Título: Família - 3020

Personagens: Aragorn, Arwen, Elladan, Elrohir, OCS originais.

Retratações: Os personagens não são meus, nenhum lucro é pretendido, só existe o desejo de contar uma história e exprimir meu amor pelos personagens do Professor Tolkien.

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Gondor - Primavera

As janelas estavam fechadas contra o sol da tarde, mas raios insistentes invadiam pelas frestas e banhavam o quarto com uma luz suave. De pé, ao lado do berço, o rei segurava nos braços, com delicadeza, um bebê envolto num manto branco.

Ela balbuciou e se mexeu e Elessar quis acreditar que dormia tão bem porque se sentia segura em seus braços.

"Ela é perfeita." Ele disse e ergueu seus olhos para encontrá-los com os de Dalan. Sorriu envergonhado. Não queria que Esperança se transtornasse com sua presença. Pretendera partir logo, mas havia perdido a noção do tempo, ao segurar o bebê em seus braços.

"Eu imaginei que gostaria de conhecer sua neta, meu Senhor. A rainha Arwen me contou que estava ansioso."

"Eu agradeço Dalan, pelo prazer em segurá-la." Começou a lhe entregar a criança, mas o rapaz não estendeu os braços, apenas continuou fitando-lhe. "Eu não quero que Esperança fique transtornada com você meu amigo, por permitir com que eu viesse..."

"Eu compreendo e, no entanto, minha esposa jamais deixaria de agradecer a visita do rei."

"Mas não agradecerá a visita do pai..." ele pensou com amargura, ainda decepcionado de que não fosse sua filha a mandar chamá-lo.

Então o bebê choramingou e Dalan finalmente estendeu os braços, mas o rei estudou o rostinho vermelho e rechonchudo. A menina espreguiçou-se e abriu os olhos.

"Ela tem olhos cinzentos como os dela... como os meus." O avô disse, contemplando a neta com carinho, antes de finalmente entregá-la ao pai.

"Esperança me disse que quase todos os bebês os têm, quando nascem, mas talvez os dela continuem assim..."

A recém-nascida fez uma careta que mais parecia um sorriso e tornou a fechar os olhos e o pai abaixou a cabeça para contemplá-la também, apertando-a mais firmemente.

"Eu e Esperança estivemos conversando sobre como deveríamos nomeá-la. E nós decidimos que ela se chamará Ivy..."

O rei permaneceu em silêncio por mais alguns segundos, depois sorriu melancólico.

"É uma bela e justa homenagem." O sorriso expunha a sinceridade de suas palavras. "A mãe dela teria ficado honrada e eu fico feliz pela escolha. É pena que ela não esteja aqui para conhecer a neta."

"Obrigado, majestade." O capitão agradeceu aliviado, depois continuou cauteloso. "Você virá falar com ela?"

"Eu... eu..." A voz de Elessar falhou. Ele ainda se sentia desamparado frente o inesperado dos acontecimentos que tinham abalado tanto sua vida. "Amo-a, Dalan. E, por isso, preciso deixá-la livre para ter uma vida plena. Vocês merecem o melhor, e não pretendo me impor ou interferir nas decisões dela."

"Está cometendo um erro meu Senhor. Será que não percebe?" O rei deu-lhe as costas, mas ainda assim continuou. "Ela está passando por muita tensão emocional, mas não o odeia... Não sei mais o que fazer para convencê-los disso."

Ele manteve-se de costas, para que Dalan não o visse cerrar os punhos e torcer a boca num ricto de dor.

"Eu tinha o direito de saber Dalan! E, no entanto, vivi na ignorância durante todos os anos da vida de Esperança. Minha relação com meus irmãos foi baseada numa mentira desde então."

"É por isso a necessidade de vocês conversarem. Você tem que ouvir para compreender."

"Estou perfeitamente ciente disto." Interrompeu o rei, ríspido. Ele diria para Esperança que estava tudo bem se ela o odiasse, se ela nunca fosse capaz de perdoá-lo por toda uma vida de ausência, perdoar as palavras terríveis que dissera na presença dela quando conhecera a verdade sobre sua origem, porque ele a amaria pelos dois. Mas não estava preparado para perdoar Elrohir. Perdera a confiança nele e não seria fácil recuperá-la.

Dalan fitou a figura rígida dele, que a luz solar iluminava. Ele salvara a vida da mulher que nunca soubera ser sua filha e lhe amara como um pai o faria, sem conhecer essa verdade e ela no final, escolhera entre ele e a pessoa que no fundo julgava como pai. Poderia censurá-lo por se magoar?

Sentiu de repente uma onda de compaixão.

"Sinto tanto que tudo tenha acontecido da forma como aconteceu..." O rei estava falando, deixando transparecer toda uma gama de emoções. "Eu gostaria de voltar o tempo e começar tudo novamente... Nunca pretendi magoar minha filha."

O capitão assentiu, antes de dizer suavemente:

"Eu também gostaria. Gostaria que pudéssemos ser uma família completa, pelo bem de Esperança e pelo bem de Ivy."

Elessar sorriu, porém seus olhos estavam sérios ao aprumar sua postura, dando por encerrada a visita.

"Obrigado novamente Dalan. Você é um bom amigo."

Ele caminhou então para a porta, sentindo-a tão pesada que duvidou por instantes ter forças para abri-la. Pois estava tão pesada quanto seu coração.

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Arwen estava deitada sonolenta, deixando a mente divagar. Desejou saber que horas eram. Estava amanhecendo de qualquer maneira.

Olhou para Estel, a cabeça dele descansando entre os seios dela. Ele parecia muito jovem quando adormecido.

Acariciou seus cabelos castanhos e ele se mexeu um pouco, apertando os braços ao redor dela, como para se assegurar de sua presença, depois relaxou novamente.

Desembaraçando-se dele silenciosamente, ergueu-se do leito, depois parou por um momento, puxando as mantas até lhe cobrirem os ombros. Então se vestiu rapidamente, saindo em seguida do quarto, para entrar no aposento próximo ao seu.

Seus seios estavam cheios e enquanto caminhava pelo cômodo, passando pela ama que cochilava, podia senti-los vazar e molhar a camisola.

Aproximou-se do berço e riu para o menininho muito desperto que batia os braços em sua impaciência, dando arrulhos cada vez mais altos.

No instante em que viu Arwen, estendeu os bracinhos gorduchos e ameaçou chorar, fazendo beicinho.

"Estou aqui, meu amor." Disse ela, apressando-se a tomá-lo nos braços. "Mamãe está aqui, meu pequeno."

Eldarion aconchegou-se e soluçou algumas vezes, esfregando o nariz na camisola dela. Arwen encostou o queixo nos cabelos finos, dando-lhe palmadinhas tranquilizadoras nas costas.

O bebê murmurou satisfeito, e ela riu deliciada, beijando a pequena maravilha dela e de Estel.

Então se sentou e desfez as mantas que o embrulhavam, para trocar-lhe as fraldas molhadas, enquanto beijava as pequenas mãos, a cabecinha e a barriga e ele riu, mostrando as gengivas rosadas. Era um bebê maravilhoso e a mãe estava tão entretida em admirá-lo que não notou a ama que havia despertado.

"Majestade!" Disse Sïrwen, tão chocada e embaraçada ao ver que a rainha estava trocando as fraldas sujas do bebê, enquanto ela cochilava, que quase se esqueceu de fazer uma reverência quando sua senhora ergueu os olhos.

"Descanse Sïrwen. Volte a dormir, ainda é cedo."

"Mas majestade, a senhora não deve..."

"Não faço nada demais." Sorriu para a mocinha encabulada. "E logo vou amamentá-lo. Enquanto isso se quiser, já que está desperta, pode ir tomar seu desjejum."

Como se compreendendo as palavras dela, Eldarion começou a choramingar impaciente, pressionando a boquinha contra o pano que cobria o seio da mãe.

"Calma, meu pequenino." Ela riu, enquanto descobria o seio e dava um breve suspiro quando a boquinha ávida abocanhou seu bico sensível. "Você é tão impaciente quanto seu pai."

A ama corou um pouco, ao ouvir as palavras dela, então fez outra reverência apressada.

"Eu vou, se assim a senhora comanda alteza. Não devo me demorar..."

Arwen concordou distraidamente e não notou o sorriso no rosto da moça, enquanto ela se retirava. A jovem Sïrwen achava muito romântico o amor de seus soberanos... e os cochichos que diziam que eles não conseguiam ficar separados um do outro.

O pequeno continuou a mamar vigorosamente, esforçando-se para engolir tanto leite, e a mãe começou a cantar baixinho uma doce melodia élfica, enquanto passava o dedo pelo narizinho molhado por inúmeras gotinhas de suor, resultantes do esforço que ele fazia.

Assim que Eldarion terminou, ela bateu em suas costas suavemente, esperando que arrotasse. Adormecido, o menininho continuava a mover os lábios úmidos de leite e sorrindo suavemente, a rainha o beijou e deitou no berço, apagando a vela que Sïrwen havia deixado na mesa.

Depois voltou para sua câmara, ficando ao lado da cama por um tempo, observando o marido adormecido.

Ele estava deitado sobre o estômago, um braço jogado para o lado e os lençóis enrolados ao redor da cintura, cabelos caindo por sobre os olhos. Ela deitou-se ao seu lado, colocando a cabeça em seu ombro.

Estel murmurou em seu sono, e virou-se para puxá-la para mais perto, aspirando profundamente seu cheiro. Flores e... leite!

"Você está acordado!" Ela o acusou, sem disfarçar o riso.

"Eu estou? Não estou sonhando?" Ele perguntou sonolento.

"Se é um sonho, então é um sonho bom." Correu o polegar sobre os lábios dele.

Ele suspirou satisfeito e abraçou sua esposa macia. "Hmmm, você cheira tão gostoso... como Eldarion está?"

"Agora dormindo, mas tinha muita fome."

Acariciou as costas dela devagar.

"Talvez você devesse trazê-lo pra cá. Só por conveniência."

"Seria conveniente." Ela respondeu com voz provocadora. "Mas nós iríamos causar tanto escândalo, alojando aqui conosco todas aquelas amas..."

"Temerária." Puxou-a sobre ele, rindo. "Onde está minha casta rainha?"

"Talvez você devesse me beijar e descobrir." Ela respondeu sorrindo e piscando os olhos azuis pra ele.

"Temerária." Ele repetiu, arrebatando-a em um abraço, enquanto começava a beijar seu pescoço, até ela afastar-se rindo também, antes de ficar séria.

"A delegação de Imladris chega hoje..." Comentou com suavidade. "Meu avô está ansioso por conhecer Eldarion..."

"Também estou ansioso por sua chegada." Tentou colocar entusiasmo em sua voz. "Lorde Celeborn trará valiosas notícias sobre o oeste e seus caminhos."

"Eu sei..." Arwen tomou sua mão entre as dela e o observou. "Mas você sabe que ele também vem por outros motivos não é?"

Depois de tanto tempo, Elessar deveria ter se acostumado àquele olhar arguto e deveria ter sido capaz de forjar um sorriso indiferente, mas não pôde.

"Sinto muito…" Ele suspirou. "Eu lamento, lamento de todo coração que a esteja obrigando... são toda a família que lhe resta e eu... eu sei o quanto está entristecida com essa situação, mas não posso..." Calou-se, dominado por uma sensação de impotência.

O olhar de Arwen amoleceu, cheio de entendimento para tudo o que ele não conseguiu dizer.

"Tenho vários pesares em minha vida amor..." Ele confessou. "E um deles foi nunca ter conhecido de verdade minha filha. Sinto remorsos por tê-la enviado a Gondor no passado e a abandonado, de ter permitido que agora um abismo de incompreensão nos separe. É um peso em meu coração não ter podido convencê-la do quanto estou arrependido, mas não posso obrigá-la a me aceitar e não posso... não consigo perdoar..."

Elessar suspirou mais uma vez. Somente ela era capaz de aliviar da angústia que o consumia, mas aquela mágoa não o abandonava.

Ela o beijou para mostrar-lhe que o compreendia e começou a massagear-lhe os ombros, os dedos percorrendo cicatrizes antigas.

"Tantas cicatrizes..." Curvou-se e beijou uma a uma. "Nunca mais quero que tenha cicatrizes."

Estel virou-se, apertando-a nos braços, contente de estar com a pessoa a quem amava e confiava além das palavras.

"Eu te amo."

Havia tanta tristeza naqueles olhos que Arwen desejou com ardor poder curar-lhe todas as feridas. Jamais sentira uma necessidade tão intensa de proteger seu amado.

"Você confia em mim?"

Elessar fitou-a intensamente. Os olhos brilhando.

"É claro que sim, amada." Respondeu com simplicidade. "Sempre."

"Então confie em mim agora, quando lhe digo que vamos superar isto." Ela sorriu tão confiante quanto pôde, fazendo de tudo para manter suas próprias dúvidas escondidas.

Elessar colocou seus braços em volta dela e a abraçou, desesperado para absorver parte de sua força.

"Então me ame agora, Estel." Arwen pediu, tirando a camisola e colocando as mãos dele sobre seus seios. Ele acariciou-a, movendo-se para beijar a ponta de sua orelha.

"Eu vou te amar." Sussurrou, enquanto as mãos dela acariciavam-lhe o tórax, empurrando as mantas para longe, para tocá-lo inteiramente. "Você é a mais linda imagem quando eu a estou amando."

"Tudo é lindo quando estou em seus braços." Ela respondeu, cobrindo a boca dele com a sua.

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Verão - 2021

A rainha chegou à casa de Esperança numa tarde morna, em que os raios preguiçosos do sol fluíam pelos galhos das árvores e era possível escutar o zumbido dos insetos nas flores que lhes tombavam os ramos.

Chegou com um séquito de damas e aias, levando ela própria nos braços, seu pequeno príncipe.

Esperança havia se pasmado em choque e confusão, mas procurou ocultar a surpresa, ostentando o respeito devido enquanto fazia uma profunda reverência.

A rainha, todavia e sem preâmbulos, tomou-lhe a mão e sorriu, não exibindo acanhamento algum ao envolvê-la no calor da sua. Relutante e ainda surpresa, Esperança a acolheu.

"Sou Arwen. Posso chamá-lo de Esperança?"

"Naturalmente majestade." Concordou Esperança, ainda um tanto intimidada.

"Afinal posso conhecer a esposa de meu querido amigo Dalan..." Disse a elfa, sem qualquer malícia ou ironia. "Ouvi falar muito de você."

Os olhos dela observaram o rosto de Esperança, mas não de forma crítica ou invasiva. Sua expressão exibia apenas curiosidade honesta.

"O... Obrigada, majestade." Quando falou, sua voz soou trêmula e incerta. Normalmente era bastante articulada, mas a situação lhe desconcertava mais do que podia controlar.

Mas a esposa do pai não deu indicações de que estivesse ali para confrontá-la. Tão pouco parecia disposta a estabelecer qualquer tipo de contenda.

Ao invés disso, irradiava simpatia e uma energia contagiosa. E sorria para Esperança um sorriso sincero e cordial.

E isso era, em parte, o que causava desconforto em Esperança. Não havia se preparado para esse tipo de confrontação. Esperara hostilidade talvez, mas certamente não aquela acolhida calorosa.

Entretanto a rainha continuava disposta a lhe surpreender. Ela voltou-se para a aia que aguardava e estendeu os braços, tomando de volta a criança que lhe havia entregado quando cumprimentara Esperança.

"Obrigada Sïrwen."

A garota, uma menina apenas, sorriu e fez uma pequena reverência antes de encaminhar-se para se unir ao restante das mulheres do séquito real.

Arwen enquanto isto havia empoleirado o filho no quadril, encarando Esperança com ar solene.

"Este é Eldarion... seu irmão." O pequeno avaliou solenemente Esperança, que se viu, quase contra a vontade, amedrontada daquele escrutínio.

Mas o menino, parecendo estar de acordo com quaisquer das intenções da mãe, estendeu os bracinhos gorduchos, obviamente exigindo ser apanhado.

E ele pôs ambos os braços ao redor do pescoço de Esperança, quando ela desajeitada o segurou. A criança que compartilhava sua mesma herança.

"Dari, essa é sua irmã, Esperança." A rainha falou com o bebê. "Aquela sobre quem seu pai sempre está falando."

Era obvio que deveria ressentir-se com isso, pois aquilo parecia um ardil astuto para obter seu perdão. Mas respirou fundo, forçando-se a manter a calma.

Afinal era um gesto surpreendente, a rainha reconhecer tal coisa ali, na presença de tantas testemunhas, e Esperança renunciou a seu ressentimento tanto quanto possível para desfrutar daquele momento precioso com seu recém-conhecido irmãozinho.

"De minha parte, o passado não me incomoda."

Sim, era uma tarde de surpresas. Esperança empertigou-se, assumindo uma postura cheia de cautela.

"Fico contente." Respondeu, fingindo prestar atenção no irmão em seus braços, sabendo que a rainha se referia ao relacionamento de sua mãe com o rei, que obviamente havia dado origem a ela.

"Esperei muitos antes de vir procurá-la, embora desejasse ter vindo antes. Queria ter certeza, em minha própria mente, de que poderia vir procurá-la totalmente livre de quaisquer ressentimentos. E queria esperar que as coisas se acertassem entre você e Elessar..."

Embora ela parecesse franca, Esperança sequer compreendia as reais intenções da elfa.

"Não vim até aqui para confrontá-la Esperança e tão pouco fui enviada por seu pai." A rainha afirmou aquilo de modo simples e direto, como se lendo suas dúvidas. "Mas preciso lhe dizer que ele precisa de você. Da mesma forma que você precisa dele."

"Mas eu não consigo lidar com essa situação!" Confessou num rompante, surpreendendo a si mesma. Talvez o inusitado da situação estivesse nublando seu juízo. "Sinto a falta deles... de tio Elrohir..." Ao pronunciar as palavras, Esperança deu-se conta do quanto a ferida ainda doía.

"Eu compreendo e sinto saudades deles também e eu me sentiria feliz se pudéssemos ser uma família completa." Arwen sorria suavemente, de um jeito que lembrava muito os irmãos. "Com o tempo e a convivência com Estel, aprendi muitas coisas Esperança, e hoje entendo que cada um de nós só pode trilhar o caminho que tem diante dos próprios pés."

Esperança fechou os olhos e lutou com as lágrimas que ameaçaram cair. Desejando com todas as forças que pudessem conseguir passar por isto. Que pudesse aprender a confiar em seu pai e ter seus tios de volta.

O rosto de Arwen compadeceu-se e ela estendeu a mão para segurar novamente a de Esperança.

"Quero ser sua amiga, Esperança." A rainha disse séria. "Por isso estou aqui."

Esperança olhou para a esposa do homem que mal conhecera como pai. "Amiga…" Ela nunca teria imaginado que poderia ser assim um dia.

"Vim para que possamos nos conhecer e quem sabe nos tornarmos amigas." Aos olhos de Arwen, era visível a luta interna que Esperança travava. Ficou em silêncio, esperando, dando-lhe tempo para assimilar as palavras que acabara de lhe dizer.

Mas a presença de Arwen era persuasiva e Esperança de repente, queria aquilo mais que qualquer coisa. Sua vida em Gondor havia sido uma série de anos sós. Ela não tinha tido família, amigos, lembranças. Sentindo-se perdida e só, ansiando pelas visitas esparsas de Dalan através dos anos, portando notícias sobre Aragorn, seu salvador.

"Fico feliz." Respondeu com a voz embargada. "Muito feliz."

Esperança tragou saliva ao sentir uma onda de inquietação ao afirmar tal coisa, mas levantou a vista e viu sinceridade no olhar luminoso da elfa, e a certeza que sentiu foi tão intensa que abriu passagem através das dúvidas que lhe cobriam o coração. Então contemplou pela primeira vez, o ventre levemente arredondado da rainha.

"Eu temo que muito em breve, não poderei caminhar por todos esses círculos íngremes..." A rainha riu, orgulhosa e feliz ao notar o olhar dela.

Possivelmente ainda pudesse haver esperança para todos eles depois de tudo, Esperança concluiu sorrindo.

E quando o verão transformou-se em outono e, depois, este foi substituído pelo frio do inverno, Esperança via Arwen com grande frequência, embora nunca fosse à casa dos reis, no sétimo círculo e sempre fosse Arwen, a vir visitá-la. E ela não exigia nada em relação a isso, exceto a companhia de Esperança e sua amizade. E nunca, jamais tocava no assunto da desavença entre filha e pai.

"Vou tentar fazê-la mudar de opinião. Precisa me visitar e trazer Ivy com você, quando Eldarion e eu não pudermos mais visitá-las." Era o máximo que dizia sobre o assunto.

A humana chegou à conclusão que talvez Arwen sentisse tão solitária quanto ela havia se sentido. Longe das pessoas de seu povo e de todos que conhecera. E por mais improvável que parecesse, escolhera Esperança para preencher essa lacuna.

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Inverno – 3022

Uma dor aguda despertou Arwen. Ela sentou-se na cama, assustada. Era noite alta e Estel ainda não havia retornado de Rohan. Provavelmente só estaria de volta pela manhã.

Nova dor arrancou-lhe um grito. Quase no mesmo instante as aias surgiram ao seu lado.

"Majestade?" Achegou-se Nénar, acendendo um lampião junto à cama. "Majestade, o que houve? Como está se sentindo?"

"Preciso que me tragam o rei!" Ela exigiu sem fôlego, apertando as mãos da aia com sofreguidão. "Preciso de Elessar aqui."

"O rei será avisado assim que for possível majestade." A mulher assegurou, bastante pálida ao notar a aflição da rainha. "Enquanto isso Natiele trará a curadora chefe e a parteira das Casas da Cura."

"Ainda não é o tempo certo!" Ofegou assustada. "Esperança! Por favor, peçam que a senhora Esperança venha!" Implorou ela, com outro gemido escapando dos lábios crispados pela dor.

A aia se apressou em obedecer, enquanto as restantes mantinham-se ocupadas iluminando o quarto e confortando a rainha.

Quando por fim a enteada chegou, aparentando ter se vestido as pressas, veio imediatamente para seu lado, segurando-lhe as mãos com carinho.

"Minha querida, precisa manter a calma. A parteira e a curadora chefe estão aqui comigo. Tudo ficará bem."

Alisou ternamente os cabelos da rainha. A dor nos olhos suaves da elfa fazendo seu coração condoer-se, enquanto apertava com força suas mãos.

Por um tempo Arwen aquietou-se, tranquilizada pelas palavras de conforto que Esperança murmurava, enquanto punha-lhe compressas úmidas na testa.

A curadora e a parteira tentaram disfarçar a preocupação ao encontrar as mantas e lençóis encharcados de sangue, mas Esperança notou e encheu-se de apreensão.

"Minha senhora." Disse ela, sob o olhar firme da curadora. "Suporte as dores o mais calmamente que puder, ou não terá forças quando chegar o momento do bebê nascer..."

"Elessar... ele... ele já chegou?"

"Não se preocupe, meu bem, ele logo estará aqui." Esperança esforçou-se a ficar calma, continuando a passar o pano úmido pela face dela carinhosamente.

"P-por favor, Esperança, preciso dele. É cedo demais." A rainha choramingou, enquanto nova contração rasgava-lhe o corpo. Agarrou-se as cobertas e contorceu-se gemendo.

"Por Eru! O que está havendo de errado?" Esperança perguntou numa indagação muda para a parteira. "Não deveria ser assim para uma elfa!"

Não deveria, mas a rainha estava lutando contra dores terríveis, e ela quase quebrou a mão de Esperança de tanto que a apertou.

"Não são como da última vez..." Arwen gemeu, os olhos fechados ante outra pontada de contração. "São… mais rápidas." O suor lhe cobria a testa enquanto se esforçava para não gritar.

"Minha senhora?" Falou a parteira com autoridade, após seu exame. "Precisa começar empurrar. Agora!"

A urgência na voz dela não passou despercebida a Esperança. Ela também urgiu e a rainha se esforçou em obedecer, mas depois de muito empurrar, o bebê continuou se recusando a nascer.

"Estel..." Arwen estendeu a mão para a porta fechada, chorando alto. "Eu preciso de Estel..."

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Elessar escutou um grito vindo de seus aposentos enquanto aproximava-se, apressando os passos. As aias nem tentaram barrar-lhe a entrada, mas ele estacou quando a porta abriu-se e a filha saiu com o rosto muito pálido.

"Esperança?" Ele perguntou surpreso. Era a última figura que pensava encontrar.

"Ela está chamando pelo senhor, majestade."

"O que está acontecendo com Arwen?" Perguntou apreensivo, esquecendo-se de tudo mais.

"O bebê... não é o tempo certo, meu senhor..."

Ele não exigiu explicações adicionais, entrando rapidamente no aposento.

"Amada, estou aqui!" Ele disse, aproximando-se da cama e acariciando o rosto pálido e coberto de suor de sua esposa.

Arwen recomeçou a chorar desta vez em alívio, enquanto agarrava-lhe a mão, sentindo-se mais forte e segura para enfrentar os momentos difíceis que a aguardavam.

E ela nunca experimentara uma dor tão longa e intensa. A manhã já havia surgido e as contrações continuavam a torturá-la.

"Estel, Estel... o bebê... eu não sei..." Ela sussurrou, parecendo desculpar-se ao marido que segurou-lhe a mão com carinho.

"Tudo vai acabar bem, minha Estrela." Assegurou ele, tentando confortá-la e, no entanto, ela via grande preocupação em seus olhos cinzentos.

Elessar se martirizava, dizendo-se que o conceber não seria tão penoso para a esposa, se ela não houvesse feito sua escolha mortal, e desesperava-se ao pensar que ela poderia morrer de parto. Deveria ter previsto. Era um curador afinal de contas, e sabia dos riscos que as mulheres corriam ao dar à luz.

Desesperado, vasculhou sua memória, tentando recordar-se das vastas lições que recebera de Elrond, mas nunca havia presenciado um parto antes. Nenhuma criança nascera em Imladris durante todo o tempo em que vivera lá. E quanto a Eldarion, o haviam depositado em seus braços, quando tudo terminara sem qualquer contribuição de sua parte.

Viram o passar do dia, embora só tomassem consciência plena do fato quando as aias tornaram a acender os castiçais e lampiões.

Arwen exausta, mal parecia escutar as palavras de encorajamento que continuavam dizer para ela.

E quando o controle de Esperança estava prestes a ruir, Arwen deixou de lutar, apesar dos apelos angustiados do esposo.

Assustada, foi para perto do pai e apertou-lhe o braço, para arrancá-lo de sua inércia atemorizada.

"Majestade, é um curador... Precisa ajudá-la!" Ela urgiu aflita. "Por favor, ela precisa de sua habilidade como curador, precisa ajudá-la."

Aturdido, Elessar fitou a filha de Ivy e buscando um domínio que sentia desmoronar-se perante o medo, apertou mais forte a mão da esposa, com todo o amor que sentia fluindo em seu toque.

"Amada, eu sei que está com medo." Concentrou-se na mulher exausta. "Sei que o fardo que escolheu para si a assusta e me assusta também, mas eu estou aqui para guiá-la."

Arwen olhou para o rosto devastado pela angústia de Estel e compreendeu que morreria, levando o bebê junto, se não encontrasse forças para dá-lo à luz.

"Amada, não tenha medo, eu estarei com você!" Ele estava dizendo. "Não se renda! Vamos lutar juntos! Precisa confiar em mim."

A parturiente, juntando suas últimas reservas de energia, obedeceu. As veias em seu pescoço se dilataram, aparecendo através da pele fina.

"Vá para trás dela, Esperança." O rei comandou com determinação renovada. "Quando a contração chegar, deve apoiá-la. Precisamos nos assegurar de que a criança esteja na posição correta para nascer."

Esperança viu o medo mal oculto no rosto do pai, embora ele estivesse falando com a esposa agora, repetindo palavras de encorajamento e amor. Então elevou preces silenciosas aos Valar para que o bebê e Arwen vivessem.

Sentando-se na cama, ajudou Arwen a fazer o mesmo. A rainha gemeu, enrijecendo quando outra contração veio, e ela apoiou-a no próprio corpo, segurando-lhe gentilmente as mãos.

"Vamos respirar juntos. Respire comigo, fundo e devagar." O pai instruiu, posicionando-se na frente da esposa e começando a respirar ritmicamente.

Exausta, a rainha tentou obedecer, mas outra dor veio, e ela arquejou, respirando depressa por entre gemidos ofegantes.

"Devagar, amada. Respire devagar." O rei insistiu e Arwen, vendo-o calmo, relaxou e tentou fazer como instruído, respirando fundo várias vezes.

"Isso amada, não tente lutar contra a dor. Relaxe e não lute contra ela. Respire comigo quando ela chegar."

Arwen prendeu a respiração por um segundo, com os olhos presos nos dele. Logo, veio outra contração. Ele continuou a falar, acalmando-a e insistindo para que fizesse como dizia.

"Mais força, alteza!" Pedia também a parteira. "Só mais uma vez! Sei que está cansada, mas precisa tentar mais uma vez."

"Não posso." Ela gemeu. Não possuía mais qualquer energia.

"Você tem que fazer força. Só mais uma vez, amada." Elessar implorou. "Confie em mim."

Respirando fundo, a rainha recomeçou a batalha, compelida pela força de Elessar, quando a enteada a apoiou contra si e elas respiraram juntas, mãos apertadas firmemente. Com o rosto contorcido de dor, Arwen se esforçava e Esperança amparava-a, murmurando palavras tranquilizadoras, até que o rei finalmente viu o topo da cabecinha coroar. Arwen gritou mais uma vez e ele rapidamente amparou a delicada cabecinha envolta em sangue que finalmente surgiu por entre as pernas dela.

"Isso majestade." Encorajou a parteira, ao lado do rei. "Falta pouco, a cabecinha já surgiu..."

Após vários minutos de esforço agonizante, ela finalmente sentiu o bebê deslizar para fora de seu corpo, enquanto um cansaço enorme a fazia largar-se contra Esperança.

Aliviada, Esperança ficou sem palavras, observando a forma minúscula deslizar de dentro de sua exausta mãe.

"É uma menina, majestade!" Escutou a parteira anunciar. "Uma linda menininha!"

O rei gentilmente massageou as costas da recém–nascida, cantando baixinho em élfico, para o bebê que começava a lamuriar.

Segurando a rainha com força, Esperança controlou a custo os soluços de alívio. Mas apertou o braço dela em vez disso e sorriu.

"Seu bebe está aqui, minha querida." Ela sussurrou emocionada, observando o pai cortar o cordão.

Elessar olhou para cima, não para a mãe, mas para Esperança. Em seu rosto ela viu uma arrebatadora emoção. E não pode conter a admiração, pois aquele era o homem mais extraordinário que já conhecera.

Contudo não conseguiu dizer nada, pois nova dor convulsionou o corpo de Arwen, fazendo-a gemer alto.

"O que está acontecendo com ela?" Gritou assustada, quando contrações voltavam a castigar a rainha. "O que está acontecendo?"

"Oh, Sagrado Eru!" Exclamou a curadora, aproximando-se. "Oh Eru! Empurre minha querida." A parteira e a curadora comandaram juntas, voltando a apertar o ventre da rainha.

Elessar olhou-as confuso, com a filha ainda nos braços. O que queriam que Arwen empurrasse com tanta urgência? A criança já nascera!

"O que está acontecendo?" Desesperou-se ele.

"São gêmeos, Majestade!" A curadora informou, sem se desviar do que fazia.

Mas ele nem teve tempo de questionar, pois nova contração assolou o corpo exausto de Arwen. Mais uma contração, mais um grito e o aviso da parteira soou forte:

"Isso mesmo majestade, força novamente!"

Grande agitação seguiu-se e então, Elessar viu a parteira erguer outro bebê que começou a ganir irritado.

"Outra menininha." Anunciou a mulher. "Outra bela menininha!"

O rei pareceu aturdido.

"Gêmeas! Gêmeas amada! São gêmeas!"

"Oh Estel, eu quero vê-las!" Implorou a mãe exausta, mal conseguindo tomar fôlego depois de tamanho esforço.

Elessar e a curadora aproximaram-se, cada uma trazendo consigo um dos bebês, para que Arwen pudesse vê-las.

"Elas são tão pequeninas! Elas estão bem Estel?" Segurou uma das mãozinhas minúsculas com suavidade, temendo feri-la.

"Gêmeos geralmente são pequenos." Ele tranquilizou, erguendo Arwen carinhosamente nos braços, após entregar o bebê que segurava para a curadora. "Eu vou examiná-las para ter certeza, está bem?"

Ela concordou, recostando a cabeça em seu ombro forte, exaurida, mas imensamente feliz nos braços dele.

"Você está contente?"

"Eu não seria capaz exprimir o quanto!" Ele beijou-lhe os lábios. "Obrigado por esse tesouro, minha amada!"

Ela aceitou o beijo, suspirando contente, antes que ele a recostasse novamente nos lençóis, para que as aias e a parteira cuidassem dela, vestindo-a com uma camisola limpa, depois de trocar as roupas de cama.

Enquanto isso ele foi para suas filhas recém-nascidas e examinou cada uma delas cuidadosamente, antes que fossem banhadas e embrulhadas em seus mantos. Ambas eram perfeitas. Os dedinhos, os pezinhos, a cabecinha macia.

Por fim olhou para Esperança e quando viu que ela pretendia partir, não se conteve e aproximando, abraçou-a.

"Você não pode ir." Disse ele, contra a cabeça dela. Ela lutou fracamente contra seu abraço envolvente. Então, por fim, cedeu contra ele.

"Você faz parte dessa família..." A voz dele estava trêmula, enquanto falava através da suavidade sedosa de seus cabelos. "E eu quero que você fique aqui, mas que fique porque saiba que é parte dessa família."

De repente foi golpeada pela certeza do quanto ansiara por aquele abraço.

"Você sempre foi especial para mim." Continuava ele. "Mas então, veio aquela revelação. Não sabia o que sentir. Me feriu muito, e me senti traído."

Afastando-se, cobriu as mãos dela com as suas, apertando-as em um pedido de desculpas.

"Eu sei o quanto tornei as coisas difíceis para você, mas nunca foi meu desejo." Limpou a garganta. "Se puder me perdoar, eu gostaria que fizesse parte dessa família."

"Oh, adar." Esperança sussurrou através das lágrimas que lhe toldavam a visão e abraçou-o por fim.

"Bem vindo ao lar." Ele disse com voz rouca. "Bem vinda ao lar, minha filha."

Ficaram abraçados, até que uma lamúria insistente os separou.

"Minhas irmãzinhas..." Ela sorriu, ainda emocionada. "Parece que alguém chegou impaciente e está com fome."

Ele riu, antes de se separar hesitante de Esperança e tomar o bebê minúsculo nos braços, beijando-lhe a cabecinha macia.

"Você quer sua mãe, minha pequenina?"

Ele aproximou-se do leito, onde Arwen sorria feliz com a cena que presenciara.

"Dê-me-a, Estel!" Estendeu os braços para embalar o bebê, antes de levá-lo ao seio, mas a criança tornou a chorar após um tempo.

"Oh Estel" Lágrimas fluíram dos olhos de Arwen. "Não há leite."

A parteira aproximou-se.

"É compreensível majestade... deve demorar alguns dias para o leite surgir, mas vamos providenciar uma ama de leite."

Estel abraçou mãe e filha.

"Ela tem razão Estrela, não se aflija, você precisa descansar."

Mas as lágrimas continuaram a correr dos olhos da mãe inconsolável, ainda fragilizada pelo parto difícil, enquanto embalava a filhinha chorosa.

Esperança aproximou-se do leito timidamente.

"Arwen, minha senhora... eu poderia?" Estendeu os braços para o bebê.

A rainha olhou-a em meio às lágrimas.

"Eu não sei se eu deveria pedir-lhe..."

"Não se preocupe. Eu amamentei Ivy mais cedo e além do mais, tenho leite em quantidade o suficiente para as duas."

Estendeu os braços novamente e a mãe fatigada lhe entregou a filha, voltando a aninhar-se no abraço do marido, enquanto ele lhe enxugava as lágrimas com ternura.

Esperança sentou-se na cadeira ao lado de leito e acomodou a irmãzinha nos braços.

"Shhh, não é necessário chorar pequenina." Levou o bico do seio até a boquinha ávida, que começou a sugar imediatamente. "Nossa quanta fome!" Riu suavemente, antes de erguer os olhos e encontrá-los com os do pai.

A força do amor e orgulho refletidos neles a golpeou.

Elessar observava Esperança com o olhar encantado de um verdadeiro pai diante da beleza da filha.

Tranquilizada pela ternura naqueles olhos cinzentos, Esperança inspirou profundamente.

Sim. Finalmente se sentia em casa.

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Continua...