DE VOLTA À CAPELA

Catorze anos depois de deixar a unidade de combate ao crime juvenil, "Anjos da Lei", sediado numa capela abandonada na Jump Street, 21, o policial Thomas Hanson, agora capitão, volta à cidade natal depois de morar uns tempos em Nova York, e decide recomeçar o projeto.

CAPÍTULO 1 - RECOMEÇO

Thomas Hanson parou seu Mustang 68 azul prateado em frente à antiga capela da Jump Street, número 21, e ficou olhando para o pequeno prédio abandonado por alguns instantes. Continuava exatamente igual, pensou ele. Estar ali, depois de tantos anos, era um desafio. Um desafio que ele havia proposto a si mesmo. Catorze anos depois, ele finalmente havia decidido sua vida.

Hanson desceu do carro e caminhou lentamente em direção aos fundos da capela, com as mãos enfiadas nos bolsos do casaco preto. Era inverno e uma chuva fina começava a cair naquela manhã. Subiu, rapidamente, os degraus e apenas empurrou a porta semi-aberta e sem fechadura. Ao entrar, deparou com o que antes foi a sede de uma importante organização de combate ao crime nas escolas, o projeto "Anjos da Lei". Bastante à vontade, Hanson caminhou tranqüilamente pelo estabelecimento abandonado. Viu as mesas reviradas, provavelmente, por vândalos que passavam por ali à noite. Algumas paredes estavam grafitadas. O bastão, igual ao de uma corporação qualquer do corpo de bombeiros, e por onde Doug e Ioki costumavam descer, estava desbotado e enferrujado. As janelas estavam sujas e algumas delas com os vidros quebrados.

Hanson passou pelo vestiário, onde fazia brincaderias com Penhall e Blowfish. Desceu as escadas em espiral e olhou melhor para as mesas, especificamente, para aquela que um dia foi sua. Finalmente, tirou uma das mãos do bolso e tocou sua superfície. Um pequeno sorriso saiu, com dificuldade, no canto esquerdo de seus lábios. Olhou para a mesa ao lado, onde Doug Penhall ficava, e balançou a cabeça, lembrando do amigo. Depois, Hanson foi à sala principal, onde, quando funciona ali uma capela, ficava a sacristia, e que ele apenas conheceu como o gabinete do capitão da unidade policial que foi instalada mais tarde. Era a memória de Adam Fuller atrás daquela mesa velha e suja que lhe vinha à mente, mas Hanson ainda pensava em Richard Jenko, seu primeiro capitão no "Anjos da Lei", que lhe havia ensinado os verdadeiros princípios de um policial disfarçado.

Ele se aproximou da mesa, e assim como tocou a sua, instantes antes, tocou aquela. Olhou à volta. Era um dos poucos lugares bem conservados na capela. O armário com o arquivo ainda estava lá. Algumas gavetas faltavam, mas estava no mesmo canto da sala como ele lembrava, há catorze anos. Hanson colocou a mão de volta no bolso, pois uma brisa fria vinha pela janela quebrada, e ao se virar, olhando para a porta, lembrou da primeira vez que passou por ela, e a surpresa que teve ao conhecer seu novo superior.

"Vai ter que mudar o seu jeito", foram as palavras de Jenko, quando o aceitou como novo oficial na unidade.

"Como assim?", perguntou Hanson, que havia acabado de ser transferido da patrulha para o projeto que podia aproveitá-lo como policial trabalhando disfarçado em escolas, combatendo o crime na sua essência.

"Pra começar", respondeu Jenko, com seu jeito hippie, vestido em roupas coloridas, e as madeixas caídas desarrumadas fora de um boné desbotado, "esse seu cabelo de Jackie Kennedy".

Hanson sorriu ao lembrar daquelas palavras. Eram tão tolas, mas significaram o começo de algo muito maior que estava por vir. Lembrou, então, subitamente, da sua primeira missão na unidade, trabalhando disfarçado para capturar um traficante. E sorriu mais uma vez quando lembrou do episódio num beco, em que prendeu o suposto traficante, libertado logo em seguida, pelo simples fato de que não era droga que ele lhe havia vendido, mas meias sujas. Lembrou da fúria de Jenko, que estava há semanas na tentativa de capturá-lo. Hanson teria se lembrado de outras situações engraçadas com Jenko, até recordar o dia em que ele morreu, vítima de um acidente de trânsito ocasionado por um motorista bêbado. Não havia nem dois meses que ele estava na unidade, e havia perdido o capitão que aprendeu a admirar.

Mas Hanson voltou a sorrir ao lembrar da chegada de Adam Fuller, e como ele e seus colegas haviam refutado a idéia do "Anjos da Lei" continuar sem Jenko. Lembrou das exatas palavras de Fuller, no sentido de que não queria substituir o capitão Jenko, que não era essa a sua pretensão, e sim, seguir adiante num projeto no qual ele acreditava. Com o olhar perdido, Hanson pensou na ironia da situação. Por muitos anos ele havia desacreditado no sistema. O trabalho policial havia se tornado enfadonho e, ser um policial disfarçado em meio à juventude transviada o tornou completamente desanimado e transtornado.

"Tem certeza que é isso o quê você quer fazer?", perguntou Penhall, da última vez que o viu, antes de sair da cidade. Estavam na garagem da capela, encostados na caminhonete amarela de Doug, numa noite fria.

"Você sabe como tem sido difíceis esses dias", disse Hanson, que, naqueles tempos, vivia a maior dúvida de sua vida. "Talvez uma transferência, para outra unidade, numa outra cidade, possa mudar minha perspectiva".

"Uma pena, Tommy", disse Penhall, e Hanson lembrava de cada detalhe daquela conversa, e de como o amigo estava feliz naquela época, quando Clavo havia entrado na sua vida e a estava completando cada vez mais, "vou sentir sua falta", e conclui: "Mas fico feliz por você não estar abandonando a carreira policial. Está no seu sangue. Eu sempre soube disso".

Hanson sorriu. Realmente, Doug sempre soube. Ele acreditava mais no potencial de Hanson do que ele próprio um dia imaginou poder acreditar. E sempre quando a dúvida lhe vinha, era o amigo que o lembrava o quanto seu pai havia sido um policial honrado e respeitado por toda uma corporação. E foi esse entusiasmo de Doug que o impediu de fazer o que ele achava que mais precisava fazer: deixar a polícia. A decisão de simplesmente mudar o havia tornado mais forte. Nova York o havia amadurecido. E depois de cinco anos como detetive no Departamento de Narcóticos, e quatro como capitão de uma unidade especial ao combate do tráfico de drogas nas escolas nova- iorquinas, Hanson estava preparado para retomar o projeto que um dia o havia dado um novo ângulo do verdadeiro trabalho policial, o "Anjos da Lei", pois, como Doug Penhall um dia lhe havia dito, ser policial estava no seu sangue, e trabalhar naquela organização era, definitivamente, a sua vida, aquilo pelo qual, por tanto tempo, ele se preparou para enfrentar com maior experiência.

Continua...