1. A fuga

Born from silence, silence full of it

A perfect concert my best friend

So much to live for, so much to die for

If only my heart had a home

"This apathetic life must drown

Forever just for me"

-Nightwish

A cozinha estava totalmente vazia. Se não fosse por uma batedeira que misturava por contra própria uma massa para bolo em cima da mesa, que estava coberta de farinha de trigo, cascas de ovos e um pó marrom, podia-se dizer que não havia ninguém em casa.

Ele aspirou o cheiro de baunilha enquanto fechava brevemente os olhos. Não seria o fato de ele ter voltado de Hogwarts que teria inspirado uma vontade em sua mãe de fazer um bolo. Tinham visitas.

Saiu da cozinha e olhou para o topo escuro da escada. O corredor lá em cima estava parcialmente mergulhado em sombras. Somente as velas gordas e tortas penduradas nos candelabros permitiam que se enxergasse algumas manchas de parede.

Subiu a escada. O som da batedeira lá em baixo foi desaparecendo. Nenhum ruído diferente desse até agora. Parou no corredor antes de entrar em seu quarto, tentando escutar ao menos um resmungo de Monstro, porque ele certamente estava em casa, mas tudo o que aconteceu foi ele ter mais certeza ainda de que estava acontecendo algo muito estranho.

"Monstro", chamou ele, embora sem elevar a voz, como se o elfo estivesse se escondendo logo ali atrás de um vaso.

Ninguém respondeu.

Ele então avaliou o corredor a sua frente por alguns minutos, a mão na maçaneta da porta de seu quarto, e finalmente entrou, esperando achar alguma surpresa desagradável em sua cama, como era de costume todos os anos em que retornava de Hogwarts.

Descansou a mala no chão, atravessou o quarto reparando em tudo ali, à procura de alguma engenhosidade de Monstro. O elfo já espalhara várias vezes ratoeiras em cantos estratégicos do quarto, alegando estar tentando acabar com os ratos do aposento, mas, ao passar do tempo, Sirius deu-se conta de que a única coisa que aquelas ratoeiras capturavam era os seus dedos. Quando o caso das ratoeiras tornou-se obsoleto, Monstro obscuramente conseguiu uma mortalha viva e a escondeu debaixo da cama de Sirius. Felizmente o Sr. Black a encontrou antes de Sirius (ela escapara para o corredor), tendo de ser levado imediatamente para o hospital St. Mungus com a mortalha tentando arrancar seu pé fora.

"Achei que seria um tapete bonito", defendera-se Monstro.

Sirius olhou para o teto. Sentiu naquele instante uma fisgada de prazer ao descobrir mais uma armadilha do elfo. Seu lustre havia sido parcialmente desparafusado e estava visivelmente a ponto de cair perigosamente na cabeça de qualquer criatura que tivesse a infelicidade de passar por baixo. Resolveu chegar até a janela passando por cima da cama ao invés de usar o caminho habitual.

"Arrr! Inferno! MONSTRO!", berrou Sirius, largando a borda da cortina com os dedos sangrando.

Lançou um olhar de fúria para ela, sentindo sua boca tremer de raiva. O cortinado estava cheio de pequenas agulhas pelas bordas de veludo, e todas as extremidades afiadas estavam viradas para fora, prontas para perfurar.

"Elfo estúpido", ele sussurrou.

A porta do guarda-roupa chiou. Sirius virou-se para trás, enxergando mal na escuridão por não ter conseguido abrir o cortinado. O vulto de uma pessoa movia-se dentro do quarto, abaixado em frente ao guarda-roupa de Sirius. A princípio ele imaginou que fosse Monstro, mas a cabeça de Monstro era um cocuruto desprovido de cabelos, e aquela pessoa possuía cabelos negros e longos que brilhavam furtivamente na escuridão.

"Onde você pensa que está, Sirius?", a pessoa perguntou, a voz abafada e sonolenta. "Pare de gritar, você não está falando com seus amigos imorais."

Ela se levantou, e no breu do quarto o tecido da roupa branca que ela segurava pareceu florescente. Era Belatriz, e Sirius teve a impactante impressão de que ela só estava parcialmente vestida.

"O que você está fazendo aqui?", perguntou ele, em tom igualmente monótono.

"Vim pegar uma roupa", Belatriz respondeu, e Sirius viu o tecido branco deslizar para baixo no corpo dela.

"Aqui em casa. O que é que você está fazendo aqui em casa?"

"Fui expulsa de Hogwarts", ela disse, arrumando a alça do sutiã com o polegar por dentro da gola da blusa. "Quando mamãe soube ela..."

"Você foi o quê?" interrompeu-a Sirius com um sorriso insolente de desafio.

"... ficou com raiva e disse que não queria mais olhar para mim por um bom tempo. Então titia deixou que eu ficasse aqui durante esse bom tempo. Cheguei ontem."

"Porque que é que você foi expulsa?", insistiu Sirius, que já calculava que aquele devia ser o recorde em Hogwarts: uma estudante que já no segundo ano recebera mais de dez advertências (mais que ele e Tiago juntos quando cursavam o mesmo ano), no quinto fora indiretamente responsável pela demissão de um professor de Defesa Contra Artes das Trevas, pois, segundo testemunhas, ele estava tendo uma relação bastante estranha com a garota, e, no mesmo ano, estava finalmente sendo expulsa.

Belatriz lhe lançou um olhar sério, como se soubesse tudo o que Sirius estava pensando e o censurasse por isso.

"Veja bem", começou ela calmamente, "achei que você já tivesse deduzido... mas sua inteligência, ela às vezes empaca. Aquela escola não ensina o que eu quero aprender."

"E por isso você fez...?"

"Por isso eu aprendi sozinha."

Ele estava começando a entender.

"Você fez Magia Negra em Hogwarts", ele disse num misto de choque e desprezo que fez Belatriz curvar sua boca num sorriso soberbo.

"Fiz", admitiu ela, a voz lembrando um sopro. "Foi isso mesmo o que eu fiz. Ah, eu sei o que você está pensando", ela murmurou, lendo a expressão aguda no rosto de Sirius. Parecia sentir imenso prazer em o surpreender. "Mas eu não vou para Azkaban, simplesmente porque eu não fiz, teoricamente, nada errado."

"Então, teoricamente, você não pode ser expulsa", retrucou ele em tom sarcástico, visualizando o vulto da prima agora nas proximidades da porta.

Um estrondo enorme veio do andar debaixo. O lustre oscilou e desabou no chão a alguns palmos de distância de Belatriz, espatifando-se e espalhando pequenos pedacinhos de vidro sobre ela. Sirius pulou por cima da cama e abriu a porta, espiando o corredor.

"Monstro!", gritou. "Que é que você..."

"Sirius!", alguém gritou de volta da cozinha. "Sou eu..."

"Invasor! Saia!" Berrava Monstro.

Ele reconheceu aquela voz no mesmo instante. Mas não podia ser... Desceu a escada com tamanha pressa e apreensão que voou por cima dos quatro últimos degraus e caiu no chão com as mãos espalmadas. Olhou para a cozinha. Duas coisas estavam acontecendo. Monstro corria desesperado ao redor da mesa, segurando um rolo de macarrão nas mãos magras e ossudas, enquanto a batedeira se descontrolava e fazia a massa do bolo explodir em todas as direções. Então, com o cérebro funcionando rápido demais para tentar compreender a cena, Sirius viu Tiago correndo também, esquivando-se de Monstro, e uma sombra observando tudo da porta da dispensa, os olhos negros e estreitados cintilando no escuro. O sangue de Sirius congelou nas veias.

"Minha senhora!", esganiçava-se Monstro, desistindo de acertar Tiago com o rolo e passando para a tática de atirar colheres de pau e facas. "Gente que não é bem vinda, minha senhora! Não é um Black! Invasor! In..."

"PARE!" Berrou Sirius, quando uma das facas que Monstro atirava passou tão perto da cabeça de Tiago que, se não fosse a precária força do elfo, poderia ter ido mais longe e acertado o alvo.

Monstro estacou, gemendo coisas que Sirius não escutava para Tiago, uma faca particularmente longa na mão descansada ao lado do corpo, parecendo ressentido e indignado, e nesse momento a Sra. Black saiu das sombras da dispensa e entrou na cozinha, arrumando suavemente seu xale preto sobre os ombros. Na verdade, parecia tão tranqüila que Sirius teve medo.

Ela aproximou-se de Tiago, que agora encontrava-se atrás do espaldar de uma cadeira que usara como escudo contra Monstro. Ele ficou ereto novamente ao ver a mãe de Sirius, a face ganhando fortes manchas vermelhas.

Monstro ia recomeçar uma nova leva de xingamentos e resmungos, quando a Sra. Black falou, e ele desistiu imediatamente da idéia, ficando com a boca aberta e o peito estufado de ar.

"O que você está fazendo na minha casa?", sibilou ela em voz baixa para um Tiago acuado.

Sirius escutava o ruído da batedeira tresloucada ainda tentando adivinhar o que Tiago estava fazendo ali. Desde que se conheceram, Tiago sabia que sua mãe não suportava visitas que não fossem da família, simplesmente porque não sabia a procedência do sangue das outras pessoas e achava que estavam contaminando a casa. Assim, quando ela perguntou a Tiago seu nome completo, Sirius não estranhou. Achou também que seria melhor se o amigo o visse ali, de modo que se levantou do chão e entrou silenciosamente na cozinha.

A vermelhidão no rosto de Tiago diminuiu, mas a Sra. Black, porém, sequer piscou. Cada vez arregalava mais os olhos para o garoto, como se ele pudesse de repente arreganhar os dentes e comer sua cabeça.

"Foi um engano" Tiago começou, a atenção indo de Sirius para a mãe, então para a faca na mão inerte de Monstro, parado junto de um dos pés da mesa. Ele não sabia para quem se dirigir, então decidiu-se por responder a pergunta da mãe de Sirius, embora tivesse nítida dificuldade para encará-la. "Eu estava tentando ir a um lugar usando a Rede de Flu, mas eu devo ter dito a direção errada, não sei o que aconteceu, a sua casa", então olhou para Sirius, "veio em minha mente. 'Largo Grimauld, número doze'. Sinto muito, Sirius, eu não sei porque..."

"Não esquenta", disse Sirius, batendo desajeitadamente no ombro do amigo.

"Potter."

Novamente todos, menos a Sra. Black, olharam para a porta da cozinha. Belatriz estava ali, completamente vestida e sustentando uma expressão ansiosa e sarcástica no rosto muito branco.

"Ah, mas você nunca ficou desse jeito na frente dos seus amiguinhos em Hogwarts", fez ela, correndo os olhos pelo rosto nervoso do garoto.

"Vá embora", a Sra. Black falou, e por um instante Belatriz espantou-se, achando que fosse com ela. Mas a mulher ainda não tinha tirado os olhos de Tiago. "Saia daqui."

Houve alguns minutos de silêncio em que uma das orelhas de Monstro tremeram, os canos atrás das paredes estalaram, a longa saia da Sra. Black farfalhou quando ela deu as costas e começou a andar em direção ao corredor. Tiago lançou um breve olhar para Sirius e em seguida para a lareira, tencionando sair dali realmente o mais rápido possível, embora precisasse de mais Pó de Flu. Porém, todo o desejo que Sirius tinha de que Tiago não tivesse ido parar ali desapareceu, e ele se viu possuído por uma sensação arrebatadora de ser grosseiro, bárbaro...

A porta da cozinha se fechou inesperadamente na cara da Sra. Black, impedindo-a de sair. Do outro lado da cozinha, uma lata explodiu na dispensa. A Sra. Black parou de chofre, e no instante seguinte virou-se abruptamente para o filho, os olhos arregalados de assombrada indignação.

"O que está acontecendo aqui?", ela vociferou.

"Ele se enganou", respondeu Sirius tranqüilamente. E depois se virando para Tiago em tom natural: "Já jantou?"

Tiago pareceu achar a pergunta incongruente. Limitou-se a erguer uma sobrancelha.

"No que é que este aí se transforma?", perguntou a Sra. Black, rouca de raiva, os punhos contraídos e uma veia no pescoço vibrando. A sensação era de que sua pouca estatura não influenciaria tanto em sua potência. "Você vive rodeado de criaturas anormais e híbridas como aquele seu amigo lobisomem! E este aí...", ela ofegou, apontando Tiago com um dedo adornado por uma aliança de ouro, "você o está convidando para jantar aqui?"

"Você quer jantar aqui, Tiago?", perguntou Sirius de maneira sonsamente calma para o amigo. "Depois podemos subir até o meu quarto e você me conta os resultados dos jogos de hoje, porque eu ainda não consegui olhar o Profeta Diário."

Tiago olhou para a mãe de Sirius, que agora parecia estar soltando vapor pelas orelhas, e respondeu no mesmo tom tranqüilo:

"Pode ser."

Sirius abriu um largo e luminoso sorriso.

"Tia", começou Belatriz, afastando-se de Sirius e Tiago como se os dois fossem demônios perigosos, "você não pode permitir."

"Não fique assim, Belatriz", replicou Sirius, que se encontrava em tal estado de ânimo que não conseguia deixar de sorrir. "Nós prometemos que não vamos ligar se você resolver ficar trocando de roupa na nossa frente."

"Vá para a..."

Mas Belatriz não pode terminar de dizer para onde Sirius devia ir, porque a Sra. Black socou o tampo da mesa com tanta força que abriu uma fissura na superfície da madeira. O barulho fez com que todos se espantassem; Monstro, que estava ao lado da mesa, gemeu e pulou para trás.

"Você me envergonha, Sirius", disse ela entre dentes, encarando o filho com ódio, o punho ainda fechado sobre o tampo da mesa no local em que ela havia batido. "Todos os dias me pergunto que tipo de maldição estou cumprindo para precisar olhar para a sua cara, sabendo que seu sangue é como o dos impuros! Agora, escute aqui", disse ela em tom perigoso, aproximando-se do filho, "quando Régulo voltar, você não terá desculpas para enfiar seus amigos igualmente impuros aqui!"

Sirius quis contestar e dizer que Tiago não era um sangue ruim, mas no mesmo segundo achou-se patético e não disse nada.

"Você me desafia apenas porque sabe que não posso contra você", continuou a mulher. "Mas espere até que seu irmão chegue. Suma da minha frente! Ninguém, além de mim e Belatriz, vai comer nesta casa hoje!"

Monstro soltou um suspiro deprimido. O sorriso de Sirius, que havia desaparecido enquanto a mãe falava, voltou suavemente ao seu rosto. Ele acenou para que Tiago subisse junto com ele, e ambos saíram da cozinha. Subiram as escadas para o quarto e, quando entraram e fecharam a porta, Sirius desejou não sentir o que estava sentindo. Há muito tempo não ficava tão aliviado em sua própria casa, mesmo que no fundo sentisse uma espécie de angústia, que ele logo fez questão de abafar ao se virar para Tiago, ainda parado perto da porta, lançando um olhar apreensivo para os pedacinhos de vidro no chão.

"Deixe isso aí", disse Sirius, indicando o lustre em migalhas. "Escute, você tem que me ajudar, foi por isso que fiz de tudo para que ficasse."

"Achei que fosse porque você queria muito jogar Snap explosivo", Tiago deu um sorriso sarcástico para o amigo.

"Bem, você escutou o que ela disse", Sirius continuou, sem sorrir. "Foi uma indireta."

Tiago sentou na beirada da cama, olhando o amigo.

"É claro que não foi", disse, porém suas sobrancelhas franziam-se com o esforço perspicaz de pensar em alguma coisa.

Sirius o olhou de lado. Não gostaria de precisar repetir as palavras da Sra. Black sobre ter de olhar para sua cara todos os dias...

"É, você tem razão", Tiago disse rapidamente, sem mais nenhum vestígio de resistência, passando a mãos nos cabelos enquanto começava a sorrir. "OK, suponho que você vá querer fazer isso durante a madrugada?"

"O problema é Monstro."

"Olha, se é como você diz, sua mãe não vai se importar se você sair de casa debaixo do nariz dela."

Sirius refletiu sobre o assunto. Sua mãe iria se importar por vários motivos. Um deles era que ela ainda tinha esperanças de convertê-lo e provavelmente não o deixaria sair de casa - colaria todas as portas e janelas. A melhor coisa era mesmo fugir na surdina.

Para que não sofressem tanto de fome (pois Tiago revelou sem querer que não tinha comido nada depois dos sapos de chocolate no expresso de Hogwarts), Sirius puxou um pedaço de pergaminho de baixo da cama e preparou uma pena.

"É para Andrômeda", revelou, começando a escrever. "Ela deve nos mandar alguma coisa antes da meia noite."

Andrômeda era a irmã do meio de Belatriz e Narcisa e que, diferentemente das duas, não tinha caído na Sonserina. Por esse simples fato, Sirius simpatizava um pouco mais com ela. Ao terminar de escrever, esperou longamente e então levantou-se e foi até o corredor, olhou para os lados e escutou o silêncio zunindo outra vez pela casa. Parecia que todos haviam se recolhido para seus quartos.

Ele desceu cuidadosamente pela escada, passou pela cozinha e abriu uma porta pesada de madeira escura, oculta pelas sombras. Era uma pequena sala onde as corujas da família ficavam. Ele não tinha nenhuma coruja, achava que eram animais grandes demais e pouco expressivos. Entretanto, gostava particularmente da coruja de sua mãe, que piou alto e alegre quando ele entrou, o obrigando a ser rápido e atar logo a carta na perna que ela, receptiva, lhe estendeu.

Sirius afagou a cabeça da coruja enquanto a levava para a janela. Ela fez um barulhinho engrolado na garanta e começou a esticar o corpo para bicá-lo.

"Vou sentir saudades... Leve para Andrômeda. Ai!", ele a afastou, pois ela havia puxado uma mecha de seu cabelo e por pouco não lhe acertara o olho. Tinha dúvidas se ela não sabia o que ele iria fazer e ficara com raiva.

Após despachar a coruja, ele voltou para o quarto, onde encontrou Tiago debruçado sobre a janela, olhando para cima. Clarões esverdeados piscavam lá fora.

"Sirius", chamou ele. Por alguma razão, tinha a voz séria, o que não era comum. "Ela está colando as janelas."

Não era possível. Como ela havia descoberto? Os clarões continuavam piscando, e agora vinham de baixo também.

"Ela colou a porta da frente!", disse Sirius, indignado.

"Quantas saídas sobraram?", perguntou Tiago, virando-se rapidamente para o amigo.

"Duas: a dos fundos e essa", apontou a própria janela.

Alguém gritou lá de cima um feitiço e, no instante seguinte, as janelas se fecharam num baque repentino e oco, fazendo Tiago quase cair para trás de susto. Sirius chamou um palavrão.

"Andrômeda", falou, após um tempo.

Só ela podia ajudá-los agora.

"Sua mãe lê mentes?", quis saber Tiago, o rosto perplexo e ao mesmo tempo excitado.

Até onde sabia, ninguém ali lia mentes. Mas ainda não passava pela cabeça de Sirius a idéia de que iria dormir mais uma noite naquela casa. Simplesmente iria fugir, nem que fosse pela lareira. Correu para o corredor e viu Belatriz saindo de um quarto, a varinha na mão. Quando o viu, ela ficou imóvel, mantendo uma expressão indecifrável no rosto, nem hostil nem debochada, mas estranhamente abalada. Os dois se encaram, tensos. Belatriz desviou os olhos rapidamente para a escada, e Sirius compreendeu - o porão ainda não fora trancado. Então começou. Rápido demais para que ele pudesse refletir, Tiago passou correndo ao seu lado e desceu para o andar inferior escorregando velozmente pelo corrimão da escada. Sirius o seguiu o mais rápido que pôde, escutando os passos de Belatriz atrás de si.

Um vulto negro atravessou seu caminho quando ele estava dobrando o corredor, e ele deslizou em cima do tapete, caindo de costas no chão.

"Treze!", exclamou ele para o gato, que miou ingenuamente, os olhos amarelos e entediados.

Estava esquecendo Treze. No furor da fuga, sequer lembrara de seu gato. Esticou o braço para pegá-lo, mas nesse minuto os sapatos de Belatriz apareceram ao seu lado. Sirius ergueu os olhos; a prima parecia comicamente enorme vista daquele ângulo. Ela colocou o pé em seu peito e apontou a varinha em sua direção.

"Fique aí mesmo", disse ela, e enquanto isso um audível Colloportus veio dos fundos da casa.

Treze lambia a mão que ficara estendida no ar, alheio a tudo ao seu redor.

"O que você vai fazer com isso, Belatriz?", perguntou Sirius, sorrindo para a varinha. "Enfiar no meu nariz?"

"Agora que fui expulsa de Hogwarts, posso usá-la sem culpa", replicou ela, triunfante. "Posso até mesmo matá-lo."

Ela havia se inclinado um pouco para dizer isso num sussurro, e Sirius aproveitou a deixa para pegar seu pulso, que segurava a varinha, e puxá-la para o chão. Belatriz caiu com facilidade, embora não tivesse se desvencilhado de sua varinha com tanta facilidade assim.

Sirius soltou um muxoxo de desdenhosa descrença, pressionando o corpo contra o dela e segurando sua mão no chão, impedindo-a de virar a varinha para ele.

Então ele teve uma idéia. Esperava que Belatriz lhe respondesse com alguma grosseria, mas ao invés disso ela perdeu a cor, ficando mais branca que o normal para em seguida ficar vermelha e rosnar. Sirius não compreendeu a reação dela; se não conhecesse bem a prima diria que ela havia fraquejado, o que foi uma ótima oportunidade para furtar a varinha dela.

Agarrou Treze pela pele do pescoço e estava correndo para a porta dos fundos quando uma algazarra enorme veio da cozinha - vozes de no mínimo dez pessoas ressonaram pela casa.

A Sra. Black surgiu no final do corredor, tão perto de Tiago que poderia tê-lo esganado de assim desejasse, porém ela não estava o vendo ali. Estava concentrada na cozinha.

"ESTRANHOS!", berrou de repente, andando trêmula até a cozinha, a varinha em riste. "O QUE SIGNIFICA ISSO? SAIAM DA MINHA CASA!"

"... fique calma, acho que foi uma pequena confusão na Rede de Flu..."

Uma bruxa trajando uma longa e elegante capa de couro falava para a Sra. Black, um senhor baixo e de aparência confusa examinava a lareira pela qual acabara de sair, outro homem de bigodes grandes demais a ponto de cobrir sua boca tentava inultimente comunicar-se com a dona da casa (mantinha um enorme corvo grasnando alto em seu ombro direito), dois rapazes com sotaque estrangeiro e usando meias até as canelas falavam irritados, gesticulando amplamente para a dona da casa.

"Que diabos...?", Tiago franziu a testa.

"Tia!", gritou Belatriz, esticando o braço para agarrar o de Sirius quando ele se distraiu. "Ele está fugindo!"

"Bem lembrado, Belatriz", disse ele, esquivando-se da garota e correndo na direção oposta.

Belatriz pareceu chocada. Ficou alguns segundos com a boca entreaberta enquanto observava Sirius chegar até a porta, segurando sua varinha e a erguendo... o tempo pareceu correr em câmera lenta.

"Alohomora!", fez ele, e a porta abriu-se. Tiago saiu por ela.

"SIRIUS!", o grito que a Sra. Black deu foi tão alto que todos na casa calaram-se e pararam para olhá-la. Ela cambaleou em seguida, o fôlego se exaurindo, os cabelos presos iam se soltando dos grampos e ela amassava a saia do vestido com os punhos fechados. "Eu o proíbo... EU O PROÍBO DE SAIR POR ESSA PORTA!"

Mas a Sra. Black não podia ter dito nada mais estimulante. Sem pensar, dando apenas uma rápida olhada para trás, Sirius deixou a varinha de Belatriz escorregar por sua mão e rolar para o chão, enquanto saia e fechava a porta atrás de si, andando depressa para longe da casa. Tiago o esperava perto de uma lata de lixo amassada.