ESTIO NEGRO

CAP. 01 O TESOURO DO CÉU

A A vaca de Fogo
São voltas
Ai amor são voltas
Sete voltas
São as voltas da maralha
Ai são voltas
ai amor são voltas
são as voltas da canalha

No largo
daquela igreja
vive o ser tradicional
À volta
duma coisa velha
e não muda a condição

madredeus

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Ela era antiga.

Antiga como cada canto do quarto, do piso de pedras profundas ao teto celestial. E cheirava a eternidade passageira. E havia nela, fascínio. Era uma delicada noiva, feita de ébano, ornamentada com flores vivas. A aliança, uma fechadura de prata em arabescos, a prender a tampa ao corpo. Seu interior um segredo a ser desvendado apenas nas núpcias.

Draco a retinha com ternura entre os dedos.

"Abra", rogou o velho bruxo.

O pequeno bruxo da Grifinória sentiu medo, devia agir, era muito mais rápido que draco. Mas a presença da caixa o entorpecia.

"Abra", ordenou o Mestre das Artes das Trevas.

O noivo estendeu as mãos para encontrar as maravilhas prometidas das bodas. Mas ao invés delas, envolveu-se com serpentes e abraçou a traição. E a traição veio em forma de beleza pura. Enlevo. Draco e Harry foram consumidos pelo êxtase do Espetáculo Sublime, não mais Teatro de Revista.

Lá dentro, da caixinha, havia algo brilhante, dourado. Pólen de ouro ou besouros de fogo que se soltaram leves. Clarearam com sua luz alegórica todo quarto. Espalharam-se oleosos pelo ar, impregnando cortinas com um suave guizo, colorindo o chão, para morrerem em seguida, ao toque frio. Tentaram atravessar o espelho, aquele mar negro, mas afogaram-se. Caíram docemente sobre os emudecidos garotos. Então aquelas ternas peles absorveram o largo pólen. Pó que atravessou gordura e sangue, tripas e músculos até entorpecer a mente e atingir o coração. Harry cerrou os olhos. Foi ofuscado por um cheiro agressivo, novo e finalmente percebido. Uma serpente perpetrada de cio subiu pelas suas coxas, enroscou-se, atingindo-lhe o âmago do ventre. E quando, finalmente, entorpecido e lânguido, abriu os olhos, viu dois montes gêmeos de cílios a lacrarem um rosto de garoto. Ai!, aquilo tornou-se a perfeição. O universo resumiu-se àquele ato de uma mão branca a empurrar fios prata sobre a testa. Então desejou aquele pranto que ansiava destruir. Correu subindo os degraus de dois em dois, largou as armas. Esqueceu-se de fechar as portas e fugiu do castelo apenas para tocar nas escamas de tão sonolento animal. Não mais gigante ou intransponível, mas vulnerável, quase animal de estimação a exigir-lhe, entristecido e ardoroso, afagos. O pequeno bruxo cedeu-lhe, a principio delicado, para em seguida, num crescente, arrancar-lhe violento as escamas que cobriam seu corpo. Até nada a proteger a pele de filhote. E do cavaleiro foram-se roupas, todo elmo e armadura, a sua nudez medieval tornou-se corrompida tão somente por um par de meias.

Naquele espaço de vertigens, a sala rodopiava, regida pro uma espiral a ascender na velocidade das línguas sorvidas, mordidas, chupadas além do limite da dor. Água a escorrer dos lábios vermelhos, escoar pelo queixo, peito, barriga, a alcançar àquele mundo abismal das finas penugens. As bocas, devotadas servas, a seguir o úmido rastro. Sem saber onde inicia um e vai-se o outro. Teus dedos são os meus?

Câncer.

Voldemort transpirava. As suas incertezas sobre o sucesso desvaneciam nos dedos trêmulos, nos puxões de cabelo, nos sons selvagens que abafavam todo quarto. Mas, acompanhando a vitória, veio a dúvida. Estava enfraquecendo diante da força descomunal emanada daquele duelo? Não! Embora, em verdade, não esperava tantos frêmitos, grunhidos, urros. Surpreendia-se, ele, que em nostálgicas sabatinas festas, já havia visto tanto e pior. Talvez porque um desses animais de chifre fosse Harry, que embora assassino seu, cheirava, em suas narinas, ainda a infância e não a bode cominado.

O suor empapava o chão, amolecendo-o. Transformava o piso frio em lama perfumada. Os garotos chapinhavam nela, escorregavam e se mesclavam à terra fértil. E nela jorro brando misturou-se às marcas de dentes, escorrendo céu adentro até as bordas da praia.

O sangue literalmente fervia. O bruxo exultava.

"Na madrugada ainda teriam o acre de sêmen alheio nas bocas?", o Lord interessava-se em saber como seria quando o sangue deixasse de ser dourado e recuperasse sua cor.

Mas sua surpresa, o único herdeiro de Slytterin viu-se ainda parte daquela missa negra. O demônio preso no interior do circulo riscado com suor no chão, era exigente e para desespero de seus seguidores ansiava por mais e negras oferendas. Era obrigatório que o caleidoscópio de sangue mudasse suas abstratas formas a cada instante, e fosse cada vez mais e mais bonito. Mais surpreendente e misterioso. Naquele calor, sobre aquela temperatura altíssima, os meninos não abrandaram. Ao contrário permaneceram largados no fundo daquele fosso palpitante, combinando-se num caldo salgado. O sabor de Harry era agridoce, já Draco era picante, ardente. Os dois, assim, prometiam um banquete.

Para seu próprio desespero o Lord tentou, sem sucesso, esquecer a barreira da ilusão, que se formava em sua própria menet. Foi tomado por um calor sufocante. Por lembranças e desejos esquecidos nas masmorras e torres mais perenes daquele castelo odioso, que só lhe trouxe. Sentia peregrino num deserto escaldante de almíscar, saciando sua sede com seu próprio suor. Ressentia. Essas memórias... não.

A raiva alimentava sua luxuria. Riu-se, já não lamentava. Quando a tarde esvaecesse os arranhões, as mordidas, os beijos, as lambidas ainda estariam no imutável e eterno mundo das lembranças. Marcariam os rostinhos de uma maneira tão permanente que, talvez para o futuro convívio social, fosse necessário a compra de máscaras com certa urgência. Sabia que seu desejo, agora, era toda osmose, a saciá-lo da falta e torná-lo insaciável de fatos.

E o que se seguiu fez Voldemort, orgulha-se do quer que houvesse para orgulha-se.

Entre um ponto e outro Draco prendeu os braços de Harry acima de sua cabeça. Observou-o, rapina, antropofágico, a pele fina do antebraço. Lambeu as veias pulsantes. Saboreou seu gosto de sangue. Cada chupada um eclipse eterno a marcar o bruxo da Grifindória na precisão de uma semana. Seguiu a concavidade de onde Potter escorria. Ali onde o braço forma uma bacia e margeia o peito, ali a pele é macia e suculenta. Draco lambeu o perfume ácido, tomando cada gotinha. Sua língua úmida encharcando pêlos negros. Verme faminta a descer, caçando, até encontrar montes rijos. Protuberâncias mesquinhas e secas, mas dadivosamente cheias da essência de Harry, que se agitaram inquietas ante ao menor toque hostil dos lábios de Malfoy, se eriçando pontudas e convidativas. Tornando-se, ao longo do corpo, espinhos do talo de onde brota flor corrompida e límpida. Botão de lírio grave, comprido, profundo, e totalmente despetalado pela fúria de tão elegante jardineiro. Nenhuma de suas parcas pétalas a protegerem o pistilo, que embora tão frágil, era carregado por sombras geradoras de calafrios e gemidos nas criaturas da escuridão. A boca de Malfoy foi semeada por cogumelos venenosos, e ela ardia. Cheia de vontade própria levava-o para cantos mais obscuros. Lugares enigmáticos. Corredores sombrios. Aqui, onde os cheiros são mais secretos e os sons mais roucos. A língua de Malfoy era quente e seca, os dedos frios. Os gemidos do outro garoto audíveis tão somente no inferno.

Inebriantes roucos sons a transformar Draco em espinho cheio de desejo a despedaçar as pétalas soltas no espaço. Então um grito baixo, arfante, que reclama, que implora.

Das ancas unidas subiram vapores azuis.

Respiração densa. Os urros lancinantes nublando o úmido e pegajoso quarto. Tambores africanos a batucarem musica forte. Corações desafinados, infantis, a reger o primitivo ritmo.

Harry sentiu-se avolumar-se, o suor brotando de cada poro, prestes a explodir num grito indignado de ilimitada amplitude. Estocadas cada vez mais bruscas a atingir-lhe a carne, a alma, o coração. Um monstro a enraizar-se entre suas tripas jorrando palavrões em forma de sementes. Seu doce rosto uma mascara de triunfo, sua ardente cicatriz a queimar essa letargia dos sentidos.

E lá, abaixo e além dos muros do castelo, o Lago deixou de ser habitado por uma lula, para ser possuído por um polvo de tentáculos incandescentes e irascíveis, a se contorcerem nas profundezas das águas com suas ventosas púrpuras a gotejar, a gotejar...

Fim?

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. Sim, exato, 'Tesouro do Céu" é o nome do golpe de um dos Cavaleiros de OuroSaint Seiya. Eu adoro a ambigüidade deste termo, me lembra coisas como "Cuidado com Aquilo que você deseja." ou o conto "A Pata do Macaco"... Assustador!