HERMIONE – PRIMEIRA HORA DO DIA 3

Se Hermione pudesse contar nos dedos, ela diria que desde a hora em que ela e Malfoy desaparataram todos os acontecimentos daquela noite poderiam se dividir em três momentos.

O primeiro momento representava a atmosfera inicial de estranheza [?] que parecia envolver os dois naquele apartamento. Ela tentava identificar as nuances sobre a personalidade de seu ex-inimigo naquele espaço, como o fato de o local obedecer a uma paleta de cores que iam do verde musgo ao tons mais escuros. Mais ou menos do modo que ela imaginava que os aposentos da sonserina deveriam ser na sua juventude.

Apesar dos tons nostálgicos presentes no lugar, sua decoração não era conservadora. Ou, pelo menos, nada tinham a ver com as expectativas de moradia de um aristocrata puro-sangue da família Malfoy. Seus móveis eram modernos e minimalistas, ainda que o apartamento per se fosse de longe um dos locais mais espaçosos que ela frequentara. Parecia ser o quadruplo da casa de Harry e Ginny e ela tinha a impressão de que o banheiro de Malfoy deveria ser maior (e valer mais, diga-se de passagem) que todos os bens que Hermione acumulara em seus vinte e oito anos de vida.

Seu apartamento parecia uma caixa de sapatos em comparação ao de Draco Malfoy, eis tudo.

Curiosamente uma das paredes gigantes da cobertura do homem eram de vidro. Ali as luzes de metade do centro londrino pareciam se mover diante da vista deles, lembrando-lhe uma moradia de um milionário trouxa. Oferecia uma visão bonita da cidade e ao mesmo tempo fazia com que ela se sentisse minúscula e consciente da sua... mediocridade?

Malfoy dava a impressão de se sentir tão desconfortável quanto ela. Não no sentido de que eles dois fossem desconfortáveis entre si, era mais sobre o que havia de absurdo na situação: ela e Malfoy dividindo um espaço sozinhos, deliberadamente, sem razões determinantes e no apartamento dele, em plena fucking meia noite!

Sim, com aquele Malfoy. O que a chamara de sangue-ruim, o que sempre mantinha o nariz erguido de desprezo, o que sabia exibir sorrisos debochados, o que aceitara se tornar comensal da morte, o que mudara de ideia a ponto de trabalhar a serviço da ordem da fênix, o que parecia ter algo de muito profundo dentro dele... guardado a sete chaves. E, finalmente, o que parecia compartilhar algo com Hermione, embora ela tivesse dificuldade para entender o quê.

"Mora aqui ou esse é mais um dos imóveis da família Malfoy?" Ela inquiriu, sedenta pela quebra de silêncio.

"Tecnicamente ambos. Saí da Malfoy Manor anos atrás quando meu pai foi... liberado de Askaban" Pontuou, com desconforto, caminhando em direção a sala. Fez menção pra que ela se sentasse no amplo sofá de cor preta, sinal que ela obedeceu de bom grado, porque Merlin, qualquer coisa podia ser menos constrangedora que permanecer em pé, feito uma maldita estátua, no apartamento de seu ex inimigo!, "O que achou?" Malfoy quis saber, levantando-se em direção ao mini bar.

"Parece uma versão mais sofisticada da sonserina, só que com uma aparência trouxa" H respondeu, movendo os olhos ao redor do apartamento. "Por acaso estamos em um prédio não-bruxo?"

"Touché" Ele respondeu, e, antecipando o significado do cenho franzido que Hermione exibia, acrescentou: "Busquei um lugar propositalmente reservado em relação ao mundo bruxo" Explicou, enquanto estendia em sua direção um copo quadrangular com duas pedras de gelo.

Ela pareceu compreender a lógica por trás da localização tão anti-o-Malfoy-que-ela-conhecera, resumira sua resposta a um gole contido na bebida que ele colocara em sua mão.

"Isso explica porque estava em um pub trouxa" Ela murmurou, mais para si mesma que pro homem.

Mesmo com o gosto de whiskey na boca, Hermione não conseguia abandonar a sensação de nervosismo presente em seu estômago e nas mãos (argh?) suadas. Estar no apartamento de Malfoy era algo como andar de montanha russa ou tentar voar na vassoura pela primeira vez. O que diabos ela estava fazendo com sua própria vida? O que esperava conseguir indo até aquele lugar?!

DRACO – PRIMEIRA HORA DO DIA 3

Mesmo tendo conhecido Granger a maior parte da sua vida, Draco tinha certeza que era a primeira vez que parecia estar olhando a mulher. Isto é, feito uma pessoa e não a ex-inimiga-melhor-amiga-de-Harry-Potter ou a sabe-tudo-de-origem-trouxa-irritante.

Estava na poltrona, bebericando a própria bebida e um pouco distraído sobre o fato de que Granger ainda não caíra em si a ponto de levantar do sofá e desaparatar para longe dali. Afinal de contas, se havia alguém no mundo bruxo que não merecia a companhia e a intimidade daquela mulher em seu território, era ele.

"Á propósito, Granger, feliz aniversário... atrasado" Dissera, observando que aos poucos a mulher relaxar a postura. Draco supunha que talvez ela não estivesse se sentindo mais constrangida, apenas não sabia o que fazer com a intimidade da situação.

Devia ser a primeira vez que os dois estavam sozinhos em um lugar. Não ajudava que o lugar em questão fosse o seu apartamento. E que tivesse whiskey. E que fosse uma segunda-feira. Ou que, pra piorar, ele a tivesse beijado de forma descompromissada dias antes.

"Como soube?" Granger murmurou, com um tom de voz cético e curioso. Aparentemente a Golden girl achava todos os pontos do apartamento – que não fossem o rosto de Draco – suficientemente interessantes, isto porque já fazia uns minutos que evitava olhar em sua direção.

"O profeta diário de ontem dedicou a capa ao seu aniversário" Justificou, com um sorriso de canto. "Heroína de guerra, queridinha do Ministério e obcecada por bruxos famosos, foram as palavras da Skeeter" Completara, de modo a fazer magia silenciosa pra que uma cópia do profeta diária voasse até o colo de Granger.

Ela começara a folhear as páginas com interesse, por vezes arregalando os orbes castanhos diante da quantidade de detalhes privados (ou falsos) que constavam naquela matéria quase escandalosa.

"Argh"

No exemplar do profeta diário estavam fotos desconfortáveis [?] da sua ex-inimiga ao lado de Potter, Weasley e um editorial de não menos que cinco [!] páginas sobre a trajetória da bruxa, o qual, hã, ele lera exaustivamente. Como se o editoral fosse o equivalente a um curso intensivo de tudo o que Granger vivera nos últimos oito anos, ainda que ele soubesse que uma matéria escrita por Rita Skeeter não tivesse lá muita confiabilidade nos fatos.

"Isso é ridículo" Ele a ouviu murmurar. Desta vez a mulher esboçava uma expressão de revolta. "O MUNDO BRUXO INTEIRO VAI LER ISSO!" Exclamara, em um gesto exasperado que a fizera virar a segunda dose de whiskey inteira.

"A Grã-Bretanha inteira já o leu, Granger, essa edição é de ontem" Draco falara, em tom um remotamente divertido.

"Ela escreveu duas páginas sobre meu relacionamento adolescente com Ron e ele... Merlin, ele vai casar em 2 semanas!" Exclamou, exasperada.

HERMIONE

Hermione estava começando a se sentir tonta de ÓDIO! COMO RITA SKEETER OUSARA ESCREVER ALGO TÃO INAPROPRIADO?! DUAS SEMANAS ANTES DO CASAMENTO DO SEU MELHOR AMIGO?! UM JORNAL QUE, PROVAVELMENTE, FOI LIDO PELAS FAMÍLIAS DE PARVATI, PELOS WEASLEYS, PELOS SEUS COLEGAS DE TRABALHO DO MINISTÉRIO!

"Espera, alguma bruxa decidiu por livre e espontânea vontade casar com Pobretão, isso é sério?" Draco falara, tentando apaziguar a súbita irritação de Granger por alguns segundos... ou redirecioná-la, no mínimo.

Hermione revirou os olhos, ainda que no fundo tivesse achado a pergunta cômica.

"Ron e Padma estão noivos" Repetiu, em uma máscara de indiferença. E daí que Ron estava apaixonado e ia casar e ser feliz pra todo sempre? E daí que ele fora seu primeiro amor e que o relacionamento deles tivesse terminado de modo tão patético? E daí que ela se sentisse absolutamente sozinha e incapaz de ressentir aquele homem? E daí que já haviam se passado oito anos e ela não tivera nenhum relacionamento remotamente relevante depois dele?

Draco pareceu captar algo na sua voz, porque no segundo seguinte ergueu uma de suas sobrancelhas, de forma desconfiada.

"E você ainda sente algo por ele" Interpretou. Não era uma pergunta.

"O quê? Não!" Respondera, demonstrando algo similar a nervosismo. Depois de outro longo gole no whiskey auto-preenchido por mágica, que aliás era a sua... hã, Terceira ou quarta dose?, antes de continuar, a mulher limpou a garganta, como se no ato estivesse criando coragem: "Como eu disse: eu e Ron tivemos algo logo após o fim da guerra, pouco depois terminamos, mas continuamos bons amigos" Ela pontuou, em um discurso quase ensaiado. Um que ela já repetira uma dúzia de vezes ao longo dos anos, pra mídia pra bruxa e pros conhecidos.

"Ou seja..?" O loiro incentivou, fazendo um sinal de continue-o-argumento-porque-essa-explicação-não-respondeu-a-minha-pergunta. "Tudo bem, Granger. Só responde uma coisa: quão ruim foi o término?" Quis saber.

Aquela devia ser a pergunta mais cirúrgica e perigosa dos últimos anos. Geralmente lhe perguntavam "Como se sente agora?", "Por que terminaram?", "Ainda o ama?", "São apenas amigos mesmo?", etc..., dado o fato de que ela não se relacionara – de forma íntima - com mais ninguém depois de Ron Weasley. E, para ser honesta, todas essas perguntas eram banais perto da única questão que ela temia responder – a si mesma? – a do quanto ainda doía ter terminado. Não por ela o amar, mas pelo término ter sido tão profundo a ponto de a fazer abandonar a ideia de que um dia ela seria amada de novo, sequer enxergada novamente.

Ron a havia amado, Ron a conhecia desde os onze anos de idade, ele sabia e provavelmente aprendera coisas demais sobre ela... E ainda assim, apesar disso, mesmo nos momentos felizes do namoro dos dois parecia haver um abismo na direção que olhassem... Nenhum dos dois via as mesmas coisas.

Por isso que às vezes, mesmo nos braços do ruivo, em suposta segurança e paz, ela se sentia... Irremediavelmente sozinha. Havia tanto caos dentro dela no pós-guerra, tantas cicatrizes e pesadelos que ela não podia ou não queria falar a respeito com ele... Não com quem havia conseguido efetivamente seguir em frente. Afinal de contas, como ela poderia abalar a tola crença de Ron – a de que tudo estava bem com o fim da guerra e que por isso ela devesse ser um episódio confinado aos livros do passado – quando por dentro ela ainda se sentia vazia e revivendo seus maiores pesadelos?

Ron era tão inteiro... Conseguira colocar tantos traumas no lugar onde eles mereciam estar. Enquanto H. continuava silenciando e se confinando no caminho mais previsível que o mundo bruxo lhe dera. Talvez no fundo ela tivesse medo que, se escolhesse outro caminho e se quisesse falar sobre a guerra e questionar os seus legados vivos, o mundo bruxo a achasse louca e lhe desse as costas... pontuando aí a insignificância da nascida trouxa que mesmo sendo a bruxa mais brilhante da sua geração, não conseguia fazer as pazes com a sua própria dor e com o desejo de ser outra – pra além da perfeita imagem da Golden Girl heroína de guerra.

E o término com Ron lhe lembrava isso. Era um lembrete do seu silêncio e do quanto Ron parecia exausto daquela relação, porque Merlin ele não ENTENDIA O QUE HAVIA DE ERRADO COM HERMIONE GRANGER OU SE ELA SEMPRE FORA ASSIM... MANDONA, MELANCÓLICA, MONÓTONA, EXAUSTA, CONFORMISTA E HIPER-RACIONAL... Ela era sua melhor amiga de infância e seu primeiro amor e ainda assim Ron Weasley tinha dificuldade de vê-la além da atração e das piadas e da terrível química adolescente... Ele era cego sobre sua crise interior, e além disso, ele merecia alguém inteira, menos quebrada por dentro e isso doía. Não se sentir completa ou merecedora dele.

Por isso, quando Malfoy murmurou o "Tudo bem, Granger. Só responde uma coisa: quão ruim foi o término?", ela experimentou todas aquelas emoções na ponta língua, com gosto mais amargo e embriagante que o whiskey caro que ela bebericava demasiada com frequência.

"Muito ruim" Respondeu, com a voz trêmula. Era a primeira vez que verbalizava o começo daquelas emoções em voz alta.