Blecaute

"Foi preciso um dia de blecaute

Para que a cidade visse que existiam estrelas."

Desconhecido

— Ah! Não acredito! — disse Botan quando a luz acabou.

Ela havia começado a preparar seu jantar e agora que estava sem luz não teria como continuar, já q precisava cortar muito ingredientes e não dava pra fazer isso no escuro. A jovem apagou o fogo e seguiu em direção a sala com cuidado; deixara seu celular jogado em algum lugar e a menos que alguém lhe enviasse uma mensagem, não conseguiria encontrá-lo tão cedo.

Botan seguiu aos tropeços e caiu sentada no sofá ao bater a perna na mesa de centro. Num primeiro momento sua vontade fora de quebrar a mesa, pois machucara sua perna, contudo, após alguns segundos, passara a considerar a ocasião fortuita, pois encontrara seu celular, que estava sobre o sofá. Por sorte seu pacote de dados ainda funcionava e ela viu que seus amigos conversavam animadamente no grupo do whatsapp.

Yusuke:

Gente, quem estiver por perto do templo da Genkai e quiser vir pra cá, resolvemos fazer um churrasco no quintal. Ao menos aqui fora consigo enxergar alguma coisa graças à lua e às estrelas.

Kuwabara:

Estou a caminho, Urameshi. A Shizuru também vai.

Kurama:

Se eu puder levar meu irmão, posso ir. Estou tomando conta dele hoje.

Yusuke:

É claro que pode trazer ele.

Keiko:

Você não vem, Botan? Só vai faltar o Hiei e você pra esta ser uma reunião completa, já que a Yukina mora aqui.

Botan:

Não vai dar, pessoal. Meu apartamento não fica tão perto do templo e estou muito cansada. Hoje foi um dia daqueles.

Yukina:

Que pena, Botan. Não vai ser o mesmo sem você. Estou com saudades.

Botan:

Também estou. Pode deixar que logo apareço por aí pra uma visita.

Yukina:

Que bom. Vou aguardar ansiosa.

Kuwabara:

E você, baixinho? Não vai dizer nada? Vem ao churrasco ou não?

Hiei:

Dispenso.

Yusuke:

Vamos lá, Hiei, não seja assim.

Hiei:

Não.

Yusuke:

Ok. Mas que não digam que eu não insisti...

Botan:

Bom churrasco pra vocês, pessoal. Vou tentar pensar em algo pra comer por aqui. Estou faminta, mas sem luz ficou um pouco complicado cozinhar. Até mais.

Keiko:

Até mais, Botan. Boa sorte.

A jovem suspirou e colocou o telefone de lado pensando no que poderia comer. Estava com tanta fome que era difícil raciocinar; tudo que ela queria comer parecia complicado de fazer no escuro.

Alguns minutos depois Botan estava quase desistindo e indo pra cama sem jantar, quando ouviu uma batida em sua porta. Aquilo a assustou um pouco. Quem poderia ser àquela hora e no escuro? Ela se aproximou da porta receosa. Não tinha nem como ver quem era sem abrir a porta...

— Quem é? — perguntou ansiosa, porém não obteve resposta. Por um momento achou que estava louca e que não ouvira nenhum barulho e decidiu verificar. Estava girando a chave para abrir a porta e, antes que concluísse esta ação, ouviu uma voz conhecida.

— Se eu fosse um assassino e você fizesse isso, acabaria morta — disse a pessoa e Botan se apressou em abrir a porta, aliviada e surpresa.

— Hiei!? — disse animada por ver um rosto conhecido. — O que faz aqui? — ele, como sempre estava com cara de poucos amigos. Usava uma camisa social com uma gravata um pouco frouxa e lhe mostrou a caixa que carregava nas mãos, porém isto nem era necessário, pois Botan já estava sentindo o cheiro que exalava ela. — Isso é uma pizza? — perguntou com os olhos arregalados.

— É evidente, não? — Botan estava boquiaberta. Hiei nunca fora dado a gestos de gentileza e do nada aparecia na porta de seu apartamento com uma pizza. — Posso entrar ou teremos que comer aqui no corredor?

— Claro. Entre — ela falou lhe dando passagem e voltando a fechar a porta. — Eu só fiquei muito surpresa por te ver aqui. E com uma pizza — explicou constrangida.

— Você disse que estava com fome — Hiei replicou dando de ombros. — Eu estava por perto. — A jovem olhou para ele enternecida.

— Obrigada — Botan disse lhe dando um abraço e quase derrubando a pizza.

— Está tudo bem, onna — ele falou constrangido sem saber o que fazer. Apesar de lidar com aquela mulher há anos, ainda não estava acostumado às suas demonstrações repentinas de afeto. — Hm. É melhor comermos antes q a pizza esfrie.

— Certo. — Ela se soltou dele e olhou ao redor. — É melhor eu abrir as cortinas. Se Yusuke estiver certo, a lua vai iluminar um pouco o ambiente. E assim ela fez; e se surpreendeu. Realmente a lua iluminou uma boa parte da sala, mas a visão que se apresentava à sua frente era o que realmente prendia a sua atenção. — Uau — murmurou ao abrir a porta que dava para a sacada e saindo para a pequena varanda. — O céu está magnifico — comentou deslumbrada.

As estrelas brilhavam de uma forma que ela nunca vira antes e a lua cheia estava no meio de todas elas. O céu parecia um quadro desenhado por um artista.

— Vem ver, Hiei — chamou animada e ele se aproximou após colocar a caixa de pizza sobre a mesa de centro. — Não é fantástico? — indagou sem desviar os olhos do céu. — Dá até vontade de aprender tudo a respeito delas. Acredita que não sei o nome de nenhuma estrela?

— Sei o nome de algumas — Hiei respondeu distraidamente. Era obrigado a concordar com Botan. Não era todos os dias que tinham a oportunidade de observar as estrelas daquele jeito.

— Sério? — ela disse animada, fazendo com que ele voltasse sua atenção para ela e deixando-o surpreso com sua proximidade. Por poucos centímetros seu nariz não tocava o dela. — Você pode me ensinar? — O fato de Botan estar tão próxima a ele, deixava Hiei desconcertado.

— Não é melhor comermos a pizza? — questionou engolindo em seco e a jovem concordou e se afastou um pouco, pensativa. — O que foi?

— Eu quero comer, mas também quero aproveitar a chance de observar as estrelas...

— Podemos comer aqui na varanda — ele sugeriu, sem entender o porquê de tanta ponderação a respeito de algo simples.

— Eu adoraria, mas onde vamos sentar?

— O chão está bom pra mim — Hiei respondeu sem titubear e a jovem voltou a se animar.

— Ok! — disse feliz da vida indo pegar um suco na geladeira para que acompanhasse a pizza. — Essa foi a melhor ideia que você já teve — prosseguiu ao voltar e encontrá-lo já com a caixa de pizza sentado no chão da varanda. — Assim você pode me falar mais sobre as estrelas enquanto comemos. — Hiei revirou os olhos como sempre fazia quando Botan começava a falar demais, mas a verdade era que não se importava de falar sobre as estrelas. Era um de seus assuntos favoritos.

— Hm. O que quer saber?

— Que estrela é aquela? Você sabe? — falou apontando para um dos pontos mais brilhantes que havia no céu; e assim eles começaram a conversar, enquanto comiam e, praticamente, se esqueciam de que a luz acabara.


— Esta foi, definitivamente, a melhor pizza que eu já comi — disse Botan satisfeita, recostada contra a parede, depois de comer três pedaços.

— Você deve pensar assim por que estava com fome — ele replicou, embora aquela pizza tivesse vindo de sua pizzaria favorita. Botan refletiu por um momento e depois sacudiu a cabeça.

— Não. Essa foi a melhor pizza que eu comi mesmo — conclui rindo e fazendo-o sorrir em retorno. — Obrigada por me salvar. Sei que deve estar super cansado do trabalho, mas, ainda assim decidiu me ajudar. Eu ia ter que comer algum biscoito se você não tivesse aparecido.

— Hm — Hiei murmurou, novamente constrangido pela atenção que a jovem lhe dirigia. - Já disse que estava por perto... E de carro não fica tão complicado andar por aí mesmo na escuridão.

— Mesmo assim. Você não tinha nenhum motivo para vir até aqui com uma pizza. Foi muito legal da sua parte.

— Já disse...

— Sim, eu sei. Aprenda a aceitar um agradecimento, Hiei — ela insistiu. — Sei que não gosta de admitir que se preocupa com as pessoas, mas de carro você também poderia ter ido ao churrasco no templo de Genkai; e está aqui.

— Não queria ficar com as pessoas hoje — Hiei comentou desviando seus olhos dos dela.

— Mas está comigo — a jovem falou se desencostando da parede e observando-o com mais atenção.

— É diferente.

— Diferente como? — Botan questionou brincalhona. — Todos dizem que falo mais que cinco pessoas juntas. Daria quase no mesmo ir ao churrasco. — Hiei engoliu em seco, porém não respondeu. Aquela conversa estava seguindo um caminho totalmente inesperado. — Talvez você apenas goste mais de mim.

Ao ouvir isso ele arregalou os olhos levemente e voltou a fitá-la surpreso. Hiei se perguntava se havia sido tão óbvio assim, contudo, se não fosse por sua reação, Botan não suspeitaria que suas brincadeiras estavam mais perto da verdade do que ela esperava.

— É isso? — perguntou boquiaberta. E Hiei, parecendo despertar de um devaneio, voltou a assumir uma expressão neutra.

— Não seja boba, onna — falou com um sorriso de canto. — Não precisa ficar se achando só porque eu lhe trouxe uma pizza. — Hiei se levantou antes que ela pudesse responder. — É melhor eu ir embora. Já está tarde.

Botan também se levantou rapidamente e o segurou pelo braço, impedindo-o de se afastar dela e, praticamente, obrigando-o a encará-la.

— O que eu disse é verdade, Hiei? — ela indagou encarando-o séria. Desta vez não havia qualquer resquício de brincadeira em seu tom. — Eu sou a pessoa que você mais gosta?

Hiei a encarava sentindo-se perdido. Aqueles olhos que o fitavam de maneira carinhosa, tinham a capacidade de deixá-lo ainda mais atordoado e deslumbrado que as estrelas. Ele podia enxergar inúmeras constelações naqueles olhos e, para isso, não era preciso que acontecesse nenhum blecaute. Elas sempre estavam ali para ele.

— Onna...

— Por favor, me diga a verdade — ela pediu angustiada e Hiei a encarou de maneira receosa, porém não via meios de escapar daquela situação.

— E se for verdade? E se eu realmente gostar de você? O que planeja fazer com esta informação?

Botan baixou seus olhos e Hiei se recriminou. Sabia que não devia ter aberto sua maldita boca. No entanto, não pôde continuar com aquela repreensão interna, pois logo em seguida a jovem voltou a encará-lo com um sorriso envergonhado, deixando-o confuso.

— Sempre ouvi dizer que você sabia ler as pessoas, Hiei, mas parece que isso não é verdade — Botan disse num tom desafiador e sedutor.

E Hiei, que antes estivera distraído pela visão de seus olhos, passou a prestar atenção na mensagem que eles lhe transmitiam. Não havia repulsa ali. Na verdade, havia tanto carinho e afeição neles que talvez ele ousasse pensar que Botan também estava interessada nele. O sorriso que brotou nos lábios da jovem enquanto passava por aquela análise apenas comprovou isso.

— Acho que você está começando a entender onde quero chegar — ela brincou tocando o rosto dele levemente, enquanto Hiei pousava suas mãos na cintura dela.

— Bem, se eu estiver errado, logo saberemos — ele concluiu aproximando seu rosto do dela e a beijando, a princípio com delicadeza, porém, ao perceber que era correspondido, passou a pressioná-la contra si e beijá-la com avidez.

Botan passou seus braços ao redor do pescoço dele.

— E então? Eu estava certo? — Hiei indagou quando se separaram ofegantes.

— Estava sim — ela respondeu escondendo o rosto sorridente no pescoço dele. — Tem certeza de que precisa ir agora?

— Eu não vou à lugar algum — ele replicou fazendo-a rir, enquanto voltavam para a varanda aos beijos.

Logo voltaram a sentar no chão e a lua e as estrelas eram as únicas a observar os beijos apaixonados que trocavam. Os dois estavam tão concentrados um no outro que, quando a luz voltou, o fato passou despercebido a ambos por um bom tempo.