24 horas
Sinopse: Rony está preso no tempo, mais precisamente, no dia da véspera de Natal, e é o único que sabe disso. Os dias se repetem sempre iguais e, além disso, para piorar, ele tem algo muito importante para fazer que não consegue: dizer o que sente para Hermione.
Spoilers: Livro 4.
Shipper: Rony/Hermione.
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Capítulo Um – Apenas mais um dia comum
Há muitas coisas estranhas acontecendo por aí. Coisas que não conseguimos explicar. Algumas, nós esquecemos ou não nos importamos, mas outras é impossível deixar passar em branco. Coisas assim acontecem com mais freqüência se você for um bruxo.
Você já teve a sensação de que já esteve em algum lugar antes? Ou então, que uma determinada cena da sua vida já aconteceu? Que alguma pessoa já fez ou disse uma mesma frase em uma outra ocasião? Pois é, isso já aconteceu comigo. Nem faz muito tempo na verdade... Foi quando eu tinha quinze anos.
Eu nunca fui de me preocupar muito com as coisas que acontecem na minha vida ou com os meus atos. Meus amigos e minha família chamam isso de imprudência. Eu chamo de não ser neurótico.
Era uma véspera de Natal quando aconteceu. No dia anterior eu tinha deixado o despertador ligado para me acordar às oito da manhã (o que, diga-se de passagem, é muito cedo para um dia de férias) porque eu combinei com Harry, meu melhor amigo, de treinarmos um pouco no campo de quadribol. Porém, eu esqueci de desligar o bendito relógio, e ele tocou bem na hora que eu estava tendo um dos meus melhores sonhos... Quer saber com quem eu estava sonhando? Isso não lhe diz respeito, e também não vem ao caso agora.
Nem cheguei a abrir os olhos. Despertei irritado e tateei com a mão na mesa de cabeceira, tentando achar o maldito despertador. Não achei, e ele continuou com aquele barulho irritante. Aquilo já estava me deixando nervoso.
- Desliga essa porcaria, Rony! – Harry gritou da cama ao meu lado. Neville, que estava do outro lado do quarto, se revirou fazendo barulho. Eu, Harry e Neville éramos os únicos que tínhamos ficado para passar o Natal em Hogwarts do nosso dormitório naquele ano.
- Tô tentando! – resmunguei, mas percebi que não conseguiria desligar aquele troço de jeito nenhum. Sonolento, abri os olhos e dei um tapa barulhento no despertador. Mas minha vontade era mesmo jogá-lo na parede.
Olhei para o meu lado. Harry me encarava com uma expressão nada amigável, se bem que os olhos dele não me focalizassem direito: ele estava sem óculos. Ele bufou e meteu a cara no travesseiro.
Suspirei e me virei na cama, fechando os olhos e tentando dormir novamente. Neville roncou alto; ele tinha bem mais facilidade em pegar no sono do que eu, provavelmente. Abri novamente meus olhos e encarei o teto da cama de dossel. Já estava completamente desperto.
- Harry...
- O que é? – ele perguntou com um resmungo.
- Você também não consegue mais pegar no sono?
- Se você parar de falar comigo talvez eu consiga.
- Você não vai conseguir. – eu disse com convicção, sentando na cama. Depois de acordado, eu tinha me lembrado de algo que queria conversar com Harry.
Ele virou o rosto para me ver, ainda de bruços. Estreitava os olhos para poder me enxergar direito.
- O que você quer, hein, Rony?
- Lembra do que a gente conversou ontem?
Harry piscou e me olhou com uma cara de tonto.
- Espera um pouco que eu ainda não acordei direito. – ele disse, sentando-se e esfregando os olhos. Colocou os óculos redondos, respirou fundo e, finalmente, parecia disposto a conversar. – O que conversamos ontem? Você quer dizer, o assunto sobre a -
- Ela mesma. – eu o cortei rapidamente. Não queria falar o nome dela alto, pois Neville poderia não estar dormindo realmente. Eu só conseguia dividir essa minha aflição com Harry, e não queria que mais ninguém soubesse.
- O que é que tem?
- Pois bem. – comecei, tentando escolher as palavras. – Eu estive pensando... ontem, antes de dormir... Quem sabe se eu não conversasse com ela hoje? Você sabe... estamos no Natal, e nessa data as pessoas sempre ficam mais amolecidas. Até as garotas. Talvez ela não me xingue se eu conversar com ela logo hoje.
Harry me olhou como se eu fosse idiota ou algo do gênero.
- Rony, ela não vai te xingar. A Hermione -
- Shhh! – eu falei alarmado, tentando checar ver se Neville estava mesmo dormindo. – Não é para falar o nome dela!
Harry suspirou desanimado.
- Ela não vai te xingar, tá bom? – ele continuou num sussurro, mas um pouco irritado. – Tá que ela pode implicar com você às vezes...
- Quase sempre.
- Tá. Mas ela não ficaria brava com um assunto delicado desses.
- Como você pode saber?
- Eu sou amigo dela tanto quanto você. Tenho certeza que ela não é uma garota insensível.
- Mas...
- Ah, Rony, você já tá me enervando com toda essa insegurança! – Harry exclamou, levantando-se e caminhando até o banheiro. Fiquei algum tempo ainda sentado na cama, até que resolvi me levantar e segui-lo. Encostei-me no batente da porta, observando-o escovar os dentes.
- Você não pode falar nada. Também é inseguro com relação a garotas.
- Não estamos falando de mim. – ele disse muito rápido, cuspindo a pasta na pia. – O assunto é você, e eu acho que não dá mais para adiar isso. Fale com ela hoje.
- Quando?
- Quando tiver uma oportunidade, oras. Ou então crie uma.
Pensei por alguns instantes. Harry tinha razão. Eu estava mesmo fazendo tempestade num copo d'água. Hermione não me xingaria se eu dissesse para ela que... puxa, era difícil até repetir isso para mim mesmo.
Ok, eu demorei para perceber, mas finalmente eu tinha notado que estava gostando, gostando mesmo, da Hermione. Acho que o dia em que eu me dei conta disso foi quando entrei no Sala Comunal e a vi respondendo uma carta do... arg... Victor Krum. O pior é que ela estava com um grande sorriso no rosto e nem se encabulou de me contar para quem estava escrevendo! E nem se importou quando eu comecei a perturbá-la a respeito!
"Diga o que quiser, Rony. O que você diz ou deixa de dizer não me importa."
Acho que fiquei em estado de choque por uns cinco minutos depois de ouvir essa frase saindo da boca dela. E isso me fez pensar. Cheguei à conclusão que... sim, eu estava com ciúmes. Muitos ciúmes, e é preciso sublinhar isso. E o meu dilema começou. Como contar para Hermione que eu gostava dela?
Por um tempo, resolvi que o melhor era esperar. Eu nem tinha certeza mesmo! Mas aí comecei a pensar: e se eu a perder para o Krum? Então tive certeza que deveria me apressar.
A única pessoa com quem comentei isso foi com o Harry, e fiquei surpreso quando ele disse que já tinha percebido isso. "Está escrito em letras de forma na sua testa, Rony: 'Eu gosto de você, Mione'. Qualquer um consegue ler.", ele me disse. Tive vontade de socá-lo.
Mas Harry também não tinha muita experiência com garotas. Ele virava um idiota quando estava à uma distância menor que dois metros de Cho Chang. Harry bem que tentava me ajudar, mas nós dois estávamos no mesmo barco. Tínhamos as mesmas dúvidas e os mesmos problemas. A diferença era mesmo as garotas. Se bem que eu sempre tenha achado que a situação de Harry era mais cômoda. Ele não estava gostando da sua melhor amiga, como eu. E ainda bem que ele não estava gostando da sua melhor amiga, porque senão nossa amizade ficaria abalada. Terrivelmente abalada. Oh, não, isso se chama ciúmes...
- Rony, você vai ficar até quando parado na porta com essa cara de bobo?
Despertei dos meus devaneios ao ouvir a voz de Harry bem aborrecida. Levei um susto e me encostei no batente para ele poder passar. Ouvi os passos apressados do meu amigo e o ronco particularmente barulhento de Neville.
- Então você acha que eu só preciso de uma oportunidade...
Harry me encarou com um olhar indolente.
- Tudo bem, Rony. Eu mesmo vou criar uma oportunidade para vocês dois.
- NÃO!
Harry deu um passo para trás depois do meu grito. Neville se sentou na cama, esfregando os olhos.
- Onde tá pegando fogo? – ele murmurou sonolento.
- Na masmorra do Snape. – Harry respondeu mal humorado. – Não precisa acordar só por causa disso, Neville.
- Ah, tá...
E Neville caiu na cama novamente, para pegar no sono logo depois. Suspirei cansado.
- Você não vai aprontar nada, não é, Harry?
Ele sorriu marotamente.
- Eu? Acho que você está me confundindo com outra pessoa... Eu nunca faço nada sem permissão...
A risadinha de Harry acompanhou seus passos enquanto ele saía do dormitório. Neville se sentou novamente na cama, com uma expressão assustada no rosto redondo.
- Tá pegando fogo mesmo?
Bati a mão na testa com força. Aquele dia não estava começando bem.
- Dorme, Neville...
*******
- Você não vai fazer nada, Harry. Eu não vou deixar.
Insisti com esse assunto ao longo de todo o corredor e depois as escadas, cercando Harry por todos os lados. Mas ele não respondia, apenas sorria como se estivesse tendo uma ótima idéia.
- Harry, eu já disse... Se você aprontar alguma, eu juro que -
- A sua voz tá atrapalhando meus pensamentos, Rony. Aaaarre!!!
Bichento atravessou nosso caminho, correndo atrás de um rato. Harry parou a tempo, mas eu não, e acabei tropeçando no gato, caindo de joelhos e rolando pelos degraus que restavam da escada. Ainda bem que não eram muitos.
- Ai...
Quando finalmente parei de cair, batendo no chão sólido, vi o rosto de Harry invertido sobre minha cabeça. Ele parecia fazer muita força para não gargalhar de mim.
- Vai, pode rir...
O rosto de Harry sumiu, e eu pude ouvir quando ele explodiu em risadas. Fechei os olhos, sentindo meu corpo doer. Quando os reabri, levei um susto tão grande que acabei sentando rapidamente, sem me importar com a dor na região das costelas que me abateu violentamente ao fazer isso.
- Tá tudo bem, Rony? – Hermione perguntou levemente abaixada e com as mãos postadas nos joelhos.
- Ah... erm... tudo, Mione.
Talvez fosse só impressão, mas Harry começou a rir mais e mais alto.
- Mas que tombo, hein? O que aconteceu? – ela perguntou, oferecendo uma mão para me ajudar. Olhei hesitante para ela antes de aceitar, e foi como se passasse uma descarga elétrica pelo meu corpo assim que toquei a mão de Hermione. Cara, eu estava ficando realmente bobo com tudo aquilo.
- Eu...
- Andou bebendo, foi, irmãozinho? – Fred perguntou subitamente, surgindo pelo mesmo lugar no qual eu tinha rolado há poucos instantes.
- Oh, o que mamãe vai pensar disso? – Jorge falou num tom dramático. – Imagine, ter um filho envolvido no vício da bebida?
Eu realmente poderia tê-los matado apenas com meu olhar, mas infelizmente Fred e Jorge foram mais rápidos e saíram pelo buraco do retrato antes que eu pudesse dizer algo desagradável a eles. Ficamos os três a sós na sala: eu, Hermione e Harry. Meu estômago revirou quando Harry fez um sinal para mim atrás de Hermione e falou alto:
- Eu acho que vou junto com os gêmeos... Sabe como é, eu preciso mesmo conversar com eles sobre um negócio do time de quadribol... Vejo vocês mais tarde no café da manhã.
Antes de sair, o desgraçado ainda piscou para mim e fez um sinal de positivo. Se eu não tivesse começado a ficar com aquela terrível dor de estômago, juro que teria saído correndo atrás de Harry para socá-lo até os óculos dele ficarem em pedacinhos.
Mas eu não fiz isso, e Hermione se virou para mim com um olhar de curiosidade. Eu não sabia onde meter a cara. Era incrível como, desde que eu tinha percebido que gostava dela, não era mais o mesmo quando estava a sós com ela.
- Vocês estão muito esquisitos hoje... – ela comentou cruzando os braços. – Andaram aprontando, é?
- Erm... não.
Ela me olhou com descrença.
- Então, acho melhor irmos também. Ou você quer fazer mais alguma coisa aqui?
- Não... quer dizer, sim!
- Não ou sim? – ela perguntou aborrecida.
- Sim. – puxa, como meu estômago revirou naquela hora. Achei que fosse vomitar. – Sabe, Mione...
- Eu não sei de nada, Rony.
Comecei a fazer círculos no chão com a ponta do meu pé, sempre tentando olhar para qualquer coisa que não fossem os olhos de Hermione.
- Eu queria te dizer uma coisa... mas... não sei por onde começar...
Era agora. Harry tinha me deixado a oportunidade, e mesmo que eu estivesse bravo com ele por isso, eu poderia tentar aproveitar, não é? Talvez aquele fosse o momento pelo qual eu tivesse esperado tanto tempo.
- Comece pelo começo.
- Bem, então tá. – respirei fundo, tentando sugar todo o ar à minha volta. Minhas mãos estavam ficando suadas, e eu comecei a sentir minhas orelhas queimarem. – Há algum tempo que eu -
- Bom dia!
O ar se esvaiu dos meu pulmões quando ouvi a voz de Neville me interrompendo. Hermione descruzou os braços e olhou para o menino com um sorriso amigável.
- Bom dia, Neville!
Levantei meus olhos com tanta fúria para ele, que Neville ficou branco de medo. Ele "só" tinha aparecido na hora mais errada. Quando eu finalmente tinha reunido coragem... puf! Neville apareceu e atrapalhou tudo. Ele pareceu notar que não estava sendo muito bem-vindo por mim, e resolveu ir embora.
Hermione olhou para mim com uma expressão de reprovação que só ela sabia fazer. Não, talvez a Profª. McGonagall também tivesse uma expressão parecida quando tirava pontos de mim.
- Isso não foi legal, Rony.
- Ele me atrapalhou!
- Atrapalhou no quê? Seja o que for, você pode me falar agora, não é?
Oh, não. Agora eu tinha que começar tudo de novo! Definitivamente, as palavras não queriam sair dos meus lábios. Mas eu abri a boca, tentando reunir todo o ar novamente, como se ele fosse me encorajar.
- Miau!
Fechei a boca. O barulho de uma pequena explosão se sobrepôs aos miados. Hermione olhou intrigada para os lados.
- Parece o Bichento!
Ela subiu rapidamente as escadas do dormitório masculino, e eu suspirei cansado. Já era a segunda vez que aquele gato me atrapalhava numa manhã só. Ele bem que estava merecendo um chute no rabo.
Subi as escadas atrás de Hermione e quase caí para trás novamente quando ela gritou.
Bichento parecia ter acabado de sair de dentro da lareira. Seus pêlos amarelos estavam todos chamuscados e, ao lado dele, estavam os restos acinzentados do que, um dia, fora um rato.
- FRED E JORGE!
Cinco minutos depois, Hermione estava gritando os nomes dos meus irmãos, carregando em seus braços um Bichento tostado. Harry, Gina e Neville, que também estavam na mesa da Grifinória, no Salão Principal, tomando o café da manhã, olharam curiosos para o que estava acontecendo. Quanto à mim, desabei sobre uma cadeira ao lado de Harry, bufando de raiva enquanto observava a discussão entre Hermione e os gêmeos.
- Olhem o que vocês fizeram com o meu pobre Bichento! – ela gritou alterada, quase enfiando o gato bem no meio da cara de Fred e Jorge. – Vocês deram um dos seus ratos explosivos para ele perseguir, não é?
- Bem, Hermione, você tem que entender que nós precisávamos testá-lo... – Jorge começou.
- E pelo que dá para ver, ele funcionou muito bem. – Fred emendou, observando com atenção o Bichento chamuscado.
- E TINHAM QUE TESTAR ESSA PORCARIA BEM NO MEU GATO?
- Ele era o único disponível...
Escorreguei um pouco mais no assento, puxando um pão e arrancando um pedaço dele para mastigar. Aquela discussão demoraria a acabar e, além disso, não importava o quanto demorasse; eu já tinha perdido o empenho para falar com Hermione de qualquer maneira mesmo...
Gina e Neville começaram uma conversa sobre os preparativos da festa de Natal do dia seguinte, enquanto Harry se virava para mim, entornando um copo de suco de abóbora.
- E aí?
- Aí o quê?
- Na Sala Comunal, criatura! Foi? – Harry perguntou ansioso. Se eu não estivesse tão chateado, até que acharia engraçado o estado do meu amigo; às vezes ele parecia mais ansioso do que eu mesmo para que Hermione e eu nos acertássemos.
- Ah... não foi.
Harry cuspiu todo o suco que tinha colocado na boca bem em Gina, e ela teve a presença de espírito para se esconder embaixo da mesa bem na hora. Quando ela reapareceu, seu rosto estava tão vermelho quanto os cabelos.
- Ei, que idéia foi essa?
Mas Harry não deu atenção a ela. Ele estava mais preocupado em colocar seu dedo indicador bem meio dos meus olhos e gritar no meu ouvido.
- COMO NÃO FOI?
Até mesmo Hermione parou de gritar com meus irmãos para ver o que estava acontecendo. Bichento cuspiu cinzas no seu colo.
- Eu arrumei certinho para você, Rony! – Harry gritou indignado.
- Harry, cala a boca... – eu disse baixinho entredentes, observando com o canto dos olhos os outros nos observando.
- Era a sua oportunidade!
CLEC.
- Ai!!!
Harry escorreu na cadeira, seu rosto muito contorcido pela dor. Eu tinha acabado de dar um pisão certeiro no seu pé.
- O que está acontecendo? – Hermione perguntou chocada. Fred e Jorge começaram a gargalhar, seguidos de Gina e Neville. Harry ainda gemia ao meu lado.
- Nada. – eu disse cinicamente. – Nada mesmo, pode voltar a gritar com meus irmãos, Mione!
- Como nada? – Fred perguntou rindo. – O Harry tá agonizando!
- Ele só teve um probleminha... pequenininho! – remendei, abrindo um sorriso deslavado. Harry me olhou com raiva profunda.
- Você me paga por isso, Weasley! – ele rosnou baixinho.
- Ah, é? Espere e verá o que vai acontecer com você, Potter! – eu retruquei.
Hermione suspirou cansada.
- Ah... tudo bem. Acho que vou levar Bichento para Hagrid cuidar dele.
- Ufa... – Jorge desabafou, limpando um suor imaginário da testa. – Seja lá o que vocês dois tenham feito, nos ajudaram bastante... Eu não agüentava mais essa menina gritando com a gente!
- É... – Harry disse emburrado. – Isso me custou meu pé. Acho que nunca mais vou conseguir caminhar direito.
- Neville, me passa a garrafa de suco de abóbora. – Fred pediu.
CRAC. SPLASH.
- NEVILLE! – Gina gritou; suas vestes estavam completamente ensopadas pelo suco de abóbora. Neville tinha deixado a garrafa cair, quebrar sobre a mesa, e o suco derramou bem sobre a garota.
- De-desculpe...
- Depois que desculpa foi inventada muita gente deixou de apanhar! – ela retrucou com os olhos faiscando. – Hoje é realmente o dia para todos me jogarem suco de abóbora, né? – ela olhou feio para Harry e saiu batendo os pés.
- Mulheres... – Fred comentou, como se fosse um grande sábio. – Sempre parecem que engoliram pimenta.
Abaixei minha cabeça sobre a mesa. Aquele realmente seria um dia longo...
*******
Bati meu pé no chão, impaciente. Meus braços estavam cruzados.
- Quanto tempo ela ainda vai demorar?
Harry deu de ombros.
- Bem, Rony, se você pretende mesmo ficar com ela, vai ter que se acostumar.
- Harry, promete pra mim que vai parar com isso. POR FAVOR!
- Não.
- Você me paga.
- Mais tarde. Ela está chegando.
Hermione se aproximava de nós dois com um sorriso grande no rosto. Só faltava ela para podermos ir, finalmente, a Hogsmeade. Como era véspera de Natal, foi permitido que os alunos fizessem uma visita ao povoado, para comprarem os presentes de Natal.
- Hagrid já cuidou do Bichento. – a garota informou assim que se aproximou de mim e Harry. – Ele disse que não era nada grave, o rato só soltava fumaça fedorenta, afinal.
- É, não precisava todo aquele escândalo no final das contas... – eu provoquei. Provocar Hermione era meu passatempo favorito. O mais divertido era ver o rosto dela inchar de raiva.
- Eu não fiz escândalo nenhum! Vocês fizeram! – ela retrucou irritada, apontando para mim e Harry.
- Você faria o que se seu pé fosse esmagado? – Harry perguntou choroso, encarando seu pé com dó.
O vilarejo de Hogsmeade não estava com muito movimento naquela tarde. Havia dois motivos: o primeiro era que poucos alunos tinham ficado para passar o Natal no castelo, e o segundo era o frio. Não nevava naquele momento, mas o vento gelado cortava os rostos pálidos, sempre emoldurados por grossos e peludos cachecóis. O chão estava escorregadio devido ao gelo, e não havia uma pessoa sequer que não andasse encolhida tentando se proteger do frio e do vento.
- Onde vamos primeiro? – eu perguntei ligeiramente aborrecido por causa do frio e do dia que estava tendo.
- Que tal tomarmos algo quente no Três Vassouras? – Harry sugeriu, esfregando as mãos enluvadas. – Faria bem esquentar um pouco...
- Não... Nós ainda nem compramos os presentes! – Hermione falou.
- Mione, eu estou congelado demais para comprar presentes agora!
- Mas temos que aproveitar enquanto não começa a nevar, Rony! – ela apontou uma loja de departamentos. – Vamos lá.
Harry e eu nos entreolhamos. Tínhamos escolha? Não. Hermione sabia ser bastante manipuladora se quisesse, e nós não pagaríamos para ver.
Alguns alunos em passeio também estavam na loja. Olhei para a seção de gibis e tive uma visão desagradável. Draco Malfoy e seus capangas liam as minhas revistinhas em quadrinhos favoritas: "As aventuras de Martin Miggs, o trouxa pirado" e riam feito trasgos. Senti algo puxando minha capa; Hermione estava me arrastando, assim como também fazia com Harry, pressentindo o perigo de uma briga se nós dois nos aproximássemos de Draco Malfoy.
Ela nos conduziu até o segundo andar, e eu me perguntei se não seria melhor termos ficado no andar de baixo, com Draco Malfoy e tudo. O andar onde estávamos era a seção feminina da loja.
- Eu não vou ficar aqui. – disse eu, dando meia volta, mas ela me agarrou pela gola da camisa.
- Vai sim, Sr. Weasley! E nem tente escapar, Harry! – ela falou no mesmo instante em que Harry tentava sair discretamente pelos fundos. – Eu preciso ver umas coisas aqui, e vocês vão me ajudar!
- Mione, se alguém nos vir aqui estaremos ferrados! – Harry tentou explicar.
- Se Draco Malfoy nos vir aqui nossa reputação estará acabada! – eu disse com desespero. – Pior, imagina se Fred e Jorge nos vissem aqui!
- Seria o fim...
Hermione bufou exasperada.
- Tem artigos masculinos ali! – ela apontou umas prateleiras num canto muito afastado e abandonado. – Vão até lá e não me perturbem!
E ela saiu batendo os pés até chegar na ala dos perfumes. Harry e eu nos entreolhamos novamente.
- Vai se acostumando para quando casarem. – ele me provocou num tom divertido.
Peguei a primeira coisa que vi na frente (um bichinho de pelúcia) e atirei bem no meio da cara de Harry.
Não havia muita coisa masculina para olhar na ala que Hermione nos apontou. Aliás, ela tinha nos enganado: não havia quase nada que pudéssemos olhar sem parecermos ridículos. Acabamos por nos distrair em rir das coisas esquisitas que mulheres usavam.
- Olha isso! – eu falei, mostrando um sapato cor de rosa com um salto de uns vinte centímetros. – Como elas conseguem andar em cima disso?
- Isso é trauma por serem baixinhas.
Eu e Harry começamos a rir, mas paramos e nos escondemos assim que vimos uma dupla de meninas da Lufa-lufa entrando.
- Ei, eu gostei disso. – Harry comentou, apanhando um par de brincos que estava jogado numa prateleira.
- Gostou, é? Tô te estranhando, Harry...
Ele me mostrou a língua.
- É para uma pessoa, seu idiota.
- Uma pessoa? Uma pessoa que está entrando nesse exato momento?
Harry se virou e viu o mesmo que eu: Cho Chang e mais um grupo de meninas da Corvinal entravam na sala. Harry ficou tão nervoso que encostou na prateleira de bolsas e algumas delas rolaram para o chão
- Você vai dar um presente de Natal para a Cho? – eu perguntei assim que nos abaixamos para apanhar as bolsas e aproveitar para nos esconder.
- Não sei... – ele murmurou um pouco sem jeito. – Eu não sei se vou ter coragem.
- Ah, Harry, ela não vai te xingar por você ter escolhido um presente para ela!
Ele observou o par de brincos.
- Você acha que ela vai gostar disso?
- Vem perguntar pra mim? Eu não sou garota para saber!
- E você? Vai dar um presente para a Mione?
- Claro que sim. Eu dou em todos os Natais, dã.
- Eu quero saber se você vai um presente especial, dã.
- Especial como?
- Alguma coisa que não sejam livros.
- Mas ela gosta de livros.
- Do quê vocês tão falando aí embaixo? – uma voz feminina perguntou sobre nossas cabeças. Tremi involuntariamente.
- Nada...
Levantei subitamente para ver Hermione. Ela segurava um frasco de perfume de um tom azul escuro nas suas mãos e me olhava intrigada. Harry acabou tendo que catar as bolsas espalhadas sozinho.
- Eu, hein? Vocês estão esquisitos...
Harry propositadamente derrubou algumas bolsas para longe e foi buscá-las. Eu e Hermione acabamos ficando sozinhos novamente.
- Erm... o que é isso? – eu perguntei, tentando quebrar o silêncio.
Ela levantou o perfume.
- Isto?
- É.
O sorriso de Hermione ficou estranhamente grande. Ela destapou o frasco e praticamente o enfiou nas minhas narinas. A fragrância era refrescante e agradável. Ela tinha bom gosto.
- O que você acha? – ela perguntou ansiosa.
- Eu gostei... é masculino, não é?
- É sim. – ela sorriu novamente, fechando o frasco. – Então você gostou...
- Pra quem é? – eu perguntei um pouco rabugento.
- Isso não é da sua conta. – ela respondeu misteriosa.
Senti que estava começando a ficar com aquela sensação de contração no topo do estômago. Era raiva. Mas eu custava a aceitar que na verdade era ciúmes.
- É para o "Vitinho"?
Ela riu.
- E se for? O que você tem haver com isso?
Hermione nem permitiu que eu respondesse. Ela me deu as costas e foi embora. Apenas fiquei parado, encarando-a com aquela sensação de fúria crescendo dentro de mim. Harry se aproximou.
- E aí?
- Ela vai dar um perfume para o "Vitinho"...
Harry virou o rosto e ficou olhando as costas de Hermione. Seus olhos se estreitaram com astúcia.
- Vitinho... sei.
E eu estava com tanta raiva que não notei o tom irônico na voz dele.
*******
A noite estava escura e gelada. A neve fustigava as janelas fechadas da Sala Comunal, mas dentro do lugar estava quente; a lareira queimava em chamas brilhantes e nem precisávamos usar muitos casacos.
- É só um maldito peão! – Harry brigou com seu bispo. – Acaba com ele, acaba com ele!
Eu e Harry já estávamos na terceira partida de xadrez daquela noite. É claro que eu já tinha ganho as duas primeiras. Hermione e Gina nos observavam. Hermione bocejava de vez em quando, mas Gina dava cabeçadas de sono.
- Você viu isso? – Harry apontou quando seu bispo estraçalhou meu peão. Mas eu via além e sorri vitorioso.
- D5. – falei calmamente. Harry observou abobado enquanto minha rainha cercava o rei dele. – Xeque-mate.
- Isso não vale...
- É claro que vale. Eu te venci novamente, Harry...
- Quer saber, eu tô cansado disso. – ele falou emburrado. – Vou dormir.
- Acabou? – Gina perguntou subitamente, parecendo que tinha despertado naquele momento. – Ai, graças a Deus... quer dizer, mas que pena...
Hermione rapidamente transformou um acesso de risadas em um acesso de tosse.
- Quem ganhou? – ela perguntou bocejando.
- Quem mais poderia ganhar? Eu!
Harry revirou os olhos.
- Pra mim chega! – ele exclamou, levantando-se. – Boa noite pra vocês.
- Eu também vou dormir. – disse Gina, soltando um longo e pronunciado bocejo. – Boa noite...
E, mais uma vez, eu e Hermione ficamos sozinhos. Ela abraçou as pernas, observando o tabuleiro. Eu rapidamente comecei a guardar as peças.
- Você não vai dormir também? – perguntei tentando quebrar o silêncio constrangedor.
- Agora não tô mais com sono...
- Quer jogar?
Ela riu baixinho.
- Melhor não. Você ganharia de qualquer jeito mesmo. Você é muito bom em xadrez, Rony.
Abaixei o rosto, sentindo as orelhas arderem. Era esquisito receber elogios de Hermione. Ela geralmente só apontava meus defeitos...
- E então? Comprou todos os presentes que queria?
- Sim. Comprei todos. – ela disse satisfeita. – Aliás, comprei o seu e o do Harry, e vocês nem notaram...
- Bah... – resmunguei, levantando-me e colocando o tabuleiro de xadrez numa das poltronas. – Grande coisa, eu também comprei o seu e o do Harry sem vocês perceberem...
Quando me virei para olhá-la foi que reparei em algo que me fez engolir em seco. Harry não tinha ido dormir na realidade; ele estava escondido ao pé das escadas, fazendo um feitiço de levitação. E o que ele estava levitando era nada menos que um visco. Eu sabia muito bem o que acontecia quando um casal se sentava debaixo de um visco... Tinha que impedir Hermione de ver aquilo, ou a situação ficaria embaraçosa.
- E... qual é o meu presente? – perguntei, sentando-me ao lado dela e tentando atrair sua atenção para mim. O visco pairava bem sobre nossas cabeças.
- É claro que eu não vou contar!
Eu podia ver Harry fazendo gestos ridículos para que eu beijasse Hermione. Droga, por que ele não ia embora? Eu tinha que dar um jeito de ele ir embora sem Hermione perceber, mas isso era mais difícil do que domar um hipogrifo raivoso.
- Hermione, aquele ali não é o Bichento? – perguntei rapidamente, apontando para debaixo de um sofá. Hermione se virou para olhar aonde eu tinha apontado enquanto eu atirava a primeira coisa que vi por perto em Harry: um copo cheio de água.
Harry se escondeu bem na hora que o copo se estatelou na parede, quebrando e molhando o tapete com água. Hermione virou sua cabeça rapidamente para ver o que tinha acontecido. O visco que Harry fazia flutuar sobre nós caiu, e eu o escondi dentro do bolso da camisa.
- Você fez isso, Rony? – Hermione se virou novamente para me olhar, espantada.
- Eu? Imagina, Mione... Por que eu faria isso?
Ela com certeza não acreditou na minha mentira. Eu pude ver, atrás dela, Harry me olhando muito aborrecido e desistindo de me ajudar. Ele subiu, batendo os pés, mas Hermione parecia muito ocupada em me observar para ouvir o barulho.
- Você tá muito esquisito mesmo, Rony...
Hermione se levantou. Eu, sem saber por quê, segurei a mão dela, impedindo que fosse embora.
- Espera, Mione.
Os olhos dela rapidamente encontraram nossas mãos entrelaçadas. Senti minhas orelhas ficarem excessivamente quentes. Meu coração batia tão rápido que chegava a doer. E se eu contasse? Deveria dizer naquele momento? Eu não queria que ela fosse embora...
- Fica mais um pouco, Mione. – eu disse, sem saber de onde estava arrancando tanta coragem.
Ela estava sem palavras. Sentou novamente, e eu ainda não tinha soltado a mão dela. Estranhamente, ela não tentou soltá-la também. Ficamos apenas nos olhando por alguns minutos, e eu a admirei pasmo. Era impressionante como nunca tinha notado como ela estava diferente. Não era mais aquela menina dentuça e de cabelos cheios do primeiro ano. Hermione estava bonita... bonita aos meus olhos.
- Mione, eu...
O relógio deu doze badaladas. Era meia-noite.