N/A: Eu espero de todo coração que vocês gostem desse romance feminista e femme. Eu faço parte de um coletivo há 5 anos e sempre quis trazer o feminismo para minha escrita, parece que agora que estou formada, vou conseguir. Boa leitura!
CIRANDA DAS BRUXAS
O parque estava repleto de bruxos e bruxas sob o sol ameno e agradável do verão. Finalmente a chuva tinha dado trégua e o calor inglês, tão escasso e curto, banhava os visitantes com uma aura agradável e festiva.
Ainda assim, Hermione não estava certa de que havia sido uma boa ideia ir ao evento com Ginny e Luna, mas ambas haviam insistido profundamente para que ela desse uma chance ao movimento feminista bruxo que havia crescido consideravelmente nos anos do pós guerra.
Voldemort havia sido derrotado há pouco mais de cinco anos e a sensação agradável de reconstrução e paz no mundo bruxo ia se estendendo aos poucos e convencendo as pessoas a cada dia de que, finalmente, tudo estava bem.
O vestido floral de Luna balançava ao redor de seus tornozelos numa dança suave e colorida e seus óculos de sol imensos ocultavam grande parte de seu rosto, seus cabelos absurdamente loiros estavam presos numa trança longa e desgrenhada a faziam pensar em Hogwarts, em quando ainda eram jovens e a guerra ainda não havia começado.
"Mione, vamos, já deve ter começado!" Ginny chamou, alegre, e seus cabelos pixie-style brilhavam com a luz num ruivo acobreado perfeito.
Hermione sorriu, mas algo dentro de si ainda achava que o movimento que as amigas tanto gostavam ainda era pouco científico e técnico, e muito movido por uma emoção passional.
"Ali está Rolf!" Luna apontou para perto do palco onde duas bruxas falavam com um feitiço Sonorus moderado, dando início ao Verão Feminista, como haviam denominado o evento que duraria por toda uma semana em Londres, tanto em ambientes trouxas como bruxos.
Luna correu na direção do namorado e Hermione sentiu algo complexo e doloroso escorrer dentro do corpo.
Namorado...
Há dois meses ela e Ron haviam decidido terminar. Havia sido um término amigável e ambos sabiam que o relacionamento não estava saudável o suficiente para seguir em frente, mas ainda assim todos os sonhos, planos para o futuro e expectativas continuavam sambando em sua mente como se fosse um carrossel de lembranças e frustrações.
O vestido de noiva que ela nunca chegou a comprar. O pedido de casamento que nunca aconteceu. Os filhos que ela imaginara ter com ele...
Tudo aquilo a fazia pensar que, embora jovem, algo muito feminino e ingênuo havia morrido dentro de si. Aqueles ideias que lhe foram incutidos desde tenra idade, as princesas, os príncipes, a família ideal, enfim, tudo aquilo fora água à baixo.
"Vamos lá, Mione, você precisa se distrair, vai ser bom".
Ginny sorriu um de seus sorrisos largos, desses que ela só usava quando estava de bom humor, o que era algo muito específico às épocas de férias, já que os treinos e campeonatos de Quadribol com o Holyhead Harpies a deixavam com um nível de estresse cansativo e a faziam bastante ranzinza e irritável.
Hermione não tinha ideia de como Harry aguentava Ginny de vez em quando. Bem, na verdade ela fazia ideia, mas ainda assim...
Elas se aproximaram do palco, onde Rolf tinha estendido uma toalha colorida sobre a grama com uma cesta de picnic e estava sentado ao lado de Luna.
"Gostaríamos de agradecer a presença de todas as bruxas presentes, e dos bruxos também, e dar início ao primeiro Verão Feminista de Londres!" O sotaque forte da mulher no palco a fez levantar o olhar e focar por primeira vez no palco.
Era uma plataforma baixa, de menos de um metro, mas ampla. Haviam bruxas sentadas em algumas cadeiras esparcidas pelo palco e outras que subiam e desciam, terminando de organizar algumas questões finais.
A bruxa que se posicionava na dianteira com a posse de voz era uma mulher alta, negra, gorda, com cabelos raspados rente ao couro cabeludo, vestindo uma camiseta branca simples e uma saia longa com estampas africanas. Suas curvas preenchiam a saia de um jeito mágico e seus braços roliços brilhavam com perspiração baixo o sol, expostos pela regata. O batom azul chocava surrealmente com seu tom de pele negro de uma maneira incrível e, de repente, Hermione se sentiu feliz por ter vindo.
Era difícil encontrar mulheres negras em posições de fala na sociedade, fosse ela bruxa ou trouxa. Hermione sempre sentia algo dentro de si aquecer profundamente quando via uma negra falando. Ela nunca tinha dado muita atenção para isso até pouco depois de seu oitavo ano em Hogwarts, quando entrara para o Ministério da Magia no Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas.
Se o fato de ser mulher já era um tanto quanto difícil entre a politicagem absurda do ministério, o fato de ser negra aparentemente só fazia as coisas mais difíceis. Com um pai negro e uma mãe branca, Hermione tinha um tom de pele bastante mais claro do que o da mulher no palco, mas ainda assim, os lábios grossos, os cabelos enrolados e espessos, o nariz largo, tudo demonstrava ali parte de sua ancestralidade e raiz.
Aos poucos, Hermione percebera que no mundo bruxo os preconceitos também iam além da pureza do sangue e se estendiam para a cor da pele, o gênero e a orientação sexual das pessoas.
"Eu me chamo Mirembe Mugisha e gostaria de agradecer minhas colegas inglesas do coletivo Ciranda das Bruxas por terem me convidado para realizar a abertura das nossas atividades aqui no Parque."
Hermione se sentou, depois de cumprimentar Rolf e passou a escutar atentamente.
"Para quem não me conhece, eu faço parte do Comitê Internacional de Igualdade Mágica da Corte Mundial de Bruxaria, representando Uganda, meu país e lar, nas questões de gênero, raça e sexualidade. É um prazer imenso estar aqui com vocês hoje, espero que todas possam aproveitar muito as discussões e atividades organizadas com tanto carinho e dedicação pela Ciranda das Bruxas, um coletivo londrino que nasceu um ano depois da guerra, voltado às necessidades básicas das viúvas da guerra que logo se estendeu para outras questões que abrangem a todas as bruxas inglesas. Atualmente, o Coletivo é presidido por Millicent Bulstrode, advogada da Alta Corte Internacional de Direitos Humanos. Uma salva de palmas para nossa querida Milly!"
Hermione observou Bulstrode levantar de uma das cadeiras ao fundo e se aproximar, abraçando Mugisha e acenando para o público. Ela se lembrava da sonserina nos anos de Hogwarts e de algumas notícias dela no Profeta Diário. Millicent tinha conseguido subir rápido em sua carreira, defendendo principalmente o direito de mulheres e crianças, arranjando uma luta ferrenha com preceitos antigos e antiquados das famílias de sangue puro que insistiam em manter as mulheres num papel puramente doméstico e marital. Havia denunciado práticas de violência doméstica em algumas dessas famílias, ganhado mais inimigos do que seria recomendado e prendido alguns chefes de família que permaneciam escondendo seus atos violentos com dinheiro e influência na Wizengamot.
"Sejam todas bem vindas!" Millicent era uma mulher corpulenta, ligeiramente musculosa e de movimentos bruscos. Hermione se lembrava dela desferindo balaços com uma força absurda nos anos da escola. Sua voz era firme e um pouco grave, seu sorriso era sincero, seus cabelos castanhos lisos estavam enfiados atrás das orelhas e seu rosto alvo já estava corado de sol. "Devemos agradecer a Morgana por esse dia tão bonito e pela presença de tantas bruxas neste parque hoje. A organização desse evento foi, de fato, feita com muito carinho e cuidado, com o intuito de disseminar cada vez mais conhecimento e empoderamento feminino na comunidade bruxa de Londres. Mas nada disso seria possível sem o apoio incondicional das minhas amigas e companheiras de luta: Pansy Parkinson, Daphne Greengrass, Astoria Malfoy, Alicia Wood e Padma Patil."
Uma onda de aplausos banhou o parque e Hermione observou o grupo de mulheres sentadas na cadeira. Ela conhecia todas elas, de longe podia ver as mudanças que os anos haviam gerado em suas expressões e vestimentas.
Ginny assoviou ao seu lado, rindo entretida. Luna balançava os braços no ar e Rolf aplaudia ferozmente.
Era estranho pensar que um grupo grande de sonserinas, uma grifinória e uma corvinal haviam se unido há quatro anos para lutar pelo direito das bruxas. Mais estranho ainda pensar que ela não fizera parte daquilo. Possivelmente, seu pé atrás pelo coletivo era infundado e baseado no fato de não ter feito parte desse grupo desde o início.
Mas os primeiros anos do pós guerra tinham sido difíceis para Hermione, entre os estudos, os pesadelos, as longas horas de terapia e o início de seu trabalho no ministério, ela não tinha se percatado do que estava acontecendo com as jovens bruxas que povoavam os pubs de Londres e discutiam a nova onda do feminismo bruxo europeu.
"Gostaria também de agradecer a presença de algumas celebridades presentes aqui hoje:" Millicent continuou, com um sorriso largo e orgulhoso.
"Mirembe Mugisha!" mais aplausos.
"Gwenog Jones, treinadora do Holyhead Harpies!" aplausos.
"Penelope Clearwater, mais nova Editora chefe do Profeta Diário!"
"Augusta Longbottom, diretora da ONG Fundos para Órfãos da Guerra!"
"Camélia Parkinson, apresentadora do Vozes para Mulheres, programa na Wizarding Wireless Network!"
"Ginevra Weasley, artilheira do Holyhead Harpies!" Ginny corou rapidamente e acenou, sorrindo.
Pansy Parkinson se aproximou de Bulstrode e falou algo em seu ouvido, seu cabelo chanel negro brilhando com a luz do sol e seus olhos puxados se apertando contra a luminosidade, enquanto ela apontava para a multidão que ia se aglomerando na frente do palco.
"Pansy está me avisando que temos a presença ilustre também, e uma grande surpresa para nós da organização, de Hermione Granger, Primeira Ordem de Merlin e Chefe do Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas. Obrigada pela presença Granger!"
Millicent piscou do palco e Hermione sentiu o corpo inteiro queimar de vergonha. Ela detestava atenção, detestava quando citavam sua Ordem de Merlin e qualquer tipo de holofote. Mas a surpresa e alegria no olhar de Bulstrode eram tão palpáveis e honestas que Hermione acenou brevemente, agradecendo silenciosamente pela citação.
Após a introdução dos temas a serem palestrados naquele dia, um feitiço de ar condicionado foi colocado ao redor deles, protegendo-os do calor e gerando uma sombra agradável no perímetro e Hermione se permitiu escutar atentamente à palestra de Mirembe Mugisha sobre o Direito das Bruxas no continente africano.
De fato, Hermione estava completamente mergulhada nas informações que Mugisha ia trazendo, quando Ginny lhe passou uma garrafa de cerveja amanteigada gelada. Era incrível ouvir sobre relatos de realidades tão diferentes das inglesas, e quando Mugisha passou a falar sobre as mulheres negras na Europa, sobre a dificuldade de superar o racismo e o machismo das instituições e da sociedade, Hermione tinha vontade de levantar e aplaudir profusamente de tanta identificação que ela sentia com cada uma daquelas palavras.
Depois foi a vez de Penelope Clearwater falar sobre a importância dos meios de comunicação no bem estar da mulher, em como é importante desconstruir o feminino como algo fixo e padronizado e dar voz e espaço para as diferentes manifestações de feminilidade na mídia. A discussão se voltou para a mudança do paradigma jornalístico nas notícias e fofocas bruxas, na necessidade de dar mais foco ao trabalho e às conquistas das bruxas e menos foco na vida pessoal e afetiva destas.
Penelope riu sem graça e olhou na direção de Ginny e Hermione.
"Acho que algumas e vocês já se viram inúmeras vezes escondidas sob um nome masculino. Ginny, como cunhada vou pedir licença para usar teu caso como exemplo," ela falou com calma e Ginny gargalhou, acenando positivamente. "Quantas vezes vimos suas conquistas no quadribol serem ofuscadas com algumas matérias intituladas: 'A namorada de Harry Potter', 'A escolhida do eleito', 'A Futura Sra Potter', 'A Eleita' e outras baboseiras. Em muitas revistas, ainda vemos esse tipo de abordagem, e eu me pergunto: quando Ginevra Weasley marcou o ponto que era necessário para o Holyhead Harpies ganhar a Eurocopa de Quadribol, vocês realmente estavam curiosas para saber se Harry Potter estava ciumento porque o uniforme do time era mais ou menos ajustado? Bem, eu tenho certeza que esse tipo de matéria só faz um desfavor para nós bruxas. Foi naquele momento, há dois anos, que eu decidi que isso precisava mudar, que alguma mulher precisava colocar um basta nesse tipo de jornalismo no jornal mais lido da Grã-Bretanha, eu me joguei no trabalho e hoje estou colhendo esses frutos."
"E, infelizmente, ainda encontramos diversos meios divulgando fofocas e mesquinharias invés de falar sobre os logros e posicionamentos das bruxas da nossa sociedade." Os olhos azuis de Penelope focaram em Hermione enquanto falava e ambas sabiam muito bem que a loira estava lembrando da tumultuosa quinzena pós separação de Hermione e Ron.
Hermione quase perdeu o ar.
Ela se lembrava perfeitamente dos titulares: "Heróis Partidos", "A bruxa mais brilhante do século não conseguiu segurar o namorado?", "Inteligência não é suficiente na hora de arranjar marido" e outras matérias horrorosas que pululavam nas revistas populares da Inglaterra Bruxa.
Foram dias repletos de uma raiva sem fim.
As revistas traziam as mais bizarras e absurdas mentiras sobre o fim do relacionamento, desde alguma traição por parte dele, ao fato de que ela tinha um posto importante no Ministério da Magia enquanto Ron trabalhava na Gemialidades Weasley, ou que Ron havia se cansado de ter uma sabe-tudo como namorada e agora estava interessado em mais curvas físicas do que curvas do cérebro feminino.
Um sem fim ridículo de especulações e nenhuma delas fora próxima da realidade, do fato de que, embora se amassem profundamente, ela e Ron já não tinham química, que eles haviam passado por coisas incrivelmente difíceis juntos e que, tão próximos da possibilidade da morte, haviam encontrado esperanças nos braços um do outro, sem pensar que eram jovens demais e que talvez ainda não fosse o relacionamento com o qual viveriam um possível "felizes para sempre". Se é que isso existia.
Eles eram melhores amigos, parceiros para tudo, mas não estavam mais apaixonados um pelo outro, e eram jovens demais para continuar num relacionamento monótono e desgastado.
Ginny segurou sua mão, enquanto outra bruxa tomava o posto na frente do palco e começava a falar sobre Maternidade e a importância da divisão de tarefas nos relacionamentos heterossexuais.
A tarde passou rápida, cheia de falas interessantes e cerveja. Quando o sol se pôs e as palestrantes deram espaço no palco para um show surpresa d'As Esquisitonas, Hermione já estava se sentindo levemente anestesiada pelo álcool e extremamente confortável nos puffes que haviam transfigurado ao longo da tarde. Luna e Rolf tinham desaparecido até uma das barraquinhas de comida para comprar sanduíches e Ginny estava conversando com um casal de bruxos alemães que estavam visitando a cidade e pararam para participar do Verão Feminista.
Pansy Parkinson subiu no palco junto com os demais músicos da banda. Após uma overdose de Elixir Extasiante, Myron Wagtail - ex vocalista da banda - acabou se aposentando da carreira de cantor para cuidar da sua dependência química e se dedicar à sua nova esposa. Hermione se lembrava muito bem daquilo, pois foi quando voltou a ver Parkinson após 3 anos da guerra.
Ela ainda conseguia se lembrar da menina com cara de pug que a havia ofendido ao longo dos muitos anos de Hogwarts, ela sabia bem que Parkinson não tinha voltado para Hogwarts no oitavo ano porque sua reputação estava destruída após a tentativa de entregar Harry para Voldemort.
A capa do Profeta Diário tinha sido uma foto incrível de Pansy na ponta de um penhasco, olhando profundamente para o fundo negro e sem fim, para depois encarar o leitor. Pansy Parkinson era a primeira mulher vocalista d'As Esquisitonas, o que era muito estranho, mas um grande feito.
Na foto, as vestes cinzentas dançavam no vento e o rosto de Parkinson estava manchado de maquiagem preta, como se ela tivesse chorado e o rímel e a sombra tivessem escorrido pelas bochechas. Era uma imagem incrível e ao mesmo tempo assustadora.
Na entrevista, Pansy citara uma frase do filósofo trouxa Nietzsche: "quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você", e contara com detalhes sobre seus medos durante a guerra e sua tentativa de entregar Harry Potter, sobre medo, honra, vergonha e a retomada de seu sonho, que era cantar.
Hoje, Parkinson vestia uma túnica esvoaçante até os joelhos num azul anil com riscos negros que brilhavam com a luz, mas seus pés estavam descalços, como em todos os shows que dera até agora. Seu cabelo continuava no mesmo chanel com franja que lhe fazia parecer ter um rosto menor do que realmente tinha. Um piercing brilhava pendurado em seu septo e vários colares de couro balançavam em seu pescoço.
Enquanto os outros músicos afinavam e arrumavam os instrumentos, Pansy pegou um microfone encantado com Sonoro e bateu nele com seus dedos finos e curtos, gerando um eco no ar.
"Boa noite a todos. Nós somos As Esquisitonas e é um imenso prazer ver tanta gente interessada no nosso Verão Feminista. Eu queria aproveitar enquanto os meninos estão se aprontando para contar uma história para vocês, uma história sobre desconstrução e sororidade que eu nunca contei em público."
As pessoas aplaudiram e Hermione se ajeitou no puffe, tomando mais um gole da cerveja amanteigada e reparou como Pansy era uma figura pequenina ali no meio do palco.
"Há mais de dez anos, quando eu entrei em Hogwarts, eu era uma menina má," as pessoas riram, mas Pansy parecia entristecida com seu sorriso de lado. "Eu tinha acreditado em tudo que tinham me ensinado, sobre a pureza do sangue, sobre como mulheres sangue puro são melhores que mulheres trouxas e nascidas trouxas. Eu tinha aprendido que para ser alguém no mundo eu precisava de um marido com um bom sobrenome, uma boa reputação, um cofre avantajado em Gringotts e o sangue mais puro possível. Desse jeito, todas as outras meninas passaram a ser competição aos meus olhos, eu precisava ganhar delas e mostrar como eu era melhor."
Um silêncio incômodo se espalhou pelo gramado.
"A verdade é que eu acreditei naquilo e eu fui cruel com muitas meninas em Hogwarts, com suas roupas, o status de seu sangue, suas classes sociais, seus cabelos e fisionomia. Durante aqueles anos, eu faria qualquer coisa para conseguir um futuro marido aceitável, que certamente seria como meu pai, avô e todos meus ancestrais. Eu cometi muitos erros, mas nesses últimos anos eu aprendi muito. Eu aprendi com garotas no ano mais escuro da minha vida que se nos juntássemos a sensação agonizante pós cruciatus ia embora mais rápido, se compartilhássemos nosso medo dos corredores escuros naquele ano, o medo diminuía, e que se aprendêssemos a dar valor a beleza única que temos, descobriríamos que nosso valor vai muito além de sangue, dinheiro e fisionomia. Eu aceitei que eu tinha inveja de algumas garotas, que eu desejava algumas delas e por isso eu as menosprezava. Eu consegui, nos primeiros anos do pós guerra, me desculpar com muitas delas, eu trabalhei meu trauma por ter sido abusada sexualmente durante a guerra, e superei essa dor com a música e com o apoio constante das minhas amigas do Ciranda das Bruxas."
Hermione sentiu seu corpo inteiro esfriar. Aquela revelação profunda e íntima era importante demais e o silêncio a banhou como um jato de feitiço e, de repente, Pansy Parkinson se transformou em uma mulher completamente diferente ante seus olhos, uma vítima, uma guerreira, uma sobrevivente da guerra.
"Eu canto descalça para reverenciar as antigas bruxas celtas que realizavam suas oferendas e rituais de magia natural com os pés descalços enfiados na terra, eu busco forças para ser melhor a cada dia na magia ancestral que corre por minhas veias, vindas dessas mulheres guerreiras e bruxas repletas de fortaleza."
Os olhos negros e puxados de Pansy Parkinson encontraram os de Hermione na multidão e ela sorriu triste. Havia algo de mágico e etéreo nas revelações que ela dizia, e algo de muito honesto no modo como seus olhos seguraram com firmeza o olhar e a conexão, quase palpável, com Hermione.
"Nos últimos anos, eu me espelhei muito numa bruxa que eu ofendi repetidas vezes durante minha adolescência, a mesma bruxa que salvou o mundo bruxo junto com seus amigos de maneira valente e honrosa, e eu nunca tive coragem de me desculpar e dizer que ela tinha se tornado uma das mulheres mais incríveis, admiráveis e fortes do mundo bruxo. Bem, eu não sou nenhuma grifinória como você, e às vezes ainda tenho medo de ganhar minhas próprias lutas internas. Então, gostaria de utilizar esse momento para pedir perdão por todas as ofensas que proferi contra Hermione Granger. Eu sinto muito, Granger, de verdade."
Hermione sentiu o corpo inteiro acender e esquentar e seus olhos arderam, pois Pansy Parkinson estava se desculpando em público por todos aqueles anos.
"A mídia foi muito dura com você nos últimos meses, Granger, mas você é muito mais do que um titular mesquinho. A verdade é que você é uma mulher muito forte, e bruxas muito fortes incomodam muita gente." algumas pessoas riram do trocadilho e Pansy sorriu timidamente, a sombra escura de seus olhos realçando suas feições asiáticas.
"Dito isso, vou começar o show cantando uma música de uma cantora trouxa chamada Colbie Caillat, e eu gostaria de dedicar essa música para todas as mulheres que sempre tentaram entrar em padrões que nos foram encucados ao longo dos anos, e para todas nós que por um momento acreditamos cegamente que deveríamos ser de determinada maneira. É hora de quebrar as amarras, hora de aprendermos a nos amar e sermos autênticas e verdadeiras, por isso: Try."
A melodia da música começou a tocar e logo a voz de Pansy inundou o ar como um encantamento. E tudo que Hermione conseguia ver, ouvir e sentir, era a doçura e a força suave da voz da sua inimiga de escola lhe envolvendo, cheia de amor e um carinho, com um cuidado tremendo.
Seus olhos lacrimejaram e as lágrimas rolaram por seu rosto sem que ela pudesse controlar. E uma onda de conforto a envolveu, enquanto os olhos pequeninos de Pansy Parkinson continuavam focados nela ao longo da música.
"You don't have to try so hard
You don't have to give it all away
You just have to get up, get up, get up, get up
You don't have to change a single thing
Take your makeup off
Let your hair down, take a breath
Look into the mirror at yourself
Don't you like you?
'Cause I like you"
Try, Colbie Caillat
N/A: Que comecem os jogos! Sim, Pansy asiática e Mione negra porque representatividade importa! Comentários e críticas construtivas são sempre bem vindas! Love, Tai.