CAPÍTULO 1 - ONCE THERE WAS A WAY TO GET BACK HOME*
Eu sinto o vento frio de outono e a gelada chuva fina batendo em meu rosto, me trazendo a sensação de estar em casa novamente.
Casa? Que casa? Eu não tenho mais casa. Há muito tempo! Quanto tempo mesmo eu não sei mais. E o que importa? Isso tudo é um pesadelo e eu estou preso nele.
Voltei a Londres a pedido de uma pessoa que precisa da minha ajuda. E quando eu lembro que um dia essa pessoa já foi meu maior inimigo, sinto-me estranho. É como lembrar de uma história que sua mãe lhe contou quando você era criança. Algo tão irreal que parece nunca ter existido, exceto nos seus devaneios mais loucos.
Mas o fato é que isso não é um devaneio. É a mais pura e cruel verdade. Hoje, aquele que já foi meu maior inimigo é uma das poucas fagulhas de esperança que restam a um mundo tão sombrio como o nosso. É a ele que pessoas desesperadas se agarram. E é a ele que eu vim ajudar. Nós dois, juntos, sobrevivemos a algo que até hoje não entendemos direito. Nós, juntos, vivenciamos algo que modificou nossas vidas, irreparavelmente. Algo que nos tornou o que somos hoje: o caçador e o líder da resistência contra Voldemort. Os dois aliados mais improváveis: eu, Ronald Weasley, e Draco Malfoy.
Isso foi há muito tempo atrás. Quando as trevas ainda não tinham se alastrado. Quando Harry Potter e a Ordem da Fênix ainda existiam. Quando Voldemort ainda não tinha tomado o poder!
É! Hoje eu o chamo pelo nome. Ele já não me assusta. Tudo o que ele desperta em mim é a mais absoluta e intensa ira. Por que eu deveria temê-lo? Por que ele destruiu minha família, matou meu melhor amigo e acabou com todos os meus sonhos adolescentes? Não! Eu gostaria de poder acabar com ele com minhas próprias mãos. Mas infelizmente não posso. A única pessoa que poderia fazer isso está morta e não há mais nada a fazer. Exceto rebeliões, ou infernizar a vida do Lorde das Trevas. É o que eu faço. Sou um caçador. Caço e extermino criaturas das trevas... e comensais da morte. Já perdi as contas de quantos eu já matei. E isso é a única coisa que faz eu me sentir vivo.
É claro que também me rendeu ter a minha cabeça a prêmio. Por incrível que pareça, apesar de Draco Malfoy ter criado a Resistência, ter gastado toda sua fortuna tentando destruir Voldemort, é a minha cabeça a primeira da lista. E por isso é loucura voltar a Londres, o covil do inimigo. Mas eu já deixei a minha sanidade para trás há muito tempo. E não estou sozinho nisso. Malfoy perdeu a dele também. Junto comigo. Ao mesmo tempo. No dia em que assistimos, sem poder fazer nada, Voldemort matar Harry. E deixar-nos sair ilesos.
Acredito que hoje o maldito se arrependa de ter nos deixado escapar. Mas naquele momento ele estava tão confiante com a vitória sobre seu arqui-inimigo, que resolveu deixar dois vermes como nós sobreviverem para contar a história.
- Vão! - ele disse aos dois apavorados garotos de 19 anos a sua frente. - Vou permitir que vocês sobrevivam para contar aos outros como Lorde Voldemort venceu Harry Potter. Para contarem aos outros da minha ascensão.
Sim, ele deve ter se arrependido. Por que desse dia em diante tanto eu quanto Malfoy dedicamos nossas vidas a tentar acabar com ele. A enfraquecê-lo, a lhe infernizar a vida.
Harry salvou Malfoy de ser morto pelo próprio pai uma vez. E, desde aí, Malfoy criou uma dívida com Harry. E Harry, no dia de sua morte, salvou tanto Malfoy quanto eu de sermos assassinados por Voldemort. Nós dois lhe devemos nossas vidas. E nenhum de nós pode fazer nada quando ele foi assassinado.
Malfoy descarrilou dos trilhos completamente depois disso. Casou-se com minha irmã apenas para compensá-la pela falta de Harry. Ginny era noiva de Harry e quase enlouqueceu quando ele morreu. Mas Malfoy esteve sempre lá. Tentando consolá-la, apoiá-la. Ele sabia que Harry a amava e, acredito, quis dar a ela o amor que ela perdeu. E Ginny aceitou. Deixou que Malfoy tentasse compensar a falta de Harry. E acabaram se casando.
Eu nunca me opus. Somos nós dois apenas. Eu não poderia tirar da única pessoa que ainda tem o meu sangue alguém que a ampare enquanto eu não posso fazer isso. Sei que Malfoy cuida dela, como ela cuida de Malfoy. Ela é o pilar que o impede de desmoronar. São dois náufragos apoiando-se um ao outro para não se afogar.
Acredito que eles se amem, da maneira deles. Mas o fato é que eles só estão juntos por causa de Harry. E para tentarem compensar a ausência dele dessa maneira louca. Mas a sanidade, nos dias de hoje, já não existe mais.
Assim como a morte de Harry atingiu Malfoy, ela me atingiu também. Minha família já tinha sido inteira assassinada. Só restavam para mim Ginny, Harry e Hermione. E a morte de Harry fez nascer em mim um desesperado sentimento de vingança. Eu estava fora de mim. Ainda estou. Aquele Ron que fui morreu junto Harry. O Ron que saiu dali, naquele dia, era outro. O caçador. O que queria acabar com tudo que cruzasse seu caminho. E, dessa forma, eu me afastei de tudo e de todos. Deixei Ginny aos cuidados de Malfoy. E perdi Hermione. Em qualquer sentido. Não sei o que aconteceu com ela, mas sei que está viva. Coisa que eu não estou. Eu precisava sair da vida dela. E foi melhor assim. Ela jamais iria gostar do que eu me tornei.
As vezes penso nela, no que fomos. E tudo parece tão distante. Outra história que alguém contou. Como um daqueles romances que os trouxas escreviam. Tanto tempo se passou. Aquele já não sou eu. Nunca mais serei. E isso não faz a menor diferença. De que me adiantaria ainda ser aquela pessoa num mundo como esse? Esse mundo precisa de um caçador e não de um garoto tolo.
Eu chego diante da sede da Resistência. Eu sei onde fica. Eu sou o fiel segredo agora.
Grimmauld Place, número 12. A antiga e nobre casa dos Black.
Já não é como fora quando Sirius estava vivo. O maldito retrato foi definitivamente retirado da parede. Não existem mais elfos domésticos por aqui.
Ginny me recebe com um sorriso. Já não mais aquele sorriso meigo e alegre que ela tinha. Apenas um sorriso gentil e cansado. Os olhos frios. Mas sei que ela sentiu a minha falta pela maneira como ela me abraça.
- A reunião já começou? - eu pergunto. Ela apenas balança a cabeça.
- Estavam esperando você.
- Que diabos teu marido quer comigo?
- A mais importante missão da tua vida. E a mais difícil também. Não posso te adiantar nada. Venha comigo e ficará sabendo.
Eu a sigo. Na sala onde a reunião será feita está uma mesa redonda. Reconheço as pessoas ali sentadas: Luna Lovegood, com o semblante triste e abatido; Neville Longbottom, o rosto magro e encovado escondido pela barba e pelos cabelos compridos, olheiras profundas; Draco Malfoy, os longos cabelos louros e lisos presos em um rabo de cavalo, os olhos de um lunático. Três cadeiras vagas. A minha, a de Ginny e a de mais alguém que não sei quem é.
Eu os cumprimento com um aceno de cabeça. Ginny se senta ao lado de Draco e toma sua mão. Eu me sento ao lado dela.
- Espero que isso seja realmente importante, Malfoy! - eu resmungo, sentando em uma das cadeiras vazias. - Eu estava perseguindo um grupo de comensais na Irlanda. Iria fazer um estrago em seu acampamento esta noite se não tivesse recebido o teu recado.
- É muito mais importante do que você pode imaginar, Weasley! - ele diz com um sorriso assustador. Os olhos de um louco. - É algo que pode mudar tudo!
- Você já pode falar!
- Não. Ainda falta uma pessoa.
Antes que eu pergunte quem, vejo uma figura de longos cabelos castanhos, muito armados, vestida como uma trouxa entrando. Não seria preciso que alguém me apresentasse. Eu a reconheceria em qualquer lugar, em qualquer época, em qualquer sentido. Mesmo depois de quinze anos. Foi só olhar para ela e eu soube. Tudo nela mudara, mas eu a reconheci só pela maneira de caminhar. Só pelo seu jeito.
Hermione Granger.
* The Beatles, Golden Slumbers
N/A: Qualquer semelhança com X-Men: A Era do Apocalipse não é mera coincidência. Essa saga da Marvel, lançada no Brasil entre os anos de 1997 e 1998, serviu como fonte de inspiração para esta fic. Inclusive quanto ao cabelo do Draco.