EPÍLOGO

Ren permaneceu na América por apenas três dias, tempo suficiente para reatar o contato com seus pais, esclarecer o passado com Tina e conhecer sua pequena nova família, que incluía um marido e uma filha. Tentou deixar o relógio de Rick com ela, uma espécie de herança tardia, mas Tina não aceitou. "Eu não teria o que fazer com um relógio masculino; certamente não darei a meu marido um item que pertenceu a um ex-namorado. Talvez se você o consertar, possa usá-lo para o que ele realmente serve, e não mais como algemas. Que tal?." E foi isso que Ren fez na primeira oportunidade.

Retornou ao Japão trazendo consigo a promessa de manter contato com os pais, um relógio que finalmente funcionava e o coração leve como nunca.

Aos poucos a transformação em Tsuruga Ren se fazia notar fisicamente: uma sutil mudança na postura, com ombros mais relaxados; um ligeiro inclinar de cabeça quando prestava atenção ao que estava sendo dito; uma maneira mais desenvolta de se comunicar com as pessoas; um riso mais solto. Lory observava encantado como o Japão redescobria seu principal astro, que nada mais era do que a perfeita fusão entre Ren, com sua bondade e profissionalismo, e Kuon, com seu humor descontraído.

O Tsuruga Ren de antes era perfeito, irretocável. Infalível, e, portanto, admirado e idealizado. O novo Tsuruga Ren se mostrava humano, falível. Acessível.

Devastador.

A recuperação do primeiro lugar como solteiro mais cobiçado do país foi rápida e implacável. Todos pareciam querer um pedaço do novo e melhorado Tsuruga Ren. Nas palavras de Lory, o tigre finalmente adquiria asas. Algumas propostas de trabalho no exterior foram aceitas, outra recusadas. Ren não tinha mais pressa, tampouco a necessidade de se ocupar o máximo possível. Dava-se ao luxo, finalmente, de selecionar o que achava interessante e desafiador.

Por conta de sua nova descontração, logo surgiram pessoas tentando tirar proveito da abertura que o ator estava demonstrando. Atrizes, modelos e fãs adquiriam uma nova esperança de que bastaria um pequeno empurrão para finalmente conseguirem um espaço na cama e no coração do ator. Mais dor de cabeça para Yashiro, que finalmente percebia que não era tão difícil assim, afinal, ser agente de Tsuruga Ren na época em que ele vivia para o trabalho.

Mas Ren não era tolo, nem estava no show business a passeio: sabia bem identificar as golpistas e os interesseiros na horda de mulheres e homens que o seguiam diariamente. O que não evitava, contudo, que os tabloides fizessem a festa com o arsenal de fotos do ator com supostas namoradas. Bastava o ângulo certo, a posição correta para dar a falsa impressão de um contato íntimo, o que era suficiente para as especulações tomarem conta do país.

Hiroumune Koga, novamente segundo lugar, passou a adotar a estratégia de tentar se afiliar a Ren para conquistar um espaço maior ao sol. O único ano em que ele tivera a experiência como primeiro lugar servira apenas para provar que permanecer no topo é bem mais complicado que chegar nele: a demanda insana que ele obteve em troca apenas funcionou para aumentar a observação sobre seu trabalho, e logo todos os seus pontos fracos ficaram evidentes.

O cansaço pelo ritmo de trabalho somente contribuiu para prejudicar ainda mais sua performance, e logo Koga se deu conta de que se a coisa continuasse no ritmo em que estava, logo ele seria rotulado como uma fraude, um ator e modelo de talentos limitados que não funciona corretamente sob pressão. Então, foi com alívio que ele devolveu a coroa a Ren e mudou a estratégia para tornar-se amigo dele, em clara demonstração de um aguçado instinto de sobrevivência. "Se não pode vence-lo, junte-se a ele".

Manobra bem-sucedida, já que a mídia adorou divulgar como os dois solteiros mais cobiçados do país eram amigos, sendo fotografados juntos algumas vezes fora do trabalho, para deleite absoluto das fãs.

Ren, por sua vez, sabia muito bem onde pisava e onde estavam seus verdadeiros amigos. Sabia que estava sendo usado, mas nem por isso deixava de aceitar convites para bares, boates e shows quando tinha tempo. Admitiu a si mesmo que precisava de folgas do trabalho, como qualquer ser humano, e que não queria deixar de viver o que era normal aos seus 23 anos de idade. Desnecessário mencionar que isso também o ajudava a tirar o foco de Kyoko.

Já no mundo da música, a situação não andava favorável a Sho, que se sentia ameaçado por todos os lados. Sua aparência VK continuava atraindo adolescentes, mas não condizia mais com sua idade adulta. Percebeu que se vestir espalhafatosamente era aceito aos 19 anos, mas aos 20 anos começava a parecer ridículo. Então, primeiro ele passou por uma crise de identidade na qual ele precisou dizer adeus ao visual a que estava acostumado; depois, precisou adaptar suas músicas à maturidade que sua idade exigia, mas Sho e maturidade só cabem na mesma frase se houver uma negação envolvida.

Logo o breve momento de limbo artístico foi suficiente para derruba-lo do topo e dar a vez a artistas cuja base era mais sólida: homens mais velhos e maduros e até adolescentes VK, como ele fora. Por mais talentoso que fosse, Sho percebia a cruel realidade do show business pela segunda vez, mas agora não teria Kyoko para desafia-lo e dar-lhe o impulso necessário para sair da estagnação. Nem mesmo perseguir Ren e destrona-lo possuía o apelo de antes, pois o cantor precisava reconhecer que na corrida na qual ele acreditou participar, já era retardatário. Ren era, mais do que nunca, o queridinho do Japão e nada parecia ser capaz de mudar isso, muito menos um cantor que perdia posições rapidamente na lista dos mais vendidos.

Se existe uma verdade no mundo do entretenimento é que ele nunca dorme, nunca descansa e nunca espera por ociosos. Fazia cerca de um ano e meio desde a partida de Kyoko, e Ren já estava se conformando com o fato de que ela talvez nunca voltasse. Precisava encarar a realidade de que ela, talvez, tivesse encontrado alguém que a fazia feliz o suficiente para não se lembrar de voltar, e se fosse esse o caso, caberia a ele apenas lamentar o fato de que demorara demais, dera desculpas demais, escondera demais.

Kanae, recém-eleita a solteira mais cobiçada do país, acompanhava o mundo do entretenimento com a esperança de encontrar Kyoko em algum lugar. Precisava reconhecer que alguns novos talentos incríveis estavam surgindo, juntamente como novas ferramentas de comunicação e novos meios de se pensar e fazer cinema e televisão, mas Kyoko não estava em parte alguma. Ela e Chiori receavam, até, que seria bem mais complicado a amiga desaparecida conseguir se reinserir no show business, agora que a concorrência parecia tão mais acirrada.

Era março novamente, e Ren já não pensava mais quantos meses, dias, horas faziam desde a partida de Kyoko, mas em breve completariam dois anos. Dois anos em que ele saíra de "sentir falta dela" para apenas "sentir falta". Tsuruga Ren sentia-se sozinho. Após viver o último ano como ele mesmo, permitindo-se desfrutar da vida como um jovem adulto normal – tão normal quanto sua condição de celebridade permitia – Ren se dava conta de que sentia falta de companhia feminina.

A cada dia, cada noite fora com os "amigos" tornava mais difícil ignorar ou recusar os convites que tão claramente eram feitos. Sim, ele tinha necessidades que não conseguia mais controlar, prova disso foi a forma discreta, porém indecente, com que seus olhos devoravam uma completa desconhecida que o diretor Shingai arranjara de última hora para uma única cena.

Calculando que deveria demorar, já que a cena era complexa demais e exigiria muitas instruções, Ren se dirigiu à sala de maquiagem para se preparar, fugir da tentação e talvez cochilar na cadeira da maquiadora. Graças a Kyoko, adquirira o hábito de relaxar rapidamente quando mexiam em seus cabelos. Yashiro, como sempre, em seu encalço; acostumara-se já ao papel de cão-de-guarda.

Enquanto recebia os retoques, ouvia de relance o staff reclamar que a cena era curta, porém fundamental para o desenrolar da história, e a irmã de uma delas fora preterida pela mulher que estava naquele momento gravando. Como se tratava de mais uma fofoca, procurou se concentrar nos planos que tinha em mente para aquela noite, e se envolveriam ou não a modelo Honoka Ootomo.

Seria mais fácil se não tivesse aquele incômodo sentimento de estar traindo Kyoko a cada vez que tentava cogitar outra mulher...

"E parece que ela nem queria gravar, estava por aqui apenas de passagem! Agora vejam, que absurdo, minha irmã é uma atriz profissional, mas o diretor não quis sequer esperar que ela chegasse aqui quando soube que essa outra estava por perto!"

"Capaz de ser uma conhecida dele, não?"

"Bom, se é conhecida dele ou não, eu não sei. Mas do jeito que ele olhava para ela, parecia que queria conhece-la muito bem".

Risos.

"É verdade, eu nunca vi o diretor Shingai olhar daquele jeito para uma mulher..."

Neste momento o assistente do diretor interrompe a fofoca para avisar que estavam prontos para gravar a próxima cena, na qual Ren seria necessário.

"Mas já? Ora, isso foi rápido!", foi o pensamento coletivo.

A gravação de Ren também transcorreu sem qualquer problema, contribuindo para que o ator terminasse com quase duas horas de antecedência do horário previsto. Voltando ao camarim para buscar seus itens pessoais, pega o celular e responde afirmativamente ao convite de Ootomo. "Será só um encontro, nada mais. Não custa tentar. Talvez isso dê certo", repetia para si mesmo.

Indo embora com Yashiro, procuram o diretor para se despedirem e o encontram repassando as filmagens do dia, muito concentrado, rodeado pelo restante do staff. Aliás, a concentração de todos surpreende Ren, e a curiosidade leva a melhor sobre ele.

Ao notar a aproximação dos dois, Shingai dispensa o restante do set para ter uma palavra a sós com o ator que passara a considerar um amigo. Nos murmúrios dos presentes que se distanciavam, conseguiu captar as frases "assustadora" e "será mesmo uma novata?".

"Você consegue acreditar? Eu pensei que ficaria pelo menos duas horas nesta cena!"

"Sim, é verdade. Foi muito rápido, não foi?", concedeu o ator.

"Foi mais do que rápido, Ren. Eu sequer expliquei como queria a cena!"

Olhando para a expressão de Shingai, Ren só podia concordar com quem dissera que ele estava interessado na moça.

"Ren, levou menos de dez minutos! Eu apenas contei a história da personagem, a importância da cena para o enredo e que o tempo aproximado era de 3 minutos; ela perguntou se estava tudo bem se improvisasse, porque entenderia melhor o que eu queria se eu dissesse a ela o que estava fazendo de errado, mas quando ela atuou..."

Ren pensou que o diretor parecia um tanto amalucado, com aquela expressão perplexa, os olhos vidrados e a voz solene, mas deixou o pobre homem continuar.

Shingai, por sua vez, percebendo a expressão de descrença de Ren, segura o ator pelos ombros; sua vontade era chacoalha-lo, porque assim talvez ele compreendesse.

"Ren, ela me deu exatamente três minutos de uma atuação perfeita!"

E cansado de explicar, apenas pegou um dos braços do ator e o levou até a cena congelada no monitor. Ao pressionar o botão play, Ren compreendeu imediatamente o que o diretor estava dizendo. Primeiramente, a mulher na tela em nada parecia a mulher que ele cobiçara quando chegara ao set, evidenciando que era uma atriz excepcional que conseguia incorporar completamente o personagem. "Exatamente como... espera um momento!"

Ren aproximou-se da tela até quase encostar o nariz. Todo o resto se tornou ruído: o gravador indicando os exatos três minutos que a cena durou; o diretor explicando que quase implorou para que ela o permitisse conversar com o roteirista para que alterassem o roteiro de forma a incluir aquela personagem no restante da história, e não apenas naquela cena, mas ela gentilmente recusara explicando que realmente estava com a agenda lotada e não poderia se comprometer com mais do que já havia feito – aliás, somente aceitara por ser uma única cena; e o som de espanto que Yashiro fez quando percebeu exatamente o que Ren já havia notado. Tudo que importava naquele momento era a atriz que Ren não reconhecera.

Afastou-se da tela assim que a cena acabou e recobrou-se do estupor a tempo de ouvir as últimas palavras de Shingai.

"Dá para acreditar? Até mesmo eu me surpreendi, e olha que fui a primeira pessoa a verificar o talento dela num set de filmagem!"

Kyoko!

N/A – Esta fic está oficialmente encerrada! Passemos agora à terceira e última fic da trilogia, APRENDENDO A VOAR. Não se preocupem, tudo será esclarecido em seu devido tempo! Obrigada às pessoas que leram, comentaram, favoritaram e seguiram. Beijos!