I just kept hoping, I just kept hoping
The way would become clear
This feeling – Alabama Shakes
Era a primeira vez que chovia em semanas, Hermione constatou, mas lógico, ela não tinha trazido um guarda-chuva. É verão, lembra?
Ou talvez ela só fosse esse tipo de pessoa que preferia correr na chuva e se encharcar do que carregar uma sombrinha na mochila: ela nunca apostava que iria chover e nunca consultava aqueles aplicativos populares de previsão do tempo. Ela era o mesmo tipo de pessoa que não esperava a chuva passar, com ou sem opção de guarda-chuva.
Aparentemente um tipo de pessoa diferente demais do grande Harry Potter, sua mente completou, no momento em que ela o viu atravessar a pista segurando um guarda-chuva preto e grande o suficiente pros dois.
Claro que ele estava preparado. Quer dizer, essa era uma das principais características de Harry, ele era cauteloso e adequado. Não deixaria que uma chuva do verão amazônico o pegasse desprevenido.
Caminhava em direção a cafeteria. E fora preciso que ela o chamasse de forma agitada com um "HARRY! EI!" pra que o homem corresse até ela, colocando-a embaixo daquele guarda-chuva, em um sorriso compartilhado, típico do movimento daquela tarde.
E ela se viu nervosa. Perguntou-se, por uma quantidade mínima de segundos, aonde estava a esposa dele – Gina Weasley, diga-se de passagem! – considerando que eles sempre estavam juntos - e se era um pouco ridículo considerar que os dois correndo na chuva dentro daquela sombrinha, como em algumas outras vezes anos antes, consistia em uma imagem ameaçadora de alguma forma... Mas ela sabia que não, porque não era e porque, em segundo lugar, não fazia diferença. Eles eram amigos, não eram? Amigos, às vezes, podiam dividir um guarda-chuva e correr juntos em uma visão simplista da chuva de fim de tarde.
Entraram na cafeteria sorrindo, mais pela energia gasta correndo para se proteger da chuva em conjunto que por qualquer coisa dita.
Abraçaram-se, cumprimentando um ao outro de modo desajeitado, antes de escolherem uma mesa.
Na verdade, ela o deixou escolher: de um lado, havia a mesa do centro da cafeteria, que ficava embaixo de uma luminária de tom sépia, em formato redondo. Era o tipo de mesa que o outro amigo deles – Ron - escolheria, se ela o estivesse encontrando naquela tarde. Ele gostava do centro, de espaço e de boa luz.
De qualquer modo, aquele era Harry, pensamento que a fez sorrir quando ele apontou em direção a uma mesa minúscula, a dois, na parede da cafeteria. Talhada em formato quadrado, com cadeiras coloridas. Naquele ponto, a luz não era sépia: lembrava-lhe, brevemente, o pôr do sol. Por mais que o dia todo estivesse estado nublado.
Era como um pôr do sol particular, aquela mesa e aquela tarde naquela cafeteria, os dois enclausurados pra longe da chuva, o que quer que chuva significasse na metáfora da história de cada um deles.
Ela pediu café, confinando nos lábios um sorriso arrogante ao vê-lo escolher um chocolate quente, sem nem ao menos olhar o cardápio. Porque ela sabia que ele também era previsível nas suas escolhas.
Depois de pedir, olharam-se. E experimentaram a mais mundana das sensações, a de permitir que a íris se afogasse em um conforto esquecido (e seguro, se me permitem acrescentar). A sensação instantânea de se deparar com algo tão minúsculo quanto o silêncio e ainda assim definir o silêncio como afetuoso.
Por isso eles sorriram, um de frente pro outro.
Hermione refletindo que a posição que eles estavam na mesa os lembrava demais do passado. Muito próximos fisicamente. E talvez amigos não devessem se sentir assim? Ou devessem?, quem era ela pra definir alguma noção de normalidade nas relações, não é mesmo? Dos dois, ela sempre era a que se preocupava demais com os detalhes improdutivos.
Harry, por outro lado, deixava que esses detalhes respirassem e se salvassem de qualquer naufrágio na cabeça dela. Ele a olhava e imediatamente negligenciava a natureza perigosa dos detalhes, do fim de tarde chuvoso, do guarda-chuva compartilhado, da cafeteria, da escolha da mesa de canto, da luz de por do sol, da completa imensidão das íris tão próximas e dizia apenas: Que seja.
Ele não se perguntava sobre o lugar de cada coisa, considerando – talvez – que nada estivesse fora do lugar. Nem mesmo ela, na sua vida.
Ele deixava os detalhes estranhos dos dois se segurando em pedaços de madeira do que antes era o titanic próximo de afundar. Por mais que o navio dos dois já tivesse ido para baixo do oceano, lá estavam os sobreviventes: pequenos pedaços de madeira flutuando na água, poemas, frases, lembranças que frequentemente se apoiavam nesses detalhes insignificantes.
Foi justamente por ele ser tão seguro de si mesmo e do lugar dela, que ela achava que eles tinham sobrevivido como amigos.
Obviamente foi essa mesma razão que ela narrou a si mesma, quando o olhar dele combinou com a luz da cafeteria.
Diabos, que porra estranha... Mas está tudo bem, é apenas o Harry, certo?
Felizmente ele não era um homem confuso. Logo ela jamais teria o que temer, por mais estranha que fosse capaz de se sentir.
Please don't take my feelings
I have found at last
If I wanted to, I'd be… alright