longe com sua moto. Estava apaixonado. Irremediavelmente.

Era a vez de Sirius mover as pedras e ele não se mexia. - Sabe Aluado, eu tenho que te contar uma coisa... No fundo ele ainda não tinha entendido porque mentir, embora tivesse aprendido a técnica... Ele não queria mentir. Queria mudar de jogo e arriscar anos de amizade por uma idéia completamente absurda. Estava apaixonado, isso era absurdo. Uma guerra lá fora e ele apaixonado por jogo de damas e cheiro de chuva. Não via nenhum bom motivo para não arriscar. Aluado sorriu e a mecha caramelo caiu novamente sobre os olhos dele. – Você é muito bobo, Sirius. Muito, muito bobo...

Tiago demorou um pouco pra entender. Um pouco mais pra se acostumar. Mas eram amigos, então o que mais ele podia fazer além de arrumar novas piadinhas? E eram piadas especialmente boas...

Havia a guerra. Sempre houve. Snape estava nela. E Bellatrix. E praticamente todas as pessoas a quem ele já tinha dirigido a palavra e de que ele já ouvira falar. Guerra. A Guerra. A Grande Guerra. Entediava-o como todo resto. Andrômeda, sempre tão engajada e Tiago, seus delírios de grandeza, o enfiaram num Quartel General onde eles ficavam brincando de pega-pega. Pessoas estavam morrendo, mas quando ele esteve em Hogwarts a única pessoa que morreu foi Regulus e, até o dia em que começaram a ameaçar os Potter, ele achou que aquilo tudo era apenas uma boa maneira de afrontar seus pais. Tiago e Lily e o bebê corriam perigo e ele percebeu – tão tarde! – que aquilo era sério, que eles estava matando pessoas de verdade, que eram amadas por outras pessoas. Sirius não tinha percebido essas coisas antes de pegar o afilhado no colo, em Godric´s Hollow, no dia em que recusou ser o Fiel do segredo.

Todas as pessoas cujos nomes saiam nos jornais eram amadas por alguém. Odiou todos os comensais por isso. Odiou-os por não terem notado aquilo também. Odiou-os até sentir o sangue ferver por não terem dado a chance de seu irmão ser amado por alguém. Odiou-se por não ter amado seu irmão e por não poder amar sua memória. Amou o pequeno Harry Potter e por isso recusou-se a guardar o segredo que salvaria sua vida. Os Comensais iriam atrás dele. Bellatrix ainda o procurava... Ele teve medo de que eles tivessem meios para fazê-lo contar. Nunca iam desconfiar de Pedro!

Remo não teria concordado. Ele desejou ter pedido sua preciosa opinião quando tudo explodiu. Todos mortos. Ele, deveria estar. Deveria ter matado Rabicho e a si mesmo. Aonde estaria Remo? Ele não era culpado. Todos aqueles olhos acusando-o. Ele não era culpado. Queria ter dito a Tiago um monte de coisas. Queria ter dado a vitrola nova, trouxa e antiquada, a Aluado. Era lua cheia. Sirius desejou a morte quando ouviu sua sentença.

Era inocente. Desejou morrer por 12 anos. Um bom cachorro. Com o tempo eram só ossos e sujeira que o interessavam. Queria virar um cachorro por completo. Se pudesse! Ele só voltou a viver quando Rabicho apareceu vivo e saltitante, nas mãos do garotinho ruivo, naquele jornal amassado. Ah, Rabicho... Nunca tinha gostado dele mesmo.

Tinha esquecido de toda aquela baboseira sobre amar. Queria o sangue quente de Pedro na sua boca canina. Morto. Queria-o morto. Como Tiago e Lílian. E depois pensaria no resto. Mas então Harry, Remo e aquele menino dono do rato. Remo. E Harry estava tão grande! Ele estava velho. Snape vivia, não era um traidor. Rabicho fugiu e Sirius estava feliz. Harry era tão como o pai dele! Seu coração sentiu aquela pontada dolorosa e estranha que ele reconhecia de muito tempo atrás. Sentiu-se vivo. Inteiro. Remo. O que são 12 anos, afinal de contas?

Mas ele era inútil. Snape era eficiente. Ele era inútil.

Ressentimento invejoso guardado. Ele não era nada, além do dono da casa. Um fugitivo, inútil. Um cachorro! Sentiu falta de James pra fazer a piada. Remo quase nunca saia também. Mas ele era alguém. Ele existia. Sirius não. Estava morto. Enterrado pra sempre, a sombra do que tinha sido um dia. Do que podia ter sido. Andrômeda estava morta, ele demorou pra perguntar. A filha dela era linda, mas não tinha nada dela. Só o barulho do sorriso. A menina gostava de Remo e isso era bem óbvio. Sirius sentia-se velho e ridículo. Snape e seus discursos, suas meias palavras, suas indiretas na mesa de planos, seus olhares furtivos e aquela maldita mania de ler o cérebro da gente. E cortava-lhe o coração orgulhoso saber que ele tinha alguma razão: era um fardo carregado pela Ordem por consideração de Dumbledore. Aquela menina parecia mesmo gostar de Remo... Não gostava muito dela.

Dumbledore só aceitou que ele viesse porque era uma emergência. Era a guerra. Era tudo ou nada. Harry, a profecia e o Lord. Sirius correu e, entre um passo e outro soube pra onde estava indo. Quis voltar e dizer adeus a Remo, como se deve dizer adeus as pessoas que amamos, mas não o fez. Snape o olhou com o canto dos olhos antes que ele cruzasse a porta, ele fez o mesmo. Despediu-se dele. Mas não podia dizer a Remo pra onde estava indo. Snape entendia. Snape não merecia ser um Black... Sentiu-se sozinho.

Sobre Snape, ele entendeu quando ouviu pela última vez o som estridente e doentio da risada de Bellatrix que eram iguais. Snape. Bellatrix. Regulus. Os Black. Subestimou seu próprio sangue. Sirius viu-se igual a todos os Black que já existiram enquanto seu corpo pendia vagarosamente. A visão periférica dos olhos lhe dava Remo e Harry, mas suas vozes estavam apagadas. Seu coração se partiu em pedaços pequenos enquanto a queda não terminava. Era como Bellatrix. Snape, Harry, Remo... Se pudesse escolher teria sido um deles. Diferente. Trouxa. Outro. Mas o peso do seu sangue Black lhe puxando para através do véu. Harry era mesmo muito parecido com o pai!

As coisas eram estranhas depois do véu. Sem sensações, sem pensamentos. Nada além daquela pontada doce no coração. E lembranças espaçadas, pequenas visões da vida. Era um lugar estranho. Era casa, era mamãe, era Hogwarts, era a casa dos Potter, era o berço de Harry e mão de Andrômeda, era a voz de Bellatrix com 15 anos, era sua primeira vassoura e o Remus ressonando. Aquela pontada suave, como um aviso... A dor doce que sempre estivera lá. Seu coração. Era um Black. O último, graça a deus!

Estava vivo. Sentia seu coração bater, naquele compasso doloroso.

Sempre tinha sido assim...

30 de junho de 1995.


I've been in my mind, it's such a fine line
That keeps me searching for a heart of gold