Claro, depois de uma semana na casa de Mira, elas tiveram a certeza que tudo aquilo havia começado muito bem. Nadaram, jogaram videogame, leram todo o manuscrito, fizeram compras, passearam pela cidade e até visitaram um museu, onde por pouco um vaso em exposição não terminou no chão.
Aquele final de semana era destinado ao cinema, mais especificamente ao filme que tinha acabado de estrear, o primeiro baseado na trilogia de livros, Jogos Vorazes.
— Eu não gostei da Fox no filme! — reclamou Mira enquanto caminhava distraidamente para casa, continuando a longa discussão que iniciará ainda na sala do cinema.
— Eu não gostei da Prim. — emendou Maris.
— A lembrança do pão... — continuou Nick. — Foi tão chata!
— Mas eu gostei do Peeta. — declarou a morena sorridente, tomando cuidado para não tropeçar enquanto andava.
— Amei o Cato. — disse Nicoly.
— Ele não estava demais? Com toda certeza tem uma química entre o Cato e a Foxface. — falou Mira.
— De onde você tira esses casais malucos? Eles não têm nem uma interação na história! — resmungou Maris, acompanhando a garota.
— Eu só consigo sentir, e imagino perfeitamente a história deles. — explicou a loira.
— Eu não sabia que tinha uma boate por aqui. — Nick comentou ao virarem a esquina.
— E não tem... — Mira disse meio confusa. — Onde estamos?
— Indo para sua casa? — respondeu Nick ironicamente, um pouco alto demais, por causa da música que provinha do estabelecimento que ficava a alguns metros à frente. — O cinema fica a duas quadras de lá, não tem como possivelmente a gente se perder. Tem?
— Não, ainda assim, não faço a menor ideia de onde estamos.
— Relaxem, a gente deve ter virado na rua errada, vou procurar no GPS onde estamos. — Maris intrometeu-se, enquanto tirava o celular do bolso e procurava rapidamente pelo aplicativo. — Que droga, não está funcionando. — constatou fazendo um bico e dando alguns tapinhas no aparelho, como se isso fosse fazer o mesmo voltar a funcionar.
— Definitivamente isso não parece Londres. — constatou Maris pensativa.
— Isso aqui parece o Brooklyn, mas é completamente impossível...
— Ei, acho que aqueles caras estão seguindo aquela garota. — Nicoly disse já se encaminhando rumo aos estranhos.
— Mas que diabos ela está fazendo?! — Mira questionou Maris, recebendo um olhar receoso da outra e um dar de ombros, enquanto acompanhavam a amiga.
Nicoly pressentiu o perigo, e em um ato impensado começou a correr em direção aos três, deixando uma Mira preocupada para trás. As meninas apressaram o passo ao ver o estranho desembolsar uma faca e caminhar em direção a uma garota vestida toda de branco, que aparentemente estava distraída demais para notar sua presença. Em um impulso a loira gritou, atraindo a atenção de um dos homens para si. O estranho tinha um punhal na mão, e um olhar raivoso no rosto, a menina engoliu um seco, mas como já era tarde demais para voltar atrás, prosseguiu em direção do mesmo e se preparou para luta, recebendo um sorriso perverso dele.
Todas aquelas aulas de luta, autodefesa, e todas essas modalidades tinham que vir a calhar alguma hora.
A loira se colocou em posição de defesa, e não percebeu a hora que o estranho se aproximou tanto, podia jurar que ele ainda estava a uma boa distância dela. Se não fosse uma hipótese muito louca, afirmaria que ele tinha uma velocidade acima do normal.
O homem tentou lhe furar com o punhal, porém a garota conseguiu se esquivar e lhe lançou um sorriso vitorioso, que apenas enfureceu mais o seu adversário, fazendo-o o vir para cima dela com toda a sua força. Nicoly lhe acertou a mão, fazendo sua arma voar longe, contente com o seu desempenho, a garota tentou acerta-lhe novamente, porém não teve tanta sorte em sua nova investida, uma vez que pisou em falso e caiu abruptamente no chão, cortando a perna nos cacos de vidros espalhados ali, ficando totalmente vulnerável ao seu adversário. Por um momento ela pensou ter visto seus olhos enegrecerem, e se assustou imensamente. Aquilo tudo era irreal demais.
Em meio ao desespero, nem Nick, nem as meninas não perceberam que a garota de branco lutava um pouco mais a frente com um outro homem, eventualmente lhe desarmando-o com seu chicote, e encerrando o seu serviço com sua estela.
— Heeey — ela escutou uma voz masculina gritar mais a frente — Porque você não deixa a garota em paz e vem brigar com alguém do seu tamanho? Hmm?
O estranho desviou sua atenção dela e saiu correndo em direção ao beco escuro de onde vinha a voz, fazendo-a se esquecer momentaneamente da dor que sentirá e se perguntar da onde ele surgirá, porém, toda a sua atenção de desfez com a chegada das amigas que estavam imensamente preocupadas, e agora se abaixavam tentando medir o estranho em sua perna, que aparentemente não estava nada bem, devido a careta que Maris fez.
Alguns segundos depois a menina que ela tentará inicialmente ajudar aparecerá, acompanhada de um loiro todo tatuado, questionando se elas estavam bem. Em meio a toda a confusão do momento, as garotas assentiram que sim meio que no automático, muito mais preocupadas com a perna ensanguentada da amiga.
— Onde está o cara? — questionou Maris preocupada.
— Fugiu. — disse a garota simplesmente. — Tem certeza de que estão bem?
— Aham, foi apenas um corte. — falou Nick, se sentando e analisando a perna pela primeira vez, ignorando ao máximo a dor que sentia.
— Sim. — Mira respondeu sem dar muita atenção a ela. — Só precisamos ir para casa.
— Mas, e o outro cara? —Maris voltou a questionar.
— Izzy, vamos logo. — elas ouviram o loiro dizer. — Temos trabalho a fazer.
— Que outro cara? — questionou a menina inocentemente, ignorando seu companheiro.
— Eu podia jurar que eram dois caras... — Mira iniciou, porém, foi cortada pelo movimento abrupto da garota.
— Nós temos que ir agora, muito obrigada pelo que fez, você é uma garota muito corajosa, mas tome mais cuidado da próxima vez, ou vai acabar se matando. Meu irmão e eu vamos achar o cara, a gente se vê por aí. — finalizou ao sair correndo em direção do seu companheiro e sumir nas sombras.
— Okaaaay, isso foi muito estranho. Mas agora temos que cuidar dessa sua perna, né dona heroína? Cara, nunca mais faça isso dona Nicoly, você quase me matou do coração. — repreendeu Mira, enquanto batia de leve no ombro da amiga, fazendo está soltar um gritinho de protesto.
Nicoly ficou de pé com um pouco de esforço, e com a ajuda das amigas, as três continuaram a caminhar, como se nada tivesse acontecido, apesar da perna ferida da garota provar exatamente o contrário.
— Ainda precisamos descobrir onde a gente está, eu não faço a menor ideia que lugar é esse. — comentou Mira, dividindo sua atenção entre o ferimento da amiga e a rua desconhecida.
Maris que ainda estava pensativa comentou ao virarem a esquina:
— Eu tenho certeza de que tinha outro cara... — iniciou, mas parou abruptamente ao ver uma espécie de portal a sua frente. — Okay, isso definitivamente está cada vez pior. Isso é Londres?
— Sim, isso definitivamente é a nossa casa. — disse Mira, se encaminhando para o portal que surgira no meio da rua, arrastando as amigas juntas.
— Espera aí, você não pode simplesmente entrar aí! — protestou Nicoly.
— Entre o lugar desconhecido e o portal estranho que parece minha casa, eu escolho o portal estranho, e você definitivamente não está em condição de reclamar. — finalizou autoritária. — Nós vamos entrar, não é mesmo Mari? — questionou encarando a outra.
— Sim. — respondeu de prontidão.
— Okay. — bufou Nicoly. — No três então?
— Sim.
— Um, dois, três. — iniciou a loira, e exatamente no três as meninas fecharam os olhos e atravessaram, e meio segundo depois elas estavam no caminho conhecido mais uma vez, e logo avistarem a casa da amiga, apenas a alguns metros, as três suspiraram aliviadas.
Maris, que ainda tinha o celular na mão se assustou ao escutar um barulho vindo do aparelho, meio receosa, a menina olhou e constatou que o aplicativo de GPS tinha voltado a funcionar, e estranhamente marcava a seguinte localização: "Brooklyn, New York, 21 de Agosto de 2007".
A menina olhou novamente e mostrou para as amigas que assumiram a mesma cara de espanto que ela, como que em busca de confirmação ela atualizou o aplicativo, que agora mostrava a data atual, 24 de Março de 2012, porém em Londres, e então com mais dúvidas do que gostariam, elas caminharam para casa da loira mais cética do grupo.
— Mãe? — gritou Mira ao adentrar em casa.
Quando chegara em casa na noite anterior, ela sabia que algo bizarro estava acontecendo. Não sabia o quão bizarro era.
— Mãe! — gritou a menina quando atravessou as portas da mansão, arrastando Nicoly, junto a Maris. A loira deixava uma trilha de sangue pelo saguão, mais sangue do que alguém deveria se dar ao luxo de perder.
— Ei Nick. Olhe para mim, ok? — pediu Maris, tentando manter a amiga em pé. — Não feche os olhos, não durma agora...
— Mãe! — gritou Mira mais uma vez.
Joanne apareceu no topo da escada, começando alguma bronca pelos gritos, engasgando subitamente.
— Nicoly! O que diabos aconteceu com vocês?
— Nós estávamos voltando para casa e ela tentou ajudar aquela garota...
— Aquele maluco! Um maluco tentou atacar ela, e a menina acabou com ele...
— Mas não era a mesma rua, um segundo estávamos em um lugar e depois...
— E eu podia jurar que eram dois malucos, mas um deles simplesmente sumiu...
— Como uma passagem, não sei! Eu juro que eu nunca estive naquele lugar! E...
— E então eles desapareceram! E tinha aquele cara incrível e a Nick estava sangrando tanto...
— Chega!
Joanne parecia mais espantada com o falatório do que com o sangramento. Empalidecera visivelmente, e quando tomou Nick nos braços para apoiar a menina em um sofá, seus dedos longos começaram a tremer.
— Vocês duas não estão fazendo o menor sentido. — resmungou a autora, ajoelhando-se ao lado da loira. — Nick, querida, olhe para mim.
— Ela precisa de um médico, precisamos chamar uma ambulância... — começou Maris, mas Joanne a calou com um gesto.
— Nicoly?
— Eu... — Nick abriu os olhos para elas, mas sua visão parecia estranhamente desfocada, como uma neblina. — Minha perna...
— Você vai ficar bem, minha querida. — sorriu Joanne. — Maris, caixa de primeiros socorros no banheiro de cima. Mira, água quente, toalhas...
— As pessoas realmente pedem isso? — resmungou Mira, indo pra cozinha, enquanto Maris voava no andar de cima. — Achei que era só nos filmes.
— Miranda!
— Estou indo!
E então, o que Mira achou bizarro, a mãe cortou o jeans caro de Nick, limpou o ferimento – que tinha um aspecto melhor sem todo aquele sangue – e com um conhecimento que ela não podia adivinhar de onde viera, suturara a menina. Ou a mãe havia feito maratona de Grey's Anatomy, ou não havia contado alguma coisa sobre sua vida.
— Mãe? — chamou Mira, aos pés do sofá que Nick descansava, após uma dose de anti inflamatórios e analgésicos. — Nós precisamos leva-la a um médico, isso pode ser perigoso.
— Ela vai ficar bem, filha. — suspirou Joanne, como se tivesse suturado ferimentos muitas vezes em sua vida.
— A febre cedeu. — disse Maris, acariciando o cabelo da amiga, sentada no braço do sofá.
— Agora vocês duas, me contém exatamente o que aconteceu. — pediu Joanne, parecendo muito séria.
E as duas contaram, contaram tudo que se lembravam, mesmo as partes estranhas que elas não haviam entendido. Por um segundo, Mira pareceu ver um vestígio de medo nos olhos da mãe, mas o que quer que fosse, desapareceu bem depressa, e logo ela sorria para as duas.
— Foi uma experiência bem traumatizante para vocês, eu posso ver. — tranquilizou ela, levantando-se. — Então algumas coisas estão confusas e talvez vocês precisem acreditar em algo diferente por enquanto...
— A senhora está dizendo que não acredita na gente? — quis saber Maris, com o queixo travado, um olhar teimoso.
— Vocês estavam em Londres e de repente em Nova Iorque? Nick foi atacada por um monstro e a menina que ajudou era uma espécie de ninja tatuada? — perguntou a autora sarcasticamente, com uma risada perfeitamente casual. Perfeito até demais. Seus olhos desafiavam as meninas a concordarem com aquilo, com uma zombaria quase cruel.
— Foi exatamente o que aconteceu. — respondeu Mira sem hesitar. Tinha suas dúvidas, mas se sentia afrontada pela mãe. Desafiada.
— Ok, então. — suspirou Jô. — Vamos levar a Nick para cima e vocês vão dormir. Todos nós precisamos de uma boa noite de sono.
— Dormir? — resmungou Maris, quase surpresa.
— Sim. Ou podemos ficar aqui a noite inteira conversando sobre ninjas tatuados. — Joanne revirou os olhos e começou a acordar Nick. — Cama.
As meninas subiram para o quarto, carregando uma Nick pesada – aqueles músculos pesavam – e sonolenta.
— Eu preciso saber. — resmungou a loira de olhos fechados, quando a colocaram na cama, com Mira ajeitando a perna e Maris a cobrindo. — Eu estou alucinando, ou tudo aquilo foi real?
Maris e Mira trocaram um olhar preocupado, e encararam Nick, que tinha conseguido abrir os olhos, um pouco menos desfocados agora.
— Se você está alucinando — começou Mira passando a mão pelos cabelos da amiga. —, eu estou tendo exatamente a mesma alucinação.
— Não faço ideia do que aconteceu com a gente hoje. — disse Maris. — Mas aconteceu.
As três acabaram dormindo, e na manhã seguinte, a casa acordou com um grito de Nick.
Dois pares de olhos se abriram assustados, buscando pela amiga. Mas Nick estava parada em frente a porta do banheiro, parecendo consideravelmente bem. Embora estivesse pálida e assustada como o inferno.
— Que merda é essa?! — gritou Mira, encima da cama.
No lugar onde devia estar o banheiro, elas viam apenas uma paisagem, uma vila dezenas de metros abaixo, coberta de neve, como uma vila de shopping no natal. Nick podia ouvir perfeitamente o barulho do vento, e a súbita corrente fria a arrepiou.
De repente, Joanne entrou no quarto, parecendo extremamente perturbada, com uma roupa parecidíssima com a da noite anterior.
— De que se trata esse barulho todo? — perguntou, mas ninguém se deu ao trabalho de responder. A mulher olhou por apenas um instante para a porta. — Nicoly, você não devia estar fora da cama.
— Fiquei com vontade de ir ao banheiro. — explicou a menina, parecendo bem saudável para alguém que perdera tanto sangue e havia tido a perna costurada a apenas umas horas atrás. — Aí eu abri a porta e essa... Isso...
— Não faço ideia do que você está falando. — disse a autora fechando a porta. — Tem certeza que está se sentindo bem? Devia se sentar.
— Como assim não faz ideia? — perguntou Maris, bem perturbada. — Tem um mundo no banheiro!
— Vocês...
— Eu não estou ficando louca. — anunciou Mira, convidando alguém a questiona-la. Pulou da cama e foi em direção ao banheiro, escancarando a porta.
Um segundo de apreensão, mas quando ela abriu, o banheiro era apenas um banheiro de azulejos lilás.
— Mas estava aqui! — gritou a menina em frustração, enquanto as duas arregalavam mais ainda os olhos.
— Eu não sei o que está acontecendo com vocês... — começou Joanne nervosa. — Mas não estou gostando nada. Desçam, o café já está pronto.