Final da tarde, 02 Dezembro de 1977

Sentada em frente a James Potter em uma cabine do Expresso de Hogwarts, encarando a paisagem do lado de fora ao mesmo tempo em que lançava um olhar de soslaio para o moreno a sua frente, Lily achava que a vida não a havia preparado para aquele momento. Longe disso. Suas mãos suavam frio e ela sentia seu coração agora permanentemente apertado, ao passo em que ele parecia absorto em pensamentos e muito longe dali. Suspirando, ela pensou que naquela manhã gelada a última coisa que imaginaria seria terminar o dia naquela situação.


Lily acordou cedo naquela sexta-feira. Tinha dois tempos de Poções pela manhã, o que a dava uma vontade extra de levantar no horário. Era sempre bom começar o dia com sua matéria favorita, afinal. Olhou a cama ao seu lado, enquanto Marlene ainda dormia. Ao sair do banho vinte minutos mais tarde, as duas conversaram algumas amenidades enquanto Marlene se vestia e desceram para o café.

"Já decidiu o que vai fazer no Natal?", a morena perguntou, enquanto desciam as escadas na direção do Salão Principal. Um grupo barulhento de alunos mais novos passou correndo por elas, dificultando a caminhada.

"Estou pensando..." Começou Lily, lembrando-se de que precisava mandar uma coruja aos seus pais, assim que decidisse. "Petúnia vai casar em breve e não vou escapar da cerimônia. Estou com saudades dos mais pais, mas realmente não queria ter que suportar seu ódio gratuito duas vezes em um mês, ainda mais acompanhada daquele noivo dela", um ar de chateação em seu rosto, Lily deu de ombros para a amiga.

Marlene deu um pequeno sorriso encorajador – sabia que a amiga fugia de conflitos, especialmente com a irmã mais velha. Elas entraram no Salão que ainda estava relativamente vazio, e se dirigiram à mesa da Grifinória, onde poucas pessoas já tomavam café. Remus Lupin estava sentado exatamente no meio da mesa, lendo o jornal enquanto mordia uma torrada. À sua frente, James Potter lia um livro e tomava suco de abóbora. Não havia sinal de Sirius ou Peter, que ainda deviam estar dormindo.

Lily sorriu involuntariamente àquela visão, uma estranha sensação quentinha no peito. Em outros tempos, ela pensou divertida, a situação a faria propositalmente direcionar Marlene para o lado oposto da longa mesa, o mais longe possível dos dois – principalmente Potter, é claro –, mas tanto havia mudado nos últimos dois anos que foi com naturalidade que as duas amigas sentaram-se cada uma ao lado de um dos Marotos.

"Bom dia, meninas", foi James quem levantou o rosto do livro primeiro, assim que elas chegaram, encarando-as com um sorriso amigável.

Remus estava absorto no jornal e sobressaltou-se com a voz de James, quando as viu já sentadas. Deu um sorriso fraco, o melhor que conseguiu.

Lily sabia do segredo de Remus, e sabia que o período da lua cheia havia passado recentemente, de modo que o amigo não estava ainda em sua melhor forma. Um discreto corte no supercílio o denunciava, mas as olheiras já estavam esvaecendo.

Marlene se serviu de panquecas e mel, enquanto Lily começou a encher sua tigela de frutas variadas e iogurte. James colocou o livro de lado, ajeitando os óculos.

"Alguma tarefa para hoje antes das aulas, Lily?", perguntou à ruiva, casualmente.

Ela e James eram monitores-chefes desde o início do ano letivo, e esse fora um dos muitos fatos que os aproximara nos últimos tempos. Lily não poderia imaginar, nem em seus sonhos mais peculiares, que um dia dividiria a responsabilidade de zelar pela ordem da escola e coordenar um pequeno time de monitores ao lado de um dos maiores encrenqueiros que Hogwarts já conhecera. Antigo encrenqueiro, ela tinha que admitir. É claro que ele ainda fazia travessuras, afinal era um maroto; no entanto, hoje a extrema maioria das vezes em que quebrava uma regra era para ajudar os amigos. E para falar a verdade, surpreendendo ainda mais seu eu de quinze anos, ela achava aquilo incrível.

"Hum... Não, tudo sob controle. Temos só aquela reunião às 17h com o resto do pessoal", ela respondeu.

Nesse momento mais duas pessoas sentaram-se à mesa, ao lado de Marlene e Lily.

"Qual é a boa?" um Sirius com os cabelos negros longos ainda molhados do banho perguntou, displicentemente.

"Nada de interessante no jornal", começou Remus, ao que Peter interrompeu.

"Eu tenho uma fofoca, na verdade", todos os olhares se direcionaram a ele, que anunciou triunfante "Frank Longbottom e Alice Jones estão finalmente juntos."

Os outros fizeram caretas de aprovação, mas Lily riu e rolou os olhos "Essa fofoca já é velha, Pete. Eu a ouvi contanto ontem à noite no Salão comunal".

Peter deu de ombros.

Frank era setimanista assim como todos eles, mas pertencia à Corvinal, já Alice era sextanista da Grifinória. Eles eram famosos pelo fato de serem os únicos em Hogwarts que não sabiam que eram afim um do outro. Parecia que finalmente tinham se acertado. Na verdade, parecia que muitas coisas estavam se acertando para muita gente naquele ano.

O que fez Lily pensar... Aquele seria seu último ano em Hogwarts, junto de seus amigos. Enquanto observava Sirius e Marlene discutirem o que quer que fosse novidade em Quadribol, seu assunto favorito, Remus voltar a tentar achar algo interessante no jornal com interesse e um sorriso tranquilo, e Peter encher o prato com quantidades ofensivas de bacon para uma única refeição, ela sorriu involuntariamente. Esses momentos nostálgicos estavam se tornando tão frequentes ultimamente... Sentia-se jovem, tinha apenas dezessete anos, mas ao mesmo tempo algo dentro de si dizia que não estava vivendo a vida plenamente como deveria.

Ao seu lado, o moreno de óculos a tirou de seus devaneios.

"Tudo bem com você?", um James genuinamente interessado perguntou.

"Acho que sim..." ela não o encarou, olhando para o relógio de pulso ao invés. "Acho que vou indo para a aula, quero dar uma revisada antes de o Slug aparecer. Você já terminou?" levantou os olhos para James, que assentiu. Os dois pegaram as mochilas e anunciaram que veriam os outros logo mais na aula.

Nada daquilo era estranho. Nenhum dos amigos que ficaram sentados pensava em nada de mais ao ver James e Lily andando juntos na direção da primeira aula da manhã. Ou ao menos era o que Lily imaginava.

Antigamente, a cena seria impossível. Ela ainda se lembrava de todos os sentimentos que nutriu por James Potter desde que o conhecera em uma cabine do Expresso de Hogwarts no caminho para o primeiro ano escolar. Primeiro, fora irritação, pela sua audácia e respostas rápidas; depois, bastante raiva, por seu egocentrismo e aquela popularidade que ela não compreendia; então, veio a impaciência, quando ele decidiu que ela era um alvo interessante e que tudo o que ele mais queria era irritá-la. Mais ou menos no mesmo período, ela lembra que chegou a sentir certo desprezo, uma vez que não conseguia conceber uma pessoa com tanta inteligência usando seus talentos para malcriações. Além disso, tal comportamento foi por um longo tempo direcionado a Severus, com quem Lily mantivera uma amizade por longos anos – e passar por cima do fato de que seu mais antigo amigo agora não passava de um estranho, ao passo em que James virava suas ideias de ponta cabeça, foi extremamente difícil.

Algo aconteceu ali, e foi quando ela percebeu. Ela sabia, no fundo, que permeando todos esses sentimentos ao longo dos anos, havia uma característica em particular que a fez invariavelmente nutrir admiração por James Potter – sua lealdade aos amigos.

Ela não se culpava – tanto – pelo reconhecimento tardio. Foi também aos poucos que ela descobriu os fatos sobre o maroto que embasaram sua conclusão. A história de como ele e os amigos acolheram Remus a tocou profundamente, quando ela achou que fosse a única pessoa que secretamente soubesse de seu segredo. Eles não apenas o haviam aceitado, mas se tornado animagos clandestinos para tornar suas transformações em lobisomem menos solitárias. Esse foi apenas o ápice, mas ela reconhecia suas profundas demonstrações de amizade e parceria ao longo do tempo em Hogwarts. Um maroto nunca tomava a culpa sozinho pelo que quer que fosse, e ainda que isso significasse detenção, suspensão de idas a Hogsmeade ou vários pontos a menos para a Grifinória, eles enfrentavam tudo juntos.

Com tudo isso, foi natural que as coisas tomassem o caminho que tomaram. O amadurecimento de James – e o da própria Lily, naturalmente – os fez próximos. Marlene entrou para o time de Quadribol e começou a andar com Sirius e James. Lily já era grande amiga de Remus e Peter havia alguns anos. Pareceu apenas um pequeno passo e quando viram eram um grupo, dividindo as refeições, o tempo livre nos jardins e jogando xadrez de bruxo em frente à lareira da Sala Comunal.

James parara de tentar irritar Lily há muito tempo, como ele fazia antes a chamando para sair das formas mais criativas pelo menos uma vez ao dia. No início Lily agradeceu mentalmente e ficou verdadeiramente satisfeita em ganhar um potencial amigo e perder uma irritante pedra em seu sapato. Bom, por um tempo pelo menos.

Foi com grande surpresa que em algum momento entre as férias de verão do sexto para o sétimo ano e o início do ano letivo, Lily percebeu que sentia falta da sensação. A sensação da pedra em seu sapato. Se é que isso fazia sentido.

James amadurecera e se tornara seu amigo, e ela sentia falta do seu antigo eu que parecia ter como objetivo de vida encher sua paciência? Aparentemente, sim.

A quem ela estava tentando enganar? A verdade era que ela estava apaixonando-se por James. Ou talvez já estivesse apaixonada e apenas estivesse ignorado o fato fortemente. E agora que ele parecia finalmente ter percebido que ela não era o centro do universo, e direcionado seus interesses de forma mais ampla, ela se pegava pensando se algum dia haveria chance de algo acontecer entre eles.

Há algum tempo. Aquele pensamento a estava corroendo, mas não havia quem conseguisse tirá-lo de suas entranhas. Nem Marlene, sua melhor amiga, fora capaz de fazê-la falar sobre suas emoções. E ela estava começando a se convencer de que deixaria a escola sem encarar os próprios sentimentos e se autorizar a gostar de James – e muito menos de dizer qualquer parte disso a ele.

Eles conversaram assuntos superficiais enquanto se dirigiam à sala de Poções para o primeiro tempo. Chegaram com 15 minutos de antecedência e sentaram-se na segunda fileira. Lily pegou seu livro didático e começou a reler as anotações, enquanto James desenhava algo a seu lado. Sim, eles faziam par em Poções. Mais uma das coisas inimagináveis há alguns anos, e que estavam tirando Lily dos eixos ultimamente. A verdade é que ela não conseguiu se concentrar o suficiente para absorver nada do que lia, e resolveu que seu conhecimento atual teria que ser suficiente para a aula de hoje.

"O que você está desenhando aí?" perguntou a James, enquanto fechava o livro e se virava discretamente no lugar, uma perna dobrando sobre a cadeira.

"É a minha casa, olha" e mostrou o desenho inacabado, mas cujo rascunho já ilustrava uma grande casa de janelas amplas, sem cerca e com ar antigo. "Eu te falei que meus pais estão doentes, certo?" ele colocou o desenho novamente na mesa, largando também o lápis, enquanto a encarava.

Lily segurou o ar por dois segundos antes de responder, o coração apertando-se instintivamente.

"Sim, James... Você teve alguma notícia? Eles estavam com Dragon Pox, né?" ela começou, incerta. Lembrava-se que os Potter eram já idosos, e James havia mencionado aos amigos que a saúde dos pais não andava das melhores. Recentemente, eles haviam sido diagnosticados com essa doença bruxa infecciosa.

"Eu não ouvi mais nada, não. No início da semana recebi uma coruja da minha mãe dizendo que o pai estava um pouco pior, mas que ela se sentia relativamente bem. Acho que ela estava tentando me poupar, sei como ela é..." ele fez cara de inconformado "Mas estou com um pressentimento ruim, sabe?"

O coração de Lily afundou mais um pouco, o cenho franzido. Não soube o que dizer, mas alguma coisa a impeliu e quando deu por si, o estava abraçando.

"Vai ficar tudo bem" foi tudo o que ela conseguiu dizer, enquanto sentia James respirar em seus cabelos, os braços dele em torno dela, e ela se perguntou por um momento quem estava confortando quem.


O horário do almoço passou muito rápido. Na aula de Defesa contra as artes das trevas da tarde, Lily achou que James tinha uma cara bem melhor do que pela manhã. Torceu internamente que a sensação ruim que ele estava experimentando fosse apenas algo natural quando sua família está passando por um momento difícil.

Apesar da esperança de Lily, no entanto, foi quase no final do último tempo de DCAT que a professora McGonagall entrou na sala sem cerimônia, interrompendo a aula:

"Com licença Professor Alastair, posso falar com o Sr. Potter?"

Lily gelou. Nesta aula estava dividindo uma mesa na primeira fileira com Marlene, então olhou para trás encontrando os olhos de James, que a encarou antes de sair da sala acompanhando a professora. Ele tinha olhos de medo.

Não teve coragem de dividir com Marlene sua angústia, nem de olhar para Sirius, Remus e Peter, que certamente sabiam de tudo o que James havia lhe dito pela manhã. Achou que se encarasse qualquer um deles iria começar a chorar ali mesmo, e honestamente já podia sentir seu coração de despedaçando.

Algo dentro de Lily dizia para ficar calma, que poderiam ser apenas notícias do estado dos pais de James, ou então algo completamente não relacionado. Mas algo naquele olhar de medo que James direcionara a ela dizia que não.

Sem pensar um segundo no que estava fazendo, Lily levantou a mão e solicitou ao professor se poderia ir ao banheiro. Saiu rapidamente da sala, deixando a mochila e todo seu material para trás. Quando virou o corredor, sentiu as lágrimas começarem a brotar dos seus olhos. O que estava fazendo? Sua mente corria a mil por hora, e a única coisa que conseguia pensar claramente era que precisava encontrar James.

Correu na direção da sala da Professora Minerva McGonagall, onde imaginou que eles pudessem estar conversando. Quando chegou à frente da porta, estancou. Devia bater? Não sabia se eles estavam ali realmente, não sabia o que estava acontecendo. O choro ainda descia com força pelo seu rosto, o desespero fazendo o coração acelerar mais e mais.

Quando levantou a mão para bater, a porta se abriu repentinamente. James não havia colocado o corpo inteiro para fora do escritório quando sentiu o peso de Lily sobre si. Foi um abraço sôfrego, e mesmo que ela não soubesse exatamente o que estava fazendo, no segundo seguinte James retribuiu o abraço com o mesmo desespero, e Lily desta vez sentiu lágrimas em seus ombros e seus cabelos. Ali, ela soube. James havia perdido seus pais.


E foi assim que eles acabaram ali, no trem, sentados um de frente ao outro. No final de uma linda tarde de inverno, o sol já havia se posto e agora as cores se distribuíam entre as nuvens num misto de laranja, púrpura e azul-marinho.

Foi James quem quebrou o silêncio, ao que Lily desviou o olhar da janela e o encarou.

"Obrigado por vir comigo, Lily" os olhos castanho-esverdeados cintilavam. Não havia mais lágrimas, mas um brilho estranho de profundidade. "Você não pode imaginar o quanto isso significa para mim..."

Ela sorriu, meneando a cabeça.

"Não é nenhum sacrifício, James. Sou sua amiga..." Ela percebeu uma rápida sombra passar pelos olhos dele, sem perder aquele brilho decidido. "Além do mais, Remus está recém se recuperando deste ciclo, é bom que Sirius e Peter estejam com ele..."

"Eu fico feliz que seja você" ele a interrompeu "É bom ter você comigo".

Ela inspirou fundo uma vez, dizendo para si mesma que aquele era o momento para ser o mais verdadeira que pudesse. "Eu queria estar com você também."

Ela pôde ver James se ajeitar na cadeira após aquele comentário, e passar uma mão pelos cabelos, despenteando-os daquele jeito que ele sempre fazia quando estava nervoso.

"Sabe..." Lily começou, não sabendo dizer bem de onde as palavras estavam vindo. James a encarou atentamente, esperando para ouvi-la "Existem muitas histórias de casais em que quando um... morre, o outro acaba indo não muito tempo depois, sabe?" Ele assentiu, e ela continuou "Eu não acho que isso seja coincidência... Acho que existem ligações que são tão profundas e que deixam tantas marcas que não podem se desfazer, nem com o fim..." Ela não tinha parado para pensar em nada daquilo, simplesmente sentia que devia dizer, e completou "Eu acho que sua mãe precisava seguir o seu pai, eles precisavam um do outro para conseguir atravessar... Para o que quer que exista depois."

James a encarava com seus olhos brilhantes. Não falou nada, apenas a olhou. Ela sentiu tantas coisas sob aquele olhar. Imaginou a perda dos seus próprios pais, que não eram idosos como os pais de James, mas um dia também iriam embora. Pensou na perda dos amigos, sua família na escola... Pensou na guerra que sabia que estava se desenhando, e nos riscos que todos eles iriam correr assim que saíssem do manto protetor de Hogwarts e de Dumbledore.

Foi com isso em mente e com a única certeza de que precisava tomar as rédeas da própria vida antes que fosse tarde demais, que ela fez o que fez a seguir.

Levantou-se do seu lugar e sentou-se rapidamente ao lado de James. Pegou as mãos dele nas suas, levantando o rosto, disposta a mostrar toda sua vulnerabilidade, para encarar aqueles olhos que ela sabia que a leriam como um livro, se ela deixasse. E o beijou.


N/a:

Gente, eu sei que pelo canon os pais do James morreram após o casamento do James e da Lily, mas não consegui resistir a esse impulso doido de imaginar eles ficando juntos através da tragédia. Posso ser perdoada?

Disclaimer: gostaria de deixar claro que sei que esse mundo e esses amados personagens não me pertencem.

Espero que tenham gostado. Estou super enferrujada nas fics. Então, por favor, se lerem me contem como me saí!

Taiana.