COMA BLACK
(Marilyn Manson)
"Não existem crianças na Guerra."

por Ck-Chrr


Sinopse: Ele não tinha nada a perder, ela não tinha mais nada a ganhar. Como a luz não brilha sem a escuridão, ela buscava nele as trevas que iluminassem os resquícios de sua sanidade. E ele buscava apenas a ela, e isso era o bastante.

N/A IMPORTANTE: Essa não é uma fic feliz e o casal não é nada comum. Então, se você tem estômago fraco, NÃO LEIA. Eu não me responsabilizo por nada, estão avisados!


a) EDEN EYE pt. I

My mouth was a crib and it was growing lies
I didn't know what love was on that day

Ele olhava para o corpo encolhido no canto da parede.

Tão pequena.

A pele branca reluzia à luz dos candelabros esquecidos na pedra fria, mantidos acesos apenas magicamente no ambiente tão úmido, e os grandes olhos castanhos encaravam-no com um medo surdo que tentava esconder-se por trás da falsa coragem grifinória. E os cabelos rubros como sangue pareciam poder queimar muito mais do que as velas quase mortas, se ousassem ser tocados.

Ela não o reconhecia.

Dia após dia, lá estaria ele encostado na porta de madeira apodrecida, trancada com feitiços impenetráveis sem o auxílio de uma varinha, e dia após dia ela o observaria como um gatinho assustado, que em poucos segundos transformaria-se em um leão pronto para atacá-lo e fugir dali a qualquer custo, qualquer custo...

E ela avançaria com a fúria de tornados insandecidos, esmurrando seu peito e tentando movê-lo para longe da porta, com o mesmo resultado da brisa marinha em um rochedo impassível. Então, ele seguraria seus pulsos com força (mas não o suficiente para machucá-la), e manteria suas unhas sem corte longe do rosto de mármore que ela tão desesperadamente queria manchar.

Até que ela desmoronaria, e ele estaria ali para segurá-la, para amparar seu corpo frágil antes que ele pudesse tocar o chão, para acariciar seus cabelos e dizer que tudo estaria bem, tudo estaria bem em breve... E ela olharia para cima com os olhos cintilando de lágrimas com tamanho ódio que outro seria vencido. Mas o ódio dela de nada adiantaria, uma vez que ele agüentaria firme como a rocha que deveria ser. Ele sentiria o rosto dela enterrando-se em seu peito, e os braços envolvendo seu pescoço, mas ele continuaria firme. Ele iria querer morrer com o toque suave das pontas dos dedos dela em seu pescoço, mexendo-se quase inconscientemente, mas estaria firme.

Firme para desmoronar quando ela sussurrasse em seu ouvido que queria morrer, por favor, por favor, ele não poderia matá-la e estaria tudo bem?

E nesse momento ele inclinaria-se para baixo, murmurando que ela nunca iria morrer, e beijaria seus lábios com a delicadeza do roçar de asas de uma borboleta, ao que ela responderia com a fúria de um incêndio descontrolado, conseguindo despedaçá-lo e ao mesmo tempo torná-lo mais completo do que jamais estivera.

Ele sairia porque o tempo estava acabando, e ele precisava estar longe quando o outro viesse tomar posse do que lhe era de direito, e no outro dia, quando atravessasse a porta, lá estaria ela encolhida na parede novamente, contando as rachaduras na pedra antiga, esperando-o para o ritual sagrado onde ele morria e renascia e ela era sempre seu anjo, sua luz, sua única esperança...

my heart's a tiny bloodclot
I picked at it
it never heals it never goes away

Os gritos o estavam enlouquecendo.

Tudo o que ele podia fazer era apoiar-se na parede, esperando que ela pudesse oferecer-lhe a sustentação que suas pernas negavam-se a fornecer. Não estava adiantado, sabia que era o horário certo pois estivera contando os segundos em sua mente quando poderia vê-la de novo.

Olhou para os sapatos desesperado, e viu a bandeja com o almoço medíocre espalhado pelo chão. Não se lembrava de tê-la deixado cair, mas, agora, não conseguia lembrar-se de mais nada, nada fazia sentido, apenas os gritos agudos perfurando seu cérebro e obrigando-o a arrombar a porta, a ser o herói pelo menos uma vez, a ser o herói dela...

Ele não se moveu.

Ele fincou as unhas na parede, sentindo o sangue escorrer como parte de sua alma pela pedra fria, apenas ouvindo, ouvindo, ouvindo... até que tudo parou.

A porta se abriu, e a figura pálida e esguia a qual ele ainda não se acostumara, mesmo depois de tantos anos, dirigiu-se a ele com uma voz tão fria quanto a pedra na qual se encostava:

- Lucius.

- Milorde. - respondeu, colocando as mãos no bolso e tentando disfarçar o súbito tremor que percorreu-lhe o corpo, assim como a urgência incontrolável de entrar na sala.

- Tome mais cuidado da próxima vez, Lucius. Em tempos como estes não se desperdiça comida. Afinal, nunca se sabe quem será o próximo a passar fome. - e com os olhos vermelhos cintilando, a criatura desapareceu antes que ele pudesse sequer pensar em uma resposta.

Voldemort sabia.

Voldemort sempre sabia.

Fazendo um feitiço para trazer a bandeja de volta às suas mãos, com um quase imperceptível "Malfoys não se ajelham" passando por sua cabeça, entrou na sala, sem nem mesmo dar-se ao trabalho de refazer todos os complicados feitiços para trancar a porta.

E mais uma vez a bandeja foi ao chão.

Sua pequena ruivinha, sua Ginny estava mais uma vez encolhida em um dos cantos do lugar, mas dessa vez ela não era o animalzinho assustado. Ela era uma menininha soluçando incontrolavelmente, com os trapos que tinha por roupas destroçados, quase insuficientes para cobrir suas formas de mulher.

Tudo o que ele queria era correr até ela, e deixar que as lágrimas fossem contidas no veludo negro de sua capa, deixar que seus sussurros fossem perdidos no vácuo invisível que os separava, até que ela se deixasse perder em meio aos braços dele, e nada mais importaria.

Caminhou lentamente até ela, ouvindo-a balbuciar descontroladamente "ele se esqueceu, ele se esqueceu..", e parado a menos de dois passos, observando-a de cima, ela parecia tão pequena, tão indefesa.

Malfoys não se ajoelham.

Mas ela era sua virgem, sua deusa, e ele ajoelharia-se e a adoraria até o fim de seus dias. Ela era seu templo, inescrupulosamente violada e impunemente ferida.

Ginny levantou os olhos excessivamente brilhantes para ele, com as lágrimas trilhando caminhos impenetráveis por suas faces, em um apelo mudo por qualquer coisa, qualquer um.

- Ele se esqueceu.. - ela disse, desesperada, como se em três palavras todo o seu sofrimento pudesse ser dissertado.

- Ele se esqueceu do quê? - respondeu, surpreendendo-se com a firmeza da própria voz.

- O feitiço da memória... ele.. ele se esqueceu... - e nesse momento cada pedaço de seu coração que havia conseguido manter-se no lugar foi brutalmente arrancando pela desolação daquelas palavras. Pelo completo abandono, e ainda assim, o completo descaso. Ela não parecia ter muita certeza de quem a estava ouvindo, mas continuou a balbuciar como se a única forma de impedir a loucura fossem as palavras: - A cada vez que ele vinha, ele quebrava o feitiço... e eu me lembrava de tudo... de tudo... de repente. A dor... voltava toda de.. de uma só vez, e quando ele saía, tudo era vazio e tudo era simples e frio e fome. Mas então quando... quando ele voltava na próxima vez, eu sabia que o vazio não era vazio, e eu... eu não entendia!!! Ele me toca, e me usa, e depois simplesmente faz com que eu me esqueça e eu desejaria que pudesse me esquecer porque então a dor iria embora, e permaneceria apenas uma sombra distante do sofrimento, mas... - ela estava encolhida, agarrando os joelhos dobrados contra o corpo, falando para ninguém em particular, mas quando ele aproximou-se o suficiente para tocar-lhe os cabelos, ela levantou os olhos, e com um único olhar conseguiu destruir qualquer muralha que ele ainda pudesse conservar. - Mas então.... mas então eu não me lembraria de você, também. Então eu acho que é um trato justo.

E ele ajoelhou-se, e ele não dava a mínima se Malfoys não se ajoelhavam, ele não queria mais ser um Malfoy, ele não queria mais ser merda nenhuma naquela guerra, ele apenas queria poder tocar a pele de mármore dela, e poder sentir o corpo magro contra o seu.

Foi por isso que ele a abraçou.

Foi por isso que ele permitiu que ela chorasse em seu ombro, como ninguém nunca tinha feito.

Foi por isso que ele permitiu-se chorar também.

Pelas impossibilidades e pelas proibições. Pela certeza de que Voldemort o estava castigando por sua imundície e sua falta de moral, pela certeza de que Voldemort não havia se esquecido de nada. Voldemort nunca se esquecia. E Voldemort sempre sabia. Por isso, não houvera a menor dificuldade para ele em ler nos olhos de seu mais fiel servo a cobiça pelo seu troféu de caça. A última Weasley. O último exemplar de pele de mármore salpicado em ouro e cabelos de fogo. Ele o estava castigando com o sofrimento dela, ele a deixara lembrar, e ele a deixara quebrada e em farrapos, e com equimoses por todo o corpo para lembrar-lhe de apenas uma coisa: ela pertencia a ele. Ginny Weasley pertencia a Voldemort, como antes pertencera a Tom Riddle, e isso era culpa dele também.

- Você é minha. - e ele sabia que era uma mentira. - E você não vai morrer nunca. - e ele desejava com todas as suas forças que pudesse ser verdade.

I burned all the good things in The Eden Eye
we were too dumb to run too dead to die
I burned all the good things in The Eden Eye
we were too dumb to run too dead to die
Ele estava tão cansado.

Tão...

Suspiros presos em sua garganta e um coração que não conseguiria mais sangrar mesmo com olhos perfurando-o com tanto ódio.

Ele lembraria para sempre daquele dia quando a sua pequena o olhou com ternura por trás de toda a dor, e agarrou-se a ele com tanta força quanto ele buscava a ela, vagando às cegas pela guerra, pelo mundo e pela vida.

Ela entregara-se a ele tão completamente, mesmo com as manchas arroxeadas em sua pele denunciando que ela era propriedade do Lorde das Trevas. Mas em sua cabecinha de leoa ela nunca seria propriedade de ninguém, por mais que se aconchegasse no peito dele como um cãozinho em busca do dono.

E ela murmurara quase sem perceber que o amava, que em meio às Trevas ele era a única corda que a impedia de cair no abismo, e ele não respondera porque estava ocupado demais tentando parar as próprias lágrimas.

Foi naquele momento que ele considerou matá-la pela primeira vez.

Olhando para a pele machucada, o lábio cortado, as mãos praticamente pele e osso agarrando a frente de suas vestes, ele pensou que seria tão... simples acabar com a sua dor. Ela iria para o Paraíso, e teria para sempre seus cabelos brilhantes em cachos perfeitamente presos atrás da cabeça por lírios de verdade, um branco tão perfeito quanto o de sua túnica. Ela cantaria todas as canções religiosas, e louvaria a um Deus que há tempos estava surdo, enquanto ele estaria condenado ao Inferno para sempre.

Então, a Ginny-anjo de seus sonhos levou uma das mãos à cabeça, soltando os lírios, e com um movimento de cabeça fez com que os cabelos de fogo espalhassem-se por todas as direções, com um sorriso maníaco brincando nos lábios. Ginny-anjo deu uma volta com os braços abertos, os lírios caindo como em câmera lenta até seus pés descalços, que os esmagaram sem piedade, enquanto o rubro de seus cabelos parecia espalhar-se por toda a túnica imaculadamente branca, agora tinta de alguma coisa que parecia-se assustadoramente com sangue. A Ginny-anjo dos sonhos continuava dançando alegremente, com as faces encovadas, os dentes negros e os cabelos desgrenhados, e todas as nuvens de algodão agora pareciam ter-se transformado em uma escuridão aterradora, e a única coisa que restava da visão original eram os lírios esmagados no chão.

Ele apertou-a mais contra o peito, e quando ela levantou o rosto manchado pelas lágrimas e encontrou os olhos dele como geleiras derretendo-se sem trégua, pareceu assustar-se, e tocou os lábios dele com os seus levemente, quase respeitosamente.

Ele colocou uma das mãos em sua nuca e beijou-a como se fosse a última vez, sentindo o gosto do sangue dela em sua boca, escorrendo levemente do lábio aberto, e desejou que o mundo parasse naquele exato instante.

E ele adormeceu assim, sentindo a pele machucada roçando contra a sua, e os cabelos emaranhados enroscando nos dedos que ele corria distraidamente pela nuca dela. O mundo seria tão bom se tudo pudesse ser simples assim... Mas ele nunca fora bom, e ele nunca seria digno de um mundo que valesse mais que os dejetos de seus elfos domésticos. Ele não era digno de Ginny, ele não era digno sequer de sua própria vida, que já não era grande coisa.

Ele não era digno... do chão frio, e do calor do corpo dela que fazia tudo tão certo. Ele não era digno de dormir.. com ela nos braços... enquanto havia uma guerra, lá fora.. Lá fora...

Que ela ficasse lá fora, só por hoje...
N/A: Ok, ISSO NÃO É O FINAL. Eu pretendia fazer uma song de um capítulo mesmo, mas como ela acabou ficando muito grande, eu resolvi dividir para publicar. Vão ser quatro ou cinco capítulos, e eu estou trabalhando no terceiro agora. (e por isso a demora com Abracadabra!, desculpeeeem... uu). Para ser sincera com vocês... eu publiquei esse capítulo só de fogo! XDDD Então eu não sei quando os outros saem.. provavelmente quando eu escrever a fic inteira. Foi mais um teste para saber se alguém ia conseguir ler uma Lucius/Ginny. Conseguiram? Reviews são muito bem vindas e aceleram o próximo capítulo!